terça-feira, maio 02, 2023

O processo de produção de Alfa, a primeira ordem

 

 

Alfa, a primeira ordem, é um projeto idealizado por Elyan Lopes (Elenildo Lopes)
 unindo diversos heróis brasileiros da atualidade com heróis clássicos como o Capitão 7. 
Eu fiquei responsável pelo roteiro e a revista passou por um processo de criação interessante e inédito para mim. Pela primeira vez trabalhei com o plot de outra pessoa. O Elyan me passava o plot, muitas vezes eu fazia sugestões e, aprovadas as sugestões, eu escrevia o roteiro. Para demonstrar como foi esse processo, do plot à página final, coloco alguns elementos criativos de uma das sequências. 
Em tempo: Alfa, a primeira ordem, está sendo lançado este mês e poderá ser adquirido através do site da editora Kimera

O plot
Sequência 4 – Inimigo imortal
Dante Investigação: Op. Bravos: Sucesso.
Em algum lugar das Chapada dos Guimarães – Minas Gerais

Para tentar explicações sobre os heróis nacionais e todo esse descaso ele resolve pesquisar os heróis antigos brasileiros e acaba encontrando um registro de uma luta antiga contra um vilão chamado considerado imortal no local conhecido hoje como chapada diamantina contra os heróis chamados de A Primeira Ordem que reunia vários super-heróis nacionais como Capitão 7, Capitão Gralha, O Flama, Raio negro e Homem Lua Capitão RED está certo que alguém muito poderoso fez tudo isso sem nenhum registro em meio a um colossal conglomerado de buracos gigantescos e instalações recentemente abandonadas em meio a vegetação da região. Ele foi para ali baseado em suas pesquisas internas na operação batizada de Operação Bravos, uma operação abandonada pelas autoridades que ele mesmo resolveu dá continuidade com seus amigos na PF. Quando de repente sofre um golpe na cabeça. Ao acordar está de frente a uma espécie de espelho gigantesco em formato de ^ em sua cabeça refletindo-o então algo muda e no lugar no mesmo lugar onde sua imagem era refletida agora surge a sua versão feminina passando através do espelho e quase o beijando. Então a alguém o questiona da escuridão sem mostrar o rosto. Não acha que foi muito longe Capitão? Flama espiona o Capitão R.E.D que está cercado de clones mascarados sendo torturado. Quando de repente o Capitão R.E.D começa a reagir então o mesmo entra na briga e juntos derrotam os clones mascarados e se tornam amigos depois disso.


O roteiro 


Página 13

Q1 – O Capitão Red num campo, na chapada diamantina. Ele está de frente para nós, andando, com a chapada ao fundo. 
Texto: Chapada diamantina.
Texto: Seu nome é Capitão Red e ele sente que este é o lugar.
Texto: A maioria das pessoas só consegue ver o mundo como peças soltas de um quebra-cabeça. Mas não o Capitão Red.
Q2 – Close do Capitão.
Texto: Ele foi treinado para ver o conjunto, para ver as conexões entre fatos isolados.
Para montar o quebra-cabeça.
Q3 – O herói andando, sempre de frente para nós (na página seguinte vamos mostra-lo de costas e mostrar o que ele está vendo, ok?).
Texto: As notícias aparentemente aleatórias na TV. O caos se alastrando pela sociedade.
Q4 – O Capitão andando.
Texto: Peças soltas que não pareciam fazer sentido. Mas para ele fez. E, de alguma forma, suas investigações o trouxeram até aqui, à chapada diamantina.

Página 14
Q1 – Splash page dos heróis do passado (Flama, Capitão Gralha, Capitão 7, raio Negro, Homem-lua) lutando contra uma versão de Ares.
Texto: Os velhos se lembram de uma época em que heróis voaram sobre este local.
Texto: Eles vieram dos mais variados locais para enfrentar uma ameaça terrível. E desapareceram.
Texto: Mas o que eles deixaram para trás…

Página 15
Q1 – Splash page. O capitão parado, olhando para cima, diante de uma enorme estrutura alienígena. Quadro de impacto.
Texto: … é impressionante!

Página 16
Q1 – O Capitão Red entrando na estrutura. 
Texto: Ele entra na estrutura enorme, sentindo-se pequeno.
Q2 – O Capitão olhando à volta, ao ambiente que parece uma catedral gótica alienígena. Ele parece inebriado.
Texto: No passado, grandes heróis lutaram aqui: O Capitão 7, o Flama, o Homem-lua, o Capitão Gralha, o Raio Negro. Este local está impregnado de heroísmo...
Q3 – Algo bate na cabeça do capitão e ele cai.  
Texto: ...E mistério!
Q4 – O Capitão abre o olho. Ele está preso, braços presos ao teto. Em volta dele vários clones com armas de raios que se parece com chicotes. Há um espelho na frente dele.
Capitão: Onde... onde estou?
Texto: Ele acorda. Sua cabeça é um emaranhado de fios descapados de eletricidade e dor...  
Q5  - O capitão num ângulo mais aberto, mostrando ele em frente ao espelho. Uma voz fala com ele, na escuridão. Uma versão feminina sai do espelho e anda na direção dele. Faça o quadrinho esfumaçado, como se fosse um sonho. Voz em off, em balão diferente, como se fosse parte do sonho.
Texto: ... e delírio.
Voz: Capitão...
Q6 – A versão feminina se aproxima do Capitão, sedutora.
Texto: Ele vê uma versão de si mesmo, feminina, vinda de sonho, de outra realidade ou de seu subconsciente. E uma voz fantasmagórica que reverbera, aumentando a cefaleia.
Voz: Não acha que foi longe demais?

Página 17
Q1 – O capitão sendo açoitado pelos clones.
Texto: A visão e a voz desaparecem, como num sonho e em seu lugar sobra apenas a dor. Ele se pergunta se este será o dia de sua morte...
Q2 – Vemos o Flama em primeiro plano, no alto, de costas para nós, vendo o capitão sendo torturado. Ele está agachado, pronto para pular.
Texto: ... mas hoje talvez seja seu dia de sorte.
Q3 – O Flama pula sobre os clones.
Flama: Ei, rapazes. Ninguém em convidou para a festa?
Q4 – Flama chutando um dos clones enquanto o outro fala.
Clone: Quem é esse?
Q5 – Flama chutando clones enquanto os outros tentam acertá-lo com os chicotes.
Flama: Mais respeito com a história! Sério que ninguém nunca ouviu falar do Flama?

Página 19
Q1 – Flama soltando o Capitão.
Flama: Acho que o amigo também vai querer tirar uma lasquinha...
Q2 – O Capitão, solto, vai na direção dos vilões, socando a própria mão, num gesto de quem está preparado para bater.
Capitão: Pode apostar nisso!

Q3 – Quadro de impacto, ocupando dois terços da página do Capitão e de Flama detonando com os vilões. 

O rafe 
Rafe é um esboço da página, com desenhos soltos, que servem mais para orientar o desenhista na confecção da página. Também serve para que o editor e o roteirista possam identificar alguma mudança necessária antes da página final ser produzia. Neste caso, não houve muitas mudanças. 
A página em lápis 
Aqui temos a página já sendo desenhada na sua versão definitiva mais ainda inacabada. Abaixo, a versão final do lápis mais detalhado. 
Versão final 
A arte-final e as cores foram feitas no computador. Aqui o resultado final. 
Gostaram? Alfa, a primeira ordem é um projeto incrível e que tenho muita honra de ter participado. Se ficou interessado, adquira seu exemplar no site da editora Kimera.. 

Conan - A maldição da lua crescente

 


A maldição da lua crescente, publicada originalmente em The savage sword of conan 5,  é uma das melhores histórias de Conan de todos os tempos e uma das que melhor encarnam todas as características das histórias do cimério: mulheres bonitas, magia, monstros e Conan mais fodão do que nunca.
Na história, Taramis, rainha de Khauran tem uma irmã gêmea desconhecida, uma feiticeira maligna, que surge um dia e toma seu lugar, aprisionando a verdadeira rainha nas masmorras. Seu aliado é um mercenário que, com seu exército, toma a cidade. Os soldados da guarda ficam atônitos com as ordens da rainha de obedecer o mercenário até que Conan percebe que aquela não é Taramis, o que faz com que ele seja preso em uma cruz no deserto para ser comido pelos abutres.
A sequência do deserto é antológica.

Essa sequência do deserto é uma das melhores de toda a trajetória do cimério. São dez páginas em que Roy Thomas e John Buscema mostram porque são considerados mestres absolutos do gênero. Desenho e texto se unem perfeitamente em uma cena brutal, cujo melhor momento é quando um dos abutres tenta comer os olhos de Conan:
“Por fim, o sol mergulha como uma bola sinistra num ardente mar de sangue... ele próprio parece ser rubro como sangue... e as sombras do leste, negras feito ébano. Há outras sombras também... e o bater cada vez mais alto de asas em seus ouvidos... Conan sabe que seus gritos não vão afugentar os abutres. E o maior deles está voando cada vez mais baixo... subitamente, o pássaro investe com determinação, seu bico afiado cintila... e rasga a face de Conan, que vira sua cabeça... e, sem oferecer tempo para reação, fecha seus dentes poderosos... que se cravam como as mandíbulas de um lobo no pescoço da criatura! Imediatamente o abutre explode em guinchos de dor e histeria”. 
Essa sequência ficou tão boa que foi incluída no primeiro filme de Conan quase que imagem a imagem. 
Com poucas linhas, John Buscema conseguia desenhar mulheres lindas.

Se sabe ser brutal, John Buscena sabe também ser delicado. As cenas que mostram as rainhas são verdadeiras obras de arte. Enquanto os homens são mostrados com uma arte-final pesada, as mulheres são desenhadas com poucas e sinuosas linhas. A primeria vez em que vemos Salomé, a rainha má, por completo, é uma obra-prima da beleza. Mas, ao mesmo tempo, o desenhista consegue imprimir a seu rosto um ar de maldade, que não existe na irmã boa.
Em tempo: no Brasil essa história foi publicada no volume 5 de A espada selvagem de Conan e no terceiro volume da coleção da Salvat.
Embora as duas rainhas fossem gêmeas, o desenho permitia distingui-las. 

O anjo da morte e Black Mirror

 

O episódio San Junipero, da terceira temporada de Black Mirror, mostra uma realidade em que pessoas mortas transfem sua consciência para um mundo virtual (o tal San Junipero do título). 
O episódio, um dos melhores da série, guarda muitas semelhanças com a minha noveleta O anjo da morte, escrito por mim e publicado em 2002 pela editora Hiperespaço. 
Na história, antes de morrer pessoas transferem sua consciência para o ciberspaço. Mas há hackers, os anjos da morte, que entram nesses ambientes com o único objetivo de destruir esses avatares usando vírus. 
Para quem ficou curioso, é possível baixar o PDF do livro clicando aqui

Arsene Lupin – o ladrão de casaca

 


Em 1905, o editor da revista Je Sais Tout pediu ao escritor francês Maurice Leblanc que criasse um personagem para rivalizar com o britânico Sherlock Holmes.

Ao invés de criar um detetive, Leblanc, que era um socialista radical e livre-pensador, criou um sofisticado ladrão que enganava a polícia e conseguia realizar os roubos mais assombrosos, sem no entanto, matar ninguém. Sua inspiração foi o ladrão anarquista Marius Jacob, responsável por 150 assaltos que o fizeram famoso na França.

A primeira história já fugia do que era esperado ao mostrar a... prisão de Lupin!

Já nessa primeira história, o escritor descreve a fama de seu personagem: “O impecável ladrão de quem se contavam as proezas em todos os jornais há meses! A enigmática personagem com que o velho Ganimard, o nosso melhor policial, tinha iniciado um duelo de morte cujas peripécias se desenrolavam de modo tão pitoresco! Arséne Lupin, o ladrão de casaca que só operava nos castelos e salões e que, uma noite em que penetrara na casa do Barão Schormann, saíra de mãos vazias deixando seu cartão com essa tirada ‘Arséne Lupin, cavaleiro furtador, voltará quando os objetos forem autênticos’”.

O que destacava Lupin era sua inteligência e sua capacidade de se fazer passar por outra pessoa, como fica claro nesse primeiro conto. O sucesso foi tão grande que o editor pediu outra história, e outra e outra.

A editora Principis reuniu as primeiras aventuras do anti-herói no volume Arséne Lupin – o ladrão de casaca, um livro de 192 páginas com uma bela capa, que peca apenas pela falta de textos introdutórios.

Na antologia há contos realmente empolgantes, como “A fuga de Arsène Lupin”, que conta a maneira engonhosa como o personagem conseguiu evadir-se da prisão depois de ter sido pego graças à paixão por uma garota. É uma trama realmente bem elaborada, que mexe com as expectativas do leitor, apresentando mais de uma reviravolta. E que se destaca pelas hilárias sequências de humor. À certa altura, por exemplo, Lupin simula uma fuga (que tem como objetivo desnortear seus captores). Depois de passear por Paris, tomar um café, ele volta para a prisão e apresenta-se:

- É aqui o Santé?

- Sim.

- Desejava voltar à minha cela. O carro me abandonou no caminho e não desejo abusar...

Em outra história, Lupin engana a polícia e coloca dois agente para ajudá-lo a pegar de volta o que lhe foi roubado, numa história com fino toque de humor.

Outras histórias são previsíveis e até arrastadas, mas isso é compensado pela narrativa fluída de Leblanc.

A geração do imediatismo

 

O surgimento dos celulares fez com que a comunicação se tornasse extremamente intrusiva. Com celular você podia ser encontrado em qualquer hora, em qualquer local e as pessoas passaram a achar que você deveria estar disponível para conversar a qualquer momento. Quando comprei meu primeiro celular logo aprendi que tinha que desligá-lo à noite, pois muitos alunos me ligavam uma, duas horas da madrugada. Também descobri que tinha que desligá-lo quando entrava em sala de aula: muita gente simplesmente não compreendia que um professor não pode falar ao celular quando está em aula.

Parecia impossível, mas a internet no celular conseguiu deixar a comunicação ainda mais intrusiva. O surgimento dos smarthphones está criando uma geração que passa 24 horas por dia logada. Para essa geração, estar off line é como estar morto. E estar on-line é estar disponível para conversar. Antes mandava-se uma carta e esperava-se muitas vezes um mês inteiro para receber resposta. Hoje, espera-se que todas as pessoas estejam disponíveis para responder às mensagens instantaneamente.

Eu tenho sérios problemas com internet no celular. Para começar, meus dedos são grandes demais para a tela digital e quando digito um “d” sai um “s”, quando digito “p” sai um “o”, de modo que quando sou obrigado a escrever saem coisas como “xasa”, no lugar de “casa”, ou “pafamento” no lugar de pagamento. Além disso, nas poucas vezes em que ligo a internet é para usar o GPS (o GPS do meu celular só funciona com o Google Maps), de modo que, se alguém me chama no MSN do Facebook no celular, provavelmente vai me encontrar com sérias dificuldades para digitar, sem óculos de leitura e no meio da rua. Mas para a maioria das pessoas isso não parece ser impedimento para responder às mensagens. Se estou online, estou disponível para bater-papo.
Dia desses, quando cheguei em casa e fui olhar o celular, tinha o seguinte monólogo na tela do MSN:
“Gian, você pode ler um conto que escrevi?”
“Não vai ler?”
“Não respondeu, né? Seu arrogante!”
Fui ver e o intervalo entre cada mensagem era pouco mais que um minuto. Ou seja: a pessoa parte do princípio de que sua mensagem deve ser respondida imediatamente, ou o outro é arrogante e convencido.
Imaginem eu, no meio do trânsito, sem óculos, tentando ler um conto de um desconhecido e ainda tendo que emitir parecer sobre ele?  Além da impossibilidade, junta-se outro fator: qualquer escritor ou roteirista minimamente profissional não avalia original alheio. Os noveleiros da Globo são terminantemente proibidos de ler roteiros de iniciantes. O motivo é óbvio: se depois disso o roteirista fizer qualquer coisa minimamente semelhante, será acusado de plágio. Para ler originais de iniciantes existem profissionais especializados, que fazem isso sob contrato e muitas vezes não só fazem considerações estilísticas como revisam e ainda ajudam a registrar o texto. Mas nada disso é levado em consideração pela pessoa que está ali na internet e vê a bolinha verde indicando que a pessoa está on-line. Seu raciocínio é “Ah, ele está on-line, então está disponível para ler meu texto de cinco páginas”.
Dia desses me vi numa situação ainda mais embaraçosa. Enquanto estava no celular uma pessoa me mandou uma mensagem no MSN do Face (aquela coisa terrível que vibra, acende luzinha e faz sons para chamar atenção, mesmo que você não esteja no Facebook) interessada em comprar um dos meus livros sobre quadrinhos. Cegueta como sou e na pressa da rua, eu me enganei e acabei mandando o livro errado.
Quando o livro finalmente chegou, a pessoa entrou em contato, reclamando. Eu estava no meio de uma aula do doutorado, no meio de uma acalorada discussão sobre um texto e, no meu português trôpego pedi “descukpa”. Como o livro de fato pedido estava fora de catálogo, propus que a pessoa ficasse com o que eu havia enviado, como compensação (ao que ela prontamente aceitou) e eu devolveria o dinheiro. Eu sabia que o erro tinha sido meu e achei justo devolver o dinheiro e recompensar o comprador com o outro livro. Expliquei que estava em sala de aula e que resolveria o assunto assim que saísse. A pessoa simplesmente se recusou a aceitar que a situação não fosse resolvida naquele exato momento. Eu ali, tentando participar da discussão sobre o texto e tentando explicar, tropegamente, que ia depositar o dinheiro assim que terminasse a aula.
E o indivíduo: “Mas você vai depositar mesmo? Quando você vai depositar?”.
E eu, digitando e rezando para não ser visto pela professora: “Ocupado agora aula. Deposito hoje”.
E o celular vibrando: “Você vai depositar quando?”
Não teve outra solução: fui obrigado a sair da sala de aula, no meio da discussão, para ir depositar o dinheiro. Depositei, tirei uma foto do comprovante da transação, mandei para a pessoa e só então ela se acalmou.
Pior que a pessoa era um conhecido meu de antiga data e me disse que não estava suspeitando da minha honestidade. Apenas queria que a solução fosse dada na hora.
Ou seja: é uma geração em que tudo deve ser imediato. A comunicação instantânea criou a ansiedade instantânea. Se o problema não foi resolvido imediatamente, não vai ser resolvido. Se a pessoa não responde automaticamente a mensagem, ela está esnobando e é arrogante.
Em tempo: um amigo me ensinou como aparecer sempre off-line no MSN do Facebook. Foi um alívio.
Um amigo, editor de quadrinhos, que usa o Face e o Twitter para divulgar seus lançamentos, me disse que em certos dias quase não consegue trabalhar, de tanta gente querendo conversar. Como o nome dele está sempre com a bolinha verde, isso necessariamente deve significar que ele está disponível para bater papo.
Não vai longe o dia em que começaremos a ler algo do tipo: “Como assim você está morrendo? Isso não é desculpa para não responder as mensagens!”.  

Amor com fetiche

 


Amor com fetiche, filme Hyeon-jin Park e estrelado pelos astros do K-pop Seohyun e Lee Jun-young trata do BDSM de forma leve, divertida e respeitosa.

A história é focada em dois personagens de nomes semelhantes, Jung Ji-woo e Jung Ji-hoo.

Ele é sub-gerente do departamento de relações públicas de uma empresa que trabalha com personagens infantis. Ela é funcionária desse mesmo departamento.

Um dia uma encomenda para ele é entregue para ela em decorrência dos nomes parecidos. Quando ela abre, descobre que se trata de uma coleira de BDSM, o que faz com que o rapaz entre em desespero. Num fórum da internet ele lê diversas histórias sobre pessoas que foram demitidas porque se descobriu sua preferência por BDSM. Mas ela não diz nada a ninguém. Ao contrário, ela começa a se interessar por esse mundo e a se apaixonar por Jung Ji-hoo na medida em que os dois jogam. Eles terão que lidar com seus sentimentos ao mesmo tempo em que lidam com os problemas da empresa e com o preconceito social contra a prática.

Apesar de falar de BDSM, ou talvez por isso mesmo, Amor com fetiche é um anti-50 tons e não só porque os papéis são invertidos (no filme ela é dominadora e ele submisso). Aqui não temos personagens idealizados, como um milionário tentando comprar uma submissa com presentes caros. Jung Ji-woo e Jung Ji-hoo parecem pessoas reais, com problemas reais.

O filme também evita explicações simplistas e estereotipadas para os personagens (à certa altura uma antiga namorada de Jung Ji-hoo indaga se ele foi abusado quando criança, numa óbvia crítica a essa visão).

Jung Ji-hoo é um homem inteligente, uma liderença, que exerce com eficiência seu cargo de vice-gerente, e os jogos BDSM são exatamente o momento de não estar no controle. Seu principal dilema é considerar-se um pervertido, principalmente por influência de uma ex-namorada. Já Jung Ji-woo precisa lidar com a paixão por seu parceiro ao mesmo tempo que se descobre dominadora e lida com um chefe machista.

Essa caracterização complexa e ao mesmo tempo “fofa” dos personagens ganha muito com as atuações Seohyun e Lee Jun-young.   

Amor com limites consegue mesclar os temas do preconceito, da auto-aceitação com cenas divertidas e leves, como quando a dominadora leva seu submisso para passear com a mão presa à dela por uma corrente. A cena da lanchonete é memorável por seu humor leve.

Acrescente a isso uma trama bem construída com vários ganchos (reparem na caneta de cenoura, que terá muita importância na história) e temos um filme que deve agradar mesmo quem não se interessa pelo tema.    

segunda-feira, maio 01, 2023

Os perigos das redes sociais

Capitão América contra Deathlok

 


Um dos momentos mais memoráveis da fase de J.M. DeMatteis e Mike Zeck à frente do Capitão América foi o encontro do sentinela da liberdade com o andróide Deathlok.

A saga, publicada a partir do número 286 da revista, inicia com uma visão sombria do futuro: “Bem-vindos à cidade de Nova York no ano de 1999! Como você pode ver, a cidade mudou um pouco nesses últimos anos! Algumas pessoas até acham que ela melhorou! (...) Eu lembro que gastava a maior grana naqueles restaurantes frescos para comer alguns bifes e algumas batatas fritas. Hoje você encontra comida de graça em quase todo lugar. É claro que alguns ainda não se acostumaram com o gosto de carne humana, mas é preciso dar um tempo para a gente... somos novos nisso!”. Enquanto isso, o desenho mostra uma tribo urbana matando um homem com um golpe na cabeça.

A história mostra uma versão distópica do fututro. 


A sequência demonstra como a dupla DeMatteis-Zeck estava afinada. O roteirista sabia trabalhar a humanização e o drama da história enquanto Zeck, no auge de seu estilo, conseguia unir um desenho anatômico com sequências altamente expressivas.

Em seguida, vemos o clone de Deathlok sendo enviado para o passado. Sua missão é encontrar o Deathlok original, que foi enviado para o passado sem memória e agora serve a uma organização criminosa.

O grande momento da história: Deathlok atira no seu clone. 


Claro, que nesse meio tempo, o clone se encontra com o Capitão América e este o ajuda em sua missão. A história termina com os dois entrando na corporação Brand, enfrentando capangas e a impactante aparição do Deathlok original, que atira no seu clone em uma sequência de forte carga dramática e de suspense.



Uma curiosidade é que, quando publicou a história, em Almanaque do Capitão América 87, a editora Abril mudou a capa. Dentro da mira, tiraram a imagem do Capitão feita por Mike Zeck e colocaram uma outra imagem, provavelmente desenhada por Sal Buscema.  

Pateta faz história


 Pateta faz história é uma coleção criada pelo argentino Jaime Diaz na década de 1970. Foi um pedido da Disney, já que a editora americana, a Western, não estava dando conta da demanda internacional. Diaz imaginou uma série revolucionária, a começar por colocar o Pateta como protagonista, deixando o Mickey como personagem secundário (o que tornou a série muito mais interessante). Além disso, a diagramação era inovadora, com partes do cenário formando molduras dos quadrinhos.

Foi um sucesso mundo a fora. No Brasil foi lançado em 1978 pela editora Abril. A mesma Abril voltou a publicar a série em 2011, agora em formatinho, com textos de Marcelo Alencar. Os textos traziam a biografia dos cientistas, artistas, reis e aventureiros homenageados nas histórias, dando uma contextualização para as HQs.
A história sobre Pasteur une humor e divulgação científia. 


Em 2017 a Abril voltou a publicar a coleção, agora em volumes de capa dura e média de 350 páginas e oito histórias por volume.
Certamente muitos dos que compraram em 2011 vão comprar também esta nova edição, em especial graças ao belíssimo trabalho gráfico, com título em alto relevo prateado, boa encadernação (por alguns lançamentos mais recentes parecia que a Abril tinha perdido a prática de encadernar seus volumes Disney), papel de boa qualidade – ou seja, volumes de colecionador.
O nível das histórias é variado. Há verdadeiras obras-prima de roteiro e desenho, há outras que se destacam pelo roteiro e outras que se destacam pelo desenho. Há histórias que valem a pena apenas por conta da piada final, como a de Tutacamon Pateta, que manda construir um monumento, um enorme boneco, mas no final só o que sobrevive é o chapéu em forma de pirâmide após todo o resto ser coberto pela areia.
A série inclui também adaptações de clássicos da literatura. 


De toda a coleção, o meu predileto é Louis Pasteur, escrito por Tom Yakutis, o melhor roteirista da série (também responsável pelas histórias de Ascenção e queda do império romano e Gengis Khan, entre outros). Yakutis consegue ser engraçado e, ao mesmo tempo, repassar as informações básicas sobre o biografado.
Ao escrever a biografia do grande cientista, que revolucionou a ciência ao descobrir a ação dos microorganismos, o roteirista consegue misturar fatos científicos reais (como a proliferação de bactérias no leite, que faz com que ele azede) com piadas memoráveis: ao colocar fogo na própria casa, Pateta descobre uma garrafa de leite que não azedou e concluí que as bactérias morrem se você colocar fogo numa casa!!!! Há até mesmo uma lição de lógica indutiva: o Pateta bate na própria cabeça com uma marreta 7504 vezes e em todas as vezes doeu bastante, assim é razoável presumir que se bater novamente no mesmo lugar a dor se repetirá!

Kardec – o filme

 


Kardec foi o codificador da doutrina espírita, o homem que tornou o espiritismo famoso mundialmente. Mas sua vida em si não teve grandes atrativos, sendo sua jornada muito mais espiritual e intelectual. Transformar essa jornada em algo interessante era o objetivo de Wagner Assis. O diretor já tem uma relação com o tema: foi o responsável por transpor para as telas o livro Nosso Lar, de Chico Xavier.
Hypolite Leon Denizard Rivail era um revolucionário professor francês. Influenciado por Pestalozzi, propunha uma relação de afeto entre alunos e professores e uma educação que despertasse a curiosidade científica nos estudantes. Quando, por ordem de Napoleão III, as escolas foram obrigadas a ter aulas de religião começou seu primeiro grande combate. Seu método de ensino ia na contramão da catequese em que se transformaram as escolas. A solução foi se aposentar.
O filme inicia exatamente nesse momento, em que, desempregado, o célebre professor, autor de vários livros sobre educação, se vê numa situação de crise. Entremeada a essa crise, uma moda, inicialmente rechaçada por ele: a das mesas girantes. Pessoas lotavam teatros onde faziam perguntas a mesas que flutuavam no ar.
Como bom cientista, Hypolite rechaçou o fenômeno, imaginando que se tratava apenas de truques de ilusão.
De fato eram, como ele logo descobriu – mas havia também fenômenos autênticos, em grupos que envolviam até mesmo cientistas renomados. Aos poucos ele foi se deixando convencer pelos fatos, como mensagens para ele com informações que só ele ou sua esposa conheciam, ou um conto escrito por um autor falecido, mas cuja letra era absolutamente idêntica à letra do autor original.
O filme explora bem essa trajetória – do rejeição inicial ao momento em que o professor elabora um método para evitar fraudes: fazer a mesma pergunta a vários médiuns e comparar as respostas. Até que ele as codifica em uma obra – o Livro dos Espíritos.
Como foi dito, é uma jornada espiritual e intelectual – portanto há quase nenhuma ação ou conflito.
O momento de maior conflito ocorre quando a igreja católica bane o livro (Houve inclusive uma queima pública da obra, em Barcelona) e consegue a proibição das reuniões espíritas.
Entretanto, o filme consegue se sustentar bem com esse material, mantendo o interesse do expectador.
Como o orçamento é nitidamente baixo, os cenários de Paris do século XIX são recriados digitalmente e o filme todo tem um tom excessivamente teatral, o que barateia bastante os custos, mas torna um pouco forçada algumas cenas.

Mercenárias - Provérbios do Inferno (William Blake)

 

No tempo da semeadura, aprende; na colheita, ensina; no inverno, desfruta.
Conduz teu carro e teu arado por sobre os ossos dos mortos.
A estrada do excesso leva ao palácio da sabedoria.
A Prudência é uma solteirona rica e feia, cortejada pela Impotência.
Quem deseja, mas não age, gera a pestilência.
O verme partido perdoa ao arado.
Mergulha no rio quem gosta de água.
O tolo não vê a mesma árvore que o sábio.
Aquele, cujo rosto não se ilumina, jamais há de ser uma estrela.
A Eternidade anda apaixonada pelas produções do tempo.
A abelha atarefada não tem tempo para tristezas.
As horas de loucura são medidas pelo relógio; mas nenhum relógio mede as de sabedoria.
Os alimentos sadios não são apanhados com armadilhas ou redes.
Torna do número, do peso e da medida em ano de escassez.
Nenhum pássaro se eleva muito, se eleva com as próprias asas.
Um cadáver não vinga as injúrias.
O ato mais sublime é colocar outro diante de ti.
Se o louco persistisse em sua loucura, acabaria se tornando Sábio.
A loucura é o manto da velhacaria.
O manto do orgulho é a vergonha.
As Prisões se constroem com as pedras da Lei, os Bordéis, com os tijolos da Religião.
O orgulho do pavão é a glória de Deus.
A luxúria do bode é a glória de Deus. A fúria do leão é a sabedoria de Deus. A nudez da mulher é a obra de Deus.

Perry Rhodan – O pseudo

 


Em 1836, o escritor russo Nicolai Gógol publicou pela primeira vez o sua peça teatral O inspetor-geral. A sátira era uma forte crítica à burocracia soviética e se situava numa aldeia em que os corruptos políticos locais descobrem que receberão uma visita de um inspetor do império e decidem corrompê-lo com todo tipo de suborno e regalia. Mas, na mesma época aparece por ali um trambiqueiro que se faz passar pelo inspetor.

Os autores da série Perry, em especial Clark Darlton, resolveram homenagear o autor russo no número 52 da série, conhecido aqui como O pseudo.

Na história, Laury Marten consegue roubar uma amostra do soro da imortalidade, mas ela, John Marshall e o Conde Rodrigo de Barceo ficam presos no planeta zoológico dos aras, sendo caçados pelos terríveis froghs. Para resgatá-los, Rhodan disfarça-se de inspetor de Árcon e leva consigo Gucky, que faz as vezes de criado pouco inteligente.

Mas o plano de Rhodan parece ir por água abaixo quando surge o verdadeiro inspetor arcônida. Se a semelhança da história com a do escritor russo não fosse o suficiente, Darlton ainda introduz mais uma dica: o inspetor verdadeiro chama-se Glogol.   

O título original do volume é O falso inspetor. 


Aliás, é o próprio Glogol que protagoniza uma das cenas mais hilárias de toda a série, quando Gucky faz cair sua calça, revelando que o poderoso inspetor na verdade está usando ceroulas cor-de-rosa e meias furadas. “Glogol usava ceroulas compridas. E um arcônida arrogante de ceroulas é uma figura ainda mais ridícula que um terrano que use a mesma vestimenta. A dignidade do inspetor se desvanecera”. A cena reflete diretamente a frase do poeta Punchin, o grande mestre literário de Gógol. Punchin dizia para o pupilo: “Faça-os rir, quem ri não tem medo dos poderosos”.

Em tempo: o título original alemão, O falso inspetor, deixa ainda mais clara a homenagem à obra de Gógol.