terça-feira, março 31, 2015
Símbolos de status
Um dos capítulos mais interessantes do livro VOCÊ - um estudo objetivo do comportamento humano, de Desmond Morris, é o que fala sobre símbolos de status. Na pré-história a simples força bruta era suficiente para mostrar quem estava por cima e quem estava por baixo. Posteriormente, com os reis, os símbolos de status eram acompanhados de grande ostentação, com muito ouro, pedras preciosas e luxo. Na nossa sociedade, no entanto, os símbolos de status se tornaram mais sutis.
Morris divide aqueles que exibem status em: executivos, herdeiros e talentosos. Na categoria executivos entram, por exemplo, políticos, que, apesar de não usarem as roupas suntuosas dos reis (e não o fazem para evitar a revolta popular), usam todo um aparato, como a escolta militar.
Carros, roupas e acessórios são demarcadores de status. Morris explica que esses símbolos com o tempo são apropriados por imitadores, o que obriga os detentores de status a migrarem. Lembram da época em que ter um celular era símbolo de status? Com o tempo, todo mundo tinha celular. Os detentores de status foram obrigados a migrar para o smartphone. Logo todo mundo tinha um smart, e o I-phone passou a ser o novo demarcador de status.
O mesmo aconteceu com o carro: nas sociedades pobres era símbolo de status ter um carro, mesmo um barato. Com o tempo, apenas automóveis caros passaram a exercer essa função.
Nas sociedes mais pobres e machistas, mulheres são proibidas de dirigir carros. Em outras, é dito que uma mulher que dirige carro está pedindo para ser estuprada. A relação entre as duas coisas pode não parecer óbvia, mas é: uma mulher que está dirigindo um carro está tirando do homem seu status e a forma dos homens responderem a isso é estuprando a mulher - uma atividade sexual de afirmação de status e sujeição da vítima. Estuprar uma mulher que dirige um carro é uma forma de colocá-la em seu lugar.
Os talentosos são aqueles que se destacam não pelo carro que usam, pelas roupas que vestem, mas pelo que fazem, por sua obra e seus feitos intelectuais. Exemplo disso são os grandes artistas. Enquanto os símbolos de status dos executivos e herdeiros desaparecem com eles, os símbolos de status sobrevivem a eles e muitas vezes continuam sendo apreciados durante centenas de anos. Como sua obra é seu status, os talentosos não se preocupam com símbolos de status transitórios. Muitos artistas e cientistas muitas vezes se vestem de maneira simples (quando não extravagante, como o caso de Salvador Dali) e dirigem carros de pouco baratos, muitas vezes tendo condições de comprar um melhor. Na verdade, a ausência deliberada de símbolos de status é, em si, uma demonstração de status.
Doutor Clima
Doutor Clima é uma história em quadrinhos escrita por David Araujo e com arte de Antonio Eder e Alessandro Dutra lançada em Curitiba no início dos anos 1990. Conta a história de um vilão que seria responsável pelo clima louco da capital Curitibana, em que se concentram todas as estações em um único dia.
domingo, março 29, 2015
Lei prevê até 4 anos de cadeia para quem faz propaganda de golpe militar
Muitos comentários no post Não existe “ditabranda” nem “ditacurta”. Defender intervenção militar é crime colocaram dúvidas sobre o alcance da legislação brasileira contra aqueles que defendem o golpe militar.
O blog consultou uma das maiores autoridades do país sobre Direito Penal, o advogado René Ariel Dotti, para esmiuçar a questão.
“Quem defende golpe ignora a experiência trágica da ditadura militar”, diz o professor Dotti. “Se hoje vivemos uma crise de lideranças políticas, continua sendo grande parte em função daquelas que foram ceifadas pelo regime de exceção.”
Segundo ele três dispositivos abrangem essa questão no país. Eles são autoexplicativos. Só não entende quem não quer.
O primeiro é a Constituição Federal:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XLIV – constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático;
O segundo é a Lei de Segurança Nacional (7.170/1983):
Art. 22 – [É considerado crime] Fazer, em público, propaganda:
I – de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social; Leia mais
I – de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social; Leia mais
Iznogud
Como escrever a mesma história várias vezes e mesmo assim não ser chato? Esse é o grande desafio e Iznogud, genial criação de Goscinny (criador de Asterix) com traço de Tabari. Iznogud (um trocadilho com a exprssão It´s no good - não é bom) é o grão vizir de um califado árabe e passa todas as histórias tentando se livrar do califa Harrum ahal Mofadah.
A história é sempre a mesma: o protagonista tentando se tonar califa e sempre se dando muito mal no final, geralmente sendo vítimas das próprias armadilhas. O leitor sabe disso desde o início e é inclusive informado pelo ajudante do grão-vizir Omar Vadinho. O curioso é descobrir como isso irá acontecer, como um plano teoricamente perfeito acabará sendo um fracasso por pura incopetência ou azar.
Se, por exemplo, Iznogud monta um labirinto para colocar ali o Califa, todo mundo (inclusive ele) acabará entrando no labirinto, menos o Califa. Se ele descobre uma maneira de tornar o Califa invisível, todos à sua volta ficarão invisíveis, menos o Califa. Mesmo que nunca tivesse escrito Asterix, Goscinny já seria um dos maiores roteiristas de todos os tempos, apenas por sua atuação em Iznogud.
No Brasil foram publicados 8 álbuns pela editora Record:
O grão-vizir Iznogud
Os complôes do grão-vizir Iznogud
As férias de Iznogud
Iznogud o infame
Iznogud vai pro espaço
O computador das arábias
Primeiro de abril em Bagdá
Uma cenoura para Iznogud
A história é sempre a mesma: o protagonista tentando se tonar califa e sempre se dando muito mal no final, geralmente sendo vítimas das próprias armadilhas. O leitor sabe disso desde o início e é inclusive informado pelo ajudante do grão-vizir Omar Vadinho. O curioso é descobrir como isso irá acontecer, como um plano teoricamente perfeito acabará sendo um fracasso por pura incopetência ou azar.
Se, por exemplo, Iznogud monta um labirinto para colocar ali o Califa, todo mundo (inclusive ele) acabará entrando no labirinto, menos o Califa. Se ele descobre uma maneira de tornar o Califa invisível, todos à sua volta ficarão invisíveis, menos o Califa. Mesmo que nunca tivesse escrito Asterix, Goscinny já seria um dos maiores roteiristas de todos os tempos, apenas por sua atuação em Iznogud.
No Brasil foram publicados 8 álbuns pela editora Record:
O grão-vizir Iznogud
Os complôes do grão-vizir Iznogud
As férias de Iznogud
Iznogud o infame
Iznogud vai pro espaço
O computador das arábias
Primeiro de abril em Bagdá
Uma cenoura para Iznogud
sábado, março 28, 2015
Intervenção militar constitucional
Nos protestos contra Dilma e PT se tornam cada vez mais constantes cartazes pedindo intervenção militar. Nas redes sociais, cada vez mais pessoas aderem à ideia, com páginas que contam com milhares de curtidas e são amplamente divulgadas. No Youtube, dezenas de vídeos, com milhares de visualizações cada, clamam ajuda aos militares. Alguns até explicam o que seria a tal intervenção militar constitucional, "amparada" nos artigos 142 e 144 da Constituição. Segundo esses, se houver anseio popular, as forças armadas podem depor o presidente e todos os demais ocupantes de cargos políticos e prendê-los, convocando uma nova eleição. A constituição preveria até um prazo para os militares devolverem o poder ao povo: 60 dias. Nem um dia a mais, nem um dia a menos. A proposta é tão interessante, um verdadeiro paraíso político em que todos os corruptos iriam para a cadeia e os militares devolveriam docilmente o poder ao povo, agora nas mãos de pessoas honestas, que num dos vídeos duas mulheres prometem acampar na frente de um quartel general até que os militares ouçam seus anseios. Mas, afinal, existe realmente intervenção militar constitucional?
Pra começar, algo só é constitucional se está na Constituição. Os defensores da intervenção costumam citar os artigos 142 e 144 para defender, inclusive o prazo de devolução do poder aos civis. Ocorre que brasileiro não lê. E, mais ainda, não lê leis. Se alguém disser que a constituição manda o Papai Noel dar presente para todos no dia do Natal, muita gente vai colocar a meia colorida debaixo da janela.
Então, vamos conferir o que dizem os tais artigos:
"Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem".
Olhem só: as forças armadas são instituições baseadas na hierarquia e disciplina e cujo chefe maior é o presidente da república e sua função é a garantia dos poderes constitucionais, que são o executivo, o legislativo e o judiciário. Ou seja, o artigo 142 diz que quem manda nas forças armadas é o Presidente e que a função das mesmas é exatamente defender o Executivo, o congresso e o judiciário. Em nenhum momento o texto diz que essas mesmas forças podem se voltar contra os poderes que juraram defender.
Já o artigo 144 diz:
"A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V - polícias militares e corpos de bombeiros militares".
O mesmo artigo, no inciso 5 explica:
"Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil".
Surpreso? Nada sobre intervenção militar. E, principalmente, nada sobre data para devolver o poder os civis.
Entendam: uma intervenção militar é uma quebra de hierarquia, já que o Presidente é o chefe das forças armadas. Seria o mesmo que o capitão depor o general.
Mas vamos imaginar que isso acontecesse: que o povo em peso pedisse por uma intervenção militar e as forças armadas resolvessem atender, o que garante que eles devolveriam o poder em 60 dias? Não existe nenhum botão que faça os militares desaparecerem caso não convoquem eleições em em 60 dias. Nem mesmo a cara de Gatinho de Botas dos que pediram a tal intervenção militar vai servir para convencê-los a convocar eleições se eles decidirem ficar.
Em 1964, os militares tomaram o poder amparados por passeatas, como a Marcha da família (que pediam a intervenção miltar) prometendo convocar eleições diretas o mais breve possível (não sei se eram exatamente 60 dias, mas devia ser algo próximo disso). Um dos maiores entusiastas do golpe foi o jornalista Carlos Lacerda, que sonhava um dia tornar-se presidente e via no golpe a chance de conseguir aquilo que ele não conseguira nas urnas. Lacerda chegou a fazer um tour pela Europa, defendendo os militares. No entanto, quando ficou claro que os milicos não devolveriam os poderes aos civis, ele passou a criticar o regime. Resultado: foi duramente perseguido, teve seus direitos cassados e morreu em circunstâncias misteriosas (alguns acreditam que ele tenha sido envenenado).
Os defensores da intervenção militar citam o caso do Egito como suposto exemplo de militares bonzinhos que retiram o governo corrupto do poder e entregaram-no nas mãos do povo após 60 dias. Na verdade, o que aconteceu, foi que o povo egípcio ao perceber que as eleições não seriam convocadas, foi para a rua exigir a eleições. Os militares reprimiram duramente as manifestações. Dezenas de pessoas foram mortas. Mulheres e idosos foram duramente agredidos, houve censura, inclusive com quebra de câmeras de TV dos jornalistas que cobriam os protestos. Os militares só devolveram o poder quando quiseram.
Outro exemplo dado pelos defensores da "intervenção militar constitucional" é a Tailândia. A intervenção era tão "constitucional" que uma das primeiras coisas que a junta militar fez foi suspender a Constituição, impor toque de recolher, censurar a imprensa, as mídias sociais e prender jornalistas. Recentemente, a junta militar divulgou que condenará à morte jornalistas que não digam a "verdade" sobre a junta militar.
Portanto, não existe intervenção militar constitucional. O que existe é golpe militar. E, no golpe militar, as forças armadas convocam eleições se quiserem. Aliás, num golpe, os militares ficam desobrigados de obedecer a constituição, até porque não há ninguém que os fiscalize. Nem mesmo a imprensa, que acaba sendo censurada e não pode dar notícias contra o regime. Portanto, intervenção militar e constituição são expressões que não cabem na mesma frase.
Texto originalmente publicado no Digestivo Cultural
Pra começar, algo só é constitucional se está na Constituição. Os defensores da intervenção costumam citar os artigos 142 e 144 para defender, inclusive o prazo de devolução do poder aos civis. Ocorre que brasileiro não lê. E, mais ainda, não lê leis. Se alguém disser que a constituição manda o Papai Noel dar presente para todos no dia do Natal, muita gente vai colocar a meia colorida debaixo da janela.
Então, vamos conferir o que dizem os tais artigos:
"Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem".
Olhem só: as forças armadas são instituições baseadas na hierarquia e disciplina e cujo chefe maior é o presidente da república e sua função é a garantia dos poderes constitucionais, que são o executivo, o legislativo e o judiciário. Ou seja, o artigo 142 diz que quem manda nas forças armadas é o Presidente e que a função das mesmas é exatamente defender o Executivo, o congresso e o judiciário. Em nenhum momento o texto diz que essas mesmas forças podem se voltar contra os poderes que juraram defender.
Já o artigo 144 diz:
"A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V - polícias militares e corpos de bombeiros militares".
O mesmo artigo, no inciso 5 explica:
"Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil".
Surpreso? Nada sobre intervenção militar. E, principalmente, nada sobre data para devolver o poder os civis.
Entendam: uma intervenção militar é uma quebra de hierarquia, já que o Presidente é o chefe das forças armadas. Seria o mesmo que o capitão depor o general.
Mas vamos imaginar que isso acontecesse: que o povo em peso pedisse por uma intervenção militar e as forças armadas resolvessem atender, o que garante que eles devolveriam o poder em 60 dias? Não existe nenhum botão que faça os militares desaparecerem caso não convoquem eleições em em 60 dias. Nem mesmo a cara de Gatinho de Botas dos que pediram a tal intervenção militar vai servir para convencê-los a convocar eleições se eles decidirem ficar.
Em 1964, os militares tomaram o poder amparados por passeatas, como a Marcha da família (que pediam a intervenção miltar) prometendo convocar eleições diretas o mais breve possível (não sei se eram exatamente 60 dias, mas devia ser algo próximo disso). Um dos maiores entusiastas do golpe foi o jornalista Carlos Lacerda, que sonhava um dia tornar-se presidente e via no golpe a chance de conseguir aquilo que ele não conseguira nas urnas. Lacerda chegou a fazer um tour pela Europa, defendendo os militares. No entanto, quando ficou claro que os milicos não devolveriam os poderes aos civis, ele passou a criticar o regime. Resultado: foi duramente perseguido, teve seus direitos cassados e morreu em circunstâncias misteriosas (alguns acreditam que ele tenha sido envenenado).
Os defensores da intervenção militar citam o caso do Egito como suposto exemplo de militares bonzinhos que retiram o governo corrupto do poder e entregaram-no nas mãos do povo após 60 dias. Na verdade, o que aconteceu, foi que o povo egípcio ao perceber que as eleições não seriam convocadas, foi para a rua exigir a eleições. Os militares reprimiram duramente as manifestações. Dezenas de pessoas foram mortas. Mulheres e idosos foram duramente agredidos, houve censura, inclusive com quebra de câmeras de TV dos jornalistas que cobriam os protestos. Os militares só devolveram o poder quando quiseram.
Outro exemplo dado pelos defensores da "intervenção militar constitucional" é a Tailândia. A intervenção era tão "constitucional" que uma das primeiras coisas que a junta militar fez foi suspender a Constituição, impor toque de recolher, censurar a imprensa, as mídias sociais e prender jornalistas. Recentemente, a junta militar divulgou que condenará à morte jornalistas que não digam a "verdade" sobre a junta militar.
Portanto, não existe intervenção militar constitucional. O que existe é golpe militar. E, no golpe militar, as forças armadas convocam eleições se quiserem. Aliás, num golpe, os militares ficam desobrigados de obedecer a constituição, até porque não há ninguém que os fiscalize. Nem mesmo a imprensa, que acaba sendo censurada e não pode dar notícias contra o regime. Portanto, intervenção militar e constituição são expressões que não cabem na mesma frase.
Texto originalmente publicado no Digestivo Cultural
quarta-feira, março 25, 2015
Umpa-pá
Umpa-pa é uma espécie de primo de Asterix. Criado por Goscinny e Uderzo, os mesmos de Asterix, ele surgiu um ano antes do gaulês, em 1958. O personagem é um índio norte-americano no período inicial da colonização britânica. Uderzo ainda estava acertando o traço e Goscinny ainda não tinha se tornado o mestre do humor e do trocadilho, embora ele já estivesse treinando (a tribo do protagonista se chama Cumekivai) e a trama acaba variando entre o humor e a aventura. Umpa-pá foi uma espécie de treino para os dois artistas, antes de sua grande criação. Mesmo assim, é um quadrinho divertido de se ler.
quarta-feira, março 11, 2015
Ivanhoé
A batalha por um trono. Um personagem sem força física, mas inteligente, que consegue se destacar por sua sagacidade e frases de efeito. Parece "As crônicas de Gelo e Fogo", série de fantasia de George Martin, mas trata-se de Ivanhoé, romance histórico escrito pelo Walter Scott e publicado na Inglaterra em 1820. O livro de Scott é um daqueles clássicos que definem um gênero a ponto de influenciar desde obras mais profundas, como os livros de Martin, até os ingênuos filmes matinês. Está tudo ali, desde suas melhores qualidades aos mais irritantes clichês (como da mocinha que acaba sendo salva em cima da hora por um herói adoentado, mas valente).
A obra se passa na Inglaterra da Idade Média. Nesse período, a ilha tinha sido invadida pelos normandos (vindos do norte da Europa e falando a língua francesa), que exerciam sua opressão e desprezo pelos habitantes locais, os saxões.
O personagem principal, Wilfred, é um jovem nobre saxão deserdado pelo pai após aceitar os costumes cavalheirescos franceses e acompanhar o rei Ricardo Coração de Leão à Terra Santa para participar da Cruzada. Seu pai, Cedric, é um saudosista da época em que a Inglaterra era governada pelos saxões e todos os seus pensamentos parecem voltados para o retorno do domínio de sua raça sobre a ilha.
Ao ler a obra, é importante lembrar que ela foi escrita numa época em que o gênero romance (que seria o mais importante da literatura moderna) ainda estava se construindo. Isso provoca, de um lado, algum estranhamento pelo aparente pouco domínio de algumas técnicas narrativas e, por outro, acaba tornado muito previsível alguns acontecimentos para leitores mais atentos, que facilmente conseguem desvendar os segredos escondidos pelo autor, como o fato de que Wilfred é o cavaleiro que luta incógnito na justa ou que o arqueiro vestido de verde na verdade Robin Hood. O leitor desavisado irá estranhar principalmente as elocuções (a forma como o diálogo é introduzido na narrativa) e as descrições, muitas vezes deslocadas ou didáticas demais como se o romance se misturasse com um livro histórico. Exemplo:
"O chão era composto de terra batida misturada com cal, que se transformava numa substância consistente, como a que é muitas vezes empregada em nossos celeiros modernos".
Igualmente irritante são as digressões que muitas vezes paralisam a narração comprometendo o ritmo do livro ou frases desnecessárias, como: "No capítulo seguinte, vamos procurar descrever a cena que lhe surgiu diante dos olhos".
Esses "defeitos", que mais se devem à época em que foram escritos acabam sendo suplantados pelas qualidades do livro.
O personagem Wamba, por exemplo, um bobo da corte de Cedric, é um proto-Tyrion. Sua atuação na trama é fundamental em vários momentos e suas tiradas são praticamente equivalentes ao do anão Lannister (a ponto de se imaginar que o bobo tenha sido a principal influencia para a criação do famoso personagem de George Martin). Por exemplo, quando viaja sozinho com o rei Ricardo pela floresta e pressente que serão atacados por inimigos e que o rei não fará uso de uma trompa que poderá chamar amigos para auxiliar na luta, diz: "Quando a coragem e a loucura viajam juntas, a loucura deve encarregar-se da trompa, pois sabe tocá-la melhor".
Outro aspecto interessante da trama é a forma como são retratados os judeus, especialmente se considerarmos que o livro foi publicado em 1820, época em que esse povo era vítima de grande preconceito. Há quem pense que a perseguição aos judeus foi invenção dos nazistas. Nada mais falso. O povo judaico era perseguido por razões religiosas desde a Idade Média e Ivanhoé tem o grande mérito de mostrar essa perseguição, retratando os judeus de maneira positiva:
"Não havia raça alguma na terra, no mar ou nas águas, que fosse objeto, por parte de todos, de tão interrupta e constante perseguição, como os judeus eram nessa mesma época. Sob os mais ligeiros e irrazóaveis pretextos, bem como ante as acusações mais absurdas e infundadas, as suas pessoas e propriedades eram expostas a todos os caprichos da fúria popular, pois os normandos, saxônicos, bretões e dinamarqueses, por mais adversas que essas raças fossem entre si, disputavam a primazia da ferocidade para com esse povo, que eles supunham, baseando-se em suas próprias religiões, dever odiar, insultar, desprezar, saquear e perseguir".
E essa condição permaneceu por séculos, só sendo encerrada pela divulgação dos horrores dos campos de concentração nazistas. Só para termos de comparação, outro clássico romântico, Taras Bulba, do grande escritor russo Nicolai Gógol mostra com simpatia a perseguição que soldados cossacos realizavam contra os judeus, chegando até mesmo ao ponto de matá-los por pura diversão. Assim, é surpreendente que um livro escrito em 1820 mostre com tanta benesse esse povo, a ponto de colocar uma judia, Rebeca, como protagonista romântica, de caráter extremamente correto, capaz de abdicar de uma paixão por puro amor.
Num romance recheado de personagens famosos, como Ricardo Coração de Leão, o princípe usurpador João, Robin Hood e outros, são justamente os que seriam os secundários, como a judia e seu pai, um bobo e um guardador de porcos que acabam se destacando, demonstração mais do que inequívoca de que Walter Scott estava muito além de seu tempo.
Texto originalmente publicado no Digestivo Cultural.
A obra se passa na Inglaterra da Idade Média. Nesse período, a ilha tinha sido invadida pelos normandos (vindos do norte da Europa e falando a língua francesa), que exerciam sua opressão e desprezo pelos habitantes locais, os saxões.
O personagem principal, Wilfred, é um jovem nobre saxão deserdado pelo pai após aceitar os costumes cavalheirescos franceses e acompanhar o rei Ricardo Coração de Leão à Terra Santa para participar da Cruzada. Seu pai, Cedric, é um saudosista da época em que a Inglaterra era governada pelos saxões e todos os seus pensamentos parecem voltados para o retorno do domínio de sua raça sobre a ilha.

"O chão era composto de terra batida misturada com cal, que se transformava numa substância consistente, como a que é muitas vezes empregada em nossos celeiros modernos".
Igualmente irritante são as digressões que muitas vezes paralisam a narração comprometendo o ritmo do livro ou frases desnecessárias, como: "No capítulo seguinte, vamos procurar descrever a cena que lhe surgiu diante dos olhos".
Esses "defeitos", que mais se devem à época em que foram escritos acabam sendo suplantados pelas qualidades do livro.
O personagem Wamba, por exemplo, um bobo da corte de Cedric, é um proto-Tyrion. Sua atuação na trama é fundamental em vários momentos e suas tiradas são praticamente equivalentes ao do anão Lannister (a ponto de se imaginar que o bobo tenha sido a principal influencia para a criação do famoso personagem de George Martin). Por exemplo, quando viaja sozinho com o rei Ricardo pela floresta e pressente que serão atacados por inimigos e que o rei não fará uso de uma trompa que poderá chamar amigos para auxiliar na luta, diz: "Quando a coragem e a loucura viajam juntas, a loucura deve encarregar-se da trompa, pois sabe tocá-la melhor".
Outro aspecto interessante da trama é a forma como são retratados os judeus, especialmente se considerarmos que o livro foi publicado em 1820, época em que esse povo era vítima de grande preconceito. Há quem pense que a perseguição aos judeus foi invenção dos nazistas. Nada mais falso. O povo judaico era perseguido por razões religiosas desde a Idade Média e Ivanhoé tem o grande mérito de mostrar essa perseguição, retratando os judeus de maneira positiva:
"Não havia raça alguma na terra, no mar ou nas águas, que fosse objeto, por parte de todos, de tão interrupta e constante perseguição, como os judeus eram nessa mesma época. Sob os mais ligeiros e irrazóaveis pretextos, bem como ante as acusações mais absurdas e infundadas, as suas pessoas e propriedades eram expostas a todos os caprichos da fúria popular, pois os normandos, saxônicos, bretões e dinamarqueses, por mais adversas que essas raças fossem entre si, disputavam a primazia da ferocidade para com esse povo, que eles supunham, baseando-se em suas próprias religiões, dever odiar, insultar, desprezar, saquear e perseguir".
E essa condição permaneceu por séculos, só sendo encerrada pela divulgação dos horrores dos campos de concentração nazistas. Só para termos de comparação, outro clássico romântico, Taras Bulba, do grande escritor russo Nicolai Gógol mostra com simpatia a perseguição que soldados cossacos realizavam contra os judeus, chegando até mesmo ao ponto de matá-los por pura diversão. Assim, é surpreendente que um livro escrito em 1820 mostre com tanta benesse esse povo, a ponto de colocar uma judia, Rebeca, como protagonista romântica, de caráter extremamente correto, capaz de abdicar de uma paixão por puro amor.
Num romance recheado de personagens famosos, como Ricardo Coração de Leão, o princípe usurpador João, Robin Hood e outros, são justamente os que seriam os secundários, como a judia e seu pai, um bobo e um guardador de porcos que acabam se destacando, demonstração mais do que inequívoca de que Walter Scott estava muito além de seu tempo.
Texto originalmente publicado no Digestivo Cultural.
quinta-feira, fevereiro 19, 2015
O mundo petrificado
A questão da realidade sempre
foi um dos meus temas mais caros. Escrevi contos, uma novela (O anjo da morte),
artigos acadêmicos e esse é o tema principal de minha tese. Afinal, o que é o
real? Como podemos distingui-lo da ficção, da fantasia e até de alucinações? Essas
são questões que me interessam e que norteiam tanto minha produção literária quanto
acadêmica.
Vasculhando minha biblioteca
encontro o livro que provavelmente angariou meu interesse pelo assunto. O
pequeno livreto de bolso, em papel jornal, foi comprado em um sebo de Curitiba,
no dia 04 de janeiro de 1995. O título original era “The New Words of Fantasy”,
mas a antologia, organizada por Terry Carr, foi batizada no Brasil como “A era
de Aquário”, provavelmente em referência à característica new age, comum a
todos os contos.
Dos textos, li alguns e esqueci
e simplesmente pulei outros. Um, entretanto, me chamou atenção: “O mundo
petrificado”, de Robert Shecley. O texto fala de um homem, Lanigan, que acorda
de um sonho cada vez mais recorrente e terrível. Ele teme que este mundo de
sonhos substitua o mundo real e é essa perspectiva que o apavora. Nós o
acompanhamos em sua ida ao psicólogo. O escritor, habilidoso, vai nos dando
pequenas pistas: o relógio de ouro torna-se de chumbo, as horas simplesmente
pulam, o concreto se liquefaz sob os pés do vizinho, uma torrente de água corta
sua rua e um barco a vapor com chaminés amarelas cruza os céus.
O psicólogo se vê diante de um
desafio, única solução possível de cura: provar para o paciente que o mundo em
que vivem é real, mais real do que seu sonho que vai cada vez mais tomando
conta da realidade.
“Sabemos que uma coisa existe
porque nossos sentidos nos dizem que ela existe”, explica o psicólogo. “Como
constatamos a retidão de nossas observações? Comparando-as com as impressões
sensoriais de outros homens”. Ou seja: a realidade é aquilo que a maioria das
pessoas concorda que é.
Lanigan desmaia e acorda.
Quando sai do consultório, percebe que o ciclo se completou: finalmente, o
mundo terrível de seu sonho se tornou o mundo real. Um mundo petrificado, sem
vida. Nele, o banco da esquina seria sempre um banco, nunca se transformaria
num mausoléu, num avião ou nos ossos de um monstro pré-histórico. Seu relógio
seria sempre de ouro e jamais se transformaria em chumbo. Barcos jamais
singrariam o céu verde ou púrpura.
A habilidade do escritor nos
tira o chão sob os pés, fazendo com que reflitamos sobre o que é o real, pois
nos identificamos com o protagonista e acreditamos, durante todo o conto, que
as torrentes de água singrando ruas, ou o morcego que sai do paletó do
psicólogo eram alucinações, quando na verdade, eram aquilo que o homem
enxergava como real, ou o que era real em uma realidade paralela.
Bons textos mexem conosco, nos
fazem olhar perdidos para o nada, absortos com pensamentos que nunca tivemos ou
ideias que nunca cogitamos. O pequeno conto de Robert Shecley cumpre muito bem
essa função.
quarta-feira, fevereiro 18, 2015
Buenos Aires: guia de viagem
Visitar Buenos Aires pode ser uma experiência interessante. Embora seja um país colado ao nosso, tem grandes diferenças culturais. Recentemente tive a oportunidade de conhecer a capital portenha. Compartilho aqui algumas de minhas impressões.
A primeira coisa que chama atenção do turista é a diferença gastronômica. A comida argentina é muito diferente da brasileira. Ao contrário do Brasil, onde todo prato vem com acompanhamento de arroz e feijão, na Argentina o arroz é pouco comum. Feijão é praticamente impossível de ser encontrado (eu não vi em nenhum restaurante). Um prato típico argentino é carne com batata frita. E não é pouca carne: é um pedaço enorme, que ocupa quase todo o prato. Se for churrasco, é carne repleta de gordura. Os amantes de carne devem adorar.
Outra diferença cultural é no café da manhã. Num hotel brasileiro, o café da manhã normalmente inclui frutas cortadas em fatias (melão, abacaxi, mamão, manga, etc), sucos naturais, café, leite, pão, bolos, queijo e presunto. Um café da manhã argentino é baseado principalmente em doce. Tudo é doce. De fruta, apenas sala de fruta, com muita laranja e um outro pedaço de outra fruta (diga-se de passagem, é uma laranja deliciosa, mas você enjoa depois do segundo dia). Os hotéis colocam na mesa até algo parecido com brigadeiros (eu não experimentei). Para um brasileiro comum é muito açúcar, inclusive no suco. Uma boa dica é experimentar o medialuna (um folheado no formato de meia-lua), desde que ela não seja caramelizada. Diabéticos devem ter sérios problemas na Argentina.
Na cidade existem atrações básicas, o tipo de coisa que nenhum turista pode perder. Na minha opinião, a feira de San Telmo entra nessa categoria. É uma feira enorme que acontece aos domingos, próxima à casa rosada, que pega várias ruas. Na feira é possível comprar os mais variados produtos argentinos, artesanato, livros ver shows de tango. Sem falar que há vários restaurantes em volta. É programa para o dia inteiro. Na feira de San Telmo fica o famoso banco de praça com a personagem Mafalda, parada obrigatória para os turistas. Mas prepare-se para a fila: sempre há muita gente querendo fotografar com a personagem. Um pouco mais abaixo há uma estátua de Izidoro, personagem clássico da HQ portenha, menos famoso que a Mafalda, mas que vale uma conferida. Aliás, na esquina da estátua da Mafalda há uma lanchonete que vende lanches temáticos baseados no universo criado por Quino e lembranças.
Aliás, Mafalda é uma verdadeira febre na Argentina. Na feira é possível encontrar de tudo relacionado à personagem, desde livros de tiras a camisas e travesseiros.
Para os fãs de quadrinhos vale conhecer o personagem Eternauta, que se tornou símbolo da luta contra a ditadura depois que seu autor, o roteirista Hector Oeterheld, foi morto pela ditadura militar. Na feira é fácil achar livreiros vendendo álbuns do Eternauta e até camisas do personagem.
Outra local famoso é a Ricoleta. A praça tem uma pequena feira (com menos variedade e preços bem mais altos que a feira de San Telmo), mas o que vale mesmo é uma visita à igreja e principalmente ao belíssimo cemitério. Os túmulos são verdadeiras obras de arte. É ali que está o corpo de Evita, mas não há qualquer identificação específica. Ocorre que ele foi enterrado junto com seus parentes. Assim, procure pelo túmulo da família Duarte, seu sobrenome de solteira.
Gostando ou não do peronismo, vale uma visita ao Museu Evita. É o melhor museu que visitei na capital portenha e uma aula de história. Implantado numa casa que servia de abrigo para mulheres desamparadas (uma casa de passagem), o museu foi estruturado de forma que você vai entrando de sala em sala e conhecendo a vida de Evita desde sua infância até sua morte. É possível, por exemplo, ver trechos de seus filmes, ouvir áudios de seus discursos, conhecer suas obras sociais. O Museu é acima de tudo o retrato de uma história de amor. Peron era tão apaixonado e fascinado por Evita que, ao ser eleito presidente da Argentina pela primeira vez, fez questão de tirar a foto oficial ao lado de sua esposa. A imagem de seu último discurso quando Evita, já com câncer, encosta a cabeça no peito do marido, é emocionante. O uso de recursos áudio-visuais aliados à própria estrutura da casa criam uma espécie de imersão que poucas vezes vi em um museu.
Próximo da Ricoleta fica o Museu de Belas Artes, que vale uma visita. Embora o acervo não seja tão impressionante quanto o do MASP, por exemplo, há várias obras importantes da história da arte. O Museu vale inclusive pelo próprio prédio. Aliás, para quem gosta de arquitetura, Buenos Aires é um paraíso. O centro histórico é marcado por belíssimos prédios nos mais variados estilos, do neo-clássico ao gótico, passando pelo art-noveau. É uma verdadeira miríade de estilos. O Congresso Nacional, todo em estilo neo-clássico, por exemplo, é visita obrigatória, mesmo que seja apenas para observar sua fachada.
Não há como falar em Buenos Aires sem falar em tango. Muitos hotéis oferecem pacotes que incluem translado, jantar (com entrada, prato principal e sobremesa) e show. Os preços são acima de 160 reais por pessoa. Deve agradar quem gosta muito de carne. Pessoalmente, não achei que jantar valeu a pena. O show, por outro lado, é realmente maravilhoso.
Mas, para quem quiser apenas o show, uma opção melhor é o Centro Cultural Jorge Luís Borges, que oferece espetáculos de tango ao preço em média de 70 reais por pessoa. Aliás, o local vale a visita. Além de mostras de arte, há uma exposição dedicada ao mais importante escritor argentino e um dos mais importantes do século XX, onde é possível ver curiosidades, como seus livros, um desenho infantil (de um tigre) e outros.
Ainda sobre tango, é possível ver shows gratuitos no Caminito. O local tem várias galerias de artesanato e restaurantes e bares que oferecem espetáculos o dia inteiro. O preço da comida é salgado, mas é possível ver as apresentações de tango mesmo sem ser cliente, já que eles acontecem na frente dos restaurantes. Outra atração é o Museu Histórico Nacional, bastante amplo, instalado num prédio de belíssima arquitetura. O único defeito é que o Museu se dedica apenas a fatos antigos, da época da independência da argentina. Fatos como a ditadura e a guerra das Malvinas são só mencionados.
Há ainda o Museu Argentino de Ciências Naturais com uma incrível coleção de fósseis de dinossauros. Um aspecto negativo é que é um museu do tipo antigo, contemplativo. Não há, por exemplo, toda a interatividade do Museu de ciências da PUC, em Porto Alegre, por exemplo (depois que voltei para o Brasil descobri que existe o Museu de Ciências, no bairro da Ricoleta, que tem essa característica de interatividade).
Para quem gosta de ler, Buenos Aires é um paraíso. Há diversas livrarias e muitos sebos. A avenida Corrientes (uma das que cortam o Obelisco) tem praticamente um sebo ou livraria a cada quarteirão, ou mais. Eu consegui, por exemplo, vários números da coleção do jornal Clarin de clássicos dos quadrinhos, além de livros Jorge Luís Borges em capa dura a preço baixo (menos de 10 reais cada).
Mas, como toda cidade, Buenos aires tem seus aspectos negativos. Um deles são os golpes aplicados contra turistas. O mais conhecido deles é o do câmbio. Em ruas de comércio, como a Florida, é possível encontrar diversas pessoas oferecendo câmbio. Consta que muitos deles trocam real, dólar ou euro por pesos falsos. Assim, o ideal é fazer a troca em casas de câmbio oficiais e nunca trocar muito dinheiro de uma vez só. Também é comum se aproveitarem da diferença da língua e da moeda para passarem troco errado ou cobrarem produtos que não foram consumidos (aconteceu comigo).
Até mesmo o translado hotel-aeroporto pode ser um problema. No meu caso me foi oferecido translado pelo próprio hotel, ao preço de 330 pesos. Paguei no balcão do hotel e recebi um recibo que, vendo depois, não tinha nem mesmo o nome do atendente do hotel. No dia da viagem, ao chegarmos no aeroporto de Ezeiza, o motorista (não era um taxi e não havia qualquer identificação no veículo) me disse que eu tinha que lhe pagar 450 pesos. Mostrei o recibo do hotel e ele disse que não tinha nada a ver com o que eu havia pago ao hotel e que só liberaria as malas diante do pagamento de 450 pesos. Depois que paguei, pedi recibo, ao que ele incialmente recusou. Depois de uma longa discussão (e a preocupação de perder o vôo), consegui um recibo que constava apenas o primeiro nome do motorista e nenhuma outra identificação.
Minha sugestão para quem viaja para Buenos Aires é não usar o serviço de translado do hotel. O ideal é combinar com um taxista credenciado (os taxis oficiais têm uma placa com todas as informações sobre o veículo e o condutor), pagar antes da corrida e pedir recibo. Isso pode evitar muita dor de cabeça.
Texto originalmente publicado no Digestivo Cultural.
A primeira coisa que chama atenção do turista é a diferença gastronômica. A comida argentina é muito diferente da brasileira. Ao contrário do Brasil, onde todo prato vem com acompanhamento de arroz e feijão, na Argentina o arroz é pouco comum. Feijão é praticamente impossível de ser encontrado (eu não vi em nenhum restaurante). Um prato típico argentino é carne com batata frita. E não é pouca carne: é um pedaço enorme, que ocupa quase todo o prato. Se for churrasco, é carne repleta de gordura. Os amantes de carne devem adorar.
Outra diferença cultural é no café da manhã. Num hotel brasileiro, o café da manhã normalmente inclui frutas cortadas em fatias (melão, abacaxi, mamão, manga, etc), sucos naturais, café, leite, pão, bolos, queijo e presunto. Um café da manhã argentino é baseado principalmente em doce. Tudo é doce. De fruta, apenas sala de fruta, com muita laranja e um outro pedaço de outra fruta (diga-se de passagem, é uma laranja deliciosa, mas você enjoa depois do segundo dia). Os hotéis colocam na mesa até algo parecido com brigadeiros (eu não experimentei). Para um brasileiro comum é muito açúcar, inclusive no suco. Uma boa dica é experimentar o medialuna (um folheado no formato de meia-lua), desde que ela não seja caramelizada. Diabéticos devem ter sérios problemas na Argentina.
Na cidade existem atrações básicas, o tipo de coisa que nenhum turista pode perder. Na minha opinião, a feira de San Telmo entra nessa categoria. É uma feira enorme que acontece aos domingos, próxima à casa rosada, que pega várias ruas. Na feira é possível comprar os mais variados produtos argentinos, artesanato, livros ver shows de tango. Sem falar que há vários restaurantes em volta. É programa para o dia inteiro. Na feira de San Telmo fica o famoso banco de praça com a personagem Mafalda, parada obrigatória para os turistas. Mas prepare-se para a fila: sempre há muita gente querendo fotografar com a personagem. Um pouco mais abaixo há uma estátua de Izidoro, personagem clássico da HQ portenha, menos famoso que a Mafalda, mas que vale uma conferida. Aliás, na esquina da estátua da Mafalda há uma lanchonete que vende lanches temáticos baseados no universo criado por Quino e lembranças.
Feira de San Telmo. |
Aliás, Mafalda é uma verdadeira febre na Argentina. Na feira é possível encontrar de tudo relacionado à personagem, desde livros de tiras a camisas e travesseiros.
Para os fãs de quadrinhos vale conhecer o personagem Eternauta, que se tornou símbolo da luta contra a ditadura depois que seu autor, o roteirista Hector Oeterheld, foi morto pela ditadura militar. Na feira é fácil achar livreiros vendendo álbuns do Eternauta e até camisas do personagem.
Outra local famoso é a Ricoleta. A praça tem uma pequena feira (com menos variedade e preços bem mais altos que a feira de San Telmo), mas o que vale mesmo é uma visita à igreja e principalmente ao belíssimo cemitério. Os túmulos são verdadeiras obras de arte. É ali que está o corpo de Evita, mas não há qualquer identificação específica. Ocorre que ele foi enterrado junto com seus parentes. Assim, procure pelo túmulo da família Duarte, seu sobrenome de solteira.
Cemitério da Rocoleta. |
Gostando ou não do peronismo, vale uma visita ao Museu Evita. É o melhor museu que visitei na capital portenha e uma aula de história. Implantado numa casa que servia de abrigo para mulheres desamparadas (uma casa de passagem), o museu foi estruturado de forma que você vai entrando de sala em sala e conhecendo a vida de Evita desde sua infância até sua morte. É possível, por exemplo, ver trechos de seus filmes, ouvir áudios de seus discursos, conhecer suas obras sociais. O Museu é acima de tudo o retrato de uma história de amor. Peron era tão apaixonado e fascinado por Evita que, ao ser eleito presidente da Argentina pela primeira vez, fez questão de tirar a foto oficial ao lado de sua esposa. A imagem de seu último discurso quando Evita, já com câncer, encosta a cabeça no peito do marido, é emocionante. O uso de recursos áudio-visuais aliados à própria estrutura da casa criam uma espécie de imersão que poucas vezes vi em um museu.
Museu de Belas Artes |
Próximo da Ricoleta fica o Museu de Belas Artes, que vale uma visita. Embora o acervo não seja tão impressionante quanto o do MASP, por exemplo, há várias obras importantes da história da arte. O Museu vale inclusive pelo próprio prédio. Aliás, para quem gosta de arquitetura, Buenos Aires é um paraíso. O centro histórico é marcado por belíssimos prédios nos mais variados estilos, do neo-clássico ao gótico, passando pelo art-noveau. É uma verdadeira miríade de estilos. O Congresso Nacional, todo em estilo neo-clássico, por exemplo, é visita obrigatória, mesmo que seja apenas para observar sua fachada.
Não há como falar em Buenos Aires sem falar em tango. Muitos hotéis oferecem pacotes que incluem translado, jantar (com entrada, prato principal e sobremesa) e show. Os preços são acima de 160 reais por pessoa. Deve agradar quem gosta muito de carne. Pessoalmente, não achei que jantar valeu a pena. O show, por outro lado, é realmente maravilhoso.
Mas, para quem quiser apenas o show, uma opção melhor é o Centro Cultural Jorge Luís Borges, que oferece espetáculos de tango ao preço em média de 70 reais por pessoa. Aliás, o local vale a visita. Além de mostras de arte, há uma exposição dedicada ao mais importante escritor argentino e um dos mais importantes do século XX, onde é possível ver curiosidades, como seus livros, um desenho infantil (de um tigre) e outros.
Ainda sobre tango, é possível ver shows gratuitos no Caminito. O local tem várias galerias de artesanato e restaurantes e bares que oferecem espetáculos o dia inteiro. O preço da comida é salgado, mas é possível ver as apresentações de tango mesmo sem ser cliente, já que eles acontecem na frente dos restaurantes. Outra atração é o Museu Histórico Nacional, bastante amplo, instalado num prédio de belíssima arquitetura. O único defeito é que o Museu se dedica apenas a fatos antigos, da época da independência da argentina. Fatos como a ditadura e a guerra das Malvinas são só mencionados.
Museu de Ciências Naturais. |
Há ainda o Museu Argentino de Ciências Naturais com uma incrível coleção de fósseis de dinossauros. Um aspecto negativo é que é um museu do tipo antigo, contemplativo. Não há, por exemplo, toda a interatividade do Museu de ciências da PUC, em Porto Alegre, por exemplo (depois que voltei para o Brasil descobri que existe o Museu de Ciências, no bairro da Ricoleta, que tem essa característica de interatividade).
Para quem gosta de ler, Buenos Aires é um paraíso. Há diversas livrarias e muitos sebos. A avenida Corrientes (uma das que cortam o Obelisco) tem praticamente um sebo ou livraria a cada quarteirão, ou mais. Eu consegui, por exemplo, vários números da coleção do jornal Clarin de clássicos dos quadrinhos, além de livros Jorge Luís Borges em capa dura a preço baixo (menos de 10 reais cada).
Mas, como toda cidade, Buenos aires tem seus aspectos negativos. Um deles são os golpes aplicados contra turistas. O mais conhecido deles é o do câmbio. Em ruas de comércio, como a Florida, é possível encontrar diversas pessoas oferecendo câmbio. Consta que muitos deles trocam real, dólar ou euro por pesos falsos. Assim, o ideal é fazer a troca em casas de câmbio oficiais e nunca trocar muito dinheiro de uma vez só. Também é comum se aproveitarem da diferença da língua e da moeda para passarem troco errado ou cobrarem produtos que não foram consumidos (aconteceu comigo).
Até mesmo o translado hotel-aeroporto pode ser um problema. No meu caso me foi oferecido translado pelo próprio hotel, ao preço de 330 pesos. Paguei no balcão do hotel e recebi um recibo que, vendo depois, não tinha nem mesmo o nome do atendente do hotel. No dia da viagem, ao chegarmos no aeroporto de Ezeiza, o motorista (não era um taxi e não havia qualquer identificação no veículo) me disse que eu tinha que lhe pagar 450 pesos. Mostrei o recibo do hotel e ele disse que não tinha nada a ver com o que eu havia pago ao hotel e que só liberaria as malas diante do pagamento de 450 pesos. Depois que paguei, pedi recibo, ao que ele incialmente recusou. Depois de uma longa discussão (e a preocupação de perder o vôo), consegui um recibo que constava apenas o primeiro nome do motorista e nenhuma outra identificação.
Minha sugestão para quem viaja para Buenos Aires é não usar o serviço de translado do hotel. O ideal é combinar com um taxista credenciado (os taxis oficiais têm uma placa com todas as informações sobre o veículo e o condutor), pagar antes da corrida e pedir recibo. Isso pode evitar muita dor de cabeça.
Texto originalmente publicado no Digestivo Cultural.
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