sexta-feira, dezembro 27, 2019

O uivo da górgona


Um som se espalha pela cidade (ou pelo estado, ou pelo país, ou pelo mundo?). Um som que ouvido transforma as pessoas em seres irracionais cujo único o objetivo são os instintos básicos de violência e fome. É o uivo da Górgona.
Acompanhe a história dos sobreviventes neste livro de terror, uma história de zumbis diferente, em que qualquer um pode se transformar, bastando para isso ouvir o terrível uivo da górgona.
Escrito em capítulos curtos, o livro transforma o suspense em elemento de fantasia, prendendo o leitor da primeira à última página. 
Pedidos: profivancarlo@gmail.com. 

O desenvolvimento dos meios de comunicação



Uma das ideias básicas do filósofo canadense Marshall McLuhan era a de que pouco importava o conteúdo dos meios de comunicação. O que era realmente importante era o fato desses meios existirem. Essa ideia foi resumida na frase “O meio é a mensagem”. Para McLuhan, a forma como nos comunicamos determina a maneira como nos organizamos socialmente. Mais: a forma como nos comunicamos muda nossos processos mentais.
Uma análise da evolução mostra como se deu essa relação mídia-sociedade-cérebro.
No começo, vivíamos em aldeias. O tamanho da aldeia, segundo o McLuhan, é determinado pelo número de pessoas que podem ouvir a voz do líder. Em uma cultura oral, os grupos devem ser pequenos exatamente para facilitar a comunicação. Se o grupo se tornava muito grande, acabava se separando e formando outro grupo, com outro líder.
Nessa época o sentido mais usado era a audição. A comunicação era feita pessoa-pessoa, sem uso de qualquer plataforma além da própria fala. Era uma comunicação com envolvimento, pois normalmente se falava de pessoas conhecidas de todos e de fatos que muitas vezes tinham importância para a tribo. Não havia separação entre teoria e prática: aprendia-se praticando. As ações mais importantes dessa época, como plantar, caçar e pescar, eram aprendidas tendo como professores parentes, que ensinavam através da prática.
A invenção da escrita mudou o mundo. 
Com a escrita era possível ao líder enviar suas ordens ou receber relatórios de locais distantes, razão pelas quais as cidades foram se tornando cada vez maiores. Esse processo permitiu a criação dos impérios, já que as ordens e relatórios eram enviados por mensageiros (não por acaso, a primeira coisa que os romanos faziam ao conquistar um território era construir estradas ligando o local à Roma, origem da expressão “todos os caminhos levam a Roma”. 
Outra consequência da invenção da escrita foi o surgimento da hierarquia e da mania de classificação.
Numa sociedade muito mais complexa do que a tribo, era necessário haver níveis intermediários de comando, o que dá origem à hierarquia. Esse processo, por outro lado, reflete o surgimento das primeiras bibliotecas. Com tantas mensagens indo e vindo, era necessário organizar as informações. As tabuletas de barro passaram a ser juntadas por assunto, de maneira classificatória e hierarquizada. Assim, as ordens dos reis precisavam ser separadas dos relatórios e mesmo os relatórios deveriam ser separados entre si: a produção de trigo em uma coluna, a produção de gado em outra.
Na época da tribo e do ouvido, lidava-se com a informação relevante e relacional e a memória era biológica: os mais velhos geralmente eram os detentores daquilo que se devia saber para sobreviver: como plantar, pescar, caçar.
O surgimento da escrita e suas bibliotecas organizadas privilegiou a informação classificadora em que tudo deve ser colocado em categorias mutuamente excludentes, dando origem à boa parte da ciência moderna. Assim, uma baleia é considerada um mamífero, embora se pareça com um peixe e viva na água.
Depois das tábuas de argila a escrita encontrou um novo suporte, o papiro, muito mais fácil de ser produzido, mas de pouca duração e difícil de ser carregado, já que os escritos eram unidos em rolos.
O cristianismo, uma religião proibida, encontrou em uma nova mídia a possibilidade de divulgação. O códex era um papiro dobrado para facilitar o transporte. Alguém teve um dia a ideia de juntar essas folhas dobradas, costurando-as e surgiu o livro como o conhecemos hoje. Muito mais fácil de carregar do que um rolo de papiro, esse novo suporte tinha mais uma vantagem: permitia abrir exatamente na página de determinado trecho que interessava. Além disso, enquanto um rolo só permitia reproduzir um evangelho, um códex podia incluir toda a Bíblia.  Foi essa mudança midiática que permitiu ao cristianismo se difundir por todo o mundo ocidental.
Na Idade Média surgiu o pergaminho. Fabricado com peles de animais, o novo papel era muito mais resistente e apropriado para guardar as palavras de Deus. Mas a invenção tinha um custo: os novos livros eram muito caros. Além do preço alto do pergaminho, a maioria deles eram ricamente ilustrados com iluminuras e encadernados muitas vezes com capas em ouro. O livro passou a ser um tesouro que difundia a palavra de Deus, um objeto divino, ao qual a maioria das pessoas não tinha acesso.
Surge aí a ideia de que o que está publicado é verdade. Como duvidar daqueles livros luxuosos, aos quais apenas alguns monges podiam ler e interpretar. Vale lembrar que nessa época todas as Bíblias tinham de ser escritas em Latim e era proibido traduzi-las para as línguas nacionais.
A utilização do pergaminho marcou a transformação do conhecimento em algo divino, ao qual poucas pessoas deveriam ter acesso.
Essa realidade ia mudar completamente com a invenção da imprensa. Mais uma vez a mudança na forma das pessoas se comunicarem iria provocar grandes alterações nas relações sociais e até na mente humana. A invenção da imprensa iria marcar a era das revoluções, o individualismo e o nacionalismo.

quinta-feira, dezembro 26, 2019

Elvis, o pet do Xuxulu, tem talentos secretos


A arte japonesa das cordas nos quadrinhos de Cláudio Seto

A revista Imaginário, do Núcleo de Arte, Mídia e Informação do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Estadual da Paraíba, publicou meu artigo "Shibari: a arte japonesa das cordas nos quadrinhos de Cláudio Seto". Para ler, clique aqui.

Os super-heróis nacionais

Na década de 1960, o sucesso do terror nacional fez com que as editoras incentivassem seus colaboradores a investirem em novos gêneros. Desses, um dos de que tiveram mais sucesso foram os super-heróis. O estudioso Worney Almeida de Souza lista 34 super-heróis brasileiros surgidos antes dos anos 1970, sem contar os super-vilões e heróis não-mascarados.
Nosso primeiro grande super-herói foi o Capitão 7, no início dos anos 1960, baseado num seriado homônimo exibido pela TV Record, de autoria de Ayres Campos. O Capitão 7 é um menino do interior de São Paulo levado a um planeta distante, de onde volta com super-força, super-inteligência, capacidade de voar e um uniforme atômico. O personagem, cujo visual foi criado por Jayme Cortez, foi desenhado por Júlio Shimamoto, Juarez Odilon, Sérgio Lima e Getúlio Delfim e fez muito sucesso, durando muitos números, até por estar ancorado em uma atração televisiva. Chegou a existir até mesmo fantasias do personagem para a época de carnaval.
O sucesso do capitão 7 fez com que a Estrela, maior fábrica de brinquedos da época, encomendasse a criação do capitão estrela, em uma revista lançada pela continental (a mesma do concorrente), que acabou não fazendo sucesso.
O caminho aberto pelo capitão 7 foi explorado por outros artistas, que se aproveitaram do fato de muitos heróis ainda não serem conhecidos no Brasil. Exemplo disso é o Raio Negro, criado por Gedeone Malagola para a editora GEP. Gedeone tinha apresentado o Homem-lua (que depois seria aproveitado), mas como ele não parecia tão super-herói, os editores pediram que ele desse uma olhada no novo Lanterna Verde. Misturando os poderes do Lanterna com o uniforme do Ciclope dos X-men, surgiu o Raio Negro, um dos personagens de maior sucesso da época.
Um dos heróis mais interessantes surgidos no período foi o Golden Guitar, um herói criado para aproveitar o sucesso da jovem guarda. Os donos da editora Graúna queriam licenciar os personagens da série Archie para tentar captar o interesse do público jovem. Como não conseguiram, encomendaram para Macedo A. Torres um herói juvenil inspirado no movimento musical Jovem guarda. O resultado foi um herói psicodélico, que usava como arma uma guitarra, através da qual disparava dardos tranqüilizantes e outras maluquices. Além dos quadrinhos, o gibi trazia letras das músicas de Roberto Carlos, Erasmo e Wanderléa. Essa é atualmente uma das revistas mais raras do período e também uma das mais procuradas pelos fãs.
A estréia dos chamados heróis Shell (os personagens da Marvel foram lançados no Brasil numa campanha dessa rede de postos de gasolina) criou um grande interesse pelo gênero e fez com que surgissem vários gibis nacionais. Eugenio Colonnese criou Mylar, o homem mistério, para a editora Taika.
Outro herói de sucesso foi O Escorpião. Tratava-se de uma cópia descarada do fantasma, feita por Wilson Fernandes a pedido da editora Taika, em 1966. Como a revista começou a vender muito (os dois primeiros números esgotaram a tiragem de 50 mil exemplares), a editora ficou com medo da King features Syndicate, e pediu ao desenhista Rodolfo Zalla e ao roteirista Francisco de Assis que reformulassem o personagem. Assim, o escorpião tornou-se um defensor das selvas amazônicas e continuou sua carreira de sucesso.
Mas nenhum herói do período fez tanto sucesso quanto o Judoka, lançado pela Ebal com roteiros de Pedro Anísio e desenho de vários artistas. O personagem usava um collant com um quimono verde e branco, além de uma máscara. Seu mestre no judô era o sábio Minamoto. Além disso, ele contava com a ajuda de sua namorada Lúcia. A revista pegava a onda ufanista do período militar e exaltava as belezas do Brasil. Para isso, o personagem percorria diferentes pontos do país.
Os heróis brasileiros não resistiram aos anos 1970. uma das razões disso era a censura prévia. As revistas tinham de ser enviadas a Brasília, sendo analisadas por censores, que muitas vezes cortavam cenas, páginas, ou mandavam reformular histórias inteiras. Era mais fácil para as editoras importar quadrinhos americanos, até porque esses não costumavam despertar a atenção dos censores. Além disso, o endurecimento da ditadura e crise econômica foram acabando com o sentimento patriótico e ufanista dos leitores. A moda passou a ser achar bom o que vinha de fora, especialmente dos EUA. Com isso os super-heróis foram desaparecendo. Pior: começou a se achar que esse era um gênero que não podia ser trabalhado por brasileiros, pois tinha pouco a ver com a realidade nacional. De um lado os quadrinhos nacionais de super-heróis eram perseguidos pelos censores da ditadura. Por outro lado, eram perseguidos pelos intelectuais de esquerda, que achavam que eles eram colonialismo imperial norte-americano. 

Lugar Nenhum, de Neil Gaiman




Na segunda metade da década de 1980, os comics americanos foram sacudidos por uma geração de quadrinistas britânicos. Vários artistas, entre desenhistas e roteiristas, invadiram a DC Comics e, embora trabalhassem com personagens menores, fizeram com que eles vendessem tão bem quanto as maiores estrelas da casa, como Batman e Superman. Entre esses artistas, dois se destacaram: Alan Moore e Neil Gaiman.
Alan Moore pegou o título do Monstro do Pântano em vias de ser cancelado e o transformou numa revista respeitada, ganhadora dos mais diversos prêmios. Depois escreveu Watchmen, uma das mais revolucionárias histórias de super-heróis de todos os tempos. O sucesso de seu trabalho fez com que ele retomasse a série V de Vingança, publicando-a pela DC Comics.
Neil Gaiman passou de fã a companheiro de Alan Moore. Inicialmente um jornalista especializado em quadrinhos, ele aproveitou a visita dos editores da DC à Inglaterra para mostrar seu trabalho em conjunto com o amigo Dave Mckean. Para isso, ele escolheu uma personagem obscura da década de 1970, que não interessava a nenhum artista famoso na época: a Orquídea Negra. A minissérie de luxo Orquídea Negra se tornaria um sucesso e revolucionaria o mercado com sua arte fotográfica e texto poético; mas, antes que fosse publicada, os editores sugeriram que Gaiman escrevesse um título mensal. Gaiman começou então sua carreira em Sandman, sendo Dave Mckean responsável pelas memoráveis capas. A primeira seqüência delas mostrava uma prateleira de madeira na qual o artista juntava cacarecos, desenhos e colagens. Ninguém nunca tinha visto aquilo numa história em quadrinhos e muitos certamente compraram Sandman pela primeira vez por causa das capas. Mas o que fez com que eles continuassem a comprar foi o texto excelente de Gaiman.
Em Orquídea Negra e Sandman, Neil Gaiman elevou os quadrinhos a um nível literário poucas vezes alcançado. Qualquer um que botasse os olhos naqueles gibis sabia que estava diante de um grande escritor. O autor trazia conceitos, técnicas e abordagem da literatura, fazendo com que intelectuais se tornassem fãs de Sandman. Até mesmo as mulheres, que normalmente são avessas aos comics americanos, acabaram se rendendo a Sandman. Nas filas de autógrafos, especialmente no Brasil, havia geralmente mais mulheres que homens.
Uma pergunta que todos faziam na época: como se sairiam esses artistas em um trabalho realmente literário? Alan Moore respondeu a essa questão com o romance A voz do fogo, um trabalho denso, pesado, até de difícil leitura, uma daquelas obras que permite várias e várias interpretações.
A resposta de Neil Gaiman foi Lugar Nenhum (Conrad, 2007, 336 págs.), romance escrito em 1996 e lançado recentemente pela editora Conrad.
Lugar Nenhum é adaptação de uma série de TV escrita por Gaiman para o canal britânico BBC. O personagem principal é Richard Mayhew, um jovem escocês que leva uma vida normal em Londres. Tem um bom emprego, mas meio chato, e namora uma garota ideal, embora meio chata.
Mas um dia ele encontra uma garota ferida na rua e, após socorrê-la, sua vida muda completamente. Seus colegas e até sua namorada o ignoram, como se ele não existisse, seu apartamento é alugado para estranhos. Ele não consegue nem mesmo pegar um táxi. É que ele passou a fazer parte da Londres de Baixo, onde vivem os tipos mais excêntricos: assassinos letrados, monges negros, nobres decandentes, falantes de ratês e muitos outros. Agora, para recuperar sua vida de volta, Richard precisa ajudar Door, a garota esfaqueada, a descobrir quem matou sua família.
Como se vê, Gaiman preferiu, em seu primeiro romance, seguir a mesma linha fantástica que o caracterizou em Sandman. Ele decidiu pisar em terreno conhecido e que domina como ninguém. Vale lembrar que muitos afirmam que Harry Potter é uma cópia de Os livros da magia, obra em quadrinhos escrita por Neil Gaiman.
Se em Sandman e Orquídea Negra, Gaiman trouxe para os quadrinhos técnicas e temas literários, em Lugar Nenhum ele faz o caminho inverso. Trouxe para a literatura os avanços alcançados por ele nos quadrinhos. As semelhanças narrativas são óbvias. Quando a namorada dá o fora em Richard, ele vai para casa e o texto narra: "ele tomou um demorado e quente banho de banheira, comeu alguns sanduíches e bebeu várias xícaras de chá. Viu um pouco de TV, à tarde, e ensaiou conversas com Jéssica em sua cabeça. Ao término de cada diálogo imaginário, eles se abraçavam e faziam sexo de um jeito selvagem, apaixonado, furioso, cheio de lágrimas, e tudo ficava bem". Em Sandman 17, na história "Calliope", Gaiman escreveu: "E Madoc levou Calliope para sua casa, e trancou-a no quarto mais alto, que havia preparado para ela. Seu primeiro ato foi violentá-la, na velha e mofada cama de armar. Ela nem mesmo é humana, ele disse a si mesmo. Ela tem milhares de anos de idade. Mas sua carne era quente, e seu hálito doce, e ela segurava as lágrimas como uma criança enquanto ele a feria".
Está ali, também, em Lugar Nenhum, os pequenos contos em meio às histórias maiores, que caracterizavam o roteiros de Gaiman. Em Lugar Nenhum acompanhamos, por exemplo, a história de Anaesthesia, uma garota que acompanha Richard pelo perigoso caminho até o Mercado Flutuante, onde ele deverá se encontrar com Door. A mãe de Anaesthesia ficou louca e ela foi mandada para morar com uma tia, que morava com um homem: "Ele me machucava. Fazia outras coisas também. No fim, eu contei pra minha tia e ela começou a me bater. Disse que eu estava mentindo. Disse que ia me entregar para a polícia. Mas eu não estava mentindo. Então eu fugi. Era meu aniversário". Com o tempo a menina foi se tornando invisível às pessoas, e um dia, quando acordou, fazia parte da Londres de Baixo.
A história da menina mostra a preocupação de Gaiman de construir um perfil até mesmo para os personagens menores. Cada um tem sua história de vida, sua personalidade e até seus cacoetes. As descrições detalhadas fazem com que, com o tempo, o leitor comece a ver essa outra Londres como um mundo ainda mais real do que aquele em que vivemos. São poucos os escritores que conseguem nos mergulhar assim em um mundo construído por eles.
Os que não iniciados no mundo das resenhas talvez não saibam, mas a maioria dos resenhistas lêem os livros com olhares críticos, analisando estilos, tramas e tudo o mais com um lupa racional. Confesso que houve um determinado ponto em Lugar Nenhum que foi impossível continuar fazendo isso, de tal forma a história era envolvente. O mesmo deve acontecer com um leitor comum desde os primeiros capítulos.
Se não bastassem os méritos literários, a Conrad (que publica os encadernados de Sandman) fez um ótimo trabalho editorial, ressaltado pela ótima capa de Dave Mckean (que os editores tiveram o bom-senso de preservar).

quarta-feira, dezembro 25, 2019

Livro Natal Fantástico


Algo que sempre me fascinou nas histórias de Natal é seu elemento fantástico. O conto de Natal, de Dickens, já apresentava diversos elementos de fantasia. O mesmo pode ser dito do filme mais famoso sobre o tema, Do mundo nada se leva, de Frank Capra. Assim, sugeri ao escritor Ademir Pascale a produção de uma coletânea reunindo esses dois elementos: fantasia e época natalina.
O resultado foi o e-book Natal Fantástico. A belíssima capa, de autoria de Marcelo Bighetti (que também ficou responsável pela ótima diagramação do livro) mostrava uma árvore de natal em meio a um ambiente de fantasia e ficção científica e refletia bem o conteúdo do volume. Eu colaborei com um conto, Canção de Natal com uma estrutura semelhante a outro conto famoso de Dickens: Os carrilhões. 
Clique aqui para baixar o e-book.

O homem que inventou o natal



A imagem que se tem hoje do Natal é nitidamente influenciada pelas histórias de Charles Dickens, em especial nos contos Os carrilhões e Canção de Natal.
Canção de Natal foi adaptado para todas as mídias possíveis, a exemplo do filme com Jim Carrey no papel principal. Era a história de um homem avaro que, visitado por três fantasmas na noite de natal, um do passado, outro do presente e um do futuro, acaba descobrindo que o sentido da vida não se limita ao dinheiro. A história de terror é um hino sobre o verdadeiro significado do natal.
A influência dessa história pode ser sentida até nos quadrinhos Disney: o Tio Patinhas é uma versão do personagem. Seu nome em inglês é McScrooge, uma referencia direta ao protagonista de Canção de Natal.

Em Os carrilhões um pobre homem de recados é fascinado pelos sinos da igreja (os carrilhões do título) e sente como se eles o estimulassem a continuar vivendo apesar da pobreza e das dificuldades que ele e a filha enfrentam. No período de natal, ele deixa de acreditar nos sinos e se desespera. Mas serão os sinos que irão lhe mostrar como seria a vida de todos os outros caso ele morresse. Dickens, um cristão convicto, deixa sua mensagem: até o mais humilde dos homens é importante nesse mundo.

O conto, embora não seja creditado, nitidamente serviu de base para A felicidade não se compra, filme de Frank Capra que se tornou símbolo do Natal. Durante anos era uma das atrações obrigatórias na televisão na época das festas. Seu enredo: um homem afundado em dívidas pensa em se matar, mas um anjo lhe mostra que a vida de toda uma cidade estaria muito pior sem ele.
Só esses dois exemplos mostram o quanto a obra de Dickens povoou o imaginário ocidental.
Antes de se  tornar um dos maiores escritores ingleses de todos os tempos, Dickens teve uma infância pobre. Seu pai foi preso por dívidas e ele experimentou na pele todas as dificuldades do período da revolução industrial na Inglaterra, uma época em que poucas famílias faziam fortuna à custa da miséria de milhões de pessoas, que viviam em condições sub-humanas, trabalhando  até 14 horas por dia em troca de um salário que mal dava para a alimentação.
O rapaz conseguiu sair da miséria graças a sua verve humorística. Depois de ser explorado num trabalho em que sua função era pregar adesivos em latas de graxa, Dickens tentou estudar, mas a péssima condição financeira de sua família o levou a abandonar a escola. Para tentar ganhar um pouco mais de dinheiro, o futuro escritor aprendeu estenografia e passou a trabalhar  para o jornal True Sun anotando as reuniões parlamentares e campanhas eleitorais. Era um trabalho difícil, muitas vezes chato, e que o obrigava a viajar pelas cidades do interior e muitas vezes ficar sem comer. Mas Dickens compensava isso anotando casos pitorescos e divertidos.
Um dia ele tomou coragem e enviou uma crônica humorística anônima ao Monthly Magazine. O texto não só foi publicado, como foi lido com avidez e mostrou que o autor tinha talento. o sucesso fez com que ele escrevesse uma série de outras crônicas para o jornal londrino mais popular da época, o Morning Chronicle. Foi quando um famoso desenhista, , propôs realizar uma série de desenhos humorísticos satirizando a política local. Os editores lembraram de Dickens para escrever as legendas, mas este propôs que fosse feito o oposto: que os desenhos ilustrassem seus textos.

O resultado foi as aventuras de Mister Pickwick, uma série que despertou pouco interesse no início, mas virou febre quando Dickens introduziu na história o criado de Picwick, Samuel Weller. O sucesso é total e representa uma virada na carreira profissional de Dickens.
Mas os anos de pobreza permearam quase todo o seu trabalho posterior. Oliver Twist, um dos seus primeiros sucessos, conta a história de um pobre órfão explorado e maltratado por aquelas pessoas que deveriam cuidar de sua proteção. Emblemática a cena em que ele, no asilo, é sorteado pelas crianças para pedir um pouco mais de comida. O cozinheiro toma o pedido como um desacato, uma insubordinação, pois significa que os cálculos das autoridades sobre quanto cada criança deveria comer estava errado. A ironia de Dickens faz do romance uma obra-prima universal.
Essa ironia, colocada a serviço da crítica social, vai permear quase toda a sua obra. Em David Coperfield são mostrados os maus tratos sofridos pelas crianças e o encarceramento por dívidas. O romance é considerado por muitos como uma espécie de autobiografia romanceada.

Publicados em folhetins em jornais londrinos, os textos de Dickens fizeram chorar e rir. Encantaram milhões de pessoas e moldaram o imaginário popular, em especial sobre o natal. Sua importância pode ser percebida não nos prêmios que recebeu ou nos livros que vendeu, mas numa história singela. Dizem que ao receber a notícia de que o escritor havia morrido, uma pobre menina, vendedora de flores na porta de um teatro indagou: “Papai Noel também morreu?”. 

A arte natalina de Haddon Sundblom

A imagem que temos hoje do Papai Noel é fruto de uma longa evolução histórica. Sua origem está no bispo Nicolau de Myra, que ficou célebre ao dar suas riquezas aos pobres. Com o tempo, sua figura passou a representar o bom velhinho que dava presentes no natal. Mas sua imagem era muito diferentes da que conhecemos hoje, com um manto vermelho e mitra (o chapéu usado por bispos). Em 1862 o desenhista norte-americano Thomas Nast remodelou o Papai Noel, dando-lhe alguns quilos a mais e distanciando-o da imagem religiosa. Mas a figura rechonchuda, vestida de roupa e gorro vermelho só se tornou realmente conhecida mundialmente com a campanha de natal de 1931 da Coca-cola, ilustrada por Haddon Sundblom. Seus desenhos se tornaram obrigatórios a partir daí: eles mostravam o sempre sorridente velhinho e ecoavam uma eterna sensação de paz e alegria. Confira algumas das imagens de Haddon Sundblom.












Azatoti quer um presente de Natal diferente


O terrível natal de Kitty Pride


Durante anos foi uma tradição no mercado norte-americano de quadrinhos edições natalinas. Era curioso ver como os roteiristas faziam malabarismos para colocar o tema em histórias de super-heróis. Algumas eram verdadeiros rios de lágrimas, outras tratavam de temas sociais e outras eram só engraçadas.
Uma das mais interessantes é a edição 143 dos X-men, assinada pela dupla genial Chirs Claremont e John Byrne.
A história se passa logo depois da morte da Fênix então não fazia muito sentido uma história melosa. Byrne e Claremont optaram por fazer uma HQ de ação focada na novata Kitty Pride.
A história começa com uma retrospectiva contando o encontro dos X-men com os nagarai, criaturas de outra dimensão muito parecidas com as do filme Alien. Tempestade conseguiu destruir o portal e o professor Xavier acredita que a ameaça está extinta, mas descobrimos que isso não é verdade: na sequência seguinte vemos um dos monstros matando um casal.
Só aí a história foca nos X-men, em Kitty Pride entendiada aprendendo a ligar a nave e a controlar a sala do perigo.
Todos acabam saindo e Kitty fica sozinha na mansão. É quando acaba sendo atacada pelo nagarai.
Para quem não conhece, Kitty é capaz de mudar sua estrutura molecular para atravessar objetos. É um poder ótimo para fuga, mas a criatura é poderosa a ponto de atravessar paredes. Por outro lado, o poder de Kitty parece ser apenas defensivo e logo fica claro que ela só conseguirá se livrar da caçada se matar o monstro. Isso cria um triller em que a tensão aumenta a cada página. Byrne sabia manejar muito bem a ação – e na Marvel os desenhistas tinham total liberdade para criar sua própria narrativa visual. Por outro lado, Claremont era bom no aprofundamento dos personagens (o que, em alguns caso se transformava em um defeito, mas nessa história em específico é muito bem usado). Em outras palavras: é uma HQ em que tudo funciona. Uma bela despedida para marcar a saída de Byrne do título.
Detalhe: quando essa história foi publicada aqui no Brasil, em Superaventuras Marvel 42, os editores simplesmente apagaram a árvore de natal da capa, tirando a referência natalina da história.

terça-feira, dezembro 24, 2019

Batman - edição de Natal

Até o final de década de 1980 era comum as revistas publicarem edições natalinas.Isso funcionava muito bem com quadrinhos Disney e até alguns super-heróis. Mas um dos mais curiosos gibis nesse estilo foi a edição Batman 6 da editora Abril, de dezembro 1984.
Batman foi o personagem da DC que melhor encarnou a fase dark do quadrinhos na década de 1990, o que torna essa edição algo tão diferente. Quem poderia imaginar histórias de Natal com o cavaleiro das Trevas?
A revista reunia duas histórias, uma de 1972 e outra de 1973, ambas escritas por Denny O´Neil e desenhadas por Irv Novick.
Na primeira, um homem comete um roubo para comprar comida para a sobrinha e resolve se vingar do homem que o demitiu. Na segunda, um homem vilão um composto venenoso, capaz de envenenar grande parte da população de Gothan e Batman precisa impedir que isso aconteça. Das duas, a primeira, “Noite infeliz” é de longe a melhor e com certeza a única que é de fato uma história natalina. O´Neil foi responsável pela famosa fase política da revista do Lanterna - Arqueiro Verde e traz toda a sua sensibilidade social para a trama.
Alguns vão dizer que sou piegas, mas eu adoro a capa desta edição.

Xuxulu deseja a todos um Feliz Natal!


A invenção do Natal


Até o início do século XIX o natal era uma data pouco comemorada e muitas vezes proibida por ser considerada não-cristã. Tudo mudou em 1843, quando Charles Dickens escreveu seu pequeno conto de natal sobre um homem rico e avaro que é visitado por fantasmas.
É sobre esse livro que se debruça Les Standiford no volume O homem que inventou o Natal.
O autor entremeia a biografia do autor (da infância miserável ao sucesso, passando pela decadência nas vendas, da qual seria salvo exatamente pelo Conto de Natal) ao processo de criação da história, passando pela ideologia de Dickens, segundo o qual a ignorância e a miséria eram males a serem combatidos (e seu conto seria uma arma importante nessa guerra).
Algo a se destacar é que o pequeno livro de Dickens (que dificilmente daria mais de 100 páginas) gerou uma obra de quase 200 páginas, o que mostra o quanto era rico o texto original.
Standiford faz um bom histórico do natal antes de Dickens e uma boa análise de como o conto influenciou a visão que hoje temos dessa data, com quase todos os elementos presentes na obra do autor inglês (exceto a troca de presentes, aspecto comercial que não se encaixava na proposta de Dickens).
A prosa é fluída mesmo quando o autor se dedica a analisar literariamente o texto de Dickens.
Talvez o aspecto mais fraco seja a parte referente às adaptações. São referenciadas apenas as adaptações diretas e o autor simplesmente ignora duas adaptações de grande sucesso. A primeira, delas, o Tio Patinhas (cujo nome original, Uncle Scrooge, é uma referência direta ao protagonista do conto de natal). A segunda, o filme Do mundo nada se leva, de Frank Kapra, talvez o mais famoso filme de natal de todos os tempos, diretamente retirado do livro seguinte de Dickens sobre o tema, Os Carrilhões.

A vida de Nosso Senhor, de Charles Dickens


Entre os anos de 1846 e 1849, Charles Dickens, o homem que tornou popular a celebração de Natal, queria que seus filhos aprendessem a vida e os ensinamentos de Jesus Cristo da maneira mais simples e clara possível e a melhor maneira de fazer isso seria ele mesmo escrever isso e dar de presente para sua família.
O texto, conhecido inicialmente como “O Novo Testamento para crianças” permaneceu inédito por anos. Dickens considerava que aquele era um texto escrito exclusivamente para sua família e não fazia sentido publicá-lo. A primeira geração de seus descendentes aceitou sua decisão, mas logo ficou claro que não fazia sentido privar os leitores de tão valorosa obra. O resultado é o livro “A vida de Nosso Senhor”, publicado pela Martins Fontes.
Dickens usa a capacidade narrativa que encantou milhões de pessoas em todo o mundo para tornar agradável e simples a vida e a mensagem de Jesus, definido já no primeiro parágrafo: “Jamais viveu alguém tão bom, tão afável, tão gentil, tão cheio de perdão para com todas as pessoas que erraram, ou que era de alguma forma doentes, ou miseráveis”.
Os principais fatos da vida de Jesus, do seu nascimento humilde, em uma manjedoura, à escolha dos apóstolos entre os pobres, sua inteligência, seus milagres e martírio, tudo é contado de maneira simples, com direito a paradas para definir ou explicar palavras ou contextos históricos.
O escritor fez de seu livreto uma ode à tolerância e ao amor ao próximo. Segundo ele, ser cristão é “agir bem sempre, mesmo em relação a quem nos faz o mal. Cristandade é amar ao nosso próximo como nós mesmos e fazer a todos os homens o que desejamos que eles nos façam”.
Em uma época como a nossa, em que pessoas que se dizem cristãs pregam a violência e a intolerância, em que as comemorações de Natal dão lugar a brigas e até mesmo assassinatos, um livreto como esse é um precioso presente para a humanidade.
E a edição da Martins Fontes é primorosa, com papel pólen, diagramação arejada e detalhes em dourado. 

segunda-feira, dezembro 23, 2019

Leitura e escola

A preocupação com a leitura parece cada vez mais urgente num país como o Brasil. Há tempos não se consegue formar uma geração de leitores, mas a situação parece ter piorado. A escola, que deveria ser a grande incentivadora da leitura, está provocando dois fenômenos preocupantes: o analfabetismo funcional e a fobia de livros. 

Os analfabetos funcionais são aqueles que frequentaram a escola mas, por falta de contato com a leitura e a escrita, foram perdendo a capacidade de compreensão do mundo das palavras. Luzia de Maria, no livro Leitura e colheita, conta que realizava uma oficina de leitura quando disse que um analfabeto funcional era aquele que não conseguia entender revistas como Veja, Isto e Época, e três professoras da plateia disseram: "eu". 
A fobia de livros é perfeitamente percebida quando se ouve alguém dizer que tem dor de cabeça quando começa a ler. É como se o organismo reagisse patologicamente a uma experiência traumática. 

Certa vez, eu lecionava um curso de histórias em quadrinhos para crianças da periferia de Belém e perguntei a elas qual era a diferença entre um gibi e um livro. Eu esperava que elas apontassem a ilustração como diferença, pois é possível publicar um livro sem desenhos, mas não é possível o mesmo com uma HQ. A resposta, dada por uma menina, surpreendeu-me: "O livro é chato; história em quadrinho é divertida". 

Na cabeça dela, o livro era algo lido por obrigação puramente escolar, sem nenhum prazer ou contato com a vida.

A grande pergunta que surge é: onde a escola errou? Por que, ao invés de despertar os alunos para a magia da leitura, ela os afastou dessa mesma magia? 

Esse desvio no caminho tem sua origem na noção de leitura que acompanha a maior parte da vida escolar. Nas escolas ainda predomina a visão do livro como objeto sagrado, típica da Idade Média. Nessa época, os escritos eram encadernados em couro, com ornamentação de metais preciosos. As Bíblias que existiam nas igrejas ficavam presas por correntes. O livro era um objeto caro, raro e distante.



Com a invenção da imprensa, surge aquilo que Marshall McLuhanchamou de "Galáxia Gutenberg". É inaugurado o pensamento linear e a visão cartesiana de mundo. 

É também a época das gramáticas normativas. Esses gramáticos viam na palavra escrita o lugar de acerto, de uma linguagem correta, a linguagem dos bons doutos. A linguagem oral, ao contrário, era o lugar do erro, do caos, da inconstância. Orientados pelo pensamento cartesiano, esses gramáticos se interessaram apenas pela ordem expressa da palavra escrita. 

Na escola, essa visão separou a fala e a escrita como ações contrárias, e os textos perderam contato com a vida real. Sua utilização na sala de aula privilegiava não o entendimento, não a atribuição de significado, mas a capacidade de decodificar os signos e de identificar classes gramaticais ou sintáticas. 

Assim, alfabetizado era aquele capaz de ler um texto em voz alta, ou tirar dele os substantivos, os verbos ou identificar as construções sintáticas. Pouco interessava se a pessoa estava conseguindo atribuir significado ao que lia.

Isso não faz parte de um passado remoto. Dia desses, meu filho trouxe um dever de caso que era a "interpretação" de um texto. A tal interpretação consistia apenas em descobrir encontros vocálicos no texto. Ou seja, a narrativa era apenas uma espécie refinada de tortura, com pouquíssima utilidade prática e sem nenhum significado. 

Rubem Alves diz que tem calafrios quando sabe que um de seus textos está sendo utilizado para isso. Enquanto escreve, nenhum escritor pensa em verbos, substantivos, ditongos, hiatos ou algo do gênero. 

Certa vez utilizaram um texto meu, sobre McLuhan, em um vestibular. Fui resolver as questões relacionadas ao meu texto e errei algumas. No texto eu explicava a teoria do filósofo canadense segundo a qual o homem inventou extensões de seu próprio corpo para melhorar seu desempenho. Uma das questões perguntava o que não era extensão do corpo humano. A resposta, segundo os elaboradores da prova, era roupa, porque eu não citava o vestuário em meu texto. Entretanto, uma compreensão correta do artigo levaria a identificar que o conceito era ampliável também para as roupas, afinal, elas são uma extensão da pele. O exemplo mostra que até a interpretação de um texto pode ser transformada em um ato mecânico, de retirar informações de um conjunto de palavras, sem a necessidade de entender seus conceitos. 

A falta de sentido desses exercícios é exemplificada num fato simples: gramática nenhuma jamais transformou alguém em escritor. Escrever é um ato criativo e pensar em hiatos e ditongos enquanto se escreve é provavelmente a melhor forma de se ter um bloqueio. 


Tenho um livro infantil, Os Gatos, publicado por uma editora de Curitiba. Na época a editora estava iniciando na área de literatura infantil e chamou um gramático para revisar os originais. A revisão tornou o texto totalmente incompreensível para uma criança e a editora foi obrigada a chamar uma professora de literatura infantil para refazer a revisão. Para o gramático, era mais importante que o livro fosse escrito nos moldes renascentistas da gramática normativa. Se haveria compreensão por parte da criança, pouco importava. 

Só existe uma maneira de tomar gosto pela leitura: lendo. Só existe uma forma de aprender a escrever bem: escrevendo. Nunca conheci um grande autor que não fosse um leitor voraz e um escritor compulsivo. 

Enquanto o texto for encarado apenas pelos seus aspectos gramaticais, enquanto a interpretação for a simples decodificação, sem a possibilidade de variedade de leituras ou de interpretação, a escola será sempre a criadora de analfabetos funcionais e de pessoas que têm dor de cabeça à simples visão de um livro.

Tropicália


Tropicália é, na minha opinião, o melhor disco de Caetano Veloso. E, entre as músicas, a melhor do disco é No dia em que eu vi-me embora, infelizmente pouco conhecida. A letra usa vários recursos de linguagem, mas o meu predileto é a elipse. Em "minha mãe até a porta Minha irmã até a rua e até o porto meu pai", o poeta omite o verbo foi, tornando muito bonito o texto. A elipse é um recurso muito usado em quadrinhos, mas só os grandes quadrinistas sabem como se faz. Ah, também vale destacar a capa, que lembra os quadrinhos franceses da época.

No dia em que eu vim-me embora
(Caetano Veloso e Gilberto Gil)
Int.: No dia em que eu vim-me embora minha mãe chorava em ai
Minha irmã chorava em ui e eu nem olhava pra trás
No dia que eu vim-me embora não teve nada de mais
Mala de couro forrada com pano forte brim cáqui
Minha vó já quase morta, minha mãe até a porta
Minha irmã até a rua e até o porto meu pai
O qual não disse palavra durante todo o caminho
E quando eu me vi sozinho, vi que não entendia nada
Nem de pro que eu ia indo nem dos sonhos que eu sonhava
Senti apenas que a mala de couro que eu carregava
Embora estando forrada fedia, cheirava mal
Afora isto ia indo, atravessando, seguindo
Nem chorando nem sorrindo sozinho pra Capital
Nem chorando nem sorrindo sozinho pra Capital
Sozinho pra Capital
Sozinho pra Capital
Sozinho pra Capital...