sexta-feira, abril 28, 2023

O que fazemos nas sombras

 


Filme neozelandês de 2016, O que fazemos nas sombras é um ótimo exemplo do gênero mocumentário (documentário falso). Na história, uma equipe de documentaristas, devidamente protegidos por crucifixos, acompanha o cotidiano de quatro vampiros centenários moradores de um castelo.
Além disso, como dividem o mesmo local, os personagens enfrentam problemas de convivência, como por exemplo, decidir quem lava a louça – ou
A excêntrica lista de personagens, que conhecemos logo na primeira cena, dá o toque de humor da história: o engomadinho Viago, o revoltado Deacon, o “sensual” Vladslav e Petyr, que não fala uma única palavra durante todo o filme. As referências aí são óbvias: Viago, por exemplo, é uma versão anedótica dos vampiros do livro Entrevista com vampiro, Vladslav é uma referência direta ao Drácula de Coppola e Petyr é Nosferato, clássico do cinema expressionista alemão.
A dinâmica entre esses quatro (e os outros personagens que vão aparecendo depois) é perfeita. Logo no começo do filme, por exemplo, o engomadinho Viago faz uma reunião para discutir sobre as tarefas da casa e acusa Deacon de não lavar a louça há cinco anos. O humor surge exatamente disso: de vampiros, seres sobrenaturais, tendo que lidar com questões cotidianas, como a limpeza da casa, louça para lavar, contas para pagar, serviçais que insistem em ser transformados em vampiro, a sujeira resultante de quando um deles acerta uma artéria principal de uma vítima etc.
A graça da coisa  está exatamente nisso: em imaginar como seria a vida real de vampiros em uma sociedade morderna. Um exemplo: como não têm reflexo, os vampiros são incapazes de perceber se suas roupas são adequadas ou não à nossa época. Também não podem entrar em uma boate, já que vampiros só podem entrar em um local se forem convidados.
A produção é tosca, com efeitos especiais óbvios para os dias de hoje, mas isso, ao invés de atrapalhar, ajuda, contribuindo para o clima de humor da história.
O que fazemos nas sombras fez tanto sucesso que já se fala em fazer uma série da Fox dirigida por Taika Watiti (Thor: Ragnarok), um dos diretores do longa. Resta saber se conseguirão manter o mesmo ritmo sem que pareça uma piada esticada.

Histórias de robôs

 

 

A primeira impressão que se tem ao folhear o primeiro volume da trilogia Histórias de robôs, da coleção L&PM Pocket, é de decepção. O nome, enorme, de Isaac Asimov na capa dá a entender que se trata de uma coletânea de histórias do autor de Eu, robô. Na verdade, Asimov foi apenas um dos organizadores e contribuiu com um conto para cada capítulo da trilogia. A decepção tem sua razão de ser. Asimov é garantia de boa leitura. Com uma narrativa simples, mas fluente, ele deliciou geração de fãs com seus contos construídos a partir de uma premissa lógica, como as três leis da robótica (1 -  um robô não pode fazer mal a um ser humano e nem permitir que algum mal lhe aconteça; 2 - um robô deve obedecer às ordens dos seres humanos, exceto quando estas contrariarem a primeira lei; 3 - um robô deve proteger a sua integridade física, desde que com isto não contrarie as duas primeiras leis). Aliás, foi ele que criou a palavra robótica.
Entretanto, aqueles que se aventurarem a ler, vão descobrir que a seleção vale a pena, mesmo com a pequena participação de Asimov. O volume 1 reúne as primeiras histórias sobre robôs, incluindo Robbie, o conto de estréia de Asimov.
O feitiço e o feiticeiro, de Ambrose Bierce, de 1894, abre o volume. Bierce é um famoso jornalista e contista norte-americano. É um nome célebre, mas sua história ¨O feitiço e o feiticeiro¨ parece deslocada na coletânea.  O conto narra a história de uma máquina capaz de jogar xadrez que se rebela contra seu criador. A narrativa é, provavelmente influenciada pelo jogador automático inventado por Wolfgang Von Kemplen em 1809. A máquina chegou a vencer Napoleão II num jogo e causou reboliço. Depois, descobriu-se que existia na verdade um anão dentro do mecanismo, movimentando as peças. Bierce pretende discutir as implicações filosóficas da criação de uma máquina desse tipo, mas não avança muito. Além disso, seu robô descontrolado destoa totalmente dos robôs apresetados nos outros contos da coletânea.
A máquina perdida, de John Wyndham, de 1932 já apresenta um robô bem intencionado, ou pelo menos não-maligno. Outra novidade é a história contada em primeira pessoa pelo próprio robô. Isso, acrescido do suicídio do personagem robótico levaram a história a contar na coletânea. A narrativa, ao mostrar um robô alienígena em suas aventuras pela terra tem um toque humorístico e antropológico que vale a leitura, mas é apenas aperitivo para o que vem adiante.
¨Rex¨, de Harl Vicent, de 1934, é um exemplo muito interessante de história de robôs, embora insista no complexo de Frankstein, como Asimov chamava a mania de mostrar os robôs como malignos. O interessante aqui é que o robô, em sua lógica fria, pensa estar fazendo o melhor para a humanidade ao instalar uma ditadura mecânica. Outra característica interessante é que o robô rex não é uma lata de sardinha ambulante. Ao contrário. Sua pele era de material plástico, usava peruca e roupas masculinas. Era como um ser humano comum, exceto por um detalhe: não tinha sentimentos. E quando finalmente consegue tê-los é que advém sua desgraça.
¨Robbie¨, de 1940, é um marco. É a narrativa simples de uma garotinha apaixonada por seu robô. Mas já se encontram ali referências às leis da robótica e à cientista Suzan Calvin, que seria fundamental em obras posteriores. Asimov escreveu o conto em 1939, quando tinha apenas 19 anos. Ele enviou o texto para John W. Campbell, editor da revista pulp Astouding. Numa daquelas ironias do destino, Campbell devolveu o original com a desculpa de que o conto não tinha o nível de qualidade que pretendia manter. Mal sabia que estava diante de um clássico. Frederick Pohl percebeu o talento do novato e publicou a história na revista Super-sience.
Um dos pontos altos do livro é o conto seguinte, ¨Adeus ao mestre¨, de Harry Bates, de 1940. Foi esse conto que deu origem ao clássico do cinema ¨O dia em que terra parou¨, de 1951. Todos os fãs de ficção conhecem a história do embaixador espacial Klaatu, que vem à terra para nos alertar sobre o perigo nuclear.  O filme de Robert Wise criou imagens que entraram no imaginário popular, e chegou a se tornar música de Raul Seixas. Mas Hollywood aproveitou do conto apenas os elementos básicos, mudando muito da trama. Em ¨Adeus ao mestre¨, o personagem principal é o robô. Depois que Klaatu morre, um monumento é erigido em sua homenagem ao redor da nave, que não pode ser aberta, e do robô, que não se mexe e aparentemente está inativo. Mas algo de estranho parece estar acontecendo e um fotógrafo decide passar a noite no local para tentar desvendar esse mistério. É nesse ponto que começa a trama, todo o restante (o que seria, aproximadamente, o filme de Wise) é contado em flash back. Embora extenso, o conto tem aquele aspecto de fascínio e mistério que caracteriza uma boa ficção-científica. Some-se a isso um final surpreendente e, ao mesmo tempo, irônico, e tem-se um dos melhore momentos dessa coletânea.
Se ¨Adeus ao mestre¨ é um trunfo em termos de trama e final surpresa, ¨A volta do robô¨, de Robert Moore Williams, de 1938, se destaca pela narrativa elegante. Quem já leu Ray Bradbury certamente vai se lembrar de seu texto poético ao ser ler este conto. A trama é simples, mas ecoa um conteúdo mítico, como bem destaca o texto de abertura. Trata-se do mito do eterno regresso, mas aqui os heróis aventureiros que voltam para casa não são humanos, mas robôs. Eles voltam para a terra em busca de sua origem, dos seres que os haviam criado (Nesse sentido, a trama lembra Jornada nas estrelas, o filme, de 1979, também de Robert Wise). Encontrando uma terra devastada por um vírus, os robôs a imaginam povoada, mas sua imaginação não vai além de seus próprios paradigmas: ¨Tentou imaginar milhões de habitantes perambulando por aquela cidade. Viu corpos de metal cintilante caminhando pelas ruas, flutuando no ar, junto à parede do edifício¨. Assim, a história dialoga com a filosofia e com a ciência cognitiva, como costumam fazer as boas obras de FC.
Esse conto curto ficou tão bom que o editor Lester Del Rey insistiu para que Williams continuasse a história, contando como os robôs haviam chegado ao planeta distante. Williams sabiamente declinou da oferta, mas deu autoriação para que o amigo o fizesse. O resultado foi ¨Mesmo que os sonhadores morram¨, de 1944. A presença do conto no volume vale para lembrar que às vezes é melhor deixar as coisas como estão. O interessante de ¨A volta do robô¨ é justamente os pontos não explicados, que deixam espaço para a imaginação e o racicínio do leitor. Lester Del Rey sintetizou todo o significado filosófico em uma única frase, a mesma do título, banalizando os aspectos discutidos por Williams.
Finalmente, Satisfação, de 1951, de A.E. van Vogt, fecha o volume. É uma história interessante, mas que parece com uma piada que se estende demais e perde a graça. De interessante aqui, a narrativa do ponto de vista de um computador (chamado cérebro, na história) e seus pontos de vista sobre os seres humanos. Não chega a fazer feio, mas também é o melhor do volume.
Histórias de robôs é, apesar da inconstância, um bom livro. De negativo mesmo, só a capa. A coleção L&PM Pockets atualmente tem se destacado por algumas belas capas, que se destacam nas prateleiras, apesar do tamanho reduzido. Aqui, o responsável apenas colocou um fundo rosa com o título e o nome dos autores. Talvez a necessidade de destacar o nome de Isaac Asimov, como medida editorial, tenha imposto limitações, mas mesmo assim seria possível colocar ao menos uma figura.

quinta-feira, abril 27, 2023

Condorito

 


Embora seja pouco conhecido no Brasil, Condorito é um dos personagens de histórias em quadrinhos mais populares da América Latina. Criado em 1949, pelo cartunista René Rios, conhecido como Pepo, o personagem surgiu como uma reação ao desenho animado Saludo amigos, que trazia um representante do Brasil (Zé Carioca), um do México (o galo Tribilín) e um dos EUA (o Pato Donald). Indignado por não ver seu país representado na película, Pepo resolveu bolar um personagem que fosse o símbolo do Chile.
Para isso ele se baseou no condor, uma ave símbolo dos andes.
Com o tempo, as aventuras do personagem foram ultrapassando as fronteiras do Chile e se tornaram populares em outros países da América do Sul, como Peru e Argentina. No Chile ainda hoje ele reina sozinho:  suas revistas são mais presentes nas bancas que as dos heróis americanos da Marvel e DC. Nos locais turísticos são vendidos imãs de geladeira com a figura do personagem no seu traje típico, com camisa vermelha (numa referência à camisa da seleção chinela), calça preta de campesino, boina e sandálias.
Condorito vive na cidade fictícia de Pelotillehue (que poderia ser traduzido como lugar de gente tonta).
Uma característica curiosa é que, embora a maioria dos personagens masculinos sejam mostrados de forma caricata, as mulheres jovens são sempre muito belas e atraentes, reflexo do talento de Pepo para desenhar beldades.
A estrutura das histórias é simples, com piadas que raramente ultrapassam uma página (algumas são de meia página) e sem continuidade. Embora haja personagens fixos, eles mudam de uma história para outra. O próprio Condorito sofre grandes transformações de uma tira para outra, em especial com relação às profissões: em algumas é padre, em outras é mecânico, em outras é militar. Em algumas histórias ele é esperto, em outras, atrapalhado ou simplesmente tonto.
Uma característica curiosa é que normalmente as tiras terminam com algum personagem caindo para trás, assustado com a situação cômica – e o desenho mostra apenas seus sapatos, como forma de destacar o humor da cena.

Surfista Prateado: Parábola

 


Poucos títulos para uma obra poderiam ser tão adequados quanto a graphic novel do Surfista Parábola escrita por Stan Lee e desenhada por Moebius.
Quando os dois se encontraram em uma feira do livro, surgiu a ideia de fazer um trabalho em conjunto e Moebius sugeriu o Surfista. Mas como adequar a história ao estilo do autor francês? Lee voltou à origem do personagem. Conta-se que no argumento original da aparição de Galactus estava escrito: “O Quarteto Fantástico enfrenta deus!”.

Stan Lee retoma esse conceito, usando-como uma história alegórica, sobre os perigos da religião cega. Na HQ galactus volta à terra, mas não ataca. Simplesmente mostra o seu poder e se deixa idolatrar pelos humanos. Mas é uma religião cega e irracional, que leva a uma onda de irracionalidade, violência e intolerância.
Stan Lee coloca na HQ muito da sua maneira de ver o mundo, em especial nas falas do Surfista: “eles têm sede de lideranças, como um bebê que anseia o ventre materno. Certamente é por isso que são presas tão fáceis de tiranos e ditadores. Por que não percebem que a fé mais verdadeira de alguém é a fé em si mesmo? O que lhe causou desespero a ponto de buscar alguém que lhes mostre o caminho?”.

Moebius, por outro lado, buscou refletir na arte essa essência alegórica. Seu traço é fluído, leve, automático. São belíssimas páginas, com destaque para o confronto entre Galactus e o Surfista.
Essa história foi lançada aqui originalmente na coleção Graphic Novel, da editora Abril. Posteriormente a Panini fez uma edição em capa dura que até hoje pode ser encontrada em livrarias.  

Ken Parker – Um hálito de gelo

 


Em 1984 Berardi e Milazzo estavam insastisfeitos com o ritmo insano de produção em massa da Bonelli, com álbuns de aproximadamente 100 páginas produzidos mensalmente. A solução foi criar a própria editora e publicar álbuns de luxo. O primeiro desses álbuns, “Hálito de gelo” foi lançado no Brasil pela editora Ensaio em 1994.
Além da história do título, o álbum traz uma história introdutória, “Os cervos”, uma rica demonstração narrativa da dupla. Na HQ, Ken está caçando cervos quando descobre que atirou numa fêmea com filhotes e, compadecido, começa a tratar de sua perna atingida e alimentar a família. A história não tem texto, apenas imagens – e ele seria totalmente desnecessário. A história é poética, pungente, com um plot twist emocionante.
Parker está fugindo junto com outras pessoas pelas montanhas geladas. 


Em “Um hálito de gelo” Ken está fugindo para o Canadá em um perigoso caminho pelas montanhas geladas depois de ser acusado de matar um policial
Junto com ele fogem um índio que acabou de fugir da prisão (e para isso matou o carcereiro), um casal em que a mulher fugiu do marido e um repórter fazendo uma matéria sobre essa rota de fuga.
O grupo, que está sendo perseguido por policiais, enfrenta todo tipo de perigos, de lobos a ladrões, mas os conflitos internos são a maior ameaça. Berardi é um mestre na caracterização dos personagens e consegue explorar muito bem a personalidade de cada um e a relação entre eles.

Jovens Titãs em ação

 


Eu conheci o desenho animado “Jovens Titãs em ação” graças ao meu neto e foi uma grata surpresa: esse seriado é um dos mais invetivos e curiosos da atualidade. Um verdadeiro show de humor, auto-referências e até mesmo... metalinguagem!
Nessa última categoria um episódio que vale a pena ver é Titãs Clássicos, da quarta temporada.
No episódio, um fã, chamado Maluco do Controle transforma os heróis em versões do que seria o primeiro desenho do grupo. A piada já começa aí: o plot é uma crítica direta aos nerds que reclamam que o desenho destruiu suas infâncias.
Transformados em suas versões “clássicas”, os heróis se esbaldam em comentários metalinguísticos: reclamam que só conseguem mexer a cabeça e os braços, reclamam da narração preguiçosa, que explica a trama para os expectadores (ao que o narrador retruca que, devido aos problemas da animação, ninguém entenderia a história sem sua narração) e comentam o quanto o vilão (que quer destruir o mundo com dinossauros) é unidimensional e parece não ter uma motivação real.
A primeira versão dos personagens a aparecer na telinha 

A animação é outra fonte rica de referências: eles usam todos os recursos batidos dos desenhos dos anos 1970: sons estranhos quando alguém usa poder, o vilão caricato que é mostrado diversas vezes rindo para economizar frames etc.
Uma curiosidade é que os Jovens Titãs tiveram de fato um desenho em 1967 produzido pela Filmation... e, sim, tinha todos os defeitos apontados, incluindo o narrador que contava toda a história. Dá para ver um episódio aqui: https://www.youtube.com/watch?v=Ace8mpPshUM

A privatização do estado

 


Em recente entrevista, o ministro da economia Paulo Guedes afirmou que estima-se que metade do servidores públicos brasileiros vão se aposentar nos próximos quatro anos. Isso, claro, inclui policiais, professores, médicos. Mas ele avisa: não haverá concurso para substitui-los.
Essas áreas já sofrem com uma falta crônicas de profissionais, em especial a área de Educação. Na maioria das escolas os alunos passam meses sem aulas de algumas disciplinas por falta de professores.
A solução do governo parece ser jogar para o cidadão a obrigação que deveria ser do Estado. Prova disso é toda a campanha feita para promover a educação domiciliar e contra a educação pública gratuita.
O argumento é simples. Quer educação? Eduque seu filho em casa. Quer segurança? Compre uma arma. Quer saúde? Faça um plano de saúde. Quer aposentar? Faça um plano privado.
E isso em um dos países com maior carga tributária do mundo. Cerca de 40% de todo dinheiro que circula no Brasil vai para o governo. E a carga tributária não dá mostras de que vai diminuir. Como não houve correção da tabela do imposto de renda, este ano os brasileiros vão pagar mais imposto que em 2021.

O dia em que a espada e magia nasceu

 


O gênero espada e magia tem uma data de nascimento: agosto de 1929. Foi nesse mês que a revista Weird Tales, publicou a história “The Shadow Kigdon”, de Robert E. Howard.

A história fazia parte de um conjunto de oito histórias enviadas por Howard para o o editor Farnsworth Wright e era protagonizada por um personagem chamado Rei Kull. A história era “robusta, violenta, sanguinária, repleta de ação, mistério e descobertas sensacionais. É uma das mais vigorosas e bem-sucedidas histórias de Howard”, afirma Lin Carter em texto publicado em Savage Sword of Conan 3.

Howard inovara fundindo três diferentes estilos em um só. Segundo Carter, “ele pegou o tipo de história que Clark Ashton Smith passada nos fabulosos e cintilantes reinos da alvorada de magia e feitiçaria, os contos de terror lovecraftiano sobre o mal sobrenatural e pré-humano e enxertou tudo com as novelas heroicas de espadachins escritas por Harold Lamb, Rafael Sabatini e Talbot Mundy”, resume Carter.

Era de se esperar, portanto, que essa fosse uma edição antológica. Nada mais distante da realidade. Ninguém, nem mesmo o editor, parecia ter noção de que estava nascendo ali um dos gêneros mais famosos da literatura de gênero.

A capa era bem fraquinha, mostrando uma mulher nua e acorrentada. Havia uma única chamada na capa, destacando a história “The inn of Terror” (A estalagem do terror), do escritor francês Gaston Leroux – autor de O fantasma da ópera (informação que aparecia com enorme destaque).

Além da históira de Howard, nenhum dos contos publicados naquela edição ganhou qualquer destaque superior (tinha até uma história de uma tal de Lois Lane).

Na edição seguinte, as cartas elogiavam efusivamente as histórias de Gaston Leroux e de E. F. Benson. A história de Howard recebeu apenas algumas palavras elogiosas em uma das cartas.

“The shadow Kigndon” foi um conto que passou despercebido na época, mas iria ter grande impacto no futuro.

quarta-feira, abril 26, 2023

Isaac Asimov fala sobre o ensino do criacionismo nas escolas

 

Trechos de um texto de Isaac Assimov sobre o ensino criacionismo nas escolas e publicado no jornal The New York Times:

Se o governo pode mobilizar sua polícia e suas prisões para assegurar que os professores
dêem tempo igual ao criacionismo, eles podem em seguida usar a força para assegurar que os professores declarem o criacionismo como vitorioso, de forma que a evolução seja banida das salas de aula. Teremos estabelecido uma base, em outras palavras, para a ignorância legalmente estabelecida e para o controle de pensamento totalitário. E o que acontece se os criacionistas vencerem? Eles poderiam vencer, você sabe, pois há milhões que se tiverem que escolher entre a ciência e sua interpretação da Bíblia, escolherão a Bíblia e rejeitarão a ciência, apesar dos indícios.
Isso não ocorre somente devido à reverência tradicional e irracional das palavras literais da
Bíblia; existe também um desconforto – mesmo medo – da ciência que joga mesmo aqueles que se importam pouco com o fundamentalisimo nos braços dos criacionistas. Por um motivo: a ciência é incerta. As teorias estão sujeitas a revisão, as observações estão abertas a uma variedade deinterpretações, e os cientistas discutem entre si. Isso é decepcionante para aqueles não treinados no método científico, que assim, preferem se voltar para a rígida certeza da Bíblia. Existe algo de confortável sobre uma visão que não admite desvio e que poupa a pessoa da dolorosa necessidade de ter de pensar.
Em segundo lugar, a ciência é complexa e desafiante. A linguagem matemática da ciência é
compreendida por muito poucos. Os cenários que ela apresentam são assustadores – um universo enorme regido pelo acaso e por regras impessoais, vazio e indiferente, indomável e vertiginoso.
Quão confortável, por outro lado, é um mundo pequeno, com uns poucos milhares de anos, sob o cuidado pessoal e imediato de Deus; um mundo em que você conta com Seu cuidado pessoal e ondeEle não te condenará ao inferno se você for cuidadoso e seguir cada palavra da Bíblia da forma que o pastor da televisão interpretar para você.
Terceiro, a ciência é perigosa. Não há dúvida de que gás venenoso, engenharia genética,
armas nucleares e usinas de força são aterrorizantes. Pode ser que a civilização esteja se destruindo e que o mundo que conhecemos esteja chegaodo ao fim. Nesse caso, por que não se voltar para a religião e esperar pelo Dia do Julgamento, quando você e os seus companheiros crentes serão elevados ao eterno êxtase e terão ainda a alegria de ver os gozadores e descrentes se contorcerem em tormento para sempre?
Então por que eles não poderiam vencer?
Há varios casos de sociedades em que os exércitos da noite têm cavalgado triunfantes sobre
as minorias a fim de estavelecer uma ortodoxia poderosa que dita o pensamento oficial.
Invariavelmente, a cavalgada triunfante vai na direção de um desastre de longo alcance. A Espanha dominou a Europa e o mundo no século 16, mas na Espanha a ortodoxia vinha primeiro, e toda divergência de opinião era suprimida implacavelmente. O resultado foi que a Espanha ficou na obscuridade e não compartilhou do fermento científico, tecnológico e comercial que borbulhava em outras nações da Europa Ocidental. A Espanha permaneceu numa estagnação intelectual por séculos.
No final do século 17, a Franca, em nome da ortodoxia, revogou o Edito de Nantes e expulsou muitos milhares de huguenotes, que adicionaram seu vigor intelectual a terras de refúgio como a Grã-Bretanha, a Holanda e a Prússia, enquantoa Franca foi enfraquecida permanentemente.
Numa época mais recente a Alemanha perseguiu os cientistas judeus da Europa. Eles
chegaram aos Estados Unidos e contribuíram imensamente para o seu avanço científico, enquanto a Alemanha perdia tão pesadamente que não se pode dizer quanto tempo vai levar até que elarecupere sua antiga eminência científica.
A União Soviética, em sua fascinação com Lysenko,destruiu seus geneticistas, e atrasou as ciências biológicas por décadas.
A China, durante a
Revolução Cultural, voltou-se contra a ciência ocidental e ainda luta para superar a devastação resultante.
Como iremos agora, com todos esses exemplos diante de nós, cavalgar de volta ao passado
sob a mesma bandeira esfarrapada da ortodoxia? Com o criacionismo a tiracolo, a ciência
americana definhará. Criaremos uma geração de ignorantes mal-equipados para dirigir a indústria de amanha, e muito menos para gerar os novos avanços dos dias de depois de amanhã.
Vamos inevitavelmente retroceder à retaguarda da civilização e aquelas nações que
mantiverem aberto o pensamento científico tomarão a liderança do mundo e da fronteira do
progresso humano.
Não creio que os criacionistas planejem realmente o declínio dos Estados
Unidos, mas o seu patriotismo expresso em altas vozes é tão ingênuo quanto sua “ciência”. Se eles tiverem sucesso, eles irão, em sua loucura, obter o oposto do que dizem desejar.

Cabanagem: A miserável revolução das classes infames

 


A Cabanagem foi a mais sangrenta guerra civil da América Latina. Foram 35 mil mortos, 30% da população da região amazônica. Entretanto, é uma das menos conhecidas revoltas do período regencial. Uma ótima obra para os interessados no assunto é A miserável revolução das classes infames, de Décio Freitas (editora Record).
Décio conta que o livro é baseado em cartas que lhe foram entregues por um amigo espanhol. Escritas meio em francês, meio em bretão, eram redigidas por um revolucionário francês que participara da revolta paraense.
Já nos finais da revolução francesa, muitos indíviduos do grupo que perdia o poder, ao invés de serem guilhotinados, eram simplesmente enviados para a Guiana francesa. Era a “guilhotina seca”.
Quando Napoleão chegou ao poder, continuou a prática e quando este foi derrotado, seus inimigos fizeram o mesmo. Dessa forma, na Guiana Francesa podia-se encontrar desde jacobinos veteranos da revolução francesa a pessoas perseguidas por Napoleão.
Entre os revolucionários enviados para a Guiana está Jean-Jacques Berthier, expulso da França com apenas 14 anos. E este é o autor das cartas que servem de base para o livro. Assim, os principais fatos do conflito amazônico são esmiuçados do ponto de vista desse personagem. As cartas, no entanto, parecem ser só uma estratégia de verossimilhança. Da mesma forma que Umberto Eco inventou que O nome da Rosa não era um romance, mas a tradução de um texto real da Idade Média, Décio aparentemente  inventa que seu livro é resultado das cartas recebidas de um amigo e traduzidas a grande custo do bretão.
Mas se o personagem é fictício, os fatos históricos narrados no livro são reais. O autor pesquisou a fundo o período e lança uma nova luz sobre a revolta.
A começar por algo que fica claro durante toda o obra: a cabanagem foi a nossa revolução francesa. A relação é, de fato, direta.
Quando Napoleão invade Portugual, D. João e a corte portuguesa são obrigados a fugir para o Rio de Janeiro. Mas, em retaliação, D. João manda invadir a Guiana Francesa com o apoio dos ingleses.
A conquista é fácil, mas vai ter grandes consequências. Na época, a colônia francesa estava repleta de revolucionários jacobinos. Como eram inimigos de Napoleão, os portugueses são tolerantes com eles e alguns até são levados a Belém para ajudar na construção de um palacete para o governador. Outros vão por conta própria.
Além disso, os soldados brasileiros que participaram do conflito têm contato direto com as ideias dos revolucionários. Em pouco tempo, Belém não só estava cheia de jacobinos, mas também de soldados brasileiros com ideias revolucionárias.
Décio faz uma descrição ampla de Belém e das condições sociais do Pará à época.
O Pará era dominado pelos portugueses e pelos mestiços de principais famílias. Aos negros restava a escravidão e aos índios, chamados tapuios, a miséria. Era comum, por exemplo o sequestro de meninais tapuias destinadas à lascívia dos endinheirados. São as “índias de corda”: seus captores furam suas orelhas pela qual passam uma corda que prende uma às outras. Se tentarem fugir, provocam dores atrozes nas outras.
O governador, corrupto, pensa em uma só coisa: enriquecer mesmo que à custa de saquear o povo local.
A língua mais falada não é o português, mas a língua geral, o Nheengatu, língua indígena baseada no tupi e criada pelos jesuítas. 
Um fato que antecipou e, de certa forma provocou a revolta da cabanagem, foi o massacre do Brigue Palhaço.
Quando o Brasil se tornou independente, o Pará não aderiu. Afinal, a capital paraense era mais próxima de Portugal do que do Rio e comércio era todo com a Europa.
D. Pedro manda um mercenário inglês, Lorde Greenfell, para providenciar a adesão do estado ao império brasileiro.
Greenfell faz um acordo com as principais famílias, que aceitavam aderir à independência em troca de manter o status quo.
A população pobre se revolta: esperava-se que a adesão do Brasil à independência mudasse alguma coisa na situação política e social do estado, mas continua tudo como estava.
A rebelião estoura: as pessoas saem às ruas saqueando os comércios dos portugueses. A repeensão, efetuada pelo mercenário é cruel e aleatória. Ele envia seus soldados, que recolhem todos que encontram na rua e, sem qualquer julgamento, os aprisiona no porão de um navio, o Brigue Palhaço.
Eram 256 pessoas aprisionadas em um espaço mínimo, num calor extremo, sem água ou comida. A ideia era matá-los de fome e sede, mas quando o gemido agonizante dos aprisionados começou a incomodar os soldados, Greenfell mandou dar tiros a esmo no porão. Não deu certo. Os gritos de agonia continuaram. A solução foi radical: jogar cal no porão, asfixiando os prisioneiros. De todos, apenas uma pessoa sobreviveu.
Essa tragédia marcaria para sempre a história do Pará e seria, anos mais tarde, o estopim para a revolta dos cabanos.

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A arte hiper-real de Ron Mueck

 

Ron Mueck é um artista australiano radicado na Gran Bretanha. Seu trabalho reproduz figuras humanas com perfeição hiper-real, mas em escalas estranhas (ou muito pequena ou muito grande), que desconsertam o expectador e o levam a um outro olhar sobre a realidade.









A origem do livro Cabanagem

 


A ideia para o livro Cabanagem surgiu de uma conversa com o amigo José Ricardo Smith.
Ele me apresentou algumas moedas feitas pelos cabanos (na verdade, moedas da regência “carimbadas” com novos dizeres) e comentou sobre o quanto essa revolta tinha se alastrado pela Amazônia. E no final perguntou: “Por que você não faz um livro sobre a cabanagem no Amapá?”.
Eu nunca tinha ouvido falar que a cabanagem tivesse chegado ao Amapá, mas ao pesquisar, acabei descobrindo que ela se alastrou pela Amazônia praticamente inteira. E os cabanos usavam para isso canoas, na maioria das vezes amarradas umas às outras, que impulsionadas por braços fortes de índios, negros e mestiços, atravessavam rápidas os igarapés da região.
Eu comprei livros, baixei teses, artigos, li muito sobre o assunto, mas a ideia de fazer um livro histórico não me agradava.
Eu queria fazer uma obra de fantasia histórica, um gênero em que o fantástico se mescla aos acontecimentos reais.
Jorge Luís Borges dizia que o estilo do escritor consiste, basicamente, na repetição de temas. Os temas preferidos de Borges eram espelhos, tigres, espadas e mensagens cifradas. A maioria de seus textos tem pelo menos um desses elementos, muitos têm todos.
O que Borges talvez tenha percebido é que, por alguma razão, as histórias só funcionam para escritores se tiverem aqueles elementos que fazem parte do seu estilo.
Assim, a trama de Cabanagem só se estabeleceu quando consegui descobrir uma maneira de colocar nela um psicopata. Meus dois outros livros, Galeão e O uivo da górgona, têm psicopatas assassinos.
A partir desse plot básico (um grupo de cabanos fugindo e sendo perseguidos por soldados chefiados por um psicopata assassino) a história se firmou. Também se tornou mais fácil incluir um outro elemento que me é muito caro: os mitos amazônicos. E se essas lendas tomassem partido de um lado ou do outro do conflito?
Assim surgiu o meu livro Cabanagem. 

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Superman Terra um

 


A mitologia do Superman é uma das mais conhecidas da atualidade. Poucas pessoas não conhecem a história do planeta que estava prestes a explodir e da criança que escapou do desastre numa pequena nave e foi criada por um casal de fazendeiros do interior dos EUA, tornando-se, quando cresceu, o maior herí da terra. Reimaginar essa mitologia é um desafio perigoso. Mas J. Michael Straczywski se sai muito bem no álbum Superman – terra um.
A história reconta a origem do homem de aço. 


O roteirista usa alguns princípios básicos, como planeta que explode e a criança que é lançada no espaço, mas faz mudanças profundas: em sua história, Kripton explode em uma guerra com um outro planeta. E um dos habitantes desse planeta, percebendo que alguém escapou, resolve caçar o último filho de Kripton. Isso, claro, dá à trama uma invasão alienígena realmente efetiva que se torna a espinha dorsal da trama.
Uma das boas sacadas do roteiro é com relação à tecnologia kriptonia, capaz até mesmo de escrever em átomos.
Se o roteiro é uma boa surpresa, já não se pode dizer o mesmo dos desenhos. Shane Davis é um bom ilustrador, mas com certeza não é o homem ideal para o Homem de Aço.