terça-feira, janeiro 28, 2020

O valor de cada quadro na página

A página dupla é um ótimo exemplo da valorização de uma cena nos quadrinhos. 

Em uma página de quadrinhos, os quadros podem ter valor narrativo diferente. Alguns merecem maior destaque, seja pela sua importância para a história, seja pelo seu valor dramático ou de ação. Ou seja: alguns quadros são apenas narrativos, outros devem provocar um impacto no leitor. Os quadros de impacto são maiores exatamente por serem mais importantes. O roteirista deve indicar, no roteiro, quando há um quadro de impacto na página. 
A minissérie Watchmen é um ótimo exemplo de como utilizar esse recurso, sendo uma verdadeira aula.
Abaixo uma página em que todos quadros têm a mesma importância:
Já na página seguinte, o último quadro tem maior valor dramático. Todos os outros são apenas uma preparação para o impacto deste último, pois o destino do mundo está nas mãos de um idiota:
Watchmen usa um esquema fixo de 9 quadros por página, como se fossem blocos que pudessem ser separados ou unidos.
Para formatinho, o esquema de 6 quadros funciona muito bem e pode ser usado da mesma maneira, inclusive com quadros de impacto. Ótimo exemplo disso são as páginas de Júlias, as aventuras de uma criminóloga.
Na página abaixo, de simples diálogo, não há necessidade de qualquer impacto, então os quadros são iguais:  
Já na página abaixo, o último quadro é maior, de impacto, para destacar a violência do personagem:
Abaixo um exemplo do Monstro do Pântano, de Alan Moore, com um esquema de quadros mais solto, mas que igualmente usa o tamanho do quadro para dar impacto à cena:

Os companheiros do crepúsculo

     Entre os artistas franceses da nova geração, surgidos na década de 1970, um nome se destaca não só pela qualidade dos desenhos, mas, principalmente, pelo ótimo roteiro. Trata-se de Français Bourgeon, criador da série Companheiros do Crepúsculo.
     Bourgeon nasceu em Paris, França, em 1945 e começou sua carreira artística pintando vitrais em catedrais e restaurantes da Inglaterra. Esse começo ia ter grande influência em seu trabalho posterior, principalmente no detalhismo de seu traço.
     Em 1973 ele começou a desenhar a série infantil Brunelle et Colin (com texto de Robert Genin) para a revista Lissete, mas seu primeiro trabalho mais autoral só viria em 1978, quando ele desenhou Malthe Guillaume para o texto de P. Dhombe.
     Em 1979 surgiu a primeira série com roteiro seu, Passageiro do Vento, um clássico dos quadrinhos europeus. A personagem principal da série é Isa, uma moça boa de tiro que se veste de homem para trabalhar num navio.
     Bourgeon conta que começou a fazer passageiros do vento para aproveitar seus conhecimentos sobre a marinha do século XVIII: ¨Pensei em fazer uma aventura de corte bastante clássico, no espírito das novelas de capa e espada... depois a aventura ficou em segundo plano e me dediquei a explicar a relação entre os personagens¨.
     A série tem cinco álbuns. Os melhores são os três últimos, quando Isa, o marido e uma amiga vão para a África a bordo de um navio negreiro. Bourgeon mostra em detalhes o funcionamento do tráfico de escravos, o modo de vida dos negros, a relação entre as tribos (muitas da quais viviam de vender escravos aos brancos).
     Embora a HQ denuncie as atrocidades cometidas contra os negros, os personagens não se dividem em heróis e vilões. Ao contrário, são tridimensionais, na tradição da boa literatura.   
     Em 1983, Bourgeon lança seu trabalho mais importante: a série Companheiros do Crepúsculo. Dessa vez a história se passa na Idade Média, que é mostrada com um realismo poucas vezes visto nos quadrinhos, inclusive em termos de violência. O autor mostra a fome, a peste, a luta entre plebeus e a nobreza... em um das seqüências, um grupo de soldados passa por uma vila, vindos da guerra e destroem tudo, violentam as moças, matam os homens e usam a barriga de uma gestante como alvo para sua flechas. Tudo baseado em fatos reais, documentados.
     A história também flerta com o fantástico ao mostrar duendes e tradições da magia celta.
     Os personagens principais são um cavaleiro de rosto deformado, que anda à procura da morte para acertar umas contas; um pajem que foi encontrado pendurado em uma forca e Mariotte, uma rapariga ruiva.
     A moça acaba se tornando a personagem principal da série: ¨As mulheres têm em minhas histórias o mesmo papel que têm na vida de muitos indivíduos. Sem mulher eu não existiria, sem ela a vida não teria muito interesse¨.
     Outro aspecto interessante em Companheiros do Crespúsculo é o fato do leitor nunca saber ao certo o que é realidade e o que é sonho. Essa impressão é particularmente forte nos dois primeiros números. No terceiro álbum, Bourgeon tornou mais realista a história, dedicando-se a analisar as relações sociais na época da Idade Média.
     Em tempo: Companheiros do Crepúsculo foi publicado no Brasil em volume único pela editora Nemo.

Cavernas de aço




O livro Cavernas de aço surgiu quando um editor pediu a Isaac asimov um romance de robôs. Mas pediu um romance no qual a terra estava super povoada e os robôs estavam tirando os empregos dos humanos. Quem conhece asimov sabe o quanto um plot desses seria indigesto p ele. 
Antes de asimov, a maioria das histórias de FC mostrava os robôs como vilões que iriam destruir a humanidade. O escritor o mostrou com um olhar compassivo sobre os robôs e inventou as três leis da robótica:  1) um robô não pode ferir um humano ou permitir que um humano sofra algum mal; 2) os robôs devem obedecer às ordens dos humanos, exceto nos casos em que tais ordens entrem em conflito com a primeira lei; e 3) um robô deve proteger sua própria existência, desde que não entre em conflito com as leis anteriores.
Assim, uma história em que robôs estão tirando o emprego de pessoas de carne e osso é o tipo de coisa que ele jamais se interessaria em escrever. Mas o editor deu uma ideia interessante: que tal um romance policial em que um detetive precisa resolver a situação junto com um robô? Esse plot parecia muito mais interessante e dava muitas outras possibilidades de abordagens. 
O resultado foi cavernas de aço, livro lançado pela editora Aleph. Na história, os humanos colonizaram alguns mundos onde a tecnologia se desenvolveu de maneira extraordinária, ultrapassando a própria Terra. Já em nosso planeta todos vivem em cidades imensas com ar condicionado e um grupo saudosista, chamada medievalistas se torna cada vez mais popular.
Os medievalistas querem a volta da humanidade para uma época anterior as grandes cidades e têm verdadeiro pavor de robôs. 
Um grup de exteriores funda uma cidadela nas fronteiras de nova York e, quando um cientista é morto, o frágil equilíbrio entre a terra e os mundos exteriores pode ser quebrado. Para solucionar o caso é destacado um policial e um robô construído pelo cientista morto. 
Asimov consegue produzir um romance policial com praticamente nenhuma ação, baseado apenas em que questões científicas e de lógica.
Asimov consegue equilibrar bem a questões sociológicas envolvidas em sua visão otimistas sobre a ciência e a tecnologia. A relação entre detetive e robô vai se desenvolvendo do estramento inicial ao ponto em que se tornam verdadeiros parceiros. 
Só pelo fato de mostrar um outro lado de asimov, o escritor policial, cavernas de aço já vale a pena. 
Vale citar parte do texto da introdução, escrita por Asimov, que, de certa forma, resume toda a filosofia do livro: “Mesmo quando eu era jovem, não conseguia acreditar que, se o conhecimento oferecesse perigo, a solução seria a ignorância. Sempre me pareceu que a solução tinha que ser a sabedoria. Qualquer avanço tecnológico pode ser perigoso. O fogo era perigoso no princípio, assim como (e até mais) a fala – e ambos ainda são perigosos nos dias de hoje -, mas seres humanos não seriam humanos sem eles”.

segunda-feira, janeiro 27, 2020

Composto de produto: qualidade

Todo produto, para se tornar uma estrela de mercado, precisa de três elementos: qualidade, design e marca.
Todo profissional de marketing sabe que a qualidade de um produto é algo muito subjetivo. A diferença entre um suco e outro é de paladar, algo muito abstrato, que varia de pessoa para pessoa. Além disso, a maioria das pessoas simplesmente não tem condições de identificar a qualidade técnica dos produtos que compra.
Uma água mineral, por exemplo, teria como qualidade ser limpa de germes e ter os minerais que a fazem ser tão saudável. No entanto, quantos clientes são capazes de fazer testes para identificar esses fatores? Quantos motoristas conseguem avaliar a qualidade técnica dos carros que compram?
Qualidade, portanto, está diretamente associada à percepção. A Coca-Cola descobriu isso quando lançou a New Coke, cujo sabor era comprovadamente melhor que o da clássica e foi um fracasso de mercado.
A qualidade percebida, que o consumidor vê, é tão importante quanto a qualidade técnica. Por isso as empresas colocam pistas de qualidade em seus produtos.
Por exemplo, quando a Semp Toshiba ofereceu cinco anos de garantia, ela estava dando uma pista de qualidade. Ninguém compra um televisor pensando em usar a assistência técnica, mas a garantia de cinco anos é um indicativo de que não será necessário usar essa garantia.
Dizem que o imperador romano Júlio César abriu um inquérito ao desconfiar que sua mulher o estava traindo. Um amigo o abordou: "Mas, César, você sabe que sua mulher é fiel". "À mulher de César não basta ser fiel, tem de parecer fiel", respondeu ele. É possível que a história seja inventada, ainda mais levando em consideração os costumes sexuais liberais dos romanos, mas serve para demonstrar o conceito: um produto não só tem que ter qualidade, ele precisa aparentar qualidade.
Alguém já viu toalhas de hotel de cor escura? Elas são geralmente brancas, pois numa toalha branca a limpeza é visível. Se houver um mínimo de sujeira, o consumidor imediatamente identificará.
Entrar num restaurante e encontrar um banheiro sujo, imundo, é uma pista de falta de qualidade, e são poucos os consumidores conscientes que continuarão no estabelecimento, pois a falta de limpeza no banheiro provavelmente indica a falta de limpeza na cozinha.
Muitas empresas que trabalham com comida procuram tornar transparente a produção de seus produtos. É o caso do McDonald’s, cuja cozinha é aberta e fica visível aos clientes.
No supermercado, a transparência da embalagem, no caso do feijão, permite ver a qualidade do produto. É por isso, também, que as águas minerais são vendidas em embalagens transparentes ou azuladas (a cor azul é associada à limpeza).
Numa loja, uma vitrine bem trabalhada, com produtos novos e atraentes, é pista de qualidade que levará o consumidor a comprar. Ao contrário, uma vitrine com produtos velhos, amassados, fora de moda ou empoeirados é pista de falta de qualidade.  

Interestellar

Quando bem feita, a ficção científica pode se tornar um gênero absolutamente filosófico. Seu salto para o futuro permite discutir e inferir questões sobre a vida humana e os mistérios do universo. Exemplo disso é o filme Interestelar, de Christopher Nolan, de 2014.
Na história, a humanidade corre o risco de extinção graças a pragas nas lavouras e tempestades de areia. É quando surge nas proximidades de Saturno um buraco de minhoca, que pode levar a planetas habitáveis. Para quem não sabe, o buraco de minhoca é uma dobra no espaço-tempo, que permite pular grandes distâncias em pouco tempo.
Em uma das sequências mais interessantes, os exploradores vão parar em um planeta com gravidade tão forte que o tempo se distoce, de modo que cada hora na superfície do planeta equivale a sete anos na terra.
O filme usa os preceitos da teoria da relatividade e da física quântica a serviço de uma história instigante e complexa. Hollywood ainda é capaz de produzir filmes que nos fazem pensar.  

Atypical: o autismo como elemento dramático


O autismo é um transtono pouco conhecido na nossa sociedade. Muitas pessoas que apresentam sintomas de espectro autista não sabem, pois na maioria das vezes se imagina o autista como alguém incomunicável, incapaz de viver em sociedade.
Só por ajudar a diminuir esse estígma a série Atypical já tem seu mérito. Criada pela roteirista  Robia Rashid, a série conta a história de Sam, um rapaz de 18 anos que trabalha em uma loja de aparelhos eletrônicos, está terminando o ensino médio e precisa lidar com novos desafios, como a ida para a faculdade, a adolescência e o relacionamento com uma namorada. Fascinado pela Antártica, ele narra em off os episódios, fazendo sempre referência a pinguis e outros animais antárticos. A narrativa que lembra seriados célebres, como anos incríveis, tem uma razão muito bem definida em Atypical: é Sam contando para sua terapeuta os acontecimentos e comentando-os.
Kier Gilchrist, o ator que vive o protagonista tem uma atuação realmente digna de nota. Sem exageros, ele consegue interpretar alguém com espectro autista de forma realmente marcante. Pequenos detalhes, como tiques caracterizam a psiquê do personagem.
Atypical consegue mostrar como pequenas coisas, como dormir pela primeira vez fora de casa, podem ser grandes desafios para pessoas com espectro autista – e como esses podem ser capazes de superar esses desafios.
Além disso, há um bom elenco de apoio, com tramas paralelas que conseguem sustentar a atenção do público.
O sucesso do seriado, que já está em sua segunda temporada, deve ajudar a dar visibilidade para o tema. Muitos pais não procuram orientação por não saberem que seus pais são autistas, em especial quando se trata de casos leves.
A principal característica do autismo é a dificuldade de estabelecer relações sociais. Foco em um único tema, comportamentos repetitivos, dificuldade para lidar com som alto, inabilidade social e rituais são algumas das características. Uma curiosidade é que muitas pessoas com espectro de autismo gostam de colecionar coisas e organizar a coleção é uma atividade prazerosa para eles (daí pode-se adivinhar que muitas pessoas no meio nerd tenham algum nível de autismo).

Kung Fusão



O principal mérito de Kung Fusão, filme de 2005 de Steve Chow, é não se levar a sério.
O filme conta a história de dois trapaceiros que pretendem participar da gangue do machado e, sem querer, acabam provocando uma guerra entre essa gangue e um cortiço na periferia de Hong Kong comandado por uma senhoria que sempre anda de camisola com um inevitável cigarro apagado nós lábios. 
Mistura de filme de artes marciais com comédia, Kung Fusão reúne várias cenas que se tornaram memes. Numa delas o protagonista convida para lutar os moradores do cortiço, mas por via das dúvidas, escolhe os que parecem menores ou mais fracos, para logo descobrir que está redondamente enganado. 
Outra sequência antológica é quando ele e seu parceiro tentam matar a senhoria, conseguindo apenas se esfaquear sozinhos. 
O problema do filme é quando, ali pela metade da história, a trama esquece o humor e fica apenas na ação, tornando-se tedioso para quem não é fã de filmes de ação. 

Arte moderna - muito além da pedra no museu

Recentemente um vídeo circulou na internet e tem sido muito compartilhado. Mais que isso: seu principal argumento tem sido repetido à exaustão: arte moderna é uma pedra no museu.
O vídeo faz uma distinção clara entre os grandes artistas do passado e os modernos, representados pela pedra no museu.
Mas será isso mesmo? Será que a arte moderna se resume a uma pedra no museu?
Para explicar o assunto, são necessárias algumas definições e explicações. A primeira delas é que o vídeo faz uma confusão, juntando em um só saco de gatos muitos movimentos (dadaísmo, surrealismo, arte conteporânea etc e, do outro lado, renascimento, barroco, neo-clássico etc). Mas, para efeito deste artigo, vamos adotar a definição do vídeo. Assim, haveria a arte moderna e arte não-moderna. Para o autor do vídeo, só poderia ser considerado arte realmente a arte não-moderna.
Então o que seria a arte não-moderna, que o autor do vídeo considera a arte verdadeira? É uma arte que compreende essencialmente duas possibilidades artísticas: a pintura de cavalete e esculturas em mármore. Além disso, era uma arte que seguia rígidas de composição e de tema.
Olympia: nudez provou escândalo

Para explicar o que seriam as regras rígidas de temas, vamos pegar um quadro específico, Olympia, obra de Édouard Manet, de 1863. O quadro foi recusado pelo salão de Paris, foi exposto no salão dos recusados e causou enorme polêmica e escândalo. O quadro mostrava uma prostituta nua deitada na cama. Mas, se há muito tempo o nu já era representado na arte, por que um quadro com nu provocou escândalo? É que na arte não-moderna o nu era aceito desde que fosse com deuses gregos, figuras históricas. Um deus grego ser representado nu era algo normal e até edificante (A arte representava sempre temas considerados edificantes: mitologia grega, história romana, passagens bíblicas). Mas uma mulher normal, e, pior, uma prostituta, era algo inaceitável. Por conta de toda a polêmica envolvendo o quadro, Olympia pode ser considerada a obra fundadora da arte moderna.
A arte moderna, a partir daí, quebrou as regras rígidas de composição e de temas e de suporte. Para ser arte não era necessário representar deuses gregos ou figuras históricas. A arte não precisava ser edificante. Também não era necessário que a obra fosse uma pintura de cavalete ou um escultura feita em mármore.
Feita essa observação, vamos fazer um pequeno tour de arte moderna que vai muito além da pedra no museu. Deixo por conta do leitor a decisão sobre ser arte ou não.

Art nouveau – movimento artístico que foi revolucionado ao mostrar que a arte não era apenas o que estava no museu. Ou algo contemplativo. Você poderia pegar na arte e até usar a arte. O art nouveau podia ser visto na decoração interna das casas, na arquitetura, nos objetos de uso pessoal e até em cartazes, como os anúncios dos espetáculos de Sarah Bernhardt realizados por Alphonse Mucha.

O gabinete do Doutor Caligari, filme de 1919, de Robert Wiene. O filme retrata uma história contada por um louco. Os cenários distorcidos refletiam a mente conturbada do protagonista. Não era um tema edificante, como se esperava de uma obra não-moderna. Os cenários também não seguiam os padrões rígidos de composição. E, principalmente, era cinema, e não pintura de cavalete ou escultura em mármore. Segundo os padrões da arte não-moderna não poderia de forma alguma ser considerado arte.

Salvador Dali pintava em cavalete, mas seus quadros surreais passavam longe de seguir as regras de composição e tema da arte não-moderna. Não era uma pintura edificante, mas reflexos de sonhos. Além disso, em uma de suas obras, ele compôs o rosto de Marilin Monroe com uma estrutura em que o visitante poderia entrar e se sentar em uma poltrona, interagindo com a obra. Passava longe de ser considerado arte pelos padrões da arte não-moderna.

Poty Lazzarotto é um pintor e escultor paranaense. Suas esculturas eram feitas em concreto e raramente ele pintava em cavalete, preferindo grandes painéis, como produzido para o aeroporto de Curitiba. Além disso, suas figuras não seguiam o padrão rígido de composição e anatomia da arte não-moderna, com figuras muitas vezes distorcidas. Também não poderia ser considerado arte.

Vik Muniz – esse artista brasileiro reconstrói obras de arte clássicas usando lixo. Sim, lixo. A obra é realizada em um grande galpão e depois fotografada. O que vai para as galerias são as fotos das mesmas. Embora reproduzam pinturas clássicas, não poderia ser considerado arte de acordo com os padrões da arte não-moderna, em especial em decorrência do suporte.

Ron Mueck – Esse artista australiano usa os mais diversos tipos de materiais, inclusive cabelo humano, para produzir suas obras em tamanho gigantesco ou minúsculo. Seus temas não são edificantes. Ao contrário: mostram pessoas normais, com seus defeitos muitas vezes destacados, com varizes, unhas encravadas e gorduras localizadas. Uma de suas obras é uma galinha morta pendurada no teto. Não poderia ser considerado arte por conta do material utilizado e dos temas abordados.

Orson Welles – Considerado o maior cineasta de todos os tempos. Seu filme Cidadão kane mergulhou fundo na vida e na personalidade de um magnata da imprensa em cenas com profundidade de campo, em que o que estava atrás tinha função fundamental no que era dito em primeiro plano. Na década de 1970, ao dirigir um filme sobre um homem que falsificava obras de arte, promoveu uma profunda reflexão sobre a autenticidade da arte. Era cinema, portanto, não era arte.

Alan Moore – esse britânico é cineasta, faz performances musicais, escreve peças de teatro e escreve quadrinhos. Entre suas obras mais famosas estão V de Vingança e Watchmen. Ele não desenha pinturas de cavaletes ou produz esculturas de mármore. Na verdade, ele desenhou muito pouco, sendo a maior parte de suas obras realizadas com ilustrações de outros artistas. Seus temas também não são edificantes. E são quadrinhos. Não seria considerado arte por qualquer critério da arte não-moderna.

José Loures – Uma das características da arte moderna é a possibilidade de interação com a obra. O público não é apenas um receptor passivo, que fica contemplando a obra a uma distância demarcada com linha vermelha no chão, como ocorria na arte não-moderna. Esse artista de Anápolis faz obras de game arte, em que o visitante não só interage com a obra, mas joga com ela, como num jogo de tabuleiro. Não poderia ser considerado arte sob qualquer prisma de acordo com os padrões da arte não-moderna.

Esses são alguns exemplos que vão muito além da pedra no museu. Nenhum deles seria considerado arte a partir dos padrões da arte não-moderna (pintura de cavalete ou escultura em mármore, temas edificantes, receptor passivo, composição rígida). Se são arte ou não, deixo a decisão ao leitor.  

domingo, janeiro 26, 2020

Spaceballs

Spaceballs foi lançado no ano 2000. Foi o sexto volume da coleção Fantástica, organizada por Cesar T. Silva e Marcelo Simão Branco, ambos editores do zine Megalon.
O título da história é uma referência à música homônima do Pato Fu. Para quem não conhece, Spaceballs é uma letra pacifista sobre pessoas com seus longos cabelos que atravessam o universo. Eles não têm a glória da guerra porque simplesmente não acreditam na guerra. Isso me levou a refletir sobre como a ficção-científica, em especial a space opera, é militarista. Até mesmo Jornada nas Estrelas, uma série pacifista, tem militares como protagonistas.
O editor apresentou assim o livro: “Nesta edição a ação vai para o espaço, literalmente. Um grupo de revolucionários hippies sequestra uma astronave e, sem usar de qualquer organização hierárquica, conseguem lubridiar todo o aparelho repressor do estado totalitário que domina o mundo em sua realidade. Uma história bem ao gosto dos leitores que apreciam a aventura no estilo agradável e bem desenvolvido de Gian Danton”.
A coleção Fantástica foi um marco na ficção-científica brasileira. Em formato de bolso, edição praticamente artesanal, custava 20 reais a assinatura com todos os números. Foram iniciativas como essa que seguraram a FC nacional em uma época em que as editoras tinham banners nos quais se lia: “Não aceitamos originais de ficção-científica, fantasia e terror”.

Fundo do baú - Esquadrão classe A


Esquadrão Classe A foi um dos seriados de maior sucesso em meados da década de 1980. No Brasil, passava no SBT e era um programa obrigatório para a garotada.
Em muitos sentidos, o Esquadrão era uma releitura dos Sete Samurais, filme clássico de Akira Kurossawa, no qual um grupo de samurais desempregados ajuda uma vila de agricultores atormentada por bandidos. Esse tema de heróis lidando com seus próprios problemas, mas encontrando tempo para ajudar pessoas necessitadas será a base de todos os episódios do seriado. Em todos eles, o grupo de soldados da fortuna é contratado por alguém com dificuldade com malfeitores.
Além da referência básica aos Sete Samurais, o Esquadrão trazia um contexto histórico. Veteranos da guerra do Vietnã, eles são condenados por um crime que não cometeram, conseguem fugir, mas têm sempre os militares em seus calcanhares.
O texto de abertura resumia bem o clima das histórias:
“Em 1972 uma unidade especial das forças armadas foi condenada no tribunal militar por um crime que não cometeu. Esses soldados logo conseguiram escapar da prisão de segurança máxima, se estabelecendo clandestinamente em Los angeles. Hoje, procurados pelo governo, eles sobrevivem como soldados da fortuna. Se você tem um problema, se ninguém pode ajudá-lo e se você puder achá-los, talvez você possa contratar o ESQUADRÃO CLASSE A”
A estrutura narrativa era quase sempre a mesma: fugindo dos militares, os heróis chegam em um local e se deparam com pessoas sendo oprimidas, seja por patrões cruéis, bandidos ou políticos. Comovidos, resolvem ajudar, mesmo sabendo que essa ajuda poderá fazer com que sejam finalmente pegos, o que quase acontecia, em todos os episódios.

A equipe era liderada pelo Coronel John Hannibal Smith (George Peppard), um líder nato, fanático por charutos. Bom ator, Hannibal costumava protagonizar o início dos únicos episódios em que a estrutura era um pouco diferente: nestes, alguém tentava contatar o grupo de soldados da fortuna, mas se deparava com alguém inconveniente, como um vendedor de cachorros quentes muito chato. Era o coronel. A maquiagem fazia com que mesmo os telespectadores mais assíduos fossem enganados, de modo que uma das diversões do seriado era tentar descobrir quem era Hannibal disfarçado. O nome do personagem é uma referência ao general cartaginês que quase destruiu o exército romano. Assim como o seu homônimo histórico, o líder da equipe é um grande estrategista e seus planos mirabolantes eram uma das atrações da série.  
Para concretizar seus planos, Hannibal conta com uma equipe bastante heterodoxa.

O Capitão H.M. Murdock é um especialista em pilotar qualquer tipo de aeronave, mas gastava a maior parte do tempo fazendo macacadas, conversando com a própria mão ou algo do gênero. Careteiro, Dwight Schultz, que interpretava o personagem, era um espécie de Jim Carrey da época e dava o toque humorístico ao seriado.

O tenente Templeton Cara-de-Pau , interpretado por Dirk Benedict, era o galã da série e o responsável por conseguir tudo necessário para colocar em ação os planos do Coronel. Com seu charme, ele conseguia tudo, mesmo que para isso precisasse trocar seus sapatos novos por uma bota de trabalhador.

Completando o grupo, havia o carismático Sargento Bosco Barracus ou B.A. (abreviação de Bad Attitude ou temperamento ruim), interpreado por Mr.T., um grosso de cabelos moicanos, mas que adorava leite, crianças e morria de medo de voar. Como em muitas missões era necessário embarcar num avião, ou num helicóptero, uma das atrações era tentar adivinhar que estratégia seria usada pelos outros para dopá-lo. Além disso, as brigas de B.A. com o Murdock criavam uma das grandes tensões do seriado, geralmente com resultados humorísticos. O personagem também era um gênio em mecânica e era essencial para colocar em prática os planos. Como a televisão da época não podia mostrar nada mais violento que algumas explosões e pessoas saltando, os roteiristas tinham que inventar geringonças, como uma máquina que atirava repolhos.
Mesmo com uma estrutura rígida e personagens estereotipados, o Esquadrão Classe A conseguia surpreender dar uma grande lição: é necessário ajudar os outros, deixando nossos interesses em segundo plano.

Guia de viagem: Colônia del Sacramento






Colônia del Sacramento é uma das principais atrações turísticas do Uruguai. Colonizada por portugueses, foi um dos locais mais disputados da América do Sul, principalmente graças a sua posição estratégica na embocadura do Rio de La Plata. 
Há duas maneiras de chegar à cidade: via Buenos Aires ou Montevideu. Buenos Aires fica exatamente na frente de Colônia, mas do outro lado do rio. A passagem é cara. Uma média de 400 reais por pessoa, mas a estrutura é de aeroporto e os navios também são bastante confortáveis. 
Via Montevideu sai mais barato e a viagem é por ônibus. Uma opção é ir para Porto Alegre, de lá para Montevideu e depois para colônia. A passagem de Montevideu para colônia vai em torno de 50 reais.
As construções e ruas antigas são a principal atração de Colônia. 

Prepare seu bolso. Como a cidade é turística, tudo é caro. Duas pessoas dificilmente comem por menos de 100 reais. Uma água mineral pequena pode chegar a cinco reais. Uma dica é usar o cartão de crédito, que eles chamam de tarjeta. Há um desconto de imposto no uso do cartão. Uma conta de 990 ficou a 820 no crédito.
A principal atração é o centro histórico, com suas casas antigas e ruínas.
Museu del humor - o museu mais aleatório do mundo. 

Ali eu encontrei o Museu mais aleatório que já vi em toda a minha vida, o museu do riso. Apresentado por um palhaço que passa a maior parte do tempo cantando, o local mistura fotos de celebridades, quadros de Arcimboldo e até imagens de quadrinhos, como A Piada Mortal e até pinups. Tudo misturado sem nenhuma lógica. E você pode até mesmo tirar uma foto com uma imagem em tamanho real de Pepe Mujica ou do Papa. Imperdível.
A cidade tem seis quilômetros de praia, mas pouca gente entra na água. 

Outra atração são as praias. São seis quilômetros de praias belíssimas. Uma coisa estranha é que os uruguaios simplesmente não têm costume de entrar na água. Ficam apenas na areia, tomando sol ou desfrutando de algum jogo. Perguntamos no hotel porque as pessoas não entram na água. O recepcionista pensou um pouco e arriscou: “Porque é água de rio!?!”.
As árvores marple dão um ar de local fantástico à cidade. 

Além da arquitetura antiga (algumas casas são do século 18), as ruas são ornamentadas com árvores de marple, de troncos brancos e galhos que parecem mãos se esticando na direção do céu. Alguns locais parecem cenários saídos diretamente de uma história de fantasia.
Jardim da pousada Le Vrero. O nome é uma homenagem a um dos principais escritores uruguaios

As pousadas também podem ser uma atração. Nós ficamos na aconchegante Le Vrero. O local, com um belo Jardim, era a casa de um dos principais escritores uruguaios, que chegou inclusive a escrever quadrinhos, Mario Levrero. Os nomes dos quartos são referências a livros dele. A proprietária, aliás, era muito simpática. Um detalhe é que, como a cidade foi durante vários momentos um domínio português, o espanhol falado pelos habitantes é muito fácil de ser compreendido por nós brasileiros. 
A pousada era bastante confortável e os funcionários muito simpáticos. 


Uma das atrações são os carros elétricos que podem ser alugados pelos turistas. 
Mapa da região reproduzido em uma das ruas. 
A prefeitura é um belo exemplo de arquitetura neo-clássica.