sábado, janeiro 04, 2020

A arte incrível de Kevin Maguire

Kevin Maguire é um desenhista norte-americano famoso por sua fase na Liga da Justiça na década de 1990 em parceria com Keith Giffen e J.M. DeMatteis. Em plena era Image, essas HQs se destacaram pelo bom humor, ótimos desenhos e heróis não atormentados e anatomicamente corretos. Em suma: histórias em quadrinhos divertidas. Maguire tem um talento especial para expressões faciais.. As capas que ele fez para a Liga com vários heróis, cada um com uma expressão facialse tornaram antológica e são até hoje copiadas. Confira mais do trabalho desse divertido artista.















sexta-feira, janeiro 03, 2020

O nome da águia



Um dos males de Machado de Assis foi ter, com sua obra de incontestável qualidade, a idéia de que um romance só vale pela análise psicológica dos personagens, ou pela construção sociológica da história. A predominância de Machado em nossa literatura fez com que o modelo literário brasileiro passasse a ser uma marcha lenta constante. No Brasil, autores como Isaac Asimov, que sempre centraram suas obras na trama, seriam relegados pela crítica ao ostracismo. Claro que isso tem relação direta com diferença entre Brasil e EUA. A literatura norte-americana se formou em meio ao fenômeno da massificação e da industrialização. De repente, uma enorme massa de pessoas alfabetizadas e com dinheiro estava interessada em diversão e comprava tudo que saía, de jornais aos famosos pulp fiction, passado pelos gibis. Embora, evidentemente, houvesse autores que centrassem sua atenção mais na psicologia dos personagens, ou nas questões estilísticas, havia uma boa tradição de obras escritas com pé na trama. Uma tradição que vem de Edgar Allan Poe. No Brasil, o guia literário sempre foi Machado, um funcionário público que escrevia livros, com ritmo de uma vela que queima, para um público aristocrático.
O único gênero em que a ênfase sobre a história pareceu sobreviver foram os livros juvenis e infantis. Foram neles que surgiram grandes autores, tais como Monteiro Lobato e Marcos Rey, que deliciaram gerações de leitores. Lobato, aliás, costumava dizer que não fazia literatura, para diferenciar sua obra dos "acadêmicos".
Mas essas crianças e jovens, que moravam nos livros de Lobato ou de Marcos Rey, quando ficam adultos, ou se acostumam com a literatura brasileira em marcha lenta, ou buscam autores estrangeiros. São poucos os escritores que se dedicam a gêneros mais populares.
Essa longa introdução é, na verdade, para falar de O Nome da Águia (Novo Século, 2008, 320 págs.), de autoria de Alexandre Lobão. O livro não tem nada do que se tem visto como qualidade nos autores nacionais: não há longas análises de personagens, nem preocupações sociológicas. Também não há um estilo rebuscado. Há apenas uma história intrigante e bem amarrada, que poderia dar um bom seriado ou (melhor) uma história em quadrinhos.
Lobão, que é roteirista de cinema e quadrinhos, aposta todas as suas fichas na ação e no suspense causado pelos vários ganchos jogados ao longo da história. Além disso, o livro apresenta narrativas alternadas, um capítulo no presente e outro no passado, mostrando encarnações passadas dos personagens. Lembra os bons quadrinhos da década de 1980, período em que os artistas exploraram ao máximo as potencialidades narrativas da nona arte, em histórias pouco convencionais e não lineares.
A história de O Nome da Águia começa em 3497 antes de Cristo, numa pequena tribo de hebreus. Sete personagens recebem dons especiais. Entre eles, dois se destacam: Hebel encarna o amor de Yahweh; Qnah, a paixão.
A narrativa, em seguida, pula para o ano de 2012 depois de Cristo, quando um arqueólogo alemão descobre um documento em hebraico nos restos do bunker de Hitler e comunica a um amigo.
A partir daí, vamos acompanhando as descobertas dos dois cientistas e a perseguição sofrida por eles, alternadas com a narrativa das várias encarnações pelas quais vão passando Qnah e Hebel, que tomam rumos completamente diferentes. Enquanto Hebel difunde a palavra de Deus através de exemplos e da bondade, Qnah tenta fazê-lo através de impérios. Nesse sentido, a trama é um tanto óbvia. Torna-se evidente que Qnah irá encarnar reis, como Alexandre, O Grande e Alexandre Janeu, rei da Judéia ou mesmo Átila. Por outro lado, Hebel irá encarnar Buda e mesmo Jesus. O interessante aí é não só adivinhar que personagens eles personificarão, mas perceber como o autor irá explicar as inevitáveis incoerências, como o fato de Qnah encarnar Herodes, que manda matar o menino Jesus, e depois irá encarnar papas ferrenhos defensores do cristianismo. Ou como esse personagem, sendo originalmente hebreu, virá a ser Hitler, o maior perseguidor dos judeus.
Surpreendentemente, Lobão consegue atar os fios soltos da trama, explicando até mesmo as incoerências. Essas incoerências, aliás, acabam se tornando, na narrativa, uma forma de ironia.
Algo interessante em O Nome da Águia é o uso da reencarnação. Num país em que há uma parcela considerável da população que acredita no espiritismo, é surpreendente que outros escritores não usem esses preceitos em seus escritos. Na verdade, os livros que falam sobre o assunto são exclusivamente religiosos. Lobão percebeu a possibilidade narrativa que a reencarnação oferece, ao mostrar como a atuação dos personagens no presente está calcada em suas vidas passadas. E faz isso sem dogmatismo. Ele não quer converter o leitor, quer apenas usar um artifício narrativo pouco usual.
A edição da Novo Século contribui para o bom resultado da obra. Diagramação correta, papel de encorpado, capa com ilustrações em alto relevo. Só faltou uma maior preocupação com a revisão, especialmente com o tempo verbal, que oscila do passado para o presente, às vezes no mesmo parágrafo, como no trecho a seguir: "A multidão abriu espaço enquanto o grupo se encaminhava ao centro da aldeia. Lá chegando, Hebel e Qnah sobem em um pequeno palco no canto da área central". Não é o fim do mundo, mas essa ida e volta dos tempos verbais incomoda o leitor mais atento.
De resto, O Nome da Águia acaba sendo um bom thriller de ação num mercado que carece desse tipo de obra.

Mashup: quanto mais misturado, melhor


O termo remix surgiu em 1972, quando o DJ Tom Moulton lançou seu primeiro disco. Posteriormente, com o surgimento das tecnologias das multi-tracks e do sampling, a prática se popularizou. Essas tecnologias, somadas ao computador, permitiram separar partes de uma música, incluindo separando vocal de instrumentos e, ao mesmo tempo maninpulá-los, alternado timbres, tempos e volumes. A partir do ano 2000, o termo “remix” passou a ser usado de maneira mais comum fora da área da música, uma vez que as artes visuais e a literatura começaram a adotar a reconfiguração como elementos de criação.
Entre os elementos do remix encontra-se o mashup. O termo pode ser traduzido como mistura. Neles, o artista une partes de vídeos e músicas pré-existentes, somando-os a composições novas e, muitas vezes, reconfigurando seus significados.
Mashup é misturar elementos de outras obras, criando uma obra original a partir dessa mistura.
A estética do mashup não se limita apenas à música. Há na internet vários vídeos que usam a técnica. Em um dos mais famosos, o então presidente norte-americano George Bush “canta” a música “Imagine”, de John Lennon (http://www.youtube.com/watch?v=n41bRHlr76Y). A música é retirada de falas reais do presidente norte-americano, editadas com um fundo musical eletrônico. Há aí um sentido irônico, uma vez que a música fala de paz e o presidente estava envolvido à época com a Guerra contra Iraque.

Esse mesmo sentido irônico pode ser encontrado no documentário Surplus (http://www.youtube.com/watch?v=YbpmWeymWWw), em que líderes mundiais de países capitalistas fazem um discurso contra o consumismo e o capitalismo num vídeo que apresenta técnicas de propaganda. O vídeo é a mistura de vários outros vídeos, pegando partes de falas dos presidentes e dando-lhes outro significado.
Na literatura, os mashups se caracterizam, principalmente, por releituras de obras clássicas da literatura acrescidas a gêneros pop. Exemplo disso é o romance Orgulho e Preconceito, de Jane Austen, que se transformou em Orgulho e Preconceito e Zumbis nas mãos de Seth Grahame-Smith.


Na internet, fãs fazem mashups visuais de suas séries favoritas. Um dos mais comuns é a tira Peanuts, que foi misturada, por exemplo, com o filme Alien, Watchmen ou Jornada nas Estrelas. Super-heróis são incluídos em quadros famosos, o vilão de Harry Potter é introduzido na capa de um disco dos Ramones... Quanto mais inusitada a mistura, mais interessante o mashup. 

A invenção da imprensa



O filósofo Marshall McLuhan propunha que a forma como nos comunicamos molda a sociedade em que vivemos e a forma como pensamos. A invenção da escrita, por exemplo, permitiu a criação dos grandes impérios, do pensamento linear e da burocracia. Na Idade Média, a invenção do pergaminho abriu caminho para que a escrita fosse vista como algo divino, elitizado, moldando a sociedade do período.
Outra grande mudança ocorre com a invenção da imprensa. McLuhan considera tão importante essa invenção que chama o mundo criado pela imprensa como Galáxia de Gutemberg. Com ela veio a era das revoluções, o nacionalismo e até o sentimento de individualidade e privacidade.
Uma das revoluções causadas pela impressa foi a publicação de livros, em especial a Bíblia em línguas locais. Essas edições deram às pessoas a noção de pátria, unida por uma linguagem. Além disso, com o barateamento do processo de produção, agora era possível ler livros individualmente, ao contrário da Idade Média, em que a leitura era quase sempre coletiva, com uma pessoa lendo para um grupo. Isso deu às pessoas a noção de individualidade e privacidade. Curiosamente, mais ou menos no mesmo período a arquitetura traz uma grande inovação: os corredores, que vão permitir que as pessoas tenham a privacidade de seus quartos. Com o tempo, muitos desses corredores passam a ser ornados por obras de arte, quadros assinados por grandes artistas, mantidos por mecenas, daí surgindo a ideia de direito autoral (na Idade Média os artistas não assinavam seus trabalhos pois se considerava que sua arte era para a glória de deus e não do pintor). Nas palavras de McLuhan: “A imprensa criou o livro portátil, que os homens podiam ser em particular e isolados dos outros. O homem podia, agora, inspirar – e conspirar. Como a pintura de cavalete, o livro impresso muito contribuiu para o novo culto do individualismo”.
A invenção da imprensa vai popularizar o pensamento linear, já que os livros vinham numa sequência lógica que devia ser lida página a página.
A imprensa permitiu também a era das revoluções. O protestantismo surgiu a partir da leitura da Bíblia em línguas nacionais (antes era proibido traduzir a Bíblia e praticamente só os padres as liam e interpretavam para os fieis). Também como consequência do barateamento dos livros, as ideias de filósofos revolucionários, como Descartes e, posteriormente, os iluministas, como Voltaire e Rousseau, se espalharam pelo mundo. As ideias revolucionárias se espalhavam não só na forma de livros, mas também através dos jornais. Não é coincidência que os três grandes líderes da revolução francesa (Danton, Marat e Robespiere) eram também jornalistas. 
A criação da rotatória e, posteriormente, do rádio e do cinema, iriam de novo provocar grandes mudanças. Nunca antes uma mensagem poderia ser enviada a tantas pessoas ao mesmo tempo. Isso possibilitou a cãoenção de ditadores como Hitler e Mussolini, que utilizaram jornais, rádios e filmes para difundir suas ideias e convencer as pessoas a obedecerem. Tratava-se da era das massas em que as pessoas eram tratadas apenas como parte de um todo. Esse período foi sintetizado na teoria hipodérmica, segundo a qual a mídia tem poder absoluto sobre as pessoas.
Em meados do século XX surge a televisão e com ela a era do audiovisual. Embora fosse um meio de massa, McLuhan enxergava nela uma possibilidade de maior participação. A baixa resolução da telinha levaria o expectador a interagir com o conteúdo, não se tornando o apático receptor da era das massas. Essa visão otimista e um pouco ingênua, há de se destacar o fato de que a transmissão da guerra do Vietnã fez com que pela primeira vez a juventude americana se pronunciasse contra uma guerra. Provavelmente a familiaridade com imagens de vietnamitas, como a da menininha correndo nua, atingida por napalm, tenham possibilitado uma maior aproximação com o fato. A TV tornou possível ver que o inimigo também era um ser humano.
Embora estivesse escrevendo muito antes da internet, McLuhan parecia antecipar a sociedade da informação: “As informações despencam sobre nós, instantaneamente e continuamente. Tão pronto se adquire um novo conhecimento, este é rapidamente susbstituído por uma informação ainda mais recente. Nosso mundo eletricamente configurado forçou-nos a abandonar o hábito de dados classificados para usar o sistema de identificação de padrões. Não podemos mais construir em série, bloco por bloco, passo a passo, porque a comunicação instantânea garante que todos os fatores ambientais e de experiência coexistem num estado de ativa interação”.
Nesse  mundo de informação contínua, a comunicação se transforma num fluxo caótico em que a mídia oferece cada vez mais dados e a o cérebro humano é obrigado a se adaptar a receber. Na medida em que a mente humana se acostuma com esse fluxo, passa a pedir mais e mais e o processo se amplia mais ainda num círculo vicioso.
As novas  gerações lidam com informação como se fosse um vício: é a novidade que vira a qualquer momento no Facebook ou no Twitter, é o e-mail essencial que virá a qualquer momento e que exige constante vigilância.
As mensagens não são mais procuradas e recebidas de maneira linear, como na galáxia de Gutemberg, em que as informações vinham na mesma sequência das páginas dos livros. Nesse novo mundo, a informação passa a ser relacional. A leitura de um texto leva a outro texto, que leva a outro texto, que leva a outro texto e que muitas vezes leva ao primeiro texto.

quinta-feira, janeiro 02, 2020

Rock é coisa do diabo


Marketing, que bicho é esse?

Philiph Kotler, o papa do marketing e o principal autor dessa área, escreveu certa vez: “Marketing é a atividade humana voltada para a satisfação das necessidades e desejos do consumidor através de um processo de troca”.
            Vamos analisar essa definição.
            Kotler fala em necessidades e desejos. Todo mundo tem necessidades. Todo mundo precisa comer, beber, dormir... e todo mundo tem necessidade de coisas um pouco mais abstratas, como proteção, reconhecimento, status, autorrealização.
Essas necessidades não foram criadas pelo marketing, mas são usadas por ele para vender produtos. Quando um fabricante vende um colchão, ele não está vendendo uma armação de pano e algodão. Ele está vendendo a satisfação da necessidade de sono. Da mesma forma, quem vende grades não está vendendo um amontoado de metal, está vendendo segurança.
Todo produto de sucesso está associado a uma necessidade. Por exemplo: um time de futebol. Qual a necessidade que ele satisfaz? Você consegue imaginar? Para começar, o esporte trabalha a necessidade de relacionamento, pois as pessoas vão para o clube e acabam conhecendo outras pessoas. Muitas amizades começam com a pergunta: “Para que time você torce?”
Além disso, quando o time ganha, o torcedor se sente também um vitorioso. Está sendo satisfeita aí a necessidade de ser um ganhador. Não é à toa que, quando o time perde, o torcedor sente-se frustrado: afinal, a necessidade de vitória não foi satisfeita...
Kotler também fala de consumidor. Saber quem é o seu cliente é essencial, caso queira vender algo a ele. Na verdade, no marketing esse é o personagem principal. Tudo gira ao redor dele, tudo é feito para satisfazê-lo.
Portanto, produto é tudo aquilo que satisfaz uma necessidade. Uma pedra não é um produto, mas se ela for usada para satisfazer uma necessidade, ela se torna um produto.
Finalmente, Kotler explica que o marketing se dá por meio de um processo de troca. Só a necessidade e o produto não definem o marketing. Uma pessoa diante de uma necessidade (vamos dizer que ela esteja com fome) pode optar pelas seguintes alternativas:
Autoprodução – ela pode produzir a própria comida, seja pescando, colhendo frutas, seja caçando. Não há interação, já que a pessoa satisfaz a própria necessidade.
Coerção – essa é uma palavra bonita para roubo. A pessoa simplesmente se apropria da comida de outro. Isso não é marketing, pois só uma das partes é beneficiada.
Súplica – essa é uma opção mais civilizada que o roubo, mas ainda assim não é marketing. Não há nenhuma troca real envolvida e só o que o produtor recebe é a gratidão de quem recebeu a comida.
Finalmente, há a troca. Nesse caso, o produtor tem algo que o consumidor precisa (no caso, comida) e o consumidor tem algo que o produtor quer (dinheiro, provavelmente).
A maioria das necessidades pode ser encaixada numa escala, a chamada hierarquia das necessidades de Maslow. Para esse psicólogo norte-americano, existem necessidades básicas, que devem ser satisfeitas antes de se passar às necessidades mais elaboradas. Uma pessoa com fome, por exemplo, não pensa em status. Quanto mais sobe na pirâmide das necessidades mais valor tem esse produto.
Uma colher, por exemplo, satisfaz a necessidade fisiológica de fome, pois ajuda a pessoa a comer. Mas uma colher de ouro satisfaz a necessidade de status. Um copo d’água é barato porque satisfaz apenas a sede, mas um copo d’água Perrier satisfaz a necessidade de status, por isso é caríssimo.

Mistério à americana




Uma das poucas áreas em que os norte-americanos se destacam, em termos literários, é nas histórias policiais. O gênero foi criado por Edgar Alan Poe em abril de 1841, com o conto Os Crimes da Rua Morgue. De lá para cá, quase todos os grandes escritores da terra de Tio Sam se dedicaram, em algum momento de suas carreiras, às histórias policiais, com destaque para Dashiell Hammett e Raymond Chandler. Esses dois últimos chegaram a criar um subgênero, o noir, em que o detetive se envolve com as histórias, em oposição ao estilo inglês, em que o detetive resolve quase todo o caso de seu escritório, utilizando apenas o raciocínio lógico. Assim, a coletânea Mistério à Americana é um prato cheio para os fãs do gênero.
O livro é organizado e tem prefácio de Donald Westlake. Pouca gente o conhece no Brasil, e, no entanto, é um dos mais inventivos escritores que já tive o prazer de ler. Sua especialidade era produzir livros sob uma ótica inusitada. Em O Espião Pacifista ele mostrava um pacifista bicho-grilo envolvido em uma trama internacional de terrorismo e sendo obrigado a trabalhar para o FBI. Em A Vida Secreta de um Homem Sensual ele nos mostra um escritor de erotismo que é um frustrado sexual. Infelizmente, Westlake só organizou o volume, procurando histórias interessantes em antologias, revistas masculinas, como a Playboy, magazine especializados, como a Ellery Queen's Mystery Magazine (que foi editado aqui no Brasil com o nome de Mistéiro Magazine até a década de 70) e até revistas acadêmicas, como Oxford American.
O resultado une de escritores consagrados, como Jeffery Deaver (de O Colecionador de Ossos, que chegou a virar filme) a nomes totalmente desconhecidos.
Os que estão acostumados ao gênero policial mais convencional, no estilo Agatha Christie, vão se decepcionar. A grande maioria da história foge do padrão "Assassinato que deve ser solucionado por um detetive". Na verdade, em muitos casos, nem mesmo há um assassinato e, em outros, não há detetive. Em outras situações, o detetive só se depara com um assassinato quando está investigando um outro crime mais banal. É o que acontece, por exemplo, com "Milagres! Acontecem!", de Dough Allyn. A trama toda gira ao redor de um detetive tentando descobrir a filha desaparecida de uma cantora gospel.
Em "Motel 66"não há nem mesmo um detetive. A história tem como protagonista uma moça ingênua que passa sua lua de mel em um hotel de beira de estrada na famosa Route 66. Anos depois ela volta ao mesmo local e acaba descobrindo que sua estada ali pode estar relacionada a um crime. A história termina com a sugestão de outro crime, num clima que beira o cômico.
Em "Saltando com Jim", um detetive é contratado para proteger o marido de uma bela mulher, que parece estar envolvido com negócios escusos. Sua investigação o leva a descobrir que ele está relacionado com o comércio internacional de mulheres e que o piloto de um avião o está chantageando. Não, contar isso não estraga a história. "Saltando com Jim", assim como "Milagres! Acontecem!" são histórias noir, em que a solução do crime é menos importante que a investigação em si. Já se disse que o policial noir é o mais próximo que a literatura moderna chegou do teatro grego, em que os personagens parecem estar sendo guiados por um destino do qual não podem escapar. O detetive é apenas uma testemunha dessa derrocada.
Há uma história emblemática de Dashiell Hammett em que um detetive bate na porta de uma casa perguntando por um adolescente que fugiu de casa. Os bandidos, que estavam na casa, logo desconfiam e o prendem. Enquanto decidem o que fazer o detetive, eles discutem entre si e acabam se matando. No final descobrimos que o detetive estava mesmo procurando um garoto desaparecido e que sua presença na casa era puramente acidental. É esse tipo de ironia do destino que o leitor encontrará na maioria das histórias de Mistério à Americana.

Os quadrinhos underground

A década de 60 abalou o mundo. Foi a época dos Beatles, dos hippies, da chegada do homem à lua e do movimento underground. Subterrâneo, aquilo que está fora do sistema, esse movimento representou uma ruptura total com o que se fazia na mídia.
       Os artistas ­passaram a participar de todo o processo, desde a criação da obra até a sua distribuição. Nas histórias em quadrinhos isso foi uma verdadeira revolução. As revistas das grandes editoras estavam sob­ a censura do código de ética, que restringia completamente a liberdade do artista, mas nessas novas revistas, que não passavam pelo crivo das editoras, imperava a total liberdade. Falava-se sexo, drogas, rock e política. Isso chamou a atenção especialmente do público jovem, cansado dos quadrinhos pasteurizado das grandes editoras.
       O grande astro desse novo ti­po de HQ foi um rapaz baixinho, narigudo e extremamente tímido. Chamava-se Robert Crumb e escrevia, desenhava, publicava e vendia suas histórias. Influenciado pelos quadrinhos Disney, Crumb tinha um traço que oscilava entre o infantil e o burlesco, que serviu muito bem ao tipo de sátira social que ele pretendia fazer. Seu primeiro personagem foi Mr. Natural, uma sátira aos gurus que fizeram a cabeça da geração hippie.
       Muitos já tentaram, mas não conseguiram definir o personagem. Ele seria um charlatão que se aproveita da credulidade alheia ou um verdadeiro sábio, que atingiu uma compreensão profunda do mundo?
       A biografia inventada por Crumb para ele não esclarece muito. Ele teria se envolvido com o tráfico de bebidas durante a leia seca, passando um tempo na cadeia e reaparecendo com o mágico Mr. Natural, o Magnífico. Depois tornou-se músico e montou a big band Mr. Natural e seus libertinos líricos. Ficou rico com a vida artística, mas abandonou tudo para andar pela América como vagabundo. Foi encontrado depois na Califórnia, cercado de discípulos. Já na década de 1970, foi internado por ex-discípulos num manicômio, o que mostrava a decepção da geração anos hippie com seus gurus.
       Outro personagem de sucesso de Crumb foi Fritz, the cat, um gato sem vergonha, que adora transar, tomar drogas e curtir a vida. Em suas aventuras ele se envolvia com todo tipo de gente, incluindo terroristas. O sucesso do personagem foi tão grande que Crumb resolveu matá-lo, para evitar que ele se tornasse mais um produto, apropriado pela Indústria cultural. Como se vê, Crumb em si já era um personagem interessante. Quando a revista Village Voice o convidou para fazer tiras pagas, ele topou, mas depois fez uma história em que satirizava os editores e ainda pedia demissão ¨ao vivo¨, na história. Ele também se recusava a dar autógrafos e costumava fica nervoso quando encontrava com um fã.
       Por fim, Crumb percebeu que ele mesmo era o melhor personagem que já criara e passou a fazer histórias auto-biográficas. Numa série dessas histórias, intitulada ¨Minha Mulheres¨ ele conta que era desprezado pelas garotas e só beijou uma aos 19 anos. Quando se tornou famoso com os quadrinhos, dezenas de mulheres disputavam sua atenção e ele se vingava humilhando-as.
       Crumb abriu caminho para todo uma nova visão dos quadrinhos, mostrando que não havia limites de temas a serem trabalhados, inclusive os auto-biográficos. Muitos quadrinistas foram fortemente influenciados por ele. No Brasil, o quadrinista Angeli é o mais famoso seguidor do mestre underground.

quarta-feira, janeiro 01, 2020

Metal Pesado - Imortalidade

Metal Pesado foi a versão nacional da famosa revista Heavy Metal (que, por outro lado, era a versão americana da Metal Hurlant).Publicada na década de 1990, a revista marcou época e mostrou que havia muita qualidade nos quadrinhos nacionais. Eu participei de três números. Um deles foi o número 3, com a história Imortalidade, com desenhos de Luciano Lagares. A ideia para a história havia partido do desenhista: um povo contaminado por uma estranha doença. O protagonista é um carteiro em seu primeiro dia de trabalho que descobre um mundo que nunca imaginou. Gosto particularmente da narrativa (embora o pessoal da editora tenha colocando algumas legendas como se fossem falas do personagem). 

Aldebaran, de Leo

Aldebaran é talvez o melhor exemplo de HQ em que a trama é toda desenvolvida a partir da ambientação. A série, criada pelo brasileiro Luiz Eduardo Oliveira, o Leo, é campeã de vendas na Europa e considerada uma das melhores séries de fantasia e ficção de todos os tempos.
Leo nasceu no Rio de Janeiroe, em 1944. Em 1971 fugiu do Brasil para escapar da repressão do regime militar. Foi para o Chile, Argentina até voltar para o Brasil, onde trabalhou com publicidade. Sua primeira HQ foi uma história de ficção-científica publicada na revista O Bicho. No final da década de 1970 conhece a revista Metal Hurlant, que teria forte influência sobre seu trabalho, e resolve tentar a sorte na França. Depois de anos publicando pequenas histórias em revistas como a L'Echo des savanes e Pilote, em 1991, a convite do escritor Rodolphe, começa a desenhar a série Trent, de grande sucesso.
As boas vendas lhe permitem lançar sua própria série. É quando surge Aldebaran.

A história se passa em um planeta marítimo colonizado por humanos. Mas, depois da primeira expedição, a colônica perde o contato com a Terra. Assim, Aldebaran fica totalmente isolada e passa a ser governada por uma ditadura militar-religiosa, que, entre outras coisas, força detentas a engravidarem para ajudar a povoar a colônia. Uma nova lei pretende obrigar todas as mulheres a engravidarem a partir dos 17 anos. A música é proibida e músicos são obrigados a se esconderem.
A história começa em uma pequena vila de pescadores onde começam a ocorrer fenômenos estranhos. Os peixes desaparecem. Um Nestor (uma espécie de baleia com braços) encalha na praia. Pescadores encontram na superfície um peixe das profundezas. Finalmente, o mar se transforma em uma espécie de gelatina e destrói uma vila de pescadores. Um homem misterioso parece saber o que está acontecendo e, ao se envolverem com ele, dois sobrevintes passam a ser perseguidos pelos militares.

Além da ótima trama e dos desenhos para lá de competentes, Aldebaran chama atenção especialmente pela forma como Leo cria toda uma ambientação alienígena e como a trama gira em torno dessa ambientação. A criatividade do quadrinista para criar visualmente e conceitualmente a flora e a fauna de Aldebaran, por exemplo, é impressionante. Um exemplo: o polvo da areia é capaz de mimetizar a forma de animais para atraí-los e capturá-los com seus tentáculos espalhados sob a areia. Ou as caravelas, animais flutuantes que produzem gás hélio usado pelos humanos em dirigíveis. Aliás, a própria Matrisse, o animal misterioso que parece estar por trás de todos os fenômenos estranhos, é um exemplo da complexidade dessa composição de cenário.

Junte a isso personagens cativantes, tridimensionais, como o trapaceiro Pad, e temos uma HQ obrigatória para todo fã de ficção científica.
A série, composta de cinco volumes, fez tanto sucesso que ganhou duas sequências, Betelgeuse e Antares. No Brasil a série foi publicada pela Panini até a segunda parte, Betelgeuse. Antares continua inédita entre nós.
Clique aqui para baixar os scans.

A incrível arte de Michael Golden

Michael Golden é um desenhista norte-americano conhecido no Brasil principalmente graças ao seu trabalho para a Marvel nos anos 1980. Seu primeiro trabalho para a editora foi a série Micronautas. Seu traço detalhado e elegante fazia com que ele fosse lento para desenhar, de modo que sua produção era pequena em comparação com outros artistas da época, mas mesmo assim ficou muito popular no Brasil. O encontro do Homem-aranha com os X-men, desenhado por ele se tornou uma das revistas mais diputadas pelos fãs de super-heróis. Outro trabalho dele de destaque foi a revista"O Conflito do Vietnã". 










Mickey – a lâmpada maravilhosa



Geralmente quando pensamos em quadrinhos Disney, o que nos vem à mente são as memoráveis HQs com patos de autoria de Carl Barks. Mickey dificilmente parece ter histórias à mesma altura. Entretanto, o personagem teve um autor, Floyd Gottfredson, que criou algumas tiras realmente divertidas nas tiras nos anos 30 e 40. É provável que eu estivesse lendo os gibis errados, mas não lembro dessas HQs nas revistas da Abril. A editora, no entanto, supriu essa falha na coleção de álbuns Anos de ouro de Mickey.
Essas histórias eram publicadas em tiras de jornais e tinham uma dinâmica diversa das páginas dos gibis de Barks. Enquanto Barks tinha páginas inteiras para contar suas gags, Gottfredson precisava ser engraçado a cada tira. E ele, junto com os roteiristas, transformava isso numa infindável comédia de erros. Exemplo disso é a história “A lâmpada maravilhosa” publicada no segundo volume da coleção da Abril.
Na história, Minnie está obcecada por caríssimos objetos antigos. Para provar que ela não entende nada do assunto, Mickey compra num brechó uma lâmpada que pretende dar a ela como uma relíquia.
Ocorre que a lâmpada é verdadeira e abriga de fato um gênio. O problema é que o gênio entende tudo literalmente, o que provoca confusões em cima de confusões, extraindo humor de cada tira.
Mickey, para testar o gênio, pede que ele faça aparecer um coelho. Em seguida pede uma cabeça de repolho para o coelho. O gênio faz com que o animal tenha uma cabeça de repolho!
E isso é só o início de uma sucessão de erros que se estende por dezenas de tiras: quando Mickey diz que quer uma vida mais doce, o gênio enche a casa de açúcar; quando Mickey diz que vai dar uma festa dos diabos, o gênio faz aparecer o próprio demônio.
Finalmente, quando o protagonista aprende a controlar os poderes e fazer algo pelo bem da comunidade, ele transforma um aterro sanitário em vila residencial para pobres.
Mas o povo não aceita se mudar para lá porque fareja uma cilada, afinal ninguém dá nada de graça. Além disso, as autoridades se enfurecem com Mickey pois ele construiu a vila sobre um terreno público, sem autorização, e, aparentemente, usando mão-de-obra de outra cidade. É diversão a cada tira.