Marquinhos ligou para a mãe no sábado.
- Tudo bem, meu filho?
Sim,
tudo bem. Marquinhos tivera uma semana cansativa, mas já estava
relaxando. Sim, estava tomando as vitaminas e se agasalhando e comendo
na hora certa (a mãe sabia que era tudo mentira, mas ouvir isso era
sempre um consolo). Por fim, Marquinhos avisou que precisava desligar.
Tinha tomado um calmante e estava com sono. Além disso, os créditos do
celular já estavam no fim.
Parecia tudo normal, mas mesmo assim a mãe não conseguia dormir. Alguma coisa estava errada, mas o quê?
No dia seguinte, acordou cedo e ligou para o filho. O telefone tocou, tocou, e nada.
- Ai meu Deus! O que está acontecendo? Calma, calma Zumira. É cedo ainda, ele não deve ter acordado. Ligo mais tarde.
Mais tarde o telefone caiu na caixa postal.
- Isso não está certo. Ele não costuma dormir tanto assim... e se aconteceu alguma coisa?
Ligou
de novo. De novo na caixa postal e dessa vez a imaginação voou mais
longe. Pensou no filho caído na cama, passando mal, sem ninguém ali, ao
lado dele. Marquinhos dissera que estava tomando um calmante? E se ele
tivesse tomado uma dose muito alta? E se tivesse dormido demais, ou
pior, se o remédio tivesse tido efeito colateral? Não, não era nada
disso, ele ligaria para ela... mas então a mãe lembrou-se do que ele
dissera: os créditos estavam acabando. Talvez ele estivesse passando mal
e não pudesse ligar por causa dos créditos.
- Ai, meu Deus, matei o meu filho!
O
pior é que não tinha o telefone de nenhum amigo de Carlinhos. Não podia
ligar para o trabalho dele. Era domingo. Decidida, entrou no carro e
pegou a estrada.
- Preciso chegar enquanto ainda dá tempo!
Dirigiu
nervosa, angustiada pelas mais pessimistas previsões. Calculou se daria
tempo de chegar antes de seu querido Marquinhos ter morrido de fome e
sede, incapaz de levantar da cama. Duas horas depois estacionou na
frente do prédio. Nem fechou o carro. Não havia tempo para essas
minúncias.
Já entrou gritando com o porteiro:
- Abra a porta do apartamento do meu filho. Ele está passando mal!
Foram o porteiro e o síndico, com uma chave mestra.
Ainda demoraram um pouquinho, pois o porteiro não sabia usar a chave. A mãe incentivava:
- Abre logo. Um minuto a mais pode ser tarde demais.
Deram com o Marquinhos sentado na poltrona, assistindo futebol, tomando cerveja e comendo salgadinhos.
Ele
estava bem. Na verdade, estava ótimo, depois de uma magnífica noite de
sono. O celular não atendia porque a bateria acabara e Marquinhos nem
percebera. O síndico e o porteiro saíram rogando pragas.
A mãe, para não perder a viagem, ralhou:
- Onde já se viu? Em plena tarde de domingo você bebendo cerveja e comendo besteira! Se não fosse a sua mãe cuidar de você...
domingo, maio 13, 2012
Veja mete a mão em vespeiro e sai ferida
Veja vem sendo criticada há várias semanas por internautas do Brasil inteiro. Sofre aquilo que os especialistas definiriam como uma crise de imagem nas redes sociais. Algo que pode acontecer com qualquer empresa. Recentemente, por exemplo, ocorreu com a Claro e com seu garoto-propaganda Ronaldo, que não cumpriram uma promoção anunciada na Páscoa.
Em casos desse tipo, os consultores recomendam humildade, cautela e, sobretudo, diálogo com os internautas. Veja preferiu adotar o caminho oposto. Optou pela arrogância, pela prepotência e pelo desprezo pelos internautas. Numa reportagem deste fim de semana, rotulou como “insetos”, “robôs” ou “petralhas amestrados” os internautas que têm participado de seguidos tuitaços contra a publicação, desde que se evidenciou a proximidade entre a revista e o bicheiro Carlinhos Cachoeira.
O resultado foi devastador. Neste sábado, Veja liderou os trending topics durante praticamente todo o sábado. Começou ao meio-dia e ainda agora estava lá, seja com #VejaComMEDO, seja com #VejaTemMEDO. Muitos internautas alteraram até as fotos dos seus perfis e passaram a utilizar imagens de robôs ou insetos. Na grande maioria, são jovens, potenciais leitores de Veja, mas que vêm disseminando uma mensagem que ninguém consegue calar e que pode ser devastadora: a de que a maior revista do Brasil tinha algum tipo de associação com um esquema criminoso. Nesse tom, mais de 25 mil mensagens foram postadas no Twitter. Leia mais
Em casos desse tipo, os consultores recomendam humildade, cautela e, sobretudo, diálogo com os internautas. Veja preferiu adotar o caminho oposto. Optou pela arrogância, pela prepotência e pelo desprezo pelos internautas. Numa reportagem deste fim de semana, rotulou como “insetos”, “robôs” ou “petralhas amestrados” os internautas que têm participado de seguidos tuitaços contra a publicação, desde que se evidenciou a proximidade entre a revista e o bicheiro Carlinhos Cachoeira.
O resultado foi devastador. Neste sábado, Veja liderou os trending topics durante praticamente todo o sábado. Começou ao meio-dia e ainda agora estava lá, seja com #VejaComMEDO, seja com #VejaTemMEDO. Muitos internautas alteraram até as fotos dos seus perfis e passaram a utilizar imagens de robôs ou insetos. Na grande maioria, são jovens, potenciais leitores de Veja, mas que vêm disseminando uma mensagem que ninguém consegue calar e que pode ser devastadora: a de que a maior revista do Brasil tinha algum tipo de associação com um esquema criminoso. Nesse tom, mais de 25 mil mensagens foram postadas no Twitter. Leia mais
sábado, maio 12, 2012
Coleção Imaginários em quadrinhos
A editora Draco está lançando a coleção Imaginários em Quadrinhos. São álbuns de 128 páginas, com 6 histórias de 20 páginas. Os que quiserem apresentar propostas deverão enviar o roteiro completo mais três páginas finalizadas. Para maiores informações, clique aqui.
quinta-feira, maio 10, 2012
Capítulo novo dos Exploradores do Desconhecido
Os fãs já podem comemorar: acaba de sair mais um capítulo dos Exploradores do Desconhecido. Para ler, clique aqui.
quarta-feira, maio 09, 2012
Música do dia
Conserve seu medo - Raul Seixas
Conserve seu medo
Mantenha ele aceso
Se você não teme
Se você não ama
Vai acabar cedo
Esteja atento
Ao rumo da História
Mantenha em segredo
Mas mantenha viva
Sua paranóia
Conserve seu medo
Mas sempre ficando
Sem medo de nada
Porque dessa vida
De qualquer maneira
Não se leva nada
E ande pra frente
Olhando pro lado
Se entregue a quem ama
Na rua ou na cama
Mas tenha cuidado
Conserve seu medo
Mas sempre ficando
Sem medo de nada
Porque dessa vida
De qualquer maneira
Não se leva nada
E ande pra frente
Olhando pro lado
Se entregue a quem ama
Na rua ou na cama
Mas tenha cuidado
terça-feira, maio 08, 2012
Terror Zine 27 já está on-line
Já está disponível na rede mais um número do Terror Zine Especial nº 27 - O Gato Preto, uma homenagem ao grande mestre Edgar Allan Poe.
Participam nesta edição Claudio Parreira, Daniel Borba, Danny Marks, Duda Falcão, Evandro Guerra, Georgette Silen, Gian Danton, Gus Rimoli, Luciana Fátima, Marcelo Bighetti, Mauricio Montenegro, Miriam Santiago, O. A. Secatto e Renato Alves.
A bela capa desta edição foi elaborada pelo escritor e capista Marcelo Bighetti (mbighetti@gmail.com - www.marcelobighetti.blogspot.com).
Para baixar o Terror Zine, clique aqui.
Participam nesta edição Claudio Parreira, Daniel Borba, Danny Marks, Duda Falcão, Evandro Guerra, Georgette Silen, Gian Danton, Gus Rimoli, Luciana Fátima, Marcelo Bighetti, Mauricio Montenegro, Miriam Santiago, O. A. Secatto e Renato Alves.
A bela capa desta edição foi elaborada pelo escritor e capista Marcelo Bighetti (mbighetti@gmail.com - www.marcelobighetti.blogspot.com).
Para baixar o Terror Zine, clique aqui.
Os pecados da Veja
A matéria desta semana da Carta Capital revela as íntimas relações entre a revista Veja e o bicheiro Carlinhos Cachoeira (chamado por ela de "empresário de jogos").
Entre os vários fatos relatados na reportagem, dois chamam atenção e mostram como a revista servia aos interesses do bicheiro:
À certa altura, Cachoeira decidiu colocar o amigo Demóstenes Torres na mais alta corte do país, o Supremo Tribunal Federal, uma forma de se blindar contra processos a respeito de suas atividades criminosas. A pedido de Cachoeira, a Veja fez campanha para Demóstenes, publicando a entrevista "Só nos sobrou o Supremo". Detalhe: a entrevista é assinada pelo mesmo jornalista que tentou entrar escondido no quarto de José Dirceu em um hotel em Brasília.
Quando a Polícia Federal deflagrou a Operação Satiagraha, cujos alvos eram os banqueiros Daniel Dantas e o megaespeculador Naji Nahas, a Veja, mais uma vez, a pedido de Cachoeira, publicou a denúncia de uma suposta gravação ilegal de uma conversa entre Demóstenes Torres e o ministro Gilmar Mendes. A gravação nunca apareceu, mas o delegado foi demitido e a operação desmontada.
Além de usar métodos jornalísticos altamente questionáveis, como invasão de domicílio, a revista nos últimos anos parece ter estado a serviço de um criminoso, que a usava para promover seus parceiros e apear do poder todos aqueles que o desagradavam ou não aceitavam entrar em seu esquema de corrupção.
Triste que a grande mídia tenha simplesmente se calado sobre esse escândalo.
Entre os vários fatos relatados na reportagem, dois chamam atenção e mostram como a revista servia aos interesses do bicheiro:
À certa altura, Cachoeira decidiu colocar o amigo Demóstenes Torres na mais alta corte do país, o Supremo Tribunal Federal, uma forma de se blindar contra processos a respeito de suas atividades criminosas. A pedido de Cachoeira, a Veja fez campanha para Demóstenes, publicando a entrevista "Só nos sobrou o Supremo". Detalhe: a entrevista é assinada pelo mesmo jornalista que tentou entrar escondido no quarto de José Dirceu em um hotel em Brasília.
Quando a Polícia Federal deflagrou a Operação Satiagraha, cujos alvos eram os banqueiros Daniel Dantas e o megaespeculador Naji Nahas, a Veja, mais uma vez, a pedido de Cachoeira, publicou a denúncia de uma suposta gravação ilegal de uma conversa entre Demóstenes Torres e o ministro Gilmar Mendes. A gravação nunca apareceu, mas o delegado foi demitido e a operação desmontada.
Além de usar métodos jornalísticos altamente questionáveis, como invasão de domicílio, a revista nos últimos anos parece ter estado a serviço de um criminoso, que a usava para promover seus parceiros e apear do poder todos aqueles que o desagradavam ou não aceitavam entrar em seu esquema de corrupção.
Triste que a grande mídia tenha simplesmente se calado sobre esse escândalo.
segunda-feira, maio 07, 2012
Um conto de duas cidades
Comprei o livro Um conto de duas cidades, de Charles Dickens em maio de 1999. Era uma edição de banca, da Nova Cultural. Tirando a capa mole, era uma publicação interessante, com biografia do autor e muitas notas sobre o texto. Por alguma razão eu comecei a ler e abandonei antes de terminar o primeiro capítulo. Isso é comum para quem é professor: você começa um romance e logo uma outra leitura, mais urgente, geralmente um texto técnico, o obriga a abandonar a ficção.
O livro ficou lá, escondido na estante, por mais de 10 anos, até que mudei de casa e comecei a arrumar a nova estante. Colocar livros numa estante pode parecer uma atitude simples para quem não gosta de leitura. Para um leitor assíduo, é algo demorado. É difícil resistir à tentação de dar uma folheada e ler um parágrafo ou outro.
Foi assim que comecei a ler Um conto de duas cidades. Considerando-se o início, é difícil imaginar porque eu o abandonei da outra vez. O livro tem uma das melhores aberturas da história da literatura:
"Aquele foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos; aquela foi a idade da sabedoria, foi a idade da insensatez, foi a época da crença, foi a época da descrença, foi a estação da luz, a estação das trevas, a primavera da esperança, o inverno do desespero; tínhamos tudo diante de nós, tínhamos nada diante de nós, íamos todos direto para o paraíso, íamos todos direto no sentido contrário". Leia mais
O livro ficou lá, escondido na estante, por mais de 10 anos, até que mudei de casa e comecei a arrumar a nova estante. Colocar livros numa estante pode parecer uma atitude simples para quem não gosta de leitura. Para um leitor assíduo, é algo demorado. É difícil resistir à tentação de dar uma folheada e ler um parágrafo ou outro.
Foi assim que comecei a ler Um conto de duas cidades. Considerando-se o início, é difícil imaginar porque eu o abandonei da outra vez. O livro tem uma das melhores aberturas da história da literatura:
"Aquele foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos; aquela foi a idade da sabedoria, foi a idade da insensatez, foi a época da crença, foi a época da descrença, foi a estação da luz, a estação das trevas, a primavera da esperança, o inverno do desespero; tínhamos tudo diante de nós, tínhamos nada diante de nós, íamos todos direto para o paraíso, íamos todos direto no sentido contrário". Leia mais
sexta-feira, maio 04, 2012
O Big Brother e as mulheres de palha
Em Fahrenheit 451, escrito em 1953, Ray Bradbury nos coloca a interessantíssima questão do futuro e do controle da sociedade por um governo ou uma classe. Trata-se de uma distopia (utopia ao contrário), como 1984, de George Orwell. No universo dos dois livros, ler é uma atividade proibida. O título Fahrenheit 451 se refere justamente à temperatura em que o papel arde e se consome. O personagem principal é um bombeiro encarregado não de apagar incêndios, mas de queimar livros.
É interessante notar que há uma diferença de apenas cinco anos entre um livro e outro. Apesar da proximidade de assunto e tempo, há diferenças básicas entre as duas obras. Diferenças de motivos. Orwell escreveu 1984 baseado na sua experiência na Guerra Civil Espanhola, onde foi perseguido pelos stalinistas, enquanto lutava contra os fascistas e via a história ser mudada pelas versões oficiais. Bradury nunca foi à guerra, mas experimentou as agruras de um dos momentos mais terríveis da história americana: o machartismo. No início da década de cinqüenta, os EUA foram invadidos por uma febre anti-comunista. Grandes escritores foram perseguidos, Charles Chaplin teve de deixar o país para não ser preso. Bradbury, nessa época, já era um escritor famoso e trabalhava esporadicamente para a editora de quadrinhos EC Comics.

A EC foi, provavelmente, a primeira editora de quadrinhos a manter uma atitude crítica perante o mundo. Fazia propaganda pacifista em plena Guerra Fria e fazia troça do modo de vida norte-americano. Bradbury sentiu o cheiro acre das revistas da EC sendo queimadas em praça pública, viu amigos sendo presos, pessoas de bem sendo humilhadas. Viu toda uma nação se levantar, insana, pedindo a cabeça de homens que nem conheciam. É, Bradbury tinha motivos para escrever Fahrenheit 451. Além de um protesto, o livro é também um tratado sobre o ato de ler. Bradbury defende que os livros trazem em si três aspectos. O primeiro deles é a vida. Livros devem ser repletos de vivências. E nesse sentido não é só a vivência do autor, mas também a do leitor, suas tristezas e alegrias, que ficam impregnadas nas páginas dos livros. O segundo aspecto é o lazer. Nem o mais pedante dos intelectuais negaria que lê porque se diverte enquanto o faz. O terceiro aspecto seria justamente a capacidade de transformação, de ação consciente a partir da reflexão em cima dos dois primeiros aspectos.
Se o livro representa a libertação, em Fahrenheit 451, a alienação é representada pela televisão, assim como em 1984. Mas Orwell morreu em 1949, bem antes que a TV tivesse ampla difusão. Bradbury, ao contrário, viveu o período de ascensão da telinha. Talvez por isso, em Fahrenheit 451 a tv não é imposta às pessoas. Elas a assistem por livre e espontânea vontade. Aliás, a proibição de leitura também não foi imposta pelo governo. Foram as próprias pessoas que não só deixaram de ler, como passaram a ter medo de quem lia. Numa sociedade unidimensional as pessoas devem ser niveladas pela média. Pessoas que lêem, pessoas que escrevem, pessoas que fazem poemas e outras que fazem da sua própria vida um poema... todos esses tipos são perigosos para o cidadão comum, para o pai de família barrigudo, que passa os domingos bebendo cerveja e assistindo televisão.
É interessante analisar os protagonistas dos dois livros. Montag, de Fahrenheit 451, é um puro instinto, chegando a tomar atitudes quase suicidas. Já Winston, de 1984, é totalmente racional. Sua subversão é testada cuidadosamente, como alguém que anda no escuro, tateando a parede. Mesmo assim, a subversão de Winston, em certo sentido, é maior, já que ele não só lê, como escreve. Aliás, o que é proibido aos subordinados, é permitido à classe dominante. Beaty lê, Big Borther escreve. Afinal, informação é poder. Tanto que os escribas do antigo Egito tinham poder quase equivalente ao Faraós. Seria até de se perguntar se o pessoal do partido interno, em 1984, praticava sexo, já que o sexo também é um ato político.
As classes dominantes precisam providenciar maneiras de reprimir o instinto de liberdade do ser humano. O povo é continuamente submetido a uma rotina estressante. Além do trabalho, as filas enormes, os ônibus que chegam sempre atrasados e lotados. Quando há revolta, ela é uma reação imediata e sem sentido, voltada quase sempre para quem não é responsável pelo sofrimento do povo. Temos aí, então, as portas de vidro quebradas nos hospitais, as pedras jogadas nos ônibus, nos trens destruídos. Quando acontece a reação, ela é sempre voltada para os representantes mais inferiores da autoridade, como o cobrador de ônibus ou a enfermeira. No dia seguinte, tudo volta ao normal. No tempo livre, é necessário ocupar a cabeça das pessoas. Em Fahrenheit 451 o meio mais utilizado para evitar o uso criativo e reflexivo do tempo livre é a televisão. Na obra de Bradbury, mulheres de palha conversam com a TV, repetindo frases escritas previamente. Não há atividade criativa. Em 1984, o povo é mantido sob estrita vigilância, seja através da teletela (uma televisão que também transmite a imagem de quem a está assistindo), dos helicópteros ou da polícia do pensamento.
Bradbury propõe a leitura como opção. Para ele, somos o que lemos. Isso fica claro quando o personagem principal de seu romance encontra um grupo de subversivos que vagueia pelas antigas linhas de trem. Como não podiam correr o risco de levar livros consigo, eles simplesmente os decoravam e depois queimavam, esperando pelo dia em que ler não fosse mais proibido. A partir daí, cada um passava a ser responsável pela obra que decorara. Uma tremenda metáfora do ato de ler.
É interessante notar que há uma diferença de apenas cinco anos entre um livro e outro. Apesar da proximidade de assunto e tempo, há diferenças básicas entre as duas obras. Diferenças de motivos. Orwell escreveu 1984 baseado na sua experiência na Guerra Civil Espanhola, onde foi perseguido pelos stalinistas, enquanto lutava contra os fascistas e via a história ser mudada pelas versões oficiais. Bradury nunca foi à guerra, mas experimentou as agruras de um dos momentos mais terríveis da história americana: o machartismo. No início da década de cinqüenta, os EUA foram invadidos por uma febre anti-comunista. Grandes escritores foram perseguidos, Charles Chaplin teve de deixar o país para não ser preso. Bradbury, nessa época, já era um escritor famoso e trabalhava esporadicamente para a editora de quadrinhos EC Comics.

A EC foi, provavelmente, a primeira editora de quadrinhos a manter uma atitude crítica perante o mundo. Fazia propaganda pacifista em plena Guerra Fria e fazia troça do modo de vida norte-americano. Bradbury sentiu o cheiro acre das revistas da EC sendo queimadas em praça pública, viu amigos sendo presos, pessoas de bem sendo humilhadas. Viu toda uma nação se levantar, insana, pedindo a cabeça de homens que nem conheciam. É, Bradbury tinha motivos para escrever Fahrenheit 451. Além de um protesto, o livro é também um tratado sobre o ato de ler. Bradbury defende que os livros trazem em si três aspectos. O primeiro deles é a vida. Livros devem ser repletos de vivências. E nesse sentido não é só a vivência do autor, mas também a do leitor, suas tristezas e alegrias, que ficam impregnadas nas páginas dos livros. O segundo aspecto é o lazer. Nem o mais pedante dos intelectuais negaria que lê porque se diverte enquanto o faz. O terceiro aspecto seria justamente a capacidade de transformação, de ação consciente a partir da reflexão em cima dos dois primeiros aspectos.
Se o livro representa a libertação, em Fahrenheit 451, a alienação é representada pela televisão, assim como em 1984. Mas Orwell morreu em 1949, bem antes que a TV tivesse ampla difusão. Bradbury, ao contrário, viveu o período de ascensão da telinha. Talvez por isso, em Fahrenheit 451 a tv não é imposta às pessoas. Elas a assistem por livre e espontânea vontade. Aliás, a proibição de leitura também não foi imposta pelo governo. Foram as próprias pessoas que não só deixaram de ler, como passaram a ter medo de quem lia. Numa sociedade unidimensional as pessoas devem ser niveladas pela média. Pessoas que lêem, pessoas que escrevem, pessoas que fazem poemas e outras que fazem da sua própria vida um poema... todos esses tipos são perigosos para o cidadão comum, para o pai de família barrigudo, que passa os domingos bebendo cerveja e assistindo televisão.
É interessante analisar os protagonistas dos dois livros. Montag, de Fahrenheit 451, é um puro instinto, chegando a tomar atitudes quase suicidas. Já Winston, de 1984, é totalmente racional. Sua subversão é testada cuidadosamente, como alguém que anda no escuro, tateando a parede. Mesmo assim, a subversão de Winston, em certo sentido, é maior, já que ele não só lê, como escreve. Aliás, o que é proibido aos subordinados, é permitido à classe dominante. Beaty lê, Big Borther escreve. Afinal, informação é poder. Tanto que os escribas do antigo Egito tinham poder quase equivalente ao Faraós. Seria até de se perguntar se o pessoal do partido interno, em 1984, praticava sexo, já que o sexo também é um ato político.
As classes dominantes precisam providenciar maneiras de reprimir o instinto de liberdade do ser humano. O povo é continuamente submetido a uma rotina estressante. Além do trabalho, as filas enormes, os ônibus que chegam sempre atrasados e lotados. Quando há revolta, ela é uma reação imediata e sem sentido, voltada quase sempre para quem não é responsável pelo sofrimento do povo. Temos aí, então, as portas de vidro quebradas nos hospitais, as pedras jogadas nos ônibus, nos trens destruídos. Quando acontece a reação, ela é sempre voltada para os representantes mais inferiores da autoridade, como o cobrador de ônibus ou a enfermeira. No dia seguinte, tudo volta ao normal. No tempo livre, é necessário ocupar a cabeça das pessoas. Em Fahrenheit 451 o meio mais utilizado para evitar o uso criativo e reflexivo do tempo livre é a televisão. Na obra de Bradbury, mulheres de palha conversam com a TV, repetindo frases escritas previamente. Não há atividade criativa. Em 1984, o povo é mantido sob estrita vigilância, seja através da teletela (uma televisão que também transmite a imagem de quem a está assistindo), dos helicópteros ou da polícia do pensamento.
Bradbury propõe a leitura como opção. Para ele, somos o que lemos. Isso fica claro quando o personagem principal de seu romance encontra um grupo de subversivos que vagueia pelas antigas linhas de trem. Como não podiam correr o risco de levar livros consigo, eles simplesmente os decoravam e depois queimavam, esperando pelo dia em que ler não fosse mais proibido. A partir daí, cada um passava a ser responsável pela obra que decorara. Uma tremenda metáfora do ato de ler.
quarta-feira, maio 02, 2012
Selecionados para a antologia Terra da Magia
Já saiu a relação dos selecionados para a antologia Terra da Magia, da editora Infinitum, organizada por mim. Para conferir a lista, clique aqui.
terça-feira, maio 01, 2012
Vingadores - o filme
Assistimos hoje Os Vingadores. Fomos para Santana fugindo do cine Imperator por causa do som. Chegamos lá descobrimos que o som era ainda pior, distorcido, de forma que dificultava entender alguns diálogos, especialmente nas cenas de ação.
Mas nem todo o incômodo do som fez com que eu deixasse de gostar o filme.
Todos aqueles que leram os quadrinhos Marvel nas eras de prata e de bronze vão se lembras das melhores aventuras que leram. O filme é um quadrinho em movimento... e quadrinho dos bons, com direito a humor, aventura, brigas entre heróis, uma ameaça real e um grupo que precisa colocar suas diferenças de lado para salvar a Terra. Ou seja: é tudo que se poderia esperar de uma adaptação dos Vingadores.
Eu gostei especialmente da Viúva Negra, uma heroina nem sempre bem aproveitada, mas que no filme se transforma numa espiã perfeita, capaz de incríveis jogos psicológicos para conseguir o que quer.
Outro destaque é o Homem-de-ferro e seus diálogos ferinos. A cena em que ele assusta Bruce Banner para ver se ele se tranforma no Hulk está entre os melhores momentos do filme.
Falando no Hulk, ele finalmente vive seu grande momento na tela grande. Depois de um fiasco absoluto e de um filme mediano, o gigante esmeralda mostra que é possível sim fazer um bom filme com ele, até pelas possibilidade de humor. O momento em que ele enfrenta Loki é, desde já, antológico. Em outro momento (spoiler) ele está tão empolgado com a luta que acerta Thor. Uma piada visual da melhor qualidade.
O Capitão América não está genial, mas segura bem a função de líder do grupo (embora eu não tenha gostado do novo uniforme). O único que me pareceu apagado foi Thor. Mas mesmo ele protagoniza alguns bons momentos, em especial o diálogo:
- Loki é meu irmão!
- Mas ele matou centenas de pessoas!
- Adotado...
Joss Whedon mostrou que é fã de quadrinhos, um ótimo diretor e um roteirista brilhante. Ele entende como ninguém a sintaxe das histórias Marvel e explora isso com maestria no filme.
Vale destacar também a cena no meio dos créditos. Aparece um personagem e sua fala é perfeita (só os fãs de quadrinhos entenderão): "Desafiá-los é cortejar a morte!".
Mas nem todo o incômodo do som fez com que eu deixasse de gostar o filme.
Todos aqueles que leram os quadrinhos Marvel nas eras de prata e de bronze vão se lembras das melhores aventuras que leram. O filme é um quadrinho em movimento... e quadrinho dos bons, com direito a humor, aventura, brigas entre heróis, uma ameaça real e um grupo que precisa colocar suas diferenças de lado para salvar a Terra. Ou seja: é tudo que se poderia esperar de uma adaptação dos Vingadores.
Eu gostei especialmente da Viúva Negra, uma heroina nem sempre bem aproveitada, mas que no filme se transforma numa espiã perfeita, capaz de incríveis jogos psicológicos para conseguir o que quer.
Outro destaque é o Homem-de-ferro e seus diálogos ferinos. A cena em que ele assusta Bruce Banner para ver se ele se tranforma no Hulk está entre os melhores momentos do filme.
Falando no Hulk, ele finalmente vive seu grande momento na tela grande. Depois de um fiasco absoluto e de um filme mediano, o gigante esmeralda mostra que é possível sim fazer um bom filme com ele, até pelas possibilidade de humor. O momento em que ele enfrenta Loki é, desde já, antológico. Em outro momento (spoiler) ele está tão empolgado com a luta que acerta Thor. Uma piada visual da melhor qualidade.
O Capitão América não está genial, mas segura bem a função de líder do grupo (embora eu não tenha gostado do novo uniforme). O único que me pareceu apagado foi Thor. Mas mesmo ele protagoniza alguns bons momentos, em especial o diálogo:
- Loki é meu irmão!
- Mas ele matou centenas de pessoas!
- Adotado...
Joss Whedon mostrou que é fã de quadrinhos, um ótimo diretor e um roteirista brilhante. Ele entende como ninguém a sintaxe das histórias Marvel e explora isso com maestria no filme.
Vale destacar também a cena no meio dos créditos. Aparece um personagem e sua fala é perfeita (só os fãs de quadrinhos entenderão): "Desafiá-los é cortejar a morte!".
A Época e as contas de governador
Há duas semanas a revista publicou uma matéria na qual afirmava categoricamente, baseada em um relatória da Polícia Federal, que o Governador do Amapá, Camilo Capiberibe, tinha 35 contas em bancos. Na edição desta semana publicou a matéria "CONTAS REFEITAS - governador Camilo Capiberibe afirma ter 8 - e não 35 contas bancárias". Esse tipo de matéria é comum: a publicação faz a denúncia, o denunciado se explica, e depois a publicação contra-argumenta, geralmente explicando de onde tirou os fatos e, na maioria dos casos, contestando a versão do denunciado. Eu esperava isso da matéria. O governador Camilo alega, por exemplo, que a planilha citada pela reportagem traz contas bancárias repetidas. Para contrapô-lo, bastava a revista publicar a planilha e mostrar que as contas não eram repetidas.
A revista não fez nada disso. Simplesmente publicou a versão do governador e, para não ficar óbvio que se tratava de uma errata, terminou falando da verba indenizatória da AL de 100 mil reais. Uma barrigada, como se diz no jargão jornalístico: a verba indenizatória foi diminuída para 50 mil há duas semanas e o jornalista simplesmente não se deu ao traballho de chegar a informação!
As matérias - tanto a denúncia como a errata - mostram o baixo nível do jornalismo brasileiro e denuncismo barato que dominou as redações.
É o paradigma da Veja: fazer bom jornalismo é derrubar governador, derrubar ministro, derrubar secretário.
Na pressa do denuncismo, a revista provavelmente publicou uma matéria sem ter tido acesso aos documentos originais e, principalmente, sem checar as informações. Ao ser ameaçada de processo, preferiu publicar uma errata disfarçada de versão.
A função do jornalismo não é derrubar ninguém. A função do jornalismo é informar e checar as informações.
A revista não fez nada disso. Simplesmente publicou a versão do governador e, para não ficar óbvio que se tratava de uma errata, terminou falando da verba indenizatória da AL de 100 mil reais. Uma barrigada, como se diz no jargão jornalístico: a verba indenizatória foi diminuída para 50 mil há duas semanas e o jornalista simplesmente não se deu ao traballho de chegar a informação!
As matérias - tanto a denúncia como a errata - mostram o baixo nível do jornalismo brasileiro e denuncismo barato que dominou as redações.
É o paradigma da Veja: fazer bom jornalismo é derrubar governador, derrubar ministro, derrubar secretário.
Na pressa do denuncismo, a revista provavelmente publicou uma matéria sem ter tido acesso aos documentos originais e, principalmente, sem checar as informações. Ao ser ameaçada de processo, preferiu publicar uma errata disfarçada de versão.
A função do jornalismo não é derrubar ninguém. A função do jornalismo é informar e checar as informações.
segunda-feira, abril 30, 2012
Joe Bennett na revista Design Gráfico nº 99
Batman mora em Belém
Do amazônico Pará, Benedito Nascimento, Joe Bennett, cria heróis e cenas fantásticas, aquelas que incendeiam o imaginário da cultura pop norte-americana.
Joe Bennett para os leitores das revistas em quadrinhos americanas e Bené para amigos brasileiros, Benedito Nascimento fez seu primeiro contato com o mundo dos quadrinhos aos cinco anos, incentivado pelo pai que um dia lhe comprou vários gibis e ele, na sua intuição de criança, começou a copiar os desenhos.
O pai nem conhecia os heróis daqueles gibis, gostava de Príncipe Valente, Mandrake, Fantasma... nada de Homem-Aranha, Thor, Hulk..., mas foi o suficiente para fisgar o hoje famoso Joe Bennett, desenhista de revistas em quadrinhos que os americanos admiram. “Comecei a copiar aqueles desenhos, tomei gosto e nunca mais parei.” Leia mais
OBS: Joe Bennett é convidado especial do I HQ Encontro, evento que acontecerá na Universidade Federal do Amapá nos dia 20, 21 e 22 de junho.
Do amazônico Pará, Benedito Nascimento, Joe Bennett, cria heróis e cenas fantásticas, aquelas que incendeiam o imaginário da cultura pop norte-americana.
Joe Bennett para os leitores das revistas em quadrinhos americanas e Bené para amigos brasileiros, Benedito Nascimento fez seu primeiro contato com o mundo dos quadrinhos aos cinco anos, incentivado pelo pai que um dia lhe comprou vários gibis e ele, na sua intuição de criança, começou a copiar os desenhos.
O pai nem conhecia os heróis daqueles gibis, gostava de Príncipe Valente, Mandrake, Fantasma... nada de Homem-Aranha, Thor, Hulk..., mas foi o suficiente para fisgar o hoje famoso Joe Bennett, desenhista de revistas em quadrinhos que os americanos admiram. “Comecei a copiar aqueles desenhos, tomei gosto e nunca mais parei.” Leia mais
OBS: Joe Bennett é convidado especial do I HQ Encontro, evento que acontecerá na Universidade Federal do Amapá nos dia 20, 21 e 22 de junho.
Edital para professor temporário da UNIFAP
A UNIFAP lançou um edital para vagas temporárias de professor de seus cursos de graduação. Tem inclusive para Jornalismo. Para baixar o edital, clique aqui.
Atenção: deve sair uma errata: a área de conhecimento Jornalismo especializado saiu como Fotojornalismo e planejamento gráfico. O erro foi só no título e deve ser corrigido em breve.
Atenção: deve sair uma errata: a área de conhecimento Jornalismo especializado saiu como Fotojornalismo e planejamento gráfico. O erro foi só no título e deve ser corrigido em breve.
domingo, abril 29, 2012
Globo, Folha e Abril ameaçam governo Dilma em caso de CPI da Mídia
Principais grupos de comunicação fecham pacto de não agressão e transmitem ao planalto a mensagem de que pretendem retaliar o governo se houver qualquer convocação de jornalistas ou de empresários do setor. Porta-voz do grupo na comissão é o deputado Miro Teixeira. Na Inglaterra, um país livre, o magnata Rupert Murdoch depôs ontem Leia mais
sábado, abril 28, 2012
Otoniel Oliveira - convidado do I HQ Encontro
Otoniel é um dos desenhistas de maior destaque no cenário brasileiro atual, tanto que foi convidado para o MSP 50 álbum em homanagem ao Maurício de Sousa. Confira acima alguns de seus trabalhos.
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