Gottfried von Leibniz foi um dos maiores gênios do século XVII.
Ele se movia com facilidade pela matemática, filosofia e direito. Além disso,
ele se envolveu em projetos de prensa hidráulica, horticultura e construção de
moinhos de vento. Mas Leibniz acalentava um projeto especial: criar uma
enciclopédia que contivesse todos os conceitos humanos. Ele acreditava que, por
mais que pudesse haver muitos conceitos complexos, a quantidade de conceitos
simples deveria ser pequena. E, se existe um número finito de conceitos simples,
deve haver no pensamento um princípio de organização, que orquestre o modo como
são combinados. No final, o filósofo concluiu que existem apenas dois conceitos
simples: Deus e o Nada. A partir desses dois, todos os outros poderiam ser
construídos. Gottfried von Leibniz foi um dos maiores gênios do século XVII.
O deus e o nada, de Leibniz serviu de inspiração para a linguagem binária |
A idéia, que parece uma maluquice de um pensador que já deveria
estar no hospício muito antes de formular seu sistema filosófico, é, na
verdade, um dos mais úteis instrumentos da atualidade. Sem ela, nem eu estaria
escrevendo este texto em um computador, nem você o estaria lendo pela internet.
Os conceitos de Deus e Nada de Leibniz são a base do 0 e 1, a linguagem binária
usada pelos computadores digitais. Toda informação que adentra um computador,
por mais complexa que seja, é transformada em uma série de 0 e 1, ou Deus e
Nada.
Leibniz foi, portanto, o avô do algoritmo, um sistema lógico que
tornou possível os computadores. É a história da criação do algoritmos que
David Berlinsk, professor norte-americano de lógica, conta em O Advento do
Algoritmo.
O livro pode parecer um volume hermético, de interesse único dos
viciados em matemática, lógica e computadores, mas não é. Berlinski tem uma
linguagem simples e um jeito muito divertido de falar de coisas complicadas.
Além disso, ele é um tanto poético, às vezes exageradamente poético. Ao falar
da lógica aristotélica, ele se refere à decadência do Império romano da
seguinte forma: "A cultura brilhante e única dos gregos antigos se exauriu
quando o sol ainda brilhava. Os bárbaros começaram a vagar pelas margens rotas
e esfarrapadas do Império Romano".
O livro tem momentos exclusivamente literários, como aquele
sobre um homem que vendia sonhos, colocado ali para nos fazer ver que sonhar
com a verdade pode ter um preço muito caro.
Um preço muito caro pagou o lógico inglês Alan Turing, que se
suicidou comendo uma maçã envenenada.
Turing percebeu que muitas vezes seres humanos faziam trabalhos
mecânicos, que podiam perfeitamente ser feitos por um computador e imaginou uma
máquina capaz de realizá-los. Ele partiu da idéia de Leibniz, de que conceitos
complexos podem ser expressos através de conceitos simples. Ou seja, todas as
coisas poderiam ser expressas através de dois símbolos, 0 e 1. Ou melhor, um,
pois o 0 é a ausência de símbolo.
Turing, o criador do computador moderno. |
O computador de Turing teria uma fita infinitamente longa
dividida em quadrados. Teria também um mecanismo de leitura que poderia
realizar três operações: 1) ler os símbolos nos quadrados; 2) mover-se pelos
quadrados, de acordo com uma programação; 3) imprimir símbolos nos quadrados.
Um exemplo simples e, ao mesmo tempo, maravilhoso de utilização
da máquina de Turing é a soma 1 + 1. O número 1 é expresso através de dois
símbolos, 11. O espaço em branco representa o sinal de somatória. Assim, 1+1
seria expresso da seguinte maneira: 11 espaço 11. A seguir, basta dar uma
programação à máquina.
A programação é a seguinte:
A leitura se move para a direita até encontrar um espaço vazio
e, então, imprime 1.
Os sinais, que eram 11 11, ficam 11111.
A seguir ela se move novamente para a direita até encontra um
espaço em branco, sinal de que agora ela deve se mover para a esquerda e, ao
invés de imprimir, deve apagar os dois primeiros da esquerda e, então, parar. O
símbolo resultante é 111, justamente o símbolo do número dois.
Simples e extremamente eficiente.
O método proposto por Turing permite que computadores possam
processar qualquer informação usando apenas o Deus e o Nada.
Só por nos mostrar que idéia aparentemente sem nenhuma utilidade
prática podem se tornar extremamente importantes (e, de certa forma, governar o
mundo), o livro de Berlinski já valeria a pena. Como se isso não bastasse, a
editora Globo fez um belo trabalho gráfico, com uma capa belíssima e uma
encadernação de primeira. Dá gosto de ler.
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