Texto escrito em parceria com
Alexandre Magno
Billy Wilder é um dos melhores diretores de todos os tempos. Sua inventividade e ousadia marcaram o cinema norte-americano. Além disso, algumas das cenas mais marcantes da sétima arte, como a de Marilyn segurando a saia levantada pelo vento, são criações suas.
Nascido em 22 de junho de 1906, na cidade de Sucha, que atualmente pertence à Polônia, mas na época era parte do império austro-húngaro, filho de pai e mãe judeus, Samuel Wilder iniciou seus estudos com a intenção inicial de formar-se advogado, ainda bem que não seguiu por ai, ou o mundo teria várias obras-primas cinematográficas a menos.
Decidiu-se pelo jornalismo, exerceu a profissão em Viena (capital austríaca) quando por alguns anos morou lá. Nesse período aconteceu um episódio interessante. Wilder foi encarregado de entrevistar ninguém menos que Sigmund Freud, na residência do pai da psicanálise. Wilder teria dito a Freud algo que o irritou, fazendo-o expulsá-lo de sua casa. O que ele disse? Sempre que perguntado Wilder respondia: "Esse segredo vou levar comigo para o túmulo". E levou.
Emigrou para Hollywood nos anos 30 e estreou na direção na América em 1939, com A Incrível Suzana. Ganhou o Oscar de melhor diretor em duas ocasiões por Farrapo Humano (1945) e Se Meu Apartamento Falasse (1960). Aposentou-se em 1981 e faleceu em 2002, em Los Angeles.
Separamos aqui algumas das características que fazem de Billy Wilder um dos mais importantes cineastas de todos os tempos:
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Pacto de sangue |
Corajoso - Para começar, Wilder se mostrou corajoso já em sua chegada aos Estados Unidos, nos anos 30, fugindo da perseguição nazista. Ele mal sabia falar inglês. Ao se apresentar no consulado, era apenas um jovem roteirista estrangeiro quase sem dinheiro e com documentação inadequada. O oficial que lhe atendeu leu seus documentos e fez apenas uma pergunta: "O que você faz?"; "Escrevo filmes", respondeu Wilder. Surpreendentemente, o oficial validou seu visto e, ao lhe entregar a documentação, acrescentou: "Faça bons filmes".
Seus filmes de estreia na América não mostram muito de sua coragem. Ele começa a mostrar a que veio em Pacto de Sangue (1944), um clássico do gênero noir que alia uma trama complexa, contada em flash back, à influência do expressionismo alemão, ao apostar em uma iluminação low key (fraca, o que torna a cena escura). O filme é corajoso por contar uma história cheia de assassinatos e erotismo em uma sociedade ainda conservadora, que não estava acostumada a ver violência na tela.
Também não poupou críticas à imprensa marrom (sensacionalista) e ao bastidores do próprio cinema. Em filmes como Montanha dos Sete Abutres (1951) e Crepúsculo dos Deuses (1950), o diretor mostra personagens aproveitadores, que não se importam com o mal que provocam para conseguir o que querem. Crepúsculo dos Deuses por sinal merece ser melhor analisado. Ao mostrar o personagem de William Holden, um roteirista medíocre que se aproveita e ao mesmo tempo é manipulado pela ex-estrela de cinema interpretada por Gloria Swanson, o diretor expõe como Hollywood pode ser cruel, como todos agem movidos por seus próprios interesses. Não por acaso, houve executivos que após verem o filme ficaram extremamente irritados com Wilder.
Além de corajoso, era também ético. Durante o período de caça às bruxas (que teve como resultado o exílio de vários gênios como Orson Welles e Charles Chaplin), no auge da Guerra Fria, mesmo diante da pressão do governo e da postura de vários colegas de profissão, recusou-se a delatar colegas investigados pelo FBI suspeitos de simpatizar com o comunismo.
Finalmente, este tópico ficaria incompleto se Quanto mais Quente Melhor (1959) não fosse mencionado. O filme, que hoje é considerado a melhor comédia da história, causou rebuliço na época de seu lançamento. Na história, os personagens de Jack Lemmon e Tony Curtis são obrigados a se disfarçarem de mulheres para fugir de mafiosos. Wilder faz muitas brincadeira implícitas que puristas e a Igreja Católica acharam um flerte com a homossexualidade. Mesmo que o filme pareça comportado para os padrões de hoje, Quanto mais Quente Melhor foi um dos que iniciou uma revolução sexual nos filmes que explodiria nas décadas de 60/70. A partir dali, o Código Hays (que disciplinava o uso da violência e sexo nos filmes de Hollywood) foi lentamente perdendo força até ser arquivado.
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Quanto mais quente, melhor |
Sintaxe cinematográfica - A maior limitação de alguns filmes do Primeiro Cinema (1895-1915) era o de serem teatrais demais. À época, não havia códigos narrativos próprios para o cinema e, por conta disso, alguns filmes parecem hoje uma espécie de teatro filmado. Billy Wilder jamais se utilizou de técnicas não-cinematográficas em seus filmes. Sempre usando do artifício para mergulhar o espectador nas histórias, ele o fazia de tal modo que por momentos esquecemos até mesmo que aquilo é cinema.
Wilder era um diretor discreto. Não no sentido de sua vida pessoal, mas no sentido de o público não perceber a mão do diretor na película. Como ele também co-escrevia todos os roteiros de seus filmes, não permitia improvisações e seguia o roteiro à risca, ou seja, preferia enfatizar a história ao artifício que a conta.
Alguns exemplos em seus filmes explicam como ele conseguia ser genial sem ser extravagante. No vencedor do Oscar de melhor filme de 1960 Se meu Apartamento Falasse, em uma das cenas finais, Wilder utiliza apenas um dolly in (aproximar a câmera frontalmente) para demonstrar a solidão do personagem de Jack Lemmon. Em Farrapo Humano (1945) ele só precisa mostrar manchas de água feitas por um copo em um balcão para nos demostrar a dimensão do drama do protagonista alcoólatra.
Inovador - Por se tratar de um diretor da Hollywood clássica, muitos podem pensar que Wilder era conservador. Não é bem assim. Ele era conservador, sim, quando se tratava de movimentos de câmera, por exemplo, mas compensava isso criando cenas com composições extremamente inteligentes. Também não hesitava em utilizar novidades como a profundidade de campo em seus filmes logo após Orson Welles consagrá-la em Cidadão Kane. Este é apenas um caso de como o diretor se envolveu em tendências e não tinha medo de ser criticado ao inovar.
Mas suas maiores ousadias se encontravam mesmo nos roteiros. A metalinguagem presente em Crepúsculo dos Deuses, por exemplo, é extremamente criativa e inovadora por utilizar vários elementos da Hollywood real no filme (uma das cenas se passa em um set de filmagem real e os diretores e atores figurantes interpretavam a si mesmos, tal como o diretor C.B. De Mille e o ator Buster Keaton). Suas comédias com um humor ousado e irônico também são dignas de nota. Dispensava puritanismo e talvez tenha sido precursor da revolução no retrato do sexo no cinema que ocorreria anos mais tarde.
Texto originalmente publicado no
Digestivo Cultural.