domingo, julho 06, 2025

A ilha – uma distopia que derrapa no roteiro

 


A Ilha, filme de 2004, de Michael Bay, tem uma ótima premissa e tinha tudo para ser um verdadeiro clássico do cinema. No entanto, o roterio perde-se na tentativa desesperada de transformar uma distopia num filme de ação.

O grande problema é que o grande segredo do filme acaba se revelando cedo demais e sem impacto nenhum com o objetivo de partir logo para a ação desenfreada. A reviravolta é tão banal que todo mundo, mesmo aqueles que não assistiram o filme, já sabem: um grupo de pessoas é criada em um local afastado, um dos poucos refúgios seguros depois que a Terra foi devastada por uma doença. Todos ali sonham com o dia em que serão sorteados na loteria e terão direito a ir para A Ilha, o último local paradisíaco que sobrou.

Ocorre que a Ilha não existe, nem a doença que exterminou a humanidade. Tudo faz parte de um projeto médico e as pessoas que estão ali são clones de outras, que pagaram para terem clones cujos órgãos precisariam usar quando necessário. As pessoas sorteadas na loteria vão, na verdade, para a mesa de cirurgia, onde seus órgãos são retirados.

Um dos clones descobre a verdade e a partir daí tentar fugir e salvar uma amiga que foi sorteada na loteria.

Como havia uma necessidade tão grande de deixar tempo para a ação, não há tempo para que o telespectador crie uma empatia com os personagens. O expectador não sente, por exemplo, o medo do lado de fora (contaminado).

De resto, o filme sucinta várias discussões (não aprofundadas) e remete a várias outras obras. O mito da caverna, de Platão, em que pessoas vivem presas em uma caverna e tudo que vêm são sombras das coisas verdadeiras do lado de fora, é uma referencia óbvia. Para Platão, tudo que vemos tem a sua contraparte perfeita no mundo das idéias, da mesma forma que todos os clones do filme têm sua contraparte no mundo verdadeiro.

A questão da clonagem também é algo que não passa nem perto de ser aprofundado. No filme, os clones começam a desenvolver habilidades de seus originais. Matéria recente do Fantástico mostrou que pessoas que recebem transplantes começam a desenvolver características dos doadores, como se as células humanas guardassem algum tipo de memória não-genética.

Há algum tempo um cientista norte-americano concentrou suas pesquisas nas planária, um tipo de verme dos pântanos. As planárias têm características interessantes. Por exemplo, se você cortar uma ao meio, terá duas guzanos novas. É assim que ela se reproduz: agarrando-se a uma pedra e puxando o rabo até que cabeça e rabo se separem (convenhamos, o sexo foi uma descoberta bem mais divertida!). Pois bem, esse mesmo cientista descobriu que, se ensinasse um desses bichinhos a percorrer um labirinto, depois o retalhasse e desse de comer aos outros, os comilões aprendiam a percorrer o labirinto.

Tal experiência nos diz que talvez não fosse tão sem sentido a idéia dos índios brasileiros, que comiam a carne dos guerreiros abatidos afim de conseguir dele a sua coragem.

A estarrecedora conclusão de que habilidades e memórias podem ser transmitidas pela comida me faz pensar o que estamos comendo?

Ah, mas nem pense que A Ilha faz esse tipo de discussão: os tiros e perseguições de carro são bem mais importantes...

Esquadrão Atari – Contra Ataque

 


Até a edição 7, Morféa era vista como o membro mais inofensivo do Esquadrão Atari. Afinal, seu poder era apenas a empatia e ela até então se revelara uma pacifista, fazendo o possível para evitar conflitos (não por acaso ela atua como psicóloga).

No número 7, intitulado Contra ataque, vemos Morféa em todo o seu esplendor, a começar pela capa, na qual ela enfrenta o ser que na edição anterior havia torturado Tormenta.

Na história, Martin Champion se entregara ao vilão achando que com isso este libertaria seu filho, o que não acontece. Embora Dart e Paco Rato ainda estejam soltos, percorrendo os dutos de ventilação da nave, tudo parece perdido.

É quando a empata vai até a nave disposta a resolver a situação.

Então descobrimos que ela tem um ferrão mental forte o suficiente para deixar desacordado qualquer um dos soldados inimigos.

Morféa enfrenta um ser que se alimenta da dor...


Ao tentar libertar Tormenta ela se defronta com Psyklops, um ser que se alimenta da dor alheia. Usando seus poderes sobre a empata, ele a faz reviver seu passado, uma forma extremamente eficiente de aprofundar a personagem, pois acontece no meio da ação e está diretamente relacionada com ela. Não é o tipo de flash back que parece uma quebra da narrativa e, portanto, muitas vezes é pulado pelo leitor.

Nesse flash back descobrimos que Morféa foi criada numa sociedade em que todos são iguais, como formigas e o pronome “eu” é proibido. Levada à rainha por sua inadequação, ela se lamenta: “Eu sou tão solitária”. Por sua incapacidade de fazer parte da massa, ela é punida.

... e relembra seu passado. 


Todas essas recordações trazem muita dor para a personagem, para deleite de Psyklops, mas Morféa consegue se recompor numa sequência genial, em que texto e desenhos se unem perfeitamente. Ela inicialmente está caída no chão, com o uniforme usado por todos no mundo natal, mas vai se levantando aos poucos e sua roupa se transformando. Sua fala: “Este ser é importante! Este ser é real! Eu... sou importante! Eu... sou real! Eu... não serei destruída! Eu... não permitirei”. O uso do pronome pessoal se associa ao empoderamento da personagem, sua afirmação de identidade, que ganha vulto quando ela finalmente contra-ataca.

A sequência genial mostra a personagem superando o domínio do vilão. 


Essa união de ação empolgante, cenários e personagens diferenciados e aprofundamento psicológico fez com que Esquadrão Atari se tornasse uma das séries mais célebres da DC de todos os tempos. Cortesia de Gerry Conway e José Luís Garcia-Lopez.

Capas de revistas da Grafipar

 


Grafipar foi uma das mais importantes editoras brasileiras de quadrinhos. Especializada em quadrinhos eróticos, ela inundou as bancas no final dos anos 1970 e início dos anos 1980 com uma enorme variedade de revistas com a nata dos quadrinhos nacionais. Confira algumas capas da editora.
















Lanterna Verde e Arqueiro Verde – Ulysses Estrela está vivo

 

 

Em sua série sobre os dois heróis verdes da DC Comics, Denny O´Neil e Neal Adams falaram de várias mazelas dos EUA.  A situação dos indígenas norte-americanos foi abordada no número 79 da revista.

A história começa com um indígena sendo perseguido por dois homens que pretendem matá-lo. Ao interferir, os heróis descobrem que os perseguidores são o presidente do sindicato dos lenhadores e um brutamontes que se diz dono da área. Há 100 anos, o chefe Ulysses Estrela tinha feito um acordo com Washington, que cedia toda a madeira da região para sua tribo. O problema é que o registro desse acordo se perdeu e agora os lenhadores querem aproveitar para derrubar a floresta e lucrar com isso.

Neal Adams inovava nas soluções gráficas. 


A partir desse problema, cada herói tenta resolver o caso à sua maneira. O certinho Lanterna Verde procura os meios legais e chega a acionar um deputado em Washington, além de procurar o último descendente de Ulysses Estrela. Já o Arqueiro, em consonância com sua personalidade impetuosa, prefere se disfarçar como o fantasma de Ulysses Estrelas e convencer os indígenas a lutarem.

O Lanterna salva o último descendente de Ulysses Estrela de um incêncio criminoso... 


As divergências entre os dois termina com ambos lutando em um riacho.

O desenho de Adams está soberbo, como sempre, mas o roteiro tem problemas. Por exemplo, por que o descendente de Ulysses Estrela foi para a cidade ao invés de usar o documento para garantir os direitos da tribo? 

... enquanto o Arqueiro se disfarça como o fantasma do chefe indígena. 


Além disso, no final, as ações dos heróis não interferem em nada e tudo acaba se resolvendo de outra maneira. Talvez essa fosse uma forma O´Neil de afirmar que no final, quem deve resolver seus problemas são as pessoas normais, e não heróis, embora a história não deixe isso claro.

Perry Rhodan 90 – Atlan em perigo

 

 


O número 90 da série Perry Rhodan é uma continuação direta do número anterior, inclusive escrita pelo mesmo autor, Kurt Brand. Em A grande hora de Gucky, um patriarca saltador, influenciado pelo filho de Rhodan, Thomas Cardif, tenta tomar o poder no Império Solar. Mas, quando descobre que o computador regente de Árcon perdeu o poder para Atlan, resolve ir atrás do prêmio maior, afinal, o império arcônida é o maior conhecido na galáxia.

O volume tem partes interessantes, como por exemplo, introduzir um novo tipo de mutante, os parasenstivos, cujo primeiro exemplo é um preguiçoso agente do governo: “No caso, de Lemmon (o parasentido) era a capacidade de classificar à primeira vista as notícias recebidas segundo sua importância”.

O volume também se destaca por trazer detalhes até então não conhecidos sobre os mercadores galácticos, como o fato de nascerem e morrerem dentro de naves espaciais.

A capa alemã. 


Confesso que ao ler essa informação, primeira referência ao nascimento de saltadores, fiquei me perguntando como era o processo de procriação, já que até então, embora os saltadores já tivesse aparecido em dezenas de livros, nunca aparecera uma fêmea nas histórias, nem mesmo como uma referencia ocasional. Aparentemente, apesar de terem pensado em muitos detalhes sobre os saltadores, nenhum dos autores pensou em introduzir uma personagem feminina.

Além desses detalhes culturais, Brand introduz parágrafos e mais parágrafos desnecessários, alguns deles resumindo fatos que haviam sido mostrados nesse mesmo volume, além de reflexões óbvias para quem estava lendo a história, como: “Entretanto, no momento, o poder do Império Arcônida andava um tanto abalado e, por conseguinte, caso Árcon ruísse, desmoronaria também o Império Solar”. 

Na trama, Rhodan precisa ajudar o amigo Atlan a se livrar da revolução que surge a partir da revelação de quem realmente está mandando no Império Arcônida. Para isso ele elabora um plano ousado envolvendo os druufs que não haviam sido destruídos, mas também não tinha conseguido voltar para seu plano temporal. A ideia é usá-los para convencer os saltadores de uma invasão.

Há algo que me incomoda, pelo menos nesse ciclo: o fato dos geniais planos de Rhodan darem sempre errado e no entanto o resultado ser sempre positivo – e é isso que acontece aqui.

Para uma trama que prometia tanto, esse é um livro no máximo mediano.

Uma família segurada

 


Era uma família segurada. O pai, Rivaldo, fizera a primeira apólice como presente de casamento para a esposa. Se ele morresse nas núpcias, já estava tudo arranjado...

Em seguida nasceu a primeira filha, Patrícia, e Rivaldo providenciou logo um seguro para a esposa, tendo como beneficiária a filha.

Em uma noite escura e tempestuosa, berrara pela primeira vez Roberto, o caçula. O pai achou que era um mal agouro e fez um seguro para Patrícia, tendo como beneficiário o irmão.

Desde então, a família pegou a febre do seguro. Carro, bicicleta, casa, móveis, até os seios de Márcia (que, aliás, eram belíssimos) foram segurados.

Viveram felizes por vários anos, coberto pelo manto protetor de duas ou mais dezenas de apólices. Até aquela tarde...

Márcia fora visitar o marido no escritório e tivera de esperar ao lado da Secretária.

- O seu Rivaldo está ocupado. A senhora espera um instantinho... – sugeriu a Secretária.

- Só dez minutos, advertiu Márcia.

Esperou meia-hora. Só então a porta se abriu e saiu dela um homem gordo, vestindo um terno antigo e suando bicas. Era um segurador. Márcia conhecia-o muito bem. Vira-o várias vezes em sua casa. Mas, de tudo que tinham, apenas um candelabro velho que ficava jogado no porão ainda não fora segurado. Não, não podia ser. Não, a explicação era outra: o sacripanta arranjara uma amante. E, não satisfeito, ainda fazia um seguro para a concubina... Hipócrita, desavergonhado, fanfarrão!

Havia de se vingar!

A partir daquela tarde, a vida de Rilvado passou a ser uma contagem regressiva. Até que aconteceu. Numa noite de chuva, o freio falhou. Os pneus derraparam, o carro despencou num despenhadeiro e explodiu. Não sobrou muito para ser investigado.

Márcia recebeu o seguro do marido e do carro. Estava feita! Comprou uma casa nova – bem maior – contratou um motorista, colocou o resto do dinheiro no banco e viveu numa boa desde então. Ou viveria, se não fosse aquela tarde...

Se havia uma coisa que enervava completamente Patrícia, era a matemática. Odiava fazer as lições de casa e já tinha repetido um ano na escola por causa da dita. Naquela tarde, ela e a mãe tiveram uma briga dos diabos. Márcia queria obrigá-la a fazer a lição de casa.

- Eu não preciso fazer a lição de casa, eu sou rica! – gritou a garota.

- Ah, é? Pois fique sabendo que enquanto eu estiver viva, você não toca em um tostão... aliás, pode ir esquecendo a mesada, que este mês não tem!

Foi uma briga feia! Feia demais por sinal. Se fosse um pouco mais esperta, Márcia teria se preocupado com a expressão maquiavélica que a filha passou a ostentar desde então. Passava horas trancada no quarto e andava com ares de quem pensa – o que, aqui para nós, era bastante raro naquela família...

Por fim, aconteceu. Foi durante o banho. Um fio solto provocou um curto circuito e eletrocutou a dona da casa. Quando finalmente desligaram a chave, não havia sobrado muita coisa de Márcia para ser enterrado.

Estavam ricos. Patrícia com 18 anos e Roberto com 16, sozinhos em casa, donos de seu futuro. Era a vida que qualquer jovem pediria a Deus, mas não Patrícia. Pegara o gosto pela coisa e a lembrança de que teria de dividir a herança com o irmão simplesmente a aterrorizava. Resolveu, então, matá-lo. Mandou preparar um jantar especial, dispensou os empregados e armou o seu circo.

- Jantar à luz de velas, maninha? – perguntou Roberto, entrando na sala.

- Claro! Antes de morrer, papai fez um seguro para este candelabro velho. Coloquei aí para ver se quebra... pedi à cozinheira para fazer seu prato predileto... isso tudo para o meu irmãozinho predileto...

Sentaram-se.

- Vejo que temos vinho. – observou Roberto.

- É do Porto. Não faz mal mexer na adega de vez em quando, não é? Especialmente para ocasiões especiais.

- Claro, passe a garafa.

- Não, deixe que eu o sirva...

- Está bem, mas só se você deixar que eu a sirva...

- Claro.

Serviram-se. Disfarçadamente, Patrícia despejou um pouquinho de pó no copo. Era um veneno feito especialmente para não deixar vestígios. Tivera um grande trabalho para conseguir...

Tilintaram os cristais, beberam de uma só vez e ficaram sorrindo um para o outro.

Patrícia foi a primeira a falar:

- Sabe, maninho, que você é um tipo insuportável?

- Pode ter certeza de que tenho os mesmos sentimentos com relação a você...

Patrícia cortou-o:

- Mas eu tomei providências para que isso não dure muito!

De repente uma dor aguda despontou como uma alfinetada no peito de Patrícia. O sorriso desapareceu do rosto de Roberto. Foi substituído por grandes rugas de dor.

- Não me diga que... – gemeu ele.

- ... você colocou... – continuou Patrícia.

- ...Veneno no vinho! – completaram juntos.

Deram um último suspiro e morreram um nos braços do outro. Teria dado um bom dinheiro de seguro...

sábado, julho 05, 2025

Monstro do Pântano – Estranhos frutos

 


Em gótico americano, Alan Moore revisitou os principais monstros do terror. Nos números 41 e 42 ele abordou os zumbis, como sempre de maneira revolucionária.

Na trama, uma equipe de TV está gravando uma soap opera em um velho casarão sulista. Mas o local está impregnado de tragédia e maldição, um horror que virá à tona quando os atores encarnarem as pessoas reais que moraram ali.

A história começa com uma sequência em visão subjetiva. O leitor entra no casarão e parece ouvir os fantasmas. 


A história inicia como se o leitor estivesse entrando na casa e descendo ao porão até parar numa coluna manchada de sangue. O diálogo é colocado na forma de legendas, como se reverberasse pela estrutura da casa assombrada: a esposa do senhor envolveu-se com um negro. Quando descobriu, o senhor de escravos levou o escravo até o porão e esfolou-o.

A trama pula para os dias atuais e temos novamente um trio, mas agora com papéis trocados: a mulher é racista e tem nojo do ator negro, enquanto o ator que faz papel de seu marido faz de tudo para ser aceito pelo ator negro. Essa situação vai se invertendo quando os fantasmas do passado encarnam nos atores e eles passam a representar o drama real. Ao mesmo tempo, os mortos levantam da tumba e vão até o casarão, exigindo sua liberdade.

A sequência do morto que não consegue descansar é uma das melhroes. 


Curiosamente, as melhores sequências são focadas nos zumbis. É também quando o texto de Moore encontra seu ápice: “Mas uma coisa todos queriam sem exceção: liberdade. Liberdade desse solo ruim, onde ressentimentos enterrados envenenam as raízes do mundo e de todas as culturas. Liberdade dessas terras contaminadas que deitam frutos tão amargos”.

É um zumbi que protagoniza a impressionante sequência final, repleta de humor ácido e critica social. Um dos mortos vivos apresenta-se como candidato à vaga como bilheteiro em um cinema. O próprio dono do cinema afirma que é um trabalho lamentável, em que as pessoas são obrigadas a passar horas sem comer ou ir ao banheiro, por isso poucos ficam muito tempo. “Tudo bem, quando eu começo?”, responde o zumbi. “Olha, gostei da sua atitude. Você não resmunga sobre condições de trabalho nem vem com papo de sindicato. Não se fazem mais trabalhadores assim”. A metáfora é óbvia: algumas vagas de trabalhos são tão entediantes e deploráveis que só poderiam ser ocupadas por zumbis.

A parte final da história é cheia de homenagens a filmes de zumbis. 


Uma curiosidade é que, nessa sequência final, os filmes que estão passando no cinema são todos de zumbis, como A noite dos mortos vivos, o famoso filme de George Romero que redefiniu o gênero.

Roteiro de quarinhos - Menos é mais

 


Um sábio já dizia que escrever é cortar palavras. Em nenhum outro gênero textual isso é tão verdadeiro quanto nos roteiros para quadrinhos.

Quadrinhos são a arte da síntese. Escrever muito com pouquíssimas palavras. Tanto que muitos escritores que se aventuraram a produzir quadrinhos deram com os burros n´água.
Um dos poucos que fizeram obras-primas foi Paulo Leminiski. No começo dos anos 1980, ele escreveu algumas histórias para a editora Grafipar, de Curitiba e, mesmo poucas, entraram para a história dos quadrinhos nacionais. A razão é que Leminski vinha da publicidade, em que a síntese é essencial, e foi muito influenciado pela poesia hai-kai, também muito sintética, além de intimamente relacionada à imagem. Em outras palavras, quando foi para os quadrinhos, o poeta sabia que quadrinhos não são literatura.
Um exercício interessante é observar a evolução do texto de Stan Lee ao longo de histórias como as do Quarteto Fantástico. Nas primeiras HQs o texto parecia transbordar dos balões. Depois foram diminuindo, diminuindo e, ao mesmo tempo, tornaram-se mais poéticos, mas sensíveis. Ou seja: ao mesmo tempo em que os textos diminuíam de tamanho, iam ficando mais elaborados.
Quando comecei a escrever quadrinhos, eu logo descobri algumas dicas básicas: evita-se, por exemplo, orações subordinadas e frases que digam o que o leitor está vendo. Por que dizer “Flash, que corria velozmente, salvou a moça!”? Além de contar algo que o leitor já está vendo, o “que corria velozmente” só serve para entulhar o balão de texto. Além disso, nos quadrinhos, uma única palavra pode dizer muito.
A história Orquídea Negra, de Neil Gaiman mostra bem isso. Em uma sequência genial, o texto diz apenas: “Então o sonho me leva para longe... e/uma/vez/mais/eu/desco/ca/in/do”. Difícil não se sensibilizar com a beleza poética dessa sequência, em que o texto se une perfeitamente aos quadrinhos. Aliás, essa sequência lembra muito a poesia concreta, um movimento literário brasileiro que influenciou muito, adivinhem? Paulo Leminski.

Homem-aranha - longe de casa

 


O sucesso estrondoso do homem aranha está relacionado a uma fórmula que envolve ação, romance, drama e humor, cada um desses elementos na medida certa. 
É inevitável pensar nisso ao ver o novo filme do herói. 
Nesse filme temos a estreia de Mistério, um vilão menor do panteão de antagonistas do aracnídeo. Afinal, embora seja um dos primeiros antagonistas do aracnídeo, ele nunca teve uma grande história e nunca representou uma grande ameaça. Afinal, o personagem é apenas um ilusionista e, como tal, uma ameaça menor. 
Esse é o grande acerto do filme: transformar Mistério em uma ameaça real.
É um roteiro bem construído, apesar de algumas situações forçadas. O roteiro parece correr para que haja ação o tempo todo. Em determinado ponto, derrotado pelo vilão, perdido e sem dinheiro em um país desconhecido, a situação se resolve apenas com um telefone, usando o celular de um homem que fornece o aparelho sem sequer perguntar para onde será a ligação. Ali é tão óbvio que a solução não fazia parte do roteiro que os roteiristas incluíram uma piada, brincando com a situação.
Lembrando da afirmação inicial: parece haver algo errado na fórmula e no peso dos elementos. O excesso de ação não permite que os os outros elementos sejam devidamente explorados.Longe de casa é um filme melhor que seus antecessores, mas ainda é bastante inferior ao segundo filme de Sam Raimi.

O mistério de Edwin Drood

 


Charles Dickens foi um dos mais importantes escritores do século XX, responsável por criar a imagem que temos atualmente do natal. Ele tinha uma relação interessante com Edgar Allan Poe. O autor inglês excursionou pelos Estados Unidos quando Poe iniciava sua carreira literária e influenciou-o diretamente. No final da vida, Dickens foi influenciado por Poe e colocou seu talento a serviço do gênero criado pelo autor do conto “Os crimes da rua Morgue”. O resultado disso é o livro O mistério de Edwin Drood.          
Dickens escreveu seu texto e publicou-o em fascículos ao longo do ano de 1970. Quando estava pouco mais da metade, morreu, sem deixar nenhuma anotação de como pretendia resolver o mistério do estudante que desaparece em uma noite de tempestade.   
O romance ficou inacabado e se tornou, ele mesmo, um mistério. Quem teria matado Edwin Drood? Teria ele realmente morrido?
Dois anos depois de morto, Dickens terminou o texto através do médium norte-americano Thomas P. James (algo que parece ter saído diretamente de uma das histórias do próprio Dickens).
A edição que li, do Clube do Livro, de 1978, publica o final sem aviso sobre o adendo mediúnico. Além disso, traz diversos erros de revisão (em determinado ponto “livres” é grafado como “livros”), mas o volume permite perceber como Dickens se saía no gênero policial. Dickens parece estar mais preocupado com os personagens (e há vários deles antológicos, como o garoto Delegado), ao contrário de Poe, em que a ênfase está na construção da trama.
O final mediúnico apresenta um assassino óbvio, embora traga uma preocupação em mostrar o detalhamento da investigação. Mas não parece Dickens. A motivação do assassino é resumida em uma frase e quem leu Um conto de duas cidades sabe que o autor inglês era capaz de grandes reviravoltas em suas tramas.
O ideal é ler o livro como uma obra aberta, imaginado como teria sido o final escrito por Dickens vivo.

Em tempo, a edição da Lachâtr, mais recente,  é mais honesta que a do Clube do Livro, pois avisa que o parte do livro é de origem mediúnica.