domingo, março 31, 2024

O processo de elaboração da capa do livro Cabanagem

 

O ilustração da capa elaborada por Chris Ciuffi para meu livro Cabanagem está recebendo os mais diversos elogios. De fato, é uma ilustração poderosa, belíssima, que conseguiu reunir os diversos elementos do livro, em especial o histórico e o mitológico. É uma capa que "conta a história".
Mas para chegar a esse resultado realmente fenomenal foi necessário todo um processo. Entenda quais foram os passos desse processo. 
Esse foi o primeiro esboço do desenhista, só com os elementos básicos, mostrando como seria a composição da ilustração. 

Aprovado o esboço, Chris produziu uma imagem mais detalhada de como seria a capa. Eu considerei que o personagem dentro da água deixaria a cena mais emocionante. Além disso, na imagem final, o personagem trocou o facão e a arma de fogo de mão. Um problema deste desenho que foi consertado foi justamente a arma de fogo: Chris desenhou um revólver, que não existia na época, e foi substituído por uma garrucha no desenho seguinte. 

Aqui o lápis definitivo. Eu gostei muito da imagem, mas o rosto do personagem me incomodou, pois os traços davam um ar de maldade, deixando a impressão de que ele era o vilão da história. .Nessa imagem já aparecem sombras ao fundo, que representam os seres da floresta. A ideia aí não era mostrar diretamente esses seres mitológicos, mas apenas sugeri-los, algo que faço muito no próprio livro. O desenhista inclui aqui uma cobra vindo na direção do cabano. Embora essa cena não exista no romance, ela deu dramaticidade à imagem e a impressão de perigo ininente.  
Essa foi a versão definitiva do lápis. A imagem ficou tão boa que bastou colorir. A versão colorida dessa imagem se tornou a capa definitiva, sendo necessários apenas alguns ajustes.
 Essa é a versão colorida do último desenho. Ficou muito boa, mas foi necessário uma pequena mudança: o facão estava confundindo com o fundo e sugeri que fosse dado um brilho de metal nele, destacando sua lâmina.
O livro já pode ser comprado no site da editora: https://aveceditora.com.br/produto/cabanagem

Alan Moore, o mago supremo

 


Alan Moore, o mago supremo é uma publicação de Caio Oliveira (da editora Quinta capa) que satiriza o universo dos quadrinhos, mais especificamente o relacionado ao bardo Alan Moore, representado no gibi como uma espécie de Dr. Estranho barbudo (vale lembrar que Moore é um auto-nomeado Bruxo). A piada já inicia pela capa: seu ajudante é ninguém menos que Grant Morrison, que na verdade quer ser o mago supremo no lugar do mago supremo. 
Quem entende de quadrinhos vai rir da primeira à última página com sacadas geniais, como colocar Neil Gaiman como Pesadelo e Rob Liefield como Loky ("Morrisowong, esconda a prataria, Loki Liefield, deus da trapaça, materializou-se").
Para quem não é tão fã provavelmente será necessário dar uma lida no texto final, que explica algumas das piadas. Ou seja: é uma revista de um fã de quadrinhos para outros fãs.

Thor contra Merlin, o louco

 


Em suas primeiras histórias, o poderoso Thor tinha umas histórias muito bizarras e vilões ainda mais bizarros.

Merlin, o louco, escrita por Robert Bernstein (a partir de ideia de Stan Lee), com desenhos de Joe Sinott, e publicada em Journey into Mystery 96, com certeza entraria em qualquer lista de bizarrices.

A trama já estava explícita na capa (desenhada por Jack Kirby). Um sujeito com um roupão cheio de estrelas e luas (mas com calça e sapatos sociais), aponta as mãos para Thor, que olha assustado, paralisado no meio de um movimento: “O feitiço de Merlin paralisou meu braço! Não consigo me mover! Como quebro esse encanto?”.

Um resgate temerário. 


A história começa com uma splash page no qual um guindaste tira de um navio um sarcófago de pedra, enquanto Thor observa. Um professor informa que se trata do sarcófago do Mago Merlin, que fora descoberta na Inglaterra, mas enviada para Nova York para ser aberta. Afinal de contas, pensa o leitor, por que não abriram a relíquia na Inglaterra? Mas vamos em frente.

Essa trama principal é interrompida por um resgate a um ônibus que caíra no fundo de um rio. Thor amarra um cabo de aço em volta do veículo, prende no martelo e joga para fora da água. Nunca ninguém pensou num resgate tão temerário, mas, surpreendentemente, o veículo não só não é destruído pelo impacto da queda, como ainda vai parar no terminal de ônibus.

Bom trabalho, poderoso Thor, mas com isso Don Blake perde vários pacientes que decidem não esperar. “Fiquei dando desculpas esfarrapadas a tarde inteira!”, reclama Jane Foster irritada. “Um por um, irritados, foram embora, não os culpo!”.

Dois perigos: Jane Foster fica fula da vida e Merlin desperta de um sono milenar. 


Mas os perigos não tiram férias e o leitor logo descobre que Merlin na verdade não morreu: ele permanecera num estado de animação suspensa e revive logo que o ar entra no sarcófago. E o homem acorda disposto a falar. Conta aos leitores que na verdade não era um mago. Ele apenas fingia fazer mágica quando na verdade o poder vinha dele mesmo... pois ele era um... mutante!!!! Merlin podia ser um gênio, mas como ele, em plena Idade Média, sabia o que era mutante? Pelas barbas de Darwin!

E mais: ele não se espanta com o mundo de 1963. Acha a coisa mais normal do mundo o lançamento de um satélite, que resolve sabotar para mostrar ao mundo o seu poder e exigir riquezas em troca.

Merlin revela que é um mutante. 


Claro que isso o coloca em rota de colisão com Thor. Nesse duelo percebemos que o roteirista não pensou qual de fato seria o poder do mutante Merlin, pois ele parece tirar um novo poder da cartola a cada momento. Os poderes do personagem parecem tantos e tão variados que vencê-lo parece impossível, até que Thor o lubridia da maneira mais idiota possível.

Para uma ameaça tão grande, Merlin, o louco, é derrotado de maneira muito fácil. Ou talvez ele não fosse uma ameaça tão grande assim.

Fundo do baú - O bem-amado

 


Nenhuma série  de televisão conseguiu sintetizar tão bem a política brasileira quanto O bem-amado, de Dias Gomes. Exibida de 1980 a 1984, era baseada numa novela do próprio Dias, de 1973 e, por sua vez, era baseada numa peça de teatro da década de 60. Dias Gomes usava o humor para criticar, de maneira genial, a ditadura militar e a classe política brasileira.

Na história, Odorico Paraguaçu (interpretado por Paulo Gracindo) era um típico coronel do interior da Bahia que domina completamente a política da região.  Sua obsessão é inaugurar o novo cemitério da cidade, mas há um problema: ninguém morre em Sucupira. Na história original, Odorico é morto pelo seu jagunço Zeca Diabo (Lima Duarte), sendo, ironicamente, o cadáver que inaugura o cemitério.

Na década de 80, Dias Gomes ressuscitou a história, mudando o contexto e ampliando muito a trama (os personagens chegam a viajar para Nova York) e usando o pano de fundo para criticar tudo que ocorria na política nacional.

Odorico era famoso pelas frases de efeito e pelos neologismos, como “Vamos botar de lado os entretantos e partir logo pros finalmentes”, “Pra cada problemática tem uma solucionática”, “mormente”, “apenasmente” e “bastantemente”.

Além de Odorico e Zeca Diabo, o seriado contava com outros personagens marcantes, como as irmãs Cajazeiras, que idolatravam Odorico e o defendiam mesmo quando fazia as piores barbaridades, e o tímido e gago secretário Dirceu Borboleta, seu puxa-saco oficial.

Os trabalhos de Hércules: um caso de Herculie Poirot

 

Os trabalhos de Hércules é um livro de contos de Agatha Christie em que todas as histórias são protagonizadas pelo seu famoso personagem, Hercule Poirot. 
A autora aproveita o fato de seu personagem ter o mesmo nome do herói grego e a ironia disso, já que Poirot parece o oposto do brutamontes Hércules.
Assim, o detetive se propõe, como forma de encerrar sua carreira com chave de ouro, 12 trabalhos, mas trabalhos intelectuais, que exijam astúcia, ao invés de músculos. 
Uma das curiosidades do livro é a forma como a autora consegue criar metáforas atuais para os trabalhos de Hércules. Assim, o Leão da Nemeia vira um cachorrinho pequinês, a Hidra de lerna uma fofoca (que se espalha como as cabeças da Hidra), a corça da Arcádia uma bailarina etc.
Apesar desse aspecto curioso, o livro prende pouco no início, afinal algumas das histórias parecem pueris (como descobrir quem sequestrou o cachorro pequinês). O Javali de Erimanto é o primeiro conto a mostrar a autora policial em toda a sua forma: um famoso bandido está em um hotel afastado e isolado do resto do mundo pela neve e Poirot precisa descobrir qual dos hóspedes é ele.
Em comum a todos os contos a incrível capacidade de Agatha Christie de sempre imaginar um final surpreendente. Até quando a história parece muito simples e seguir um único caminho, ela consegue pensar em uma abordagem diferente, que surpreende o leitor. Atenção para o conto "O cinto de Hipólita": o final é absolutamente genial. 

Mary Shelley, o filme

 


A maioria dos fãs de literatura de ficção científica conhece a escritora Mary Shelley e sua obra mais famosa, Frankstein. Poucas pessoas, entretanto, conhecem detalhes da vida da autora. O filme Mary Shelley, dirigido por Haifaa Al Mansour e recentemente lançado na Netflix preenche essa lacuna.
Shelley vinha de uma família de gênios. Seu pai, William Goldwin, foi um autor reconhecido em sua época e um dos precursores do anarquismo. Sua mãe, Mary Wollstonecraft, foi uma das primeiras escritoras britânicas e é considerada a fundadora do movimento feminista. Aliás, a mãe vinha de dois relacionamentos conturbados, com homens com os quais ela não se casou e morreu poucas semanas após o nascimento da filha.
Assim, o filme acompanha a jovem Mary Wollstonecraft Godwin sonhando em ser escritora, inebriada pelo legado da mãe quando uma viagem à Escócia a leva a conhecer o jovem poeta radical Percy Shelley, pelo qual se apaixona. Posteriormente Shelley se torna uma espécie de aluno de William Godwin e o relacionamento entre os dois se concretiza. É quando se descobre que o poeta é casado com uma outra jovem e tem até mesmo um filho com ela. Desconsiderando o conselho paterno, ela foge com o poeta e passa viver com ele, para grande escândalo da sociedade da época.
O breve resumo acima mostra o quanto a vida da autora de Frankstein é tão interessante e romântica quanto o próprio livro a tornou célebre.
A diretora explora bem o clima da época, a personalidade de Mary, as contradições dos personagens e detalha o surgimento do livro, resultado de uma série de experiências pessoais da autora que a inspiraram, incluindo a perda da filha.
Frankstein não é só a obra fundadora da ficção científica. É também um livro genial, de grandesa literária única e forte aspecto filosófico (que nunca foi de fato captado pelas suas versões cinematográficas). E é mais surpreendente ainda considerando-se que a autora só tinha 18 anos quando ele foi publicado. Portanto, é inacreditável que uma cinebiografia da autora só tenha surgido dois séculos depois da publicação de Frankstein, uma falha que é corrigida agora, com louvor.  

sábado, março 30, 2024

O orgulho da ignorância

 

Sócrates dizia que era o homem mais sábio da Grécia justamente porque ele era o único que sabia que não sabia. Esse conhecimento de sua própria ignorância sempre foi o que impulsionou os grandes pensadores. Mas hoje vivemos tempos estranhos, em que não saber algo, ou saber de forma superficial, é considerado um mérito.
Hoje, alguém que viu um meme na internet ou um vídeo de cinco minutos se considera uma autoridade no assunto. Mais: considera-se uma autoridade mais competente do que quem passou a vida estudando aquele assunto, escreveu livros, artigos etc.
Um exemplo: em uma discussão sobre educação, um indivíduo defendia que a solução para a educação no Brasil era apenas mudar a "grade" curricular. Feito isso, tudo se resolvia por mágica. Segundo a pessoa, era preciso esquecer ignorar todos os pensadores da educação e se focar apenas nisso: mudar a "grade". Não sabia exatamente que tipo de mudança, mas sabia que a solução para tudo estava na mudança da "grade". Onde ele aprendera isso? Num meme.
Outro exemplo é a questão dos que defendem que o nazismo era comunista. Leandro Karnall, doutor em história e um dos mais importantes historiadores brasileiros, diz que em décadas participando de congressos internacionais, nunca ouviu falar disso. Mas, segundo os defensores do nazismo-comunista, Leandro Karnall é suspeito para falar justamente por ser um historiador.
Eu já escrevi um livro sobre o nazismo e, durante a pesquisa em vários outros livros e sites sérios na época não encontrei nenhuma referência a isso de nazismo-comunista. Mas, segundo alguns comentadores de internet eu sou suspeito para falar sobre assunto justamente por ter escrito um livro sobre o nazismo. Ou seja: o fato de eu ter pesquisado o suficiente para escrever um livro, faz com que eu tenha menos autoridade para falar sobre o assunto do que uma pessoa que viu um meme com uma imagem de uma moeda com a suástica e a foice e o martelo (uma imagem que ninguém sabe dizer a fonte) ou viu um vídeo de dois minutos.
Por outro lado, os tais "especialistas de meme" são incapazes de explicar, por exemplo, por que os nazistas usavam um símbolo budista sem serem budistas.
São pessoas que não sabem sequer o que é uma variável independente ou o que é um grupo placebo, mas dizem que entendem mais de remédios do que os pesquisadores que pesquisam o assunto há anos. São as mesmas pessoas que dizem que um remédio que nunca passou por um teste científico é mais seguro do que uma vacina testada em milhões de pessoas em todo o mundo seguindo todos os protocolos de uma pesquisa experimental.
Essas são pessoas que fazem campanha contra a mídia e contra os livros. Nos comentários das páginas de jornais é comum encontrar postagens com telefones para cancelar a assinatura. Em postagens sobre livros, os comentários argumentam que livros são mentirosos. Para essa geração, orgulhosa de sua própria ignorância, a verdade está lá fora: no zap zap.
Tristes tempos em que ser ignorante virou motivo de orgulho.

Emoji – O filme

 


Se há um filme do qual não se poderia esperar nada é Emoji, de Tony Leondis (2017). Afinal, os emojis são um símbolo da superficialidade e banalidade das redes sociais. Um filme sobre eles só poderia refletir essa banalidade.

Mas Emoji – o filme, surpreende, por levantar discussões profundas sobre essas mesmas redes sociais e sobre um mundo em que tudo é aparência. Mais ainda: é uma ótima reflexão sobre os papeis sociais assumidos pela pessoa em sociedade.

O protagonista é Gene, um emoji que deveria representar o “Eh”, a indiferença diante dos fatos. Mas Gene, ao contrário de outros emojis, é capaz de demonstrar diversas emoções. O envio de uma mensagem com Gene cria um desastre que poderá fazer com que o rapaz dono do celular resolva resetá-lo, o que provocaria a morte de todos os emojis.

Gene passa a ser caçado por robôs anti-vírus enviados pela vilã Sorridedente. No processo conhece a mãozinha do “Toca Aqui” e uma hacker chamada Rebelde, que pode “consertar” seu defeito, mas para isso eles precisam sobreviver aos ataques do robôs e chegar ao Dropbox.

Essa trama é usada para discutir como as pessoas se alinham aos papéis sociais mesmo que isso vá contra sua essência, algo que foi feito pelo pai de Gene. A sociedade espera que o protagonista seja indiferente, mas ele transborta emoções. Em sua jornada ele descobrirá como construir sua identidade fugindo do papel que a sociedade lhe impôs.

A saga de Gene é uma metáfora que reflete sobre as próprias redes sociais em que as pessoas criam personas para seus seguidores e muitas vezes guiam sua vida a partir dessa personas e do que se espera delas. A metáfora não é escancarada, mas tem várias pistas. À certa altura, por exemplo, Gene e Toca Aqui entram no Facebook e Gente comenta que o dono do celular tem muitos amigos, ao que a mãozinha responde que ele nem mesmo conhece essas pessoas: “o importante não é ter muitos amigos, mas ter muitas curtidas”.

Além disso, outra personagem importante, a Hacker Rebelde, também é alguém que está fugindo do papel social que lhe foi destinado.

Emoji consegue balancear essas reflexões com uma narrativa que agrada tanto adultos quanto crianças (meu neto adorou).

FORÇA VERDE - A história do Hulk que virou música

 

O vídeo acima mostra como Zé Ramalho aproveitou a tradução da GEA da história originalmente publicada em The incredible Hulk 138. A HQ tinha roteiro de Roy Thomas e arte de Herb Trimpe. 
Confira abaixo a capa da revista original e mesma história na versão da RGE. 


A RGE creditou, erroneamente, o roteiro a Trimpe. 


A arte única de Richard Corben

 


Richard Corben foi um ilustrador americano e quadrinista conhecido principalmente por sua colaboração na revista Heavy Metal e nas publicações da editora Warren.

Corben começou sua carreira nos fanzines, mas logo passou a colaborar com editora Warren, em revistas como Eerie, Creepy e Vampirella. Em 1971 criou o personagem Rowlf, um lobisomem. Logo começaria sua longa colaboração com a Metal Pesado para a qual criaria o personagem Den.

Também colaborou com as editoras Marvel (Justiceiro e Luke Cage)  e DC Comics (John Constantine).

Seu traço é caracterizado pelo contorno tridimensional, pelos pontilhados e pelos exageros na anatomia em temas como fantasia, terror e ficção científica.









Pantera Negra – Pranto de uma nação condenada

 



Ali por meados da década de 1990, a editora Globo começou a publicar material Marvel que não estava sendo aproveitado pela editora Abril. Entre esses materiais, um que merece destaque: a minissérie do Pantera Negra em quatro partes, publicada aqui em duas partes.

Escrita por Peter B. Gillis e desenhada por Denys Cowan, a HQ tinha um contexto nitidamente político: o regime de segregação racial implantado pelos colonizadores brancos na África do Sul (cujo nome foi mudado para azânia na história).

A HQ inicia com uma cena de tortura. 


A história começa com um rebelde sendo espancado por guardas. Ele reza: “Ó grande espírito da Pantera, ouça minhas preces e me liberte!”.

Essa sequência é entremeada com outra, na qual  o Pantera Negra enfrenta um rinoceronte e, surpreendentemente, é atacado por duas panteras. Nna mitologia de Wakanda, esse fato demonstra que o espírito do pantera o deixou – o que fato acontece: o deus de wakanda encarna no homem que estava preso e passa matar diversas pessoas do regime racista.

Cowan faz o rosto do herói como se fosse uma pantera mesmo. 


Esses dois fatos provocam uma dupla crise: por um lado, o fato de aparentemente não ter mais o espírito do pantera faz com que T´challa perca sua autoridade e tenha seu trono ameaçado. Por outro lado, os ataques às autoridades da Azania faz com que os governantes do país acreditem que o Pantera Negra está interferindo na política do país.

A Azânia chega a enviar um grupo de heróis chamados Supremacistas para aprisionar o Pantera Negra e quando isso falha, decidem tirar a nação do mapa com uma bomba nuclear.

Cowan revela influência de Frank Miller. 


O roteiro de Peter Gillis consegue trazer um fato real para a HQ, criando um eco político para a história, mas falha, por exemplo, ao mostrar como o herói vence os supremacistas. O maior problema da história foi ter mostrado o espírito da pantera como algo real, palpável, tirando todo o mistério por trás desse deus.

Já os desenhos de Cowan talvez sejam a parte mais interessante dessa série. Ele começa inseguro, mas vai aos poucos ganhando confiança e chega a fazer sequências que lembram até mesmo Frank Miller. Além disso, ele se destaca por usar as sombras do rosto do herói para fazer com que a máscara se pareça de fato com a face de uma pantera – algo que não vi mais ninguém fazer.

Perry Rhodan – A nave dos antepassados


Entre as muitas possibilidades da ficção científica está a de poder imaginar sociedades do futuro, cuja estrutura é diferente da conhecida por nós. Foi isso que fez Clark Darlton no volume 81 da série Perry Rhodan.

Esse livro é praticamente um conto isolado, em que o único personagem da série que aparece é Gucky, e só no final – o que leva a crer que essa era uma história que Darlton tinha bolado como um livro isolado e acabou encaixando na saga.

A história se passa em uma nave imensa, de um quilômetro e meio, construída aos moldes arcônidas, ou seja, no formato esférico. Ela percorre lentamente o espaço na direção de um destino desconhecido pelo seus tripulantes. A narração de Darlton, que abre o livro, é tanto sintética quanto poética: “A gigantesca esfera metálica vagava pela imensidão infinita do Universo. (...) Se mantivesse a velocidade atual, a esfera só chegaria ao destino dentro de algumas dezenas de milênios”.

A capa alemã. 


Essa nave, pela longevidade da viagem, acaba se transformando em uma sociedade  com regras próprias. As pessoas, por exemplo, não têm nome, sendo nomeadas por sua função e um número. Por exemplo, Maquinista 7, abreviado para M7, ou Médico 3, abreviado para M3, ou Psicólogo 5, abreviado para Ps5. E, finalmente o comandante, C1.

Cada pessoa da tripulação é morta a partir de uma certa idade quando seu corpo é jogado em um reator, ajudando a criar energia para a nave. Sua função é substituída por uma pessoa mais nova. Homens e mulheres são mantidos separados e se encontram apenas em ocasiões especiais, com o único objetivo de procriação.

As ordens para o assassinato de quem chegou à idade certa são executadas por robôs, chamados de vigias.

Quem conhece o filme e o seriado Logan´s run, conhecido no Brasil como Fuga do século XXIII, vai com certeza perceber que os enredos são muito parecidos. Ambos descrevem uma distopia sobre pessoas vivendo em um ambiente fechado e sendo mortas como forma de controle populacional. E em ambas o inimigo, que implantou tal distopia, é um robô.

Ocorre que A nave dos antepassados foi lançado em 1963. O livro Logan´s run, que deu origem ao filme e ao seriado, foi lançado só em 1967, quatro anos depois.

Esse volume é um daqueles exemplos de como a série Perry Rhodan antecipou muitos dos conceitos da ficção científica, que só seriam explorados anos depois pela indústria cultural norte-americana.  

Em tempo: ao final do volume a situação se resolve, principalmente graças à intervenção de Gucky (Darlton adorava o personagem) com direito inclusive a um plot twist.

Como se tornar um conquistador


 

Em todos esses anos escrevendo resenhas, há um único filme em que me lembro de ter gargalhado já na primeira cena: Como se tornar um conquistador, obra de 2017, dirigida por Ken Marino e disponível aqui pela Netflix.

Na cena em questão, o pai do protagonista Maximo está voltando para casa. Mas está tão cansado que acaba dormindo ao volante e atravessando a casa com seu caminhão, sob o olhar atônito da esposa e dos filhos.

- Eu estou bem! – avisa ele, antes do caminhão explodir.

Mais tarde, quando a família está dormindo no carro (já que não existe mais nada da casa), Máximo mostra para a irmã a capa de uma revista com um homem rico e sua esposa e diz que esse é o futuro que deseja para si.

- Mas esse homem deve ter trabalhado muito para conseguir tudo isso.

- Você não entendeu. Eu não quero o trabalho dele, eu quero o trabalho dela!

A cena pula para anos depois. Máximo é um homem bonito, musculoso, que arranca suspiros de todas as mulheres numa piscina. Com um lance repleto de sensualidade, ele mergulha na piscina e sai na frente de uma idosa que é a mulher mais rica do local.

Temos um novo corte e agora Máximo é o esposo da milionária e uma rotina de hedonismo. Ele não faz absolutamente nada e vive apenas para curtir a vida e ganhar presentes, como relógios e carros de luxo. Mas essa rotina é quebrada quando a esposa arranja um novo esposo, mais jovem.

É aqui que começa a história. Sem ter mais dinheiro e sem ter para onde ir, ele é obrigado a procurar a irmã, que vive sozinha com seu filho depois da morte do marido.

Apesar do estranhamento inicial, a relação entre eles vai se estreitando, especialmente de Máximo com Hugo, o garoto brilhantemente interpretado por Raphael Alejandro. O tio descobre que o sobrinho é apaixonado pela neta de uma mulher rica e vê nisso uma oportunidade de reconquistar a vida de luxo. Para isso ele precisa treinar o garoto para se tornar um conquistador. No processo, os dois acabam estabelecendo uma relação afetuosa.

Ken Marino transforma essa premissa em uma comédia escrachada misturada com drama e sensibilidade. E faz isso sem recorrer a moralismos. Vale também destacar o elenco principal, majoritariamente latino, algo raro em Hollywood em 2017.  

sexta-feira, março 29, 2024

Azazel: cuidado com o que deseja

 


Azazel é uma coletânea de contos de fantasia de Isaac Asimov sobre um homem que encontra um demônio ancestral e o usa para resolver situações. Para quem está acostumado com o Asimov escritor de ficção científica, essa coletânea irá surpreender. O autor mostra que sabe lidar com o humor como poucos.
Todas as histórias são narradas por George Bimnut, um falastrão metido a esperto, que as conta diretamente para Asimov, enquanto se aproveita do escritor, fazendo-o pagar a conta do almoço.
Há uma estrutura básica nos contos: George percebe uma situação em que algo precisa ser resolvido e faz uso do demônio, que resolve a situação a seu jeito – com resultados sempre catastróficos.
A obra pode ser resumida a um lema, que resume perfeitamente seu conteúdo: cuidado com o que deseja. Seu desejo pode sair do controle.

Green Book - um filme sobre racismo

 



Green book era uma espécie de guia turístico para negros em viagem ao sul dos EUA. Em uma época de extrema segregação e racismo, o livro mostra os locais onde negros poderiam se hospedar sem correr o risco de levar uma surra.
Green Book é o título do ganhador do Oscar de melhor filme de 2018.
Na história, um brutamontes italiano é contratado como motorista de um famoso pianista negro em turnê pela região sul dos EUA.
O que chama a atenção logo de cara é a inversão que o filme apresenta: um branco trabalhando para um negro em uma época em que isso era praticamente impensável.
Mas o filme vai muito além disso, mostrando uma relação complexa entre empregador e empregado. Tony Lip é um sujeito preconceituoso, como vemos logo no início quando ele joga fora os copos em negros que faziam serviço em sua casa beberam água. Mas, no convívio com o pianista Don Shirley passa a rever seus conceitos enquanto passam por regiões dos EUA em que um negro pode ser preso apenas por sair de casa à noite.
A relação dos dois é muito bem construída, indo do estranhamento inicial à amizade (que se prologou por toda a vida dos dois). A viagem torna-se uma jornada na quais os dois saem transformados.
Peter Farrelly, o diretor, consegue equilibrar perfeitamente denúncia social, humor e drama. Em um ano em que a concorrência ao Oscar apresentou obras-primas, como Roma e Infiltrado na Klan, Green Book mereceu o prêmio.
Uma curiosidade: um dos autores do roteiro é Nick Vallelonga, filho de Tony Lip na vida real.