segunda-feira, agosto 31, 2020

Psicopatas: vidas de mentira

Psicopatas parecem pessoas acima de qualquer suspeita. 
A principal característica de um psicopata é a mentira. Todas as pessoas mentem, em uma situação ou outra, mas os psicopatas mentem o tempo todo, às vezes só pelo prazer de mentir, sem ganhar nada em troca, e é comum que eles mesmo acreditem em suas próprias mentiras. As mentiras são aliadas a uma grande capacidade de convencimento. Eles são capazes de dizer que já saltaram de para-quedas para logo em seguida dizer que nunca andaram de avião e ainda assim convencerem os interlocutores. 
Eles não só se contentam em dizer que são neurocirurgiões ou advogados. Eles usam e abusam dos termos técnicos das profissões que fingem ter. 
Alessandro Marques Gonçalves fingia que era médico e, forjando documentos, conseguiu empregos em três grandes hospitais de São Paulo. Quando foi descoberto, em 2006, já havia aleijado 23 pessoas e é suspeito da morte de 3. "Ele usa termos técnicos e fala com toda a naturalidade. Realmente parece um médico", disse o delegado que o prendeu. 
Marcelo Nascimento Rocha fingiu ser filho da companhia aérea Gol e enganou diretores de novelas, atrizes, repórteres. Dono de muita lábia e simpatia, ninguém jamais desconfiou que ele não fosse quem dizia ser. 
A professora carioca Ana (nome fictício) conheceu um rapaz que parecia ser o sonho de toda mulher: era bonito, atencioso e dizia ser diretor de uma multinacional, por isso vivia viajando para os EUA e Europa. "Em 5 meses a gente estava quase se casando, então a mãe dele revelou que era tudo mentira, que o filho dela enganava as pessoas desde criança. Depois que descobri as mentiras que ele me contou, passei um tempo me perguntando como tinha sido tão burra para acreditar naquilo.". 
Ted Bundy costumava fingir que estava com o braço engessado e pedia ajuda de suas vítimas para levar livros até seu carro. Quando elas estavam sem ter como reagir, ele as atacava. Aparentemente nenhuma vítima jamais desconfiou que ele estava fingindo. 
Além da incrível capacidade para mentir (ou incapacidade para dizer a verdade), os psicopatas são envolvidos por uma aura de simpatia e magnetismo. 
Mesmo tendo matado e mutilado dezenas de mulheres, Ted Bundy tinha um fã clube que protestava contra seu julgamento e, na prisão, acabou se casando com uma fã. 
Essa máscara de sociabilidade é criada para torná-los pouco suspeitos. Seu charme faz com que eles se saiam bem em entrevistas de emprego e acredita-se que haja muitos psicopatas espalhados em profissões como políticos, altos executivos e policiais. 
Ted Bundy era um político respeitado e muitos acreditavam que ele seria candidato ao governo da Califórnia, antes de serem descobertos seus crimes. 



John Wayne Gacy Júnior se vestia de palhaço para animar festas infantis

John Wayne Gacy Júnior era membro do conselho católico inter-clubes, membro da defesa civil de Ilinois, capitão comandante da defesa civil de Chicago, membro da Sociedade dos Nomes Santos, Homem do Ano, presidente do Jaycees (sociedade beneficente), tesoureiro do partido democrata. Quando a primeira dama Rosalind Carter visitou a cidade de Chicago, fez questão de tirar fotos com ele. Todas as pessoas que o conheciam estavam certos de que ele seria candidato a algum cargo pelo partido Democrata. Além disso, Gacy Júnior costumava vestir-se de palhaço para alegrar crianças em hospitais. O tipo de homem que qualquer mãe deixaria cuidando de seu filho... até encontrarem seu porão cheio de corpos de garotos.
Esse verniz de civilidade faz com que constantemente as autoridades estejam muito perto de prendê-los, mas não o façam, mesmo depois de interrogá-los. O psicopata parece alguém acima de qualquer suspeita. 
O charme e a capacidade de mentir despudoradamente faz com que eles conquistem a confiança de chefes, que demitem aqueles que atrapalham a ascensão profissional do psicopata. 
Exemplo disso é Dave, um executivo de uma empresa de tecnologia. Logo na primeira semana de trabalho, o chefe notou que ele gastava mais tempo fazendo picuinhas entre funcionários do que trabalhando. Além disso, ele plagiava descaradamente relatórios de colegas. Quando o chefe recomendou sua demissão, Dave foi reclamar na Diretoria e acabou conseguindo a demissão do chefe. Com sua lábia, ele passou dois anos no emprego antes de descobrirem os que ele estava causando um enorme rombo na empresa. 
O psicólogo Paul Babiak, autor do livro Snakes in suits - when psychopaths go to work (cobra de terno - quando os psicopatas vão trabalhar) diz que muitas grandes empresas têm em seu quadro de funcionários psicopatas: "O poder e o controle sobre os outros tornam grandes empresas atraentes para psicopatas".

Livros sobre o futuro espacial

Um exemplo característico de obras hiper-reais eram os livros ilustrados que simulavam o futuro da humanidade. Lançados na década de 1970, no rastro do sucesso de filmes de ficção científica, como Star Wars, eles criavam uma hiper-realidade em que o futuro se transformava em passado. Ou seja: fatos ficcionais, de uma época bem posterior à do leitor era apresentados como passado longínquo.
Dois exemplos merecem destaque: Naves espaciais – de 2000 a 2100, de Stewart Cowley e Seres do Espaço, também de Stewart, sob pseudônimo de Steven Caldwell (um suposto habitante do século XXIV).

O livro Naves Espaciais seria uma espécie de manual publicado pela sociedade do comércio da Terra. Uma nota explicativa no início do livro explica que a STC foi fundada em 1999 (vale lembrar que o livro foi publicado em 1978) com o nome de Sociedade do Comércio Mundial, uma subsidiária do Conselho Mundial, ficando encarregada de todo o comércio global. Com o início da exploração espacial, ela mudou de nome e ampliou suas funções para outros planetas. O livro seria uma espécie de guia para pessoas que pretendem ingressar nesse comércio, indicando não só dados técnicos, mas históricos.
A maior parte da contextualização histórica é dada na introdução, na qual é explicado que no ano de 2036 uma nave de reconhecimento estabeleceu contato com os habitantes de Alpha Centauri e o encontro resultou num esforço de cooperação mútua. Em 2047 outra nave de reconhecimento foi atacada pelos habitantes de Proxima Centauri, iniciando uma guerra estelar de vinte anos durante os quais Alpha Centauri, Terra e Proxima Centauri dedicaram-se à produção de uma ampla variedade de naves militares.
Os fatos, como se percebe, são narrados no passado e, embora o ano de 2036 fosse um futuro longínquo em 1978, o livro narra o passado, envolvendo o leitor em um simulacro hiper-real.
Essa hiper-realidade é destacada pelas ilustrações hiper-realísticas e os detalhes técnicos extremamente específicos do texto. Assim, sabemos, por exemplo, que a CAM 117 Gunship era uma nave extremamente rápida, mas essa rapidez se fazia à custa do raio de ação.
Esse acúmulo de detalhes técnicos e históricos criam essa impressão de hiper-realidade, fazendo com que o leitor acredite que encontrou um livro que, de alguma forma, veio do futuro para narrar fatos que ainda irão acontecer (foi essa a impressão que tive ao lê-lo pela primeira vez, na pré-adolescência).
Cowley ampliou essa experiência ao correlacionar outros livros ao mesmo universo, criando uma mitologia coerente. Exemplo disso é o livro Seres do Espaço, de Steven Caldwell.
Na quarta capa do volume descobrimos que o autor integrou a Força de Segurança da Federação Galática em 2393, logo assumindo o posto de comandante militar do grupo 1 e, ao longo de quinze anos de carreira, viajou pelos mais variados lugares da Federação, o que lhe dá credibilidade para escrever sobre as várias raças que a compõe. Caldwell, claro, não é uma pessoa real. Na verdade, Caldwell é um simulacro criado por Cowley para tornar Seres do espaço ainda mais verossimilhantes.
No livro somos informados, por exemplo, que habitantes de Alpha Centauri (aqueles mesmos que haviam se deparado com uma nave de exploração terrana em 2036) são fisicamente semelhantes aos humanos, embora sejam mais esbeltos, tendo, no entanto, um período de gestação mais lento, o que diminuiu drasticamente o crescimento populacional, em especial após as Guerras Centaurianas.
Tais livros estimulavam a curiosidade e a imaginação e nos fazia pensar como de fato seria o futuro.

Marlene não desiste nunca


Marlene é uma série de humor criada pelo cartunista capixaba Alpino. Alaor é famoso pelas suas tiras de humor para a Playboy, mas estorou recentemente na internet com a personagem Marlene.
A primeira aparição da personagem surgiu a pedido de uma leitora, cujo marido não entendia suas insinuações sexuais. Ela queria mostrar para o marido na esperança de que ele se tornasse menos lento em suas interpretações. Deu certo e Alpino começou a produzir diversas outras histórias de Marlene e seu marido Alaor.
A dinâmica das histórias é sempre a mesma: Marlene tentando alguma fantasia sexual ou se insinuando para o marido e o lento Alaor não entendendo o contexto sexual. Curiosamente, Marlene jamais falou nas histórias: só vemos os diálogos de Alaor.
Em tempo: nas postagens com as histórias da personagem, há sempre dezenas de comentários de mulheres dizendo que se identificam com ela. Confira um pouco das tentativas de Marlene.




















Mulher-diaba no rastro de lampião

Mulher Diaba no rastro de Lampião foi lançada pela editora Nova Sampa em 1992, como primeiro número da coleção Graphic Brasil. O roteiro, de Ataíde Braz emulava o estilo dos cordéis e o desenho de Colin lembrava muito as xilogravuras nordestina. A reunião desses dois talentos produziu  um dos melhores quadrinhos nacionais de todos os tempos.

A ceia dos acusados



Dashiell Hammett foi o criador do estilo policial noir. Ele foi detetive da famosa agência Pinkerton e ficava encucado com a forma pouco realista como as histórias policiais eram narradas, com detetives que resolviam tudo usando apenas a lógica. 
Ao resolver colocar no papel sua prática, acabou colocando também sua visão de mundo em que todos pareciam ter um segredo sórdido a esconder. Também foi o responsável por criar o perfil do detetive cínico, as mulheres fatais e a maioria da características do cinema noir.
Um bom exemplo do estilo Hammett é A ceia dos acusados, de 1934, no qual um ex-detetive se vê envolvido com um caso de assassinato. A secretária de um inventor é morto e este o contrata (através de um advogado) para ajudar a descobrir o assassino. Ocorre que o inventor é o principal suspeito e, como um fantasma, passa o livro todo sem que nem mesmo a polícia seja capaz de achá-lo.
Hammett é habilidoso para nos dar pistas o tempo todo (o próprio título original, O homem magro, é uma grande pistas), mas nós não prestamos atenção. Na verdade, em certo ponto o livro começa a parece óbvio demais. Tudo vai em determinado caminho... até a revelação final, que é absolutamente inesperada.
Um destaque vai para os personagens, a maioria deles totalmente corruptos e parecem estar mentindo o tempo todo. Mimi, por exemplo, é o paradigma do noir: ela mente e ao ser descoberta, inventa outra mentira, ao ver que essa segunda mentira foi descoberta, mente de novo, a ponto de não se saber quando ela diz a verdade.
Eu relutei muito tempo a ler esse livro por uma razão estilística: a tradução é de Monteiro Lobato, que tem um estilo bem diverso do de Hammett e tem fama de impor seu estilo aos autores traduzidos. Ocorre que A ceia dos acusados é um livro baseado em diálogos (ótimos, por sinal) e nisso a tradução de Lobato interfere pouco. Provavelmente o ponto negativo da tradução foi no título, que tem pouco a ver com o conteúdo.
Em tempo: o livro virou filme no mesmo ano em que foi lançado, só para dar uma ideia do impacto de Hammett sobre Hollywood. Confesso que não assisti a essa versão cinematográfica.

domingo, agosto 30, 2020

Casamento no Quarteto Fantástico

Em 1965 o quarteto fantástico era a revista mais popular do mercado de quadrinhos americano. Uma das grandes diferenças do título é que eles eram uma família.
Stan Lee e Jack Kirby resolveram marcar isso casando Sue e Red na edição anual do título. Isso em si era uma ideia revolucionária. Na rival DC nada nunca mudava. Clark Kent namorava Lois Lane há anos e nunca nem se mesmo ficavam noivos. Mesmo nos quadrinhos de forma geral essas mudanças era rara. O príncipe valente havia sido um dos poucos heróis de quadrinhos a contrair matrimônio.
Um casamento poderia ser um tema monótono nas mãos de quaiquer outros criadores, mas a dupla Lee e Kirby transforma o tema em uma aventura eletrizante, um crossover de vários heróis e vilões.
A grandiosidade da história já era expressa na capa, um amontoado de personagens.  Na história, o Dr Destino cria uma máquina que influencia vilões a atacarem o casamento. O ritmo é alucinante: quando uma ameaça é debelada, surge outra. Lee ainda exagerava no texto e Kirby tornava as sequência grandiosas.
 Uma aventura que marcou época.
Um único porém: a arte final de Vince Colletta, que simplificava em muito o traço de Kirby, muitas vezes até mesmo apagando os cenários.
No Brasil essa história foi publicada pela última vez no volume 4 da coleção de clássicos Marvel Salvat.

Decadence, a HQ manifesto da dupla Gian-Bené


Decadence foi produzida para ser uma espécie de manifesto do novo tipo de horror que a dupla Gian Danton - Joe Bennett estava introduzindo no Brasil. Depois de uma rejeição inicial de alguns editores, o sucesso das primeiras histórias da dupla fez com que surgissem pedidos de novas histórias - e aí surgiu a ideia de fazer uma HQ que confrontasse o horror antigo, datado e o novo (não é à toa que o título da história é Decadence). Os dois quebraram a cabeça durante dias para tentar transformar isso numa trama, mas no final, a ideia acabou vindo num sonho de Gian Danton, que acabou sonhando até mesmo com a diagramação da história, logo transformada num rafe, seguido à risca por Joe Bennett. Decadence foi publicada na revisa Mephisto, terror negro. 

Histeria - a história do vibrador

No século XIX qualquer mulher que tivesse insônia, irritação ou simplesmente rebeldia era diagnosticada como histérica. Acreditava-se que essa doença era provocada por problemas no útero. Uma das maneiras comuns de tratá-la era massagear a vagina da mulher, o que aliviaria o útero, provocando um "paroxismo histérico". Isso era feito por um médico e supunha-se que não havia nenhum prazer envolvido. Mas os médicos acabavam ficando horas com as mãos ocupadas e sofriam com a hoje famosa LER (lesão por esforço repetitivo). Foi nesse contexto que surgiu o vibrador. Inicialmente movido a vapor, ele permitia ao médico conseguir o tal "paroxismo" em minutos. 
Essa é a história por trás do filme Histeria, a história do vibrador, de . A película conta a história do médico Mortimer Granville (Hugh Dancy), inventor do aparelho. A história mistura fatos históricos com uma comédia romântica (Granville apaixona-se pela filha rebelde de seu sócio). 
As cenas mais engraçadas e que chamam mais atenção, claro, são aquelas em que os médicos, com aparente rigor científico, levam suas pacientes ao orgasmo sem nem mesmo desconfiar disso. 
Mas há muito mais: desde uma discussão sobre a situação do povo numa época em que a Inglaterra era um império, mas seus operários viviam na miséria até a questão da luta entre paradigmas. Médico inovador, Granville só vai parar no consultório do médico que seria seu sócio porque nenhum hospital o aceita por causa de sua crença nos germes como causadores de doenças. Na época, a teoria de Pasteur era vista como fantasia pela maioria dos médicos, que se recusava até mesmo a lavar as mãos. 
Histeria, uma história do vibrador, embora não seja uma obra-prima, certamente vai agradar quem gosta de uma boa comédia e, principalmente, por quem se interessa pela história da ciência. 
Anúncio antigo de vibrador. Os médicos recomendavam.

O que é fascismo e outros ensaios

George Orwell é mais conhecido por seus livros de ficção, em especial A revolução dos bichos e 1984. Entretanto, ele era um grande ensaísta. Seus textos límpidos, com argumentação clara e rigorosa influenciaram muita gente, inclusive o maior articulista brasileiro, Paulo Francis. Durante muito tempo esses textos permaneceram inéditos no Brasil, mas agora estão sendo publicados pela Companhia das Letras. Entres eles se destaca O que é fascismo e outros ensaios, de grande relevância nos tempos atuais.
Um dos destaques do volume é o prefácio de Sérgio Augusto, organizador do volume. É leitura obrigatória para os que conhecem pouco de Orwell.
Muita gente que leu apenas seus livros mais famosos acha que Orwell era um aristocrata inglês que escrevia seus livros enquanto um mordomo lhe servia chá e, nos intervalos, conversava com empresários estratégias sobre como manter as engrenagens do capitalismo funcionando.
Nada mais falso. Orwell escreveu a maior parte de seus textos em um jornal socialista, o Tribune e foi inclusive mendigo (experiência que ele relata no livro Na pior em Paris e Londres). Seu objetivo era fazer do texto político uma arte. Era um pertinaz defensor das causas perdidas, como a defesa da liberdade de expressão, definida por ele como “O direito de dizer às pessoas aquio que elas não queriam ouvir” e, por tabela, contra o totalitarismo de qualquer matriz. Assim, em seu livro restam críticas severas tanto à esquerda quanto à direita.
Se tivesse vivido um pouco mais, Orwell teria visto os direitos do seu livro A revolução dos bichos ser comprado secretamente por um agente da CIA. Transformaram a poderosa alegoria política de Orwell em uma peça de propaganda anticomunista e chegaram ao ponto de introduzir-lhe um happy end. O desenho animado rodou o mundo com recursos patrocinados pelo Departamento de Estado americano. Enquanto isso, Orwell deveria estar se revirando na cova.
O artigo que dá título ao volume é um dos mais interessantes do livro. Orwell não explica o que é fascismo: ao contrário, mostra como essa palavra foi perdendo significado ao ser usada como ofensa a ponto de tudo e todos poderem ser classificados de fascistas (ele mesmo já foi chamado de fascista). Algo, aliás, que ocorre ainda nos dias atuais. Da mesma forma, outras palavras de uso político, como comunista ou esquerdista perderam seus significados ao serem usados como palavrões. Quando se vê alguém chamando o Estadão de esquerdista, percebe-se que a palavra perdeu completamente qualquer significação.
Uma das maiores críticas de Orwell é ao chamado “realismo político”, um ponto de vista utilitário. Assim, por exemplo, a direita liberal inglesa fechou completamente os olhos para a ascensão de Hitler e para a guerra iminente em decorrência da incapacidade da classe endinheirada inglesa de acreditar que havia qualquer “coisa de errado em campos de concentração, guetos, massacres (...)”. Por outro lado, a esquerda, em nome desse realismo, fez alianças as mais duvidosas possíveis. Um capítulo que exemplifica bem esse ponto de vista é a resenha de um livro sobre Mussolini. Ele é capturado pelos aliados e levado a julgamento. Mas pede testemunhas e segue-se toda a classe de elogios de políticos ingleses a ele antes do início a guerra.
Embora esteja falando da Europa, Orwell parece estar escrevendo sobre o Brasil quando declara: “Se há uma saída para a pocilga moral em que estamos vivendo, o primeiro passo nessa direção é provavelmente perceber que o realismo não compensa”.
De todo o volume o texto mais interessante e reflexivo é “Socialistas podem ser felizes?”. Nele, Orwell reflete sobre a questão das utopias. Uma das suas análises diz respeito ao livro As viagens de Gulliver, de Jonathan Swift, que ele admirava muito e serviu de base para A revolução dos bichos (ambos são alegorias políticas). Orwell argumenta que os primeiros capítulos são primorosos: “Cada uma de suas palavras é relevante hoje em dia; há trechos que contém profecias bem detalhadas dos horrores políticos de nosso tempo”. Swift, no entanto, fracassa ao tentar descrever uma raça de seres que ele realmente admira.

Dessa forma, tanto o céu quanto a utopia são fiascos, locais impossíveis de se descrever sem parecer enfadonho, chato – ao contrário do inferno, que sempre mereceu vívidas descrições de grande sucesso. A felicidade, argumenta Orwell, só funciona em contraste com a infelicidade. Quando ela se torna eterna, deixa de funcionar. Qualquer um que já tenha assistido um episódio da série clássica Jornada nas Estrelas sabe que essa discussão permeia boa parte dos episódios – o que mostra o quanto a discussão de Orwell ainda era atual na década de 1960 e continua atual hoje. Não por acaso, o autor ficou famoso não por uma utopia, mas por uma distopia, 1984.  

Tio Patinhas – de volta a Klondike



O garimpo de Klondike, o mais famoso dos EUA é fundamental na mitologia do Tio Patinhas. Segundo o cânone, foi ali que ele começou a sua fortuna. E o local é tema da história “Nos tempos de Klondike”, escolhida como HQ de abertura do número 1 da revista Tio Patinhas da editora Culturama. Difícil pensar numa escolha mais acertada.
A história tem roteiro de Pietro Zemelo e desenhos de Fabio Celoni.
Zemelo constrói um roteiro em loop, com uma trama que segue em círculos, indo sempre para o mesmo ponto. É também uma trama que trabalha bem com o conceito de efeito borboleta, em que pequenas mudanças provocam grandes transformações.
A história começa no passado. Patinhas está voltando para a cidade depois de sua jazida ter se esgotado. Na taverna ele encontra o cozinheiro Charlie conversando com outros garimpeiros, que lhe sugerem, uma vez que não terá mais fregueses, ir atrás das bétulas douradas, com as quais se produz um delicioso xarope usado nas panquecas. Charlie vai em busca da bétulas e Patinhas no seu encalço. Depois de um ataque de ursos, o cozinheiro encontra as bétulas e se torna seu descobridor – e portanto, dono desse tesouro culinário.
Os desenhos de Fabio Celoni são belíssimos. 

Anos depois, Charlie procura Patinhas pedindo um empréstimo. Mesmo com um produto perfeito em mãos, sua falta de tino comercial fez com que ele entrasse em falência.
É quando Patinhas imagina o que aconteceria se ele tivesse descoberto as árvores e, surpreendentemente, se vê de novo naquele dia. A história segue em loop, com Patinhas tentando mais de uma vez mudar o futuro, mas suas ações nem sempre têm o resultado esperado.
É uma narrativa complexa que você não esperaria numa história Disney, mas que funciona perfeitamente. Junte a esse roteiro inovador os belíssimos desenhos de Celoni, diferenciados até para os padrões da Disney italiana, e temos uma HQ realmente surpreendente.   

sábado, agosto 29, 2020

Arkanus: a revista da dupla Gian-Bené


Isso aconteceu no início dos anos 1990, muito antes da internet, e numa época em que os telefones não haviam se popularizado.
As histórias da dupla Gian-Bené faziam tanto sucesso na revista Mephisto que a editora ICEA encomendou uma revista nossa, com o nosso tipo de terror.
Nós conhecíamos alguns artistas que admirávamos, novos talentos, influenciados pelas mesmas obras que nós, e muitos deles fãs da dupla Gian-Bené. Assim, depois de semanas de troca de cartas (e algumas ligações de telefones públicos), conseguimos xerox de algumas histórias para montagem de uma boneca do que seria a revista Arkanus (para quem não sabe, boneca é uma prévia de uma publicação. Hoje em dia é feita no computador, mas na nossa época era na base do corta ecola).
Lembro que passamos um final de semana inteiro trabalhando nessa boneca. Eu fiz alguns textos, o Bené fez uma proposta de capa, colocamos algumas histórias nossas, outras desses novos talentos. Também indicamos como seria a diagramação da revista. Quando saí na casa do Bené, no domingo, parecia tudo perfeito.
No dia seguinte, quando fui lá, perguntei se ele já tinha colocado no correio, ele:
- Ih, compadre, tenho uma notícia ruim.
- Como assim, que notícia ruim?
- Ontem o meu primo veio aqui e levou a boneca para a casa dele.
Entrei em desespero:
- Como assim, compadre? Onde esse primo mora? Vamos imediatamente lá pegar a boneca da revista e enviar pelo correio.
- Compadre, essa não é a notícia ruim.
Olhei-o, desconfiado:
- Como assim, o que pode ser pior?
- Ele perdeu a boneca no ônibus. Não chegou nem na casa dele.
E lá se foi, junto com o protótipo da revista provavelmente jogado no lixo, o sonho de termos uma revista seriada com o nosso jeito de fazer quadrinhos de terror.

Palácio de Versailles


O palácio de Versailles é o mais esplendoroso exemplo de arquitetura rococó. Foi construído a mando de Luís XIV, o rei sol, que pretendia alcançar, “além do suntuoso, o estupendo”. Para isso ele transformou o pavilhão de caça de seu pai no mais luxuoso palácio do mundo.
Os jardins têm duas fontes e um lago artificial. 

O ponto alto do palácio é a galeria dos espelhos, um salão de quase oitenta metros de extensão com 17 janelas, na frente de cada uma das quais há um enorme espelho (os espelhos na época eram caríssimos), que, junto com os candelabros criam um efeito de luz impressionante – fora as belíssimas estatuas.
A galeria dos espelhos é o local mais luxuoso do palácio.

No palácio viviam, além do rei e da rainha, dois mil nobres em eterno luxo e festas.
 O despertar e o recolher do rei eram assistidos por centenas de cortesões, em rituais tão importantes para a corte quanto o nascer do sol. Cada refeição do rei exigia a presença de quase 500 pessoas. 
Foram necessários 30 mil soldados para encher o lago artificial. 

O lago artificial era tão grande que permitia que os nobres passeassem em gôndolas. Era tanta água que para encher o lago foram necessários 30 mil soldados.
Os gastos excessivos de Versailles, aliados às dividas com a guerra, levaram o povo à penúria, provocando a revolução francesa.

No século XVIII uma das maiores manifestações de poder e luxo era encomendar uma escultura do artista italiano Gian Lorenzo Bernini, o mais caro e aclamado da época. Luís XIV encomendou duas. Uma escultura equestre, atualmente no pátio do Museu do Louvre e um busto, no palácio de Versailles. A habilidade incrível de Bernini com o mármore é perceptível nas volutas do cabelo do monarca. Tirar formas arredondadas e tão perfeitas do mármore é algo para mestres absolutos.
Os jardins têm belíssimas esculturas. 
A cama do rei: o despertar do soberano era um espetáculo. 

A arte saudosista de Norman Rocwell

Norman Rocwell foi o mais popular ilustrador norte-americano, em especial por causa das capas que fez para a revista The Saturday Evening Post durante mais de quatro décadas. Seus temas refletiam assuntos da época, como os direitos civis para os negros e a II Guerra Mundial, mas se destacavam principalmente pelos temas saudosistas. Em contraste com uma América que se industrializava e se tornava, aos poucos, a maior potência econômica do mundo, as imagens de Rocwell refletiam a pureza de outros tempos e a inocência das crianças. Quando morreu, milhares de pessoas compareceram ao seu funeral e sua casa foi transformada em museu, deixada exatamente como estava no dia de sua morte. Conheça o trabalho desse grande ilustrador e mergulhe em uma viagem repleta de saudosismo.