domingo, maio 28, 2023

Fundo do baú - Daniel Boone

 

Daniel Boone foi um caçador norte-americano que explorou as florestas ocupadas por indígenas no século XVIII. Em 1964 o personagem se transformou em uma série de grande sucesso estrelada por Fess Parker e produzida pela 20th Century Fox Television.

O ator já tinha feito o papel de Davy Crockett, um dos pioneiros do início dos Estados Unidos, em um seriado da Disney. A ideia da Fox era usá-lo novamente para interpretar Crockett, mas, como a Disney se recusou a ceder os direitos, a solução foi procurar um personagem histórico semelhante.

Parker usou no novo papel o mesmo chapéu de pele de guaxinim que caracterizara seu personagem anterior.

A série se passava em um período pouco anterior à revolução americana e era ambientada em Boonesborough, uma vila de pioneiros liderados por Boone. O protagonista era casado com a bela Rebecca, interpretada por Patricia Blair e tinha dois filhos, com destaque para o garoto Israel, interpretado por Darby Hinton.

A abertura do seriado mostrava Boone atravessando um riacho, montando uma armadilha e jogando uma machadinha contra um tronco que se abria ao meio revelando o nome do personagem e da série. A machadinha seria a arma símbolo do personagem, o que parece estranho, já que ela é historicamente associada aos índios. A música folclórica exaltava o personagem como um ser lendário: “Daniel Boone era um homem/sim, um grande homem! Com o olho de águia/era tão alto como uma montanha/Daniel Boone era um homem/sim, um grande homem! Ele era corajoso, ele era destemido/ e tão forte quanto um poderoso carvalho!”.

Algo que me chamava atenção, além do caráter nostálgico do seriado (ressaltado pela trilha sonora) era a forma como os indígenas eram retratados. Numa época em que filmes e seriados mostravam índios como vilões desalmados que atacavam em bandos inocentes caravanas, Daniel Boone mostrava uma versão mais simpática dos mesmos. O protagonista tinha, inclusive um amigo índio, Mingo.

No episódio O império da Perda, por exemplo, um coronel do exército britânico sequestra toda a população de Boonesborough como forma de obrigar Boone a assinar uma escritura, passando para ele a posse das terras da região para ele. Ao mesmo tempo, faz um acordo com índios segundo o qual entregaria os colonos para estes, mas era uma armadilha: quando fossem pegar os prisioneiros, os indígenas seriam bombardeados com canhões. Boone consegue convencer os índios de estão caindo numa armadilha e o filho do chefe o ajuda a danificar os canhões. No final, colonos e índios fazem um acordo de paz. A mensagem subliminar aí é bem apropriada para uma série que se passava num período pouco anterior à independência norte-americana: o verdadeiro inimigo são os exércitos ingleses.

Daniel Boone teve seis temporadas, com 165 episódios.

Super powers 3 - Liga da Justiça

 

Quando a revista da Liga da Justiça chegou ao seu número 200, a DC publicou uma edição especial com mais páginas e uma história completa escrita pelo renomado roteirista Gerry Conway.
Para comemorar, o roteirista bolou uma trama que remetia diretamente à primeira aventura da Liga, quando eles enfrentavam alienígenas que usavam a Terra como arena de guerra para decidir quem governaria seu planeta natal. Na história, os membros clássicos da Liga são vítimas de sugestão hipnótica para reunir os meteoros, liberando novamente os extraterrestres.
Isso, claro, acaba sendo uma desculpa para que os novos membros enfrentem os clássicos, numa história tipicamente Marvel (vale lembrar que Conway foi um dos principais roteiristas da Marvel).
O roteiro é ok, eficiente, embora não se compare a trabalhos melhores de Conway, como Esquadrão Atari. Mas a grande atração da revista é o incrível time de artistas reunidos nesta única edição. A história principal fica por conta de George Perez, mas o time de convidados inclui Jim Amparo, Dick Giordano, Brian Bolland, Carmine Infantino, Joe Kubert. Um verdadeiro show de grandes talentos da DC.

Essa história foi publicada na revista Super-powers 3, da editora Abril, em novembro de 1986. A Abril reduziu a belíssima capa dupla para uma capa simples e tirou o fundo, prejudicando em muito o impacto da capa.

Experiências e livros

 Monteiro Lobato já disse que um país se faz com homens e livros. Da mesma forma, um homem se faz de experiências e livros. Não há formação intelectual que não passe pela leitura.

O convite para integrar o especial "Biblioteca Básica" do site Digestivo Cultural me fez pensar em todos os livros que, de uma maneira ou de outra, ifluenciaram minha formação.
O mais remoto deles, parece-me, é pouco conhecido da geração atual. Mas fez as delícias de todos os jovens devoradores de livros da década de 80. Falo de Aventuras de Xisto, de Lúcia Machado de Almeida, publicado na época na coleção Vaga-lume.


Esse foi o primeiro livro que li (não estou contando os pequenos livros infantis dos quais guardo poucas lembranças). Devia ter algo em torno de 10 anos. Pode parecer uma discrepância eu ler meu primeiro livro aos 10 anos, mas há de se considerar que eu cresci em uma família pobre, na qual livros eram um luxo supérfluo.
Só consegui convencer minha avó a me dar o dinheiro para esse livro porque ele ia ser utilizado na escola. Na época vivíamos na pequena cidade de Mococa, no interior de São Paulo.
Eu mesmo fui à livraria, no outro lado da cidade e comprei o livro. Antes que o dia terminasse eu já o tinha lido inteiro. No dia seguinte, dia de frio, coloquei uma cadeira no quintal e, enquanto tomava um sol, li pela segunda vez.
Uma semana depois a professora iniciou a leitura em sala de aula, mas o rapaz responsável por ler o primeiro capítulo não havia nem mesmo aberto o livro. “Alguém já leu o livro?”, perguntou a professora. Eu levantei a mão: “Já li cinco vezes, professora”. Li tantas vezes que decorei. Os colegas me desafiavam lendo um trecho e eu, invariavelmente, conseguia dizer a página na qual aquele trecho estava. 
Aventuras de Xisto influenciou meu gosto pela história, especialmente pela história medieval. O clima sombrio e fantasioso também influenciou muito minha literatura. Minha novela O Anjo da Morte é uma espécie de Aventuras de Xisto para adultos. Gostaria de dar destaque também para as ilustrações do livro, de autoria de Mário Cafiero. Sempre imaginei ter uma história desenhada por ele.


Depois disso, eu não tinha mais como convencer minha avó a comprar outros livros e só fui voltar a ler uns quatro anos depois, quando descobri a biblioteca pública e os sebos. Foi época de conhecer Monteiro Lobato.
Não houve um livro específico que tenha me influenciado. Nessa época lia tudo que me chegava às mãos do autor paulista. Curiosamente, li primeiro sua literatura adulta, depois a infantil. Na literatura adulta, Urupês é sem dúvida a obra-prima. Lobato estava menos preocupado em fazer literatura e mais em causar uma impressão no leitor. Lembro que a primeira vez que li me pareceu um livro de terror... Da literatura infantil, História do mundo para crianças é, certamente, a obra que li mais vezes. Lobato era uma dessas inteligências enciclopédicas, que escreviam sobre tudo e em tudo deixavam um gosto delicioso.


Mais ou menos por essa época, tinha um amigo que colecionava a revista Heróis da TV e descobri um sebo que as vendia por um preço irrisório. Eu comprava as revistas e as vendia pelo dobro do preço, e assim conseguia dinheiro para comprar minhas próprias revistas. Antes de vender as revistas, eu passava o final de semana lendo. Só muito tempo depois fui perceber o quanto essas leituras me influenciaram, especialmente as histórias do Mestre do Kung Fu, de Dough Moench (roteiro), Paul Gullacy e Mike Zeck (desenhos).

1984, de George Orwell, foi a leitura que mais influenciou o período da universidade. Quando já estava no final do livro, fui comprar adubo para minha avó (que adora plantas). Como o troco demorasse, encostei no balcão e comecei a ler. Só sai de lá depois de ter lido a última palavra, para espanto dos balconistas. 1984 é um livro que deixa uma marca em quem o lê. É impossível sair dele o mesmo.
Também da época da Faculdade, O Nome da Rosa, de Umberto Eco foi um livro que prendeu minha atenção. Às vezes desconfio que só gostei tanto dele porque a ambientação era quase a mesma de Aventuras de Xisto. Em todo caso, li-o três vezes. Na primeira, o que mais me chamou atenção foram os detalhes sobre a história da Idade Média. Na segunda, os aspectos relacionados às teorias da comunicação (especialmente semiótica e teoria da informação). Na terceira, eu já estava mais interessado em detectar as influencias de Jorge Luís Borges sobre a obra.


Chegamos em Borges. O que mais me marcou no autor argentino não foi um livro, mas um conto: "O Aleph". O texto parecia uma versão literária de meus estudos sobre teoria do caos. A partir daí comecei a devorar tudo que me caía as mãos sobre o autor portenho. 
"O Aleph" me foi emprestado por um colega de redação na Folha de Londrina. Foi também ele quem me emprestou Crônicas Marcianas, de Ray Bradbury. Eu já havia lido Farenheith 451, mas esse parecia uma versão menor de 1984, de Orwell. Crônicas Marcianas tinha vida própria e fez com que eu me interessasse pela literatura de ficção científica norte-americana.
De Bradbury para Isaac Asimov foi um passo. Além das histórias de robôs, sempre me fascinaram seus textos de divulgação científica. Asimov produziu um verdadeiro tijolo, Cronologia das descobertas cientificas, que foi meu livro de cabeceira durante o mestrado.
Uma história em quadrinhos que mudou a minha forma de ver o mundo foi Watchmen, de Alan Moore e Dave Gibbons. Moore virou de cabeça para baixo os comics norte-americanos ao mostrar os super-heróis de uma perspectiva realista. Histórias de heróis cuja vestimenta é uma fantasia sexual se misturam com casos de personagens que deixaram escapar bandidos porque precisavam ir ao banheiro. Pode parecer humorístico, mas a perspectiva não era essa. Moore realizou uma obra profunda sobre a condição humana em meio ao caos. O subtexto baseado na teoria do caos e na geometria fractal passou despercebido pela maioria dos leitores e só se tornou corrente no Brasil após o meu trabalho de conclusão de curso de graduação.


Já que falamos em teoria do caos, Caos: a criação de uma nova ciência, de James Gleick, é outro livro que exerceu grande influência sobre mim ao me mostrar o poder desse novo paradigma para explicar fenômenos não deterministas. Fenômenos deterministas são aqueles que seguem um padrão fixo, como um relógio. Para a ciência clássica, todo o universo era determinista. A teoria do caos demonstrou que esse modelo do universo como um relógio não corresponde à realidade. A maioria dos fenômenos, por mais determinados que pareçam, podem mudar de comportamento de uma hora para outra em decorrência de pequenas alterações, chamadas de efeito borboleta.
A teoria do caos foi uma das bases da teoria de Edgar Morin. Esse autor francês produz tanto que é quase impossível destacar um livro mais importante. Ciência com consciência, Sete saberes necessários à educação do futuro e A Cabeça bem-feita são alguns dos mais famosos. Morin defende uma nova visão de mundo, diversa daquela inaugurada por René Descartes, segundo a qual, para conhecer algo, é necessário dividir esse algo em pequenas partes e estudá-las um a uma.
Para Morin, as partes não podem ser vistas senão em sua relação com o todo. A teoria do caos demonstrou que tudo está relacionado. Uma pequena borboleta batendo suas asas na China pode desencadear uma série de eventos que redundam em uma tempestade em Nova York.
Morin critica a fragmentação dos saberes e defende uma ciência que vê as coisas em suas relações com outras coisas. Pensando bem, isso tem tudo a ver com a filosofia oriental que aparecia nas páginas das histórias em quadrinhos do Mestre do Kung Fu. Talvez tudo esteja mesmo interligado.

A divulgação científica nos quadrinhos

 

Em dezembro de 1997 defendi, no programa de pós-graduação da Universidade Metodista de São Paulo, a dissertação de Mestrado A divulgação científica nos quadrinhos: análise do caso Watchmen, um trabalho inovador não só por mostrar que Watchmen foi baseado na teoria do caos (algo que eu já havia feito em meu TCC, defendido em 1993), como em analisar a relação entre a ciência e os quadrinhos, algo que serviu de base de muitos trabalhos, em especial sobre o uso de quadrinhos nas aulas de ciência. 
Essa dissertação foi disponibilizada durante muitos anos no site da Virtual Books, que acabou saindo do ar. Assim, resolvi disponibilizá-la através de um blog.  Para conhecê-lo, clique aqui

Versailles – série histórica da Netflix

 


No século XVIII a França vivia uma grande transformação. O poder, que até então estivera nas mãos da nobreza feudal, começou a ser abocanhado pelo rei no processo que ficaria conhecido como absolutismo francês. O maior exemplo disso foi Luís XIV, o rei-sol, que dizia: “O estado sou eu”. E a maior representação desse poder foi o palácio de Versailles.
Versailles foi construída no antigo pavilhão de caça do pai de Luis XIV e tinha dois objetivos: um deles era sair de Paris, diminuindo as possibilidades de uma revolta por parte dos nobres feudais. O segundo objetivo era abrigar os nobres que se conformavam com a nova situação. Destituídos de seu poder e de suas terras, estes recebiam, em troca, um emprego na corte (podia ser abotoar o sapato do rei, por exemplo), onde viviam em meio ao luxo no maior e mais espetacular palácio da Europa.
A vida na corte era um eterno teatro cujo principal ator era o rei-sol. Nobres se acotovelavam para ver o rei acordar ou se recolher, como se vissem o espetáculo do nascer e do por-do-sol. Ou se amontoavam para vê-lo almoçar – os de mais prestígio eram chamados até mesmo para comer junto com o soberano. E Luis parecia ser também o centro sexual do palácio, com suas várias amantes e várias mulheres que pretendiam cair em sua graça.
Versailles era um local de festas eternas, mas também era um local de intrigas palacianas. Os nobres jamais se conformaram em perder o poder e houve vários complôs contra o rei.
A série Versalhes, lançada no Brasil pela Netflix, se propõe a abordar a construção do castelo, o luxo e as intrigas que envolviam a corte francesa. E não decepciona. O figuro é realmente esplêndido, assim como cenário. Há incongruências, claro. Em algumas cenas, o palácio, filmado atualmente, aparece inteiro, com partes que não existiam na época em que a história decorre. Mas elas passam facilmente despercebidas diante do bom roteiro, da direção inspirada e principalmente das grandes atuações – a começar pelo protagonista, George Blagden (de Vikings). A série tem duas temporadas na plataforma e já se fala em uma terceira. 
Versalhes é perfeito para quem gosta de histórias de intrigas palacianas. É um Guerra dos Tronos sem dragões. E com um final realmente de tirar o fôlego. 

sábado, maio 27, 2023

Farrapo humano, de Billy Wilder

 

Billy Wilder é considerado um cineasta eclético pela sua incrível capacidade de transitar em gêneros que vão da comédia ao drama. Farrapo humano (1945) é um ótimo exemplo dessa versatilidade. O filme conta a história de um escritor (Ray Milland) que se vê em crise de abstinência ao ser privado de beber durante um final de semana. Ele faz de tudo para conseguir a bebida, até mesmo roubar a bolsa de uma moça. 
Acompanhamos sua decadência até ao ponto em que ele começa a ter delírios e pensa em se matar.
Esse parece ser o filme de Wilder mais influenciado por Cidadão kane. É, por exemplo, o que mais usa profundidade de campo, aliás, com ótimos resultados. A cena em que o protagonista procura a última garrafa de bebida é mostrada de cima para baixo, e vemos a garrafa, que estava escondida no lustre, como se fosse um fantasma pairando sobre ele. 
Algo curioso sobre o estilo de Wilder é que ele parece ser um cineasta da tela grande. Seus filmes só começam a empolgar lá pelo meio, pois há um grande respeito pelo primeiro ato, que muitas vezes parece arrastado e até desinteressante. Em Quanto mais quente melhor, por exemplo, o humor só se instala a partir da cena do trem e é só quando o receptor é fisgado. O mesmo acontece com Farrapo humano, de começo pouco interessante, com uma longa caracterização do personagem, mas que fisga o leitor do meio para a frente, a ponto de não se conseguir parar de assistir. 
Isso só era possível porque naquela época os filmes eram assistidos exclusivamente no cinema e raramente alguém saia no meio da sessão. Nos tempos do video-cassete, que pode ser desligado a qualquer momento, foi necessário fisgar o expectador desde o primeiro momento, daí o sucesso de George Lucas e Spielberg. 
Por sua denúncia crua do alcoolismo, o filme botou medo na indústria de bebidas, que chegou a oferecer 5 milhões de dólares para que o estúdio não o lançasse. 
Uma curiosidade é que Farrapo Humano fez tanto sucesso que gerou uma versão nacional, chamada O ébrio (1946), com direção de Gilda de Abreu e Vicente Celestino no papel principal.

 

Marcos Rey.foi um dos principais roteiristas brasileiros de cinema e televisão. Na década de 1970 ele foi o rei da pornochanchada, escrevendo alguns dos principais filmes do gênero. Ele reuniu boa parte de sua experiência no livro O roteirista profissional: televisão e cinema. 
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Antes de mais nada, é bom avisar que não se trata exatamente de um manual. O autor até dá algumas dicas de como formatar o roteiro, mas não vai muito além da cabeça CENA 1 - LOCAL - EXTERIOR/INTERIOR - DIA/NOITE.
Na verdade, a obra é mais um relato de experiência com o qual podem aprender muito so que forem inteligentes e atentos. Escrito de forma coloquial, a impressão que temos é de estar conversando com um veterano e aprendendo de forma não muito sistemática.
Personagens

Uma das dicas é que Marcos Rey fazia uma espécie de questionário com qual "conversava com os personagens". Perguntas como: "Onde você nasceu? Qual a sua profissão? Gosta dela? Tem alguma religião? Já viveu algum grande amor? Tem algum ideal político? Gosta de repetir alguma palavra?" ajudam a compor o personagem. Todo mundo se lembra, por exemplo, do Coronel da novela Renascer que sempre dizia: "Certo, muito certo, certíssimo!".
No caso dos heróis, é bom dar-lhe um defeito, para torná-lo mais humano: Sherlock Holmes era um dependente de drogas, Poirot um vaidoso, Columbo um relaxado, só para ficar nos detetives.
Também é bom dar marcar fisicamente o personagem. Sherlock Holmes é conhecido pela roupa xadrez, pelo boné e pelo cachimbo. Kojak é careca e fuma uma piteira.
Se a dica é boa para seriados de TV, é melhor ainda para os quadrinhos, uma mídia que depende muito do visual.
RÚBRICAS

São marcações nas falas dos personagens para ajudar o diretor (ou o desenhista) a entender o tom da fala. Por exemplo:

JANDIRA (categórica): Neste hotel não vejo, não escuto, não falo!
PASCOAL (de boca cheia): É bom fazer coisa nova. a freguesia tá mudando!

DIÁLOGOS
Marcos Rey dá uma lição básica, mas importantíssima:
É preferível uma ação muda do que complementada por diálogos inúteis. Imagens também falam.
Nunca coloque em palavras o que a imagem já está tornando explícito.
Nesse sentido, ele critica os primeiros roteiristas de telenovelas, que, vindos do rádio, tinham o vício de fazer os personagens falarem o que estavam fazendo:
JANDIRA: Agora estou abrindo a porta. O que é isso? está tudo escuro? Ligaram uma luz! O quê? Fecharam a porta! Estou presa!
É, tem roteirista de quadrinhos que ainda faz esse tipo de coisa. Aliás, Marcos Rey devia estar pensando nos primeiros comics quando escreveu: "certos autores usam o diálogo como simples muletas de ação. Parece que escrevem histórias em quadrinhos".
NOVELAS
Marcos Rey conta que a maioria dos diretores mexia muito nos seus roteiros a ponto de muitas vezes ele não reconhecer seus textos na tela. De fato, normalmente diretores têm mais poder que os roteiristas e muitas vezes se dão o direito de mexer no texto. Isso só não acontece no caso das novelas. Os roteiristas são as grande estrelas e têm poder absoluto sobre suas novelas. Os diretores não costumam mudar quase nada. E a razão é simples: a produção de telenovelas é tão estafante e apressada que o diretor só tem tempo de filmar e editar. Curioso, não? É justamente o fato das novelas serem uma produção industrial que faz com que elas possam ser obras pessoais a ponto de conseguirmos distinguir o estilo do roteirista. Uma novela de Benedito Rui Barbosa, por exemplo, é completamente diferente de uma do Manoel Carlos.


ADAPTAÇÕES
Talvez o capítulo mais interessante seja sobre adaptações. Uma dica de Marcos Rey: adaptações ao pé da letra, fidelíssimas, são péssimas. De fato, esse talvez tenha sido o maior problema do filem Watchmen. Aliás, passado o vislumbre de ver nas telas uma transposição quase literal dos quadrinhos, o que ficou foram duas criações do diretor: a cena de abertura, com a música do Bob Dylan, perfeita, e o final, cientificamente muito mais correta do que a da história em quadrinhos.
Marcos Rey foi um dos roteiristas da excelente série do Sítio do Pica-pau amarelo da década de 1970. Hoje, 10 em cada 10 críticos diz que aquela adaptação da obra de Monteiro Lobato foi um marco, que encantou toda uma geração, mas na época a maioria dos itelectuais simplesmente odiou. E aí vai outra grande lição: nem sempre quem critica uma adaptação conhece a obra original.
Três exemplos:
1 Os críticos acharam uma heresia colocar uma televisão na sala da Dona Benta, mas não se tocaram que o Lobato já tinha colocado um rádio lá em plena década de 1920, quando esse aparelho era novidade absoluta.
2 Um episódio, Narizinho atômica foi muito criticado por estar deturpando a obra de Lobato. E era adaptação fiel de uma história menos conhecida de Lobato no qual ele falava do perigo das bombas atômicas.
3 A jornalista Cléo foi vista como absurda criação dos roteiristas, mas foi criada por Lobato, um visionário, que já imagina o dia em que as mulheres exerceriam o jornalismo.

As histórias clássicas da Disney na versão terror

 


O artista sueco Daniel Björk fez uma série de imagens com cartazes clássicos da Disney transformando-os na versão terror. Confira o resultado. 











Capas da Grafipar - a editora que saiu do eixo

 

Grafipar foi uma das mais importantes editoras brasileiras de quadrinhos. Especializada em quadrinhos eróticos, ela inundou as bancas no final dos anos 1970 e início dos anos 1980 com uma enorme variedade de revistas com a nata dos quadrinhos nacionais. Confira algumas capas da editora.









Monstro do Pântano – balé de enxofre

 



Quando assumiu o título do Monstro do Pântano, Alan Moore levou o terror a um novo patamar. O horror agora se tornara realmente apavorante, visceral, perturbador. A saga balé de enxofre (publicada em The Saga of The Swamp Thing 29, 30 e 31) foi um dos marcos dessa nova visão do horror.

A sequência inicial é um dos melhores exemplos dessa nova abordagem. Vemos a casa de Abigail Cable, em planos fechados, roupas jogadas no chão, fósforos semi-queimados, vidros de perfume quebrados no chão. O texto diz: “Ela arrancou e rasgou a roupa toda do corpo. Roupa suja, tinha lhe tocado a pele. Não adiantou tentar queimá-las. As mãos apenas gastaram os fósforos. Na verdade, ela já estava levemente ensandecida. Era o cheiro. Ela não conseguia se livrar do cheiro. No banho, gastou tudo que havia de sabonete, xampu, perfume, aditivo, espumante... e nada de o cheiro sair”.

A sequência inaugural mostra o tipo de terror visceral inaugurado por Alan Moore. 


Quando o banho não resolveu, ela foi até a cozinha, pegou a escova de arame usada para esfregar batatas e começou a esfregar no corpo, numa tentativa vã de tirar o cheiro de insetos queimados. Vinte minutos depois ela desmaiou. Mas mesmo assim, ainda sentia o cheiro... em seus sonhos.

E nos deparamos com uma página dupla, de Abby encolhida em posição fetal, o rosto ensandecido, insetos ao seu redor e metade de seu corpo ocupado por uma sombra que reflete esqueletos, numa arte impressionante repleta de hachuras de John Totlebene Stephen Bissette. Mais à frente descobrimos que o cheiro vem do fato dela ter transado com seu tio, que tomara o corpo de seu marido, o que torna a situação ainda mais doentia. Os créditos são colocados logo abaixo do título “Amor e morte” e são entremeados de insetos. Imagens de Abigail em tormento, envolta por insetos emoldura a maioria das páginas desse primeiro capítulo da trama.  

A página dupla é impressionante. 


Quando lhe perguntaram qual o segredo para escrever histórias de terror, Moore respondeu: veja o que lhe provoca medo e use isso nas histórias. É o que vemos aqui. Moore utiliza arquétipos universais de horror, a começar pelos insetos. Mas vai além e flerta com o terror psicológico ao abordar o abuso sexual – ao longo da série ele abordaria mais de uma vez relações abusivas com resultados igualmente surpreendentes.

Então a história sai do pesadelo e vai para um flash back que parece um sonho. Matt, o marido de Abigail, comprou uma bela casa e arranjou um emprego. Quando visitam o novo quarto do casal, o texto avisa: “Foi aqui que o sonho tremelicou. Aqui se escondia a coisa ruim, aqui um acre cheiro de carne fumegante, de insetos subitamente penetrou nas narinas”.

Mas quando visitam o novo emprego (Rio negro recorporações) que o terror se insinua mais forte, já desde a fachada, com espectros sombrios observando da janela. Quando a porta se abre e Abby conhece os colegas do marido por um instante ela consegue vê-los como realmente são, cadáveres de psicopatas.

Moore usa psicopatas na história. 


Essa é, provavelmente, a primeira vez que um psicopata foi mostrada num quadrinho da DC Comics – e talvez a primeira vez em todo o mercado americano. Assassinos em séries já existiam antes. O Cavaleiro da Lua, por exemplo, enfrentara um que matava com uma foice. Mas era sempre psicóticos, loucos, pessoas fora de si ou atormentadas por algum trauma. Pessoas más, que vestem uma máscara de normalidade, mas matam por prazer, são uma primazia de Moore.

Psicopatas voltam a aparecer na história quando Moore, usando a técnica do mosaico, mostra como pessoas más em todos os locais das redondezas de repente se revelam e vão na direção do local onde está se passando a trama.

Alan Moore mostrando que o verdadeiro, o grande terror, era o ser humano e sua maldade.

Skizz – Contato imediato de Alan Moore

 

Imagine filmes como Contato Imediatos de Primeiro Grau ou ET, o extraterrestre, mas escritos por Alan Moore. É exatamente o que vemos em Skizz, álbum lançado em 2003, pela editora Pandora.
Moore aproveita muitos dos conceitos de Spielberg (em especial de um extraterrestre perdido em nosso planeta e ajudado por pessoas simples), mas faz uma obra totalmente subversiva e instigante.
Alan Moore faz a sua versão do filme ET. 


Para começar, pelo humor negro que permeia toda a obra. A sequência inicial, em que Skizz cai na terra é, ao mesmo tempo, hilária e aterradora. A nave resolve se auto-destruir porque a lei interestelar proíbe apresentar alta tecnologia para raças de desenvolvimento restrito – e decide levar seu tripulante junto. O diálogo é hilário: enquanto Skizz tenta se salvar, a nave pergunta o nome de seus herdeiros.
Skizz passa a ser caçado por agentes do governo e recebe ajuda de uma garota punk – e temos aí diversas sequências de humor, que lembram ET, mas são muito mais ácidas. Uma das primeiras palavras que o personagem aprende é “Potameda”. E, claro, os agentes do governo não são bonzinhos como no filme de Spielberg: o principal responsável pelo caso é um militar paranoico que acha que o ET é só o início de uma invasão extraterrestre.
O desenhsita Jim Baikie se sai muito bem nas sequências de espaço. 


Vale destacar o desenho de Jim Baikie, que consegue captar bem tanto as situações de FC quanto de humor – destaque para a ótima caracterização do personagem Cornélius.

Demolidor – o arauto da morte

 


Até o final da década de 1970 o Demolidor era um dos personagens da Marvel que pareciam que nunca iam decolar. O personagem já passara por várias fases: do herói galhofeiro da fase Stan Lee a parceiro da Viúva Negra na fase de Gerry Conway. Mas nada conseguia alavancar as vendas que iam tão mal que o título passou a bimestral. A razão disso parecia estar ligada ao fato de que o herói não parecia ter uma identidade própria, que o distinguisse dos outros personagens da Marvel. Isso só iria mudar em 1979, quando um jovem talento foi agregado ao título. Seu nome? Frank Miller.

Miller estreou em Daredevil 158, de maio de 1979.

A história em questão era uma continuação do número anterior, com plot de Roger McKenzie, texto de Mary Jo Duffy e desenhos de Gene Colan e Klaus Jason (imaginem a responsabilidade de Miller ao substituir Colan!). Nessa história o Demolidor enfrentava o Araúto da Morte, que depois mandava os Homens-animais para sequestrarem Matt Murdock.

Miller foi anunciado com grande alarde. 


A história do numero 158 começa no escritório de advocacia: o local está destruído, com uma mesa derrubada, papeis espalhados, Foggy Nelson caído no chão, a Viúva Negra enxugando o sangue que escorre de sua boca enquanto os Homens-animais tentam capturar o advogado cego. A cena é construída de modo que não vemos o que está acontecendo de fato (a tentativa de sequestro), mas apenas suas consequências e já ali tinha um pouco da genialidade de Miller.

Os editores pareciam adivinhar o futuro, pois anunciaram Miller com todas as honras. Num grande balão de splash, toda a equipe criativa dá boas-vindas à chegada daquele que é anunciado como desenhista sensação. Talvez fosse apenas mais uma daquelas jogadas de marketing que Stan Lee usava tanto, mas com hoje em dia parece profético.

Miller inovou ao mostrar o radar do herói. 



Os antagonistas não são nem de longe relevantes (tanto que um deles, o Homem-pássaro, é derrubado por um objeto jogado pela secretária de Matt Murdock). Embora o vilão principal, o tal do Arauto da Morte, fosse um adversário perigoso, era apenas mais um dos muitos vilões da Marvel. 

Miller dava um show nas sequências de ação. 


O que faz com que essa trama insossa ganhe relevância é a narrativa de Miller, em especial quando começa o confronto entre herói e antagonista. Na primeira página dessa sequencia, Matt Murdock se transforma em demolidor em cinco quadros que são um exemplo perfeito de como miller era um narrador nato que sabia usar muito bem ângulos e planos. Na mesma página vemos também a solução gráfica de Miller para o radar, com círculos concêntricos  que funcionam perfeitamente.   

Uma história boba, que com o tempo seria vista como um clássico.