terça-feira, dezembro 31, 2024

Jornada nas estrelas - Atrás da cortina

 

 

Uma das coisas que faziam com que Jornadas se tornasse particularmente fascinante para mim era a introdução de personagens históricos em uma série futurista.

Isso, claro, me leva a simpatizar imediatamente com Atrás da cortina, episódio da terceira temporada. 

Na trama, a Enterprise está investigando um planeta todo composto de lava, mas que parece ter algum tipo de vida. É quando aparece ninguém menos que Abraham Lincoln. O personagem histórico não sabe como foi parar alí e desconhece a tecnologia da época. Mas sabe que sua missão na nave é convidar Kirk e Spock para uma vista ao planeta, onde, misteriosamente apareceu um continente habitável. 

Uma vez lá, eles se encontram com um antigo Vulcano, que Spock informar ser considerado o fundador da cultura Vulcana. 

O grupo só descobre o que está fazendo no local quando um ser feito de pedra aparece e anuncia que eles deverão lutar contra um grupo de vilões incluindo Gengis Khan.

Praticamente nada no episódio é verdadeiramente explicado e o enredo que poderia gerar situações e discussões interessantes e até filosóficas descamba para um simples quebra quebra entre os personagens. 

Mas isso é feito de maneira tão despretensiosa que acaba se tornando divertida. Jornada nas Estrelas clássica até quando era ruim entregava um show divertido.

Heróis da TV 16 - a primeira revista Marvel que vi

 


A primeira revista Marvel que vi, e que me marcou profundamente, foi Heróis da TV 16.
Na época eu morava em um cidade do interior de São Paulo, Mococa (sim, da fábrica de leite). Nós saímos da escola e, de repente, vimos um grupo de garotos aglomerados em volta da vitrine de uma mercearia. Corremos para ver o que era a novidade.
Quando finalmente consegui vencer o mar de gente, fiquei pasmo.
Era uma revista em quadrinhos.
Mas não se parecia com nada que tivesse visto até então. Para começar, que tipo de herói era aquele? Motoqueiro Fantasma? Com um rosto de caveira? Não parecia nada com os heróis que eu conhecia – em especial não parecia nada com os heróis da DC que estreavam o desenho Superamigos, muito popular na época. Além disso, a moto parecia avançar para além da capa vindo em nossa direção. Os policiais atirando simbolizavam que ele fugia da lei, mas o demônio ao fundo, emitindo seus raios contra ele conotavam que ele perseguido também pelas forças do mal. Aquela capa reunia em uma única imagem toda a complexidade dos quadrinhos Marvel e prometia uma aventura realmente sensacional. Para completar, num pequeno quadro, um close de Thor, um herói que eu conhecia dos desenhos desanimados da década de 60.
Ninguém tinha dinheiro para comprar – e o dono da mercearia não deu ouvidos aos apelos para tirar a revista da vitrine e nos mostrar. Assim, a publicação ficou lá, envidraçada, uma promessa inalcançável de aenturas incríveis.
Nunca nem mesmo abri ou folheei a revista, mas a capa ficou para sempre em minha memória e imaginação – e certamente contribuiu para que eu reconhecesse aquele sentimento quando li pela primeira vez uma revista Marvel Abril, anos depois.

Etrigan e os problemas textuais de Jack Kirby

 

Na década de 1970 Jack Kirby, o co-criador do universo Marvel, foi para a rival DC Comics com o status de astro pop. Tinha liberdade total para criar, editar, desenhar e escrever os títulos. Entre os vários gibis lançados por ele nesse período está o demônio Etrigan, que revolucionou o universo mágico da editora.

Mas, por trás da genialidade desses títulos, das grandes ideias, e do desenho extremamente dinâmico de Kirby – cujo estilo influenciou praticamente todos os artistas dos comics americanos posteriores – algo fazia falta: um bom texto.

Os números 9 e 10 demonstram bem essa deficiência.

O número 9 começa com um conto isolado, que não tem nada a ver com a saga de Fairfax e Galateia, a principal trama desses números.

Nesse conto é narrado como Etrigan evitou um ataque de demônios a uma vila, na Idade Média.

A belíssima splash page de abertura traz um texto que demonstra bem o estilo de textual de Jack Kirby, truncado como um carro andando com o freio de mão levantado:  

“Muitos anos depois da morte de Camelot e do desaparecimento de Merlin, o feiticeiro do domínio dos homens, o triunfo do mal espalhou escuridão e terror pelo mundo. Homens lutaram contra o poder da magia e encolheram-se em cantos sombrios ante seu poder”.

Mesmo descontando alguma inabilidade do tradutor, é possível perceber que falta fluência ao texto. Há frases sem sentido, como “feiticeiro do domínio dos homens” e outras que simplesmente não funcionam, por serem confusas, como  “Homens lutaram contra o poder da magia e encolheram-se em cantos sombrios ante seu poder”.

Segue-se uma impressionante página dupla, com Etrigan lutando contra os demônios invocados pelo feiticeiro. O texto diz:

“Foi uma noite em que um mestre da magia fez uso de feitiços antigos para comandar forças do impronunciável para que eles fizessem como mandado e tomassem a cidade”.

Dá saudades da época em que a Abril cortava os textos originais. Dava fácil para cortar um dos “ques”, da mesma forma que a expressão “como mandado”. O texto ganharia fluência e ficaria menos truncado.  

Depois desse pequeno conto, começa a história intitulada “O que aconteceu com Farley Fairfax?!”, que começa com uma splash page, agora de Jason Blood em primeiro plano sendosegurado por seus dois amigos. O texto, confuso, repleto de orações subordinadas e com frases que não acabam diz:

“O demônio que viveu como Homem!!! De tempos em tempos ele reaparece e se lança em ação em uma explosão de fúria cintilante! Mas aqui e agora, em Gotham City, ele foi pego de surpresa e foi eliminado por sua identidade mortal Jason Blood, que não podia mais viver à sombra de seu irmão demoníaco, fez uso de feitiçaria ancestral e destruiu o demônio”.

A trama é interessante, sobre um ator que teve o rosto arruinado por uma feiticeira e busca vingança sequestrando a namorada de Jason, pois esta é, coinscidentemente, parecida com a feiticeira. Destaque para a sequência em que Etrigan volta ao passado, na edição 10, para reviver o momento em que a feiticeira invoca um demônio em pleno palco, para surpresa da plateia, que acredita que se trata de parte do espetáculo.

A cada cinco páginas, Kirby traz uma belíssima e impressionante splas page, mas que tem também os terríveis textos de abertura.

Os textos menos confusos são aqueles quem Kirby conta aquilo que seu desenho já está mostrando: “Então as pedras das paredes se soltam sobre Jason...” “A mão direita do demônio gesticula ritualisticamente, varrendo o ar. Então, chamas demoníacas saem de seus dedos”.

"Morram! Morram!" - o melhor texto de Kirby na história. 


Os diálogos são puramente expositivos. Não há, por exemplo, maneiras diferentes de falar entre os vários personagens ou demonstração de emoção: “Detenham-no! Ele não pode nos vencer quando a vitória está em nossas mãos!” “Morram! Morram!”. Não há personalidade nos diálogos.

Aliás, houve uma tentativa de Kirby de imprimir uma fala própria ao demônio. Em sua primeira aparição ele rimava, mas essa característica foi logo esquecida. Quem fez da rima uma característica do personagem foi Len Wein, em 1984, da revista DC Comics Presents 66.

Etrigan só passou a ser um demônio rimador com Len Wein. 


Pouco depois, Alan Moore usou o personagem em Saga of the Swamp Thing 27 e consolidou essa característica de Etrigan ser um demônio rimador (posteriormente, em Monstro do Pântano, apareceria toda uma legião de demônios rimadores à qual Etrigan pertence). Ou seja, a característica textual mais conhecida de Etrigan foi estabelecida por outros escritores, posteriores a Kirby. 

É de se perguntar o que aconteceria se o título fosse editado por outra pessoa e os diálogos e textos ficassem a cargo de alguém que escrevia bem. O conceito era impressionante, assim como a arte de Kirby. Talvez a revista não tivesse durado apenas 16 números.

Projetos que naufragaram: Segredos do Amapá

 

Eu vivo me metendo em barcas furadas. Dia desses fiz as contas de quantas páginas de roteiro já fiz e nunca foram aproveitadas. São mais de mil páginas de projetos naufragados. Um deles foi o SEGREDOS DO AMAPÁ. Era para ser um programa de documentários sobre aspectos da cultura local, uma espécie de Globo Repórter tucuju. A diretora me chamou, mostrou algumas imagens e entrevistas que haviam sido feitas meio que por acaso (o cinegrafista tinha ido cobrir outro assunto e resolveu entrevistar uma mulher que fazia o tucupi) e pediu que eu fizesse um roteiro aproveitando esse material para o primeiro programa, que seria sobre o tucupi. Depois do roteiro pronto, a diretora fez as contas e descobriu que o programa era financeiramente inviável. Como eu havia embarcado nessa pela amizade, ficou pela amizade. Esse material nunca foi publicado e também nunca recebi por ele. Coloco abaixo o roteiro do primeiro bloco do programa.

SEGREDOS DO AMAPÁ
PROGRAMA 1
TUCUPI, O SABOR DA FLORESTA
ROTEIRO DE IVAN CARLO ANDRADE DE OLIVEIRA

Texto de abertura:
Tucupi. Seja no pato, no tacacá ou simplesmente na pimenta...

Não há quem resista a esse líquido amarelo retirado da mandioca de sabor
adocicado e selvagem.

Mas o tucupi tem seus segredos.

Como usar o tipiti? Como fazer o pato no tucupi? Por que quem vem de fora não consegue esquecer o tacacá?

Tucupi, o sabor da floresta. Este é o tema de hoje do Segredos do Amapá.

Cena 1 – apresentadora anda pelo cenário, fala, enquanto aparece imagem no tucupi no croma.

Apresentadora: Mandioca. Sem ela a maioria dos pratos amazônicos não seria possível. Sem ela, talvez a fome se espalhasse pela região. A mandioca faz parte do dia-a-dia dos amapaenses. Seja na pimenta, na farinha, no tacacá, no biju, na maniçoba, os amapaenses a consomem sempre.

Cena 2
Imagens das ilustrações que fará as imagens. Dou algumas sugestões de como animá-las, mostrando closes de personagens intercalados com a ilustração geral. Mas fique à vontade para utilizar outros cortes.

Take 1 – Imagem de Saíra andando pela floresta. Geral.
Off: Conta a lenda que o cacique Cauré tinha uma filha de nome Saíra.

Take 2 – Plano detalhe dos passarinhos.
Off: Era tão bonita que os passarinhos a reverenciavam, vindo cantar à porta da oca quando ela acordava.

Take 3 – Plano detalhe das flores.
OFF:As flores, inebriadas com seu encanto, curvavam-se quando ela passava.

Take 3 – Plano médio de Saíra grávida.
OFF: Mas Saíra ficou grávida. Como se recusasse a dizer quem era o pai, o cacique a expulsou da tribo.

Take 4 – Geral do desenho do cacique expulsando a filha da tribo.
OFF: Ela deveria viver na floresta até que nascesse o fruto de seu ventre, que deveria ser morto.

Take 5 – Plano geral da ilustração de Mani nascendo.
OFF: Mas, quando nasceu uma menina de pele branca, olhos claros e cabelos da cor do milho, o cacique Cuaré se condoeu.

Take 6 – Plano detalhe da ilustração de Mani nascendo.
OFF : Deu a ela o nome de Mani e a levou para a tribo.

Take 7 – Close do cacique olhando para a menina.
OFF: Passava os dias a contemplá-la, inebriado com sua beleza.

Take 8 – Geral da ilustração de mani brincando e o cacique olhando.
Off: A indiazinha era pura formosura e todos da tribo se desmanchavam em dengos para com ela.

Take 9 – Close de Mani. BG: Música de suspense.
OFF: Mas Mani morreu. Inconsolável, o avô se recusou a cremá-la e a enterrou na frente da oca.

Take 10 – O cacique retirando a mandioca.
OFF: Naquele lugar nasceu uma planta repleta de folhas. Mas a planta morreu. Cauré, curioso, teve a idéia de arrancá-la. Aos pés da planta havia nascido uma raiz. Era a mandioca.

Cena 4 – Voltamos para a apresentadora.
Apresentadora: A mandioca passou a fazer parte de quase todos os pratos da culinária amapaense.
Apresentadora: Ralada e espremida no tipiti, ela nos dá o delicioso tucupi, segredo de pratos como o tacacá, o camarão no bafo e o pato no tucupi.

Cena 5 – Nesta cena teremos as imagens e os depoimentos de Dona Olívia.

Take 1 – Dona Olívia colocando a mandioca para ser ralada.
OFF: Dona Olívia conhece bem os segredos do tucupi.

Take 2 – geral do local em que Dona dona Olívia.
OFF: Moradora de São Francisco de Casa Grande, uma localidade a 14 quilômetros de Macapá, ela dedica sua vida à lida com a mandioca.

Take 3
Sonora da Dona Olívia falando que o pai ensinou e ela não aprendeu, mas a cunhada sim.

Take 4 – Temos alguma imagem de dona Olívia colhendo a mandioca? Se tivermos, entra aqui.
OFF: Quando chega a época de colher a mandioca, de janeiro a maio, é tempo de fazer o tucupi.

Take 5 – Dona Olívia preparando a mandioca para ser ralada.
OFF: A mandioca é descascada e lavada.

Take 6 – Dona Olívia ralando a mandioca.
OFF: O próximo passo é ralar num enorme ralador de madeira e metal. Houve tempo, quando a tecnologia ainda não havia chegado ao interior, em que se usava a língua do pirarucu para fazer esse serviço.

Take 7 – Dona Olívia colocando a massa no tipiti.
OFF: Depois de terminada essa fase, é hora de encher o tipiti com a massa de mandioca.

OFF: Quem vem de fora e vê esse instrumento feito de miriti não acredita que ele é capaz de compactar retirar todo o sumo da mandioca a ponto de deixar a massa completamente seca.

Take 8 – Dona Olívia colocando o peso no tipiti.
OFF: Basta que dona Olívia coloque um peso na base do tipiti para que saia dali um sumo amarelado e cheiroso.

Take 9 – Volta para a apresentadora. (se não, pode-se continuar mostrando imagem do tucupi sendo extraído do tipiti).
APRESENTADORA: O tipipi sintetiza a criatividade e engenhosidade do índio e do caboclo, que, usando o que a natureza lhe dava, soube inventar maneiras de tornar mais fácil a vida.

Take 10 – Dona Olívia recolhendo o tucupi.

OFF: No final, resta apenas uma massa seca, que, torrada, formará a farinha.

OFF: ,O tucupi vai para a panela.

Sonora da dona Olívia: O tucupi, nós deixa ele senta. Chega em casa, nós ferve...


Take 11 – Imagens da farinha e do tucupi.
OFF: Da folha da mandioca, faz-se a maniçoba. O sumo, espremido, forma o tucupi. E a massa, forma a farinha, base da alimentação regional.

Cena 6 – Volta para a apresentadora.

APRESENTADORA:

A sabedoria dos índios nos ensinou que da mandioca tudo se aproveita ... e que a vida pode ser muito mais gostosa, gostosa como um pato no tucupi...

No próximo bloco: Saiba como se faz o pato no tucupi.

Os super-heróis nacionais

 

Na década de 1960, o sucesso do terror nacional fez com que as editoras incentivassem seus colaboradores a investirem em novos gêneros. Desses, um dos de que tiveram mais sucesso foram os super-heróis. O estudioso Worney Almeida de Souza lista 34 super-heróis brasileiros surgidos antes dos anos 1970, sem contar os super-vilões e heróis não-mascarados.
Nosso primeiro grande super-herói foi o Capitão 7, no início dos anos 1960, baseado num seriado homônimo exibido pela TV Record, de autoria de Ayres Campos. O Capitão 7 é um menino do interior de São Paulo levado a um planeta distante, de onde volta com super-força, super-inteligência, capacidade de voar e um uniforme atômico. O personagem, cujo visual foi criado por Jayme Cortez, foi desenhado por Júlio Shimamoto, Juarez Odilon, Sérgio Lima e Getúlio Delfim e fez muito sucesso, durando muitos números, até por estar ancorado em uma atração televisiva. Chegou a existir até mesmo fantasias do personagem para a época de carnaval.
O sucesso do capitão 7 fez com que a Estrela, maior fábrica de brinquedos da época, encomendasse a criação do capitão estrela, em uma revista lançada pela continental (a mesma do concorrente), que acabou não fazendo sucesso.
O caminho aberto pelo capitão 7 foi explorado por outros artistas, que se aproveitaram do fato de muitos heróis ainda não serem conhecidos no Brasil. Exemplo disso é o Raio Negro, criado por Gedeone Malagola para a editora GEP. Gedeone tinha apresentado o Homem-lua (que depois seria aproveitado), mas como ele não parecia tão super-herói, os editores pediram que ele desse uma olhada no novo Lanterna Verde. Misturando os poderes do Lanterna com o uniforme do Ciclope dos X-men, surgiu o Raio Negro, um dos personagens de maior sucesso da época.
Um dos heróis mais interessantes surgidos no período foi o Golden Guitar, um herói criado para aproveitar o sucesso da jovem guarda. Os donos da editora Graúna queriam licenciar os personagens da série Archie para tentar captar o interesse do público jovem. Como não conseguiram, encomendaram para Macedo A. Torres um herói juvenil inspirado no movimento musical Jovem guarda. O resultado foi um herói psicodélico, que usava como arma uma guitarra, através da qual disparava dardos tranqüilizantes e outras maluquices. Além dos quadrinhos, o gibi trazia letras das músicas de Roberto Carlos, Erasmo e Wanderléa. Essa é atualmente uma das revistas mais raras do período e também uma das mais procuradas pelos fãs.
A estréia dos chamados heróis Shell (os personagens da Marvel foram lançados no Brasil numa campanha dessa rede de postos de gasolina) criou um grande interesse pelo gênero e fez com que surgissem vários gibis nacionais. Eugenio Colonnese criou Mylar, o homem mistério, para a editora Taika.
Outro herói de sucesso foi O Escorpião. Tratava-se de uma cópia descarada do fantasma, feita por Wilson Fernandes a pedido da editora Taika, em 1966. Como a revista começou a vender muito (os dois primeiros números esgotaram a tiragem de 50 mil exemplares), a editora ficou com medo da King features Syndicate, e pediu ao desenhista Rodolfo Zalla e ao roteirista Francisco de Assis que reformulassem o personagem. Assim, o escorpião tornou-se um defensor das selvas amazônicas e continuou sua carreira de sucesso.
Mas nenhum herói do período fez tanto sucesso quanto o Judoka, lançado pela Ebal com roteiros de Pedro Anísio e desenho de vários artistas. O personagem usava um collant com um quimono verde e branco, além de uma máscara. Seu mestre no judô era o sábio Minamoto. Além disso, ele contava com a ajuda de sua namorada Lúcia. A revista pegava a onda ufanista do período militar e exaltava as belezas do Brasil. Para isso, o personagem percorria diferentes pontos do país.
Os heróis brasileiros não resistiram aos anos 1970. uma das razões disso era a censura prévia. As revistas tinham de ser enviadas a Brasília, sendo analisadas por censores, que muitas vezes cortavam cenas, páginas, ou mandavam reformular histórias inteiras. Era mais fácil para as editoras importar quadrinhos americanos, até porque esses não costumavam despertar a atenção dos censores. Além disso, o endurecimento da ditadura e crise econômica foram acabando com o sentimento patriótico e ufanista dos leitores. A moda passou a ser achar bom o que vinha de fora, especialmente dos EUA. Com isso os super-heróis foram desaparecendo. Pior: começou a se achar que esse era um gênero que não podia ser trabalhado por brasileiros, pois tinha pouco a ver com a realidade nacional. De um lado os quadrinhos nacionais de super-heróis eram perseguidos pelos censores da ditadura. Por outro lado, eram perseguidos pelos intelectuais de esquerda, que achavam que eles eram colonialismo imperial norte-americano. 

Pedra no céu, de Isaac Asimov

 


Isaac Asimov nunca foi um cara de metáforas. Sua prosa sempre foi muito direta e as mensagens, explícitas, a exemplo do personagem da trilogia Fundação que diz: “A violência é último refúgio dos incompetentes”. Curiosamente, seu primeiro livro, Pedra no céu, é uma obra repleta de metáforas.
Na história um alfaiate norte-americano vivendo na década de 1950 é transportado para um futuro distante em que os humanos se espalharam por milhares de mundos e a Terra é um local radioativo graças a guerras atômicas (sim, o próprio autor, no final do livro, faz a ressalva de que na época que escreveu a obra, os próprios cientistas acreditavam seria possível existir vida em um planeta radioativo).
Nesse futuro, a Terra é desprezada pelos outros planetas do Império. O preconceito é tão grande que se acredita que é possível adquirir uma doença apenas pelo contato com um terrestre. Casamentos entre habitantes de outros planetas e terrestres são impensáveis.
Além disso, a expansão espacial aconteceu há tanto tempo que simplesmente esqueceram que a Terra é a origem da humanidade.
Nesse futuro distante, um arqueólogo famoso vem à Terra para fazer escavações e demonstrar que o planeta é a origem da raça humana. “O senhor está tentando nos dizer que esses desprezíveis homens da Terra representam uma raça antiga que pode ter sido, um dia, ancestral de toda a humanidade?”, indaga o representante do Império.
À essa altura, fica clara a metáfora: Pedra no céu é um livro sobre preconceito. Mais ainda, é uma referência direta à teoria evolucionista segundo a qual a humanidade surgiu na África e só então se espalhou por outros locais. A resistência à teoria do início da humanidade na Terra é uma analogia à resistência ao início da espécie humana na África e todas as questões de preconceito envolvidas.  
Para além da metáfora, Asimov constrói uma história no melhor estilo Asimov: o que começa como uma narrativa puramente científica vai se tornando pouco a pouco em triller quando se descobre um plano dos anciões terrestres (uma espécie de classe sacerdotal) que poderá exterminar grande parte da humanidade em outros planetas. No terceiro ato, o leitor já está totalmente envolvido e dificilmente largaria o livro.

Perry Rhodan – Os guardiões de Andrômeda

 


Uma coisa que não se pode reclamar é que falte ação no número 205 da série Perry Rhodan. O livro, escrito por H. G. Ewers, é tiro, porrada e explosões do início ao fim.

Na história, a nave Crest II se aproxima do planeta Quinta, onde se acredita que esteja o mecanismo que pode levar os terranos de volta para a Via Lactea (nos números anteriores, eles haviam sido, contra a vontade, transportados por um local desconhecido entre a Via Lactea e Andrômeda).

Claro que os senhores de Andrômeda tinham colocado uma quantidade enorme de robôs na segurança do planeta. Para piorar, eles enviam também uma nave no formato de lápis, tão poderosa que é capaz de destruir a nave dos pós-bis, a raça robótica.

O sistema que aciona a viagem através do espaço é protegido por uma cúpula temporal. Assim, quando Gucky, Icho Tolot, Geco e Sengu entram no local para tentar acionar o mecanismo, descobrem que estão em um tempo diferente do mesmo.



Então, o livro é uma corrida contra o tempo. Os terranos precisam decifrar o enigma de quinta e se transportarem antes de serem destruídos pela nave lápis.

É um enredo empolgante, mas carece daquilo que Clark Darlton e William Voltz sabem fazer tão bem: bom desenvolvimento de personagens. O Dull, que, segundo o resumo, é o responsável por abrir e fechar a concha do tempo, não é desenvolvido, embora o primeiro capítulo seja sobre ele. Mas no final, não sabemos praticamente nada sobre o personagem e tudo se perde no meio da ação desabalada.

Não é um livro ruim, mas prometia muito mais.

segunda-feira, dezembro 30, 2024

Revista Imaginário traz artigo sobre o programa Rádio Pop

 


 Já está disponível para baixar ou online a edição da revista Imaginário. Editado por Henrique Magalhães, Imaginário é a principal revista acadêmica brasileira sobre cultura pop.

Esta edição traz um artigo meu e da Cássia Lima sobre o programa Rádio Pop.
Para acessar a revista, clique aqui.

Taoismo: a eterna transformação

 


            O taoísmo é baseado num pequeno livro de 81 versos chamado Tao Te King. Conta-se que o autor seria um velho chamado Lao Tsé.  Lao Tse viveu a primeira metade de sua vida, em torno do século 6 a.C. na corte imperial chinesa trabalhando como historiador e bibliotecário. Um dia, ele abandonou a corte e retirou-se para floresta, onde passou a viver como eremita, estudando e meditando. Depois de algum tempo, resolveu cruzar a fronteira da China. O soldado que guardava a fronteira, imaginando que as autoridades não iriam gostar se ele deixasse ir embora um homem tão sábio, impôs uma condição para que o velho atravessasse a fronteira: antes disso, ele deveria escrever um livro que reunisse toda a sua filosofia. Lao Tse sentou-se, escreveu rapidamente o pequeno livro, entregou ao soldado e foi embora para nunca mais ser visto.
            Essa é apenas um das versões para o surgimento do Tao Te King. Hoje não se tem certeza nem mesmo de que Lao Tse tenha existido e muitos pesquisadores prefere creditar o livro à tradição oral.
            O livro surge em um período conturbado da história chinesa. Por volta do ano 1000 a 700 a.C., a China foi unificada sob o domínio da Dinastia Zhou. No século 7 a.C. o império Zhou entrou em decadência. As famílias aristocráticas que governavam os estados começaram a brigar pelo poder absorvendo os estados menores. Essa época conturbada foi chamada de “período dos reinos combatentes”.
            Nessa época surgiu uma nova classe de homens, os shi, formada por camponeses ambiciosos e membros falidos da aristocracia. Eles ocupavam o cargo de administradores e conselheiros dos estados.
            Embora a maioria dos shi se ocupasse apenas de questões práticas, outros eram idealistas e pretendiam reformular a vida política chinesa com ideais morais e espirituais. Esses homens normalmente se reuniam em torno de um mestre, como Confúcio, e tentavam convencer os governantes locais a seguirem suas políticas. Outros se afastavam do mundo para viver uma vida feliz e simples em bosques, onde apenas pescavam e meditavam.
            O Tao Te King é uma mistura das visões desses grupos e de outros. Pode ser lido como um manual para governantes ou como um livro puramente espiritual e contemplativo. Política, religião e filosofia se misturam em uma obra que, ao mesmo tempo é simples e complexa, permitindo várias interpretações.
            Na dinastia Han (151-41 a.C.) o Tao Te King foi adotado como um dos principais manuais da corte. Surgiu também a versão de que ele teria sido escrito por um rei, o Huang Di (Imperador Amarelo). No final desse período, o taoismo já era uma religião, com o Tao sendo considerado seu livro sagrado. A lenda de que Lao Tse teria deixado a China chegou mesmo a ser ampliada do modo que ele teria ido para a Índia, trocado de nome para Gautama e fundado o budismo. Aliás, ao entrar na China, o Budismo foi influenciado pelo taoísmo, dando origem ao Zen Budismo.

Tao
            O principal conceito do taoísmo é de Tao. Lao Tse diz que era impossível descrever o Tao de maneira racional: “O caminho que pode ser seguido não é o Caminho Perfeito. O nome que pode ser dito não é o Nome eterno. No principio está o que não tem nome”. Assim, o Tao deve ser conhecido de maneira direta e intuitivamente. Para isso é necessário manter a mente tranqüila e esquecer os pensamentos a respeito das coisas eternas.
            Para conseguir compreender o Tao também é necessário ir além da dualidade. Nós achamos alguém belo e, por conseguinte, achamos outras pessoas feias. Ao concebermos o bem, criamos o mal. O Tao pretende ir além da ilusão da dualidade, vendo além dos pares opostos.

Eterna mudança
            Para os taoistas, a realidade é vista como um fluxo contínuo de mudanças. A essência de todas as coisas é justamente o fato de que elas estão em constante transformação.
            Os taoistas acreditavam que não só a mudança era parte essencial da vida, como era possível entender como ela acontecia harmonizando-se com a natureza e seu fluxo.
            Assim, o Tao é caracterizado como uma mudança cíclica. Dessa forma, afastar-se significa retornar. Se alguém andar ininterruptamente para oeste, acabará chegando a leste. Quando uma situação atinge seu ponto extremo, é compelida a voltar e se tornar seu oposto. Essa crença dá aos taoistas coragem e perseverança nos períodos de dificuldade cautela nos períodos de sucesso. Eles seguem uma doutrina de meio-termo evitando o excesso e o exagero, pois sabem que uma atitude extrema gera seu oposto.

Simplicidade
            Lao Tsé achava que o modo correto de viver era através da simplicidade e da sintonia com o Tao. Adaptação e humildade são virtudes vista como essenciais para os líderes, pois aquele que se intromete com violência no curso natural das coisas prejudica a si mesmo, a sociedade e causa o caos. O bom governo é aquele que menos se intromete na sociedade, deixando que ela cumpra seu curso natural: “Quanto mais leis e mandamentos existirem, mais bandidos e ladrões haverá”.
            As pessoas em posição de comando tendem a se achar melhor do que outras. Contrariando isso, o Tao Te King diz que o homem sábio não tenta se mostrar acima das outras pessoas. Constantemente, pessoas que falam demais são as menos sábias. Muitas pessoas ricas parecem não ter nada. Já por outro lado, pessoas enfeitadas de jóias e com roupas de marca muitas vezes moram em uma casa na favela.
            Da mesma forma, muitos acreditam que pessoas em alta posição devem estar em constante atividade, o que as deixa estressadas e impossibilita ver os fatos com ponderação. Como resposta, o taoísmo aconselha exercícios meditativos que conservam a energia e produzem um estado de quietude e equilíbrio.

I-ching
            As mudanças constantes do universo são representadas nas figuras do Yin Yang. Yang representa a força masculina do universo, violenta, criadora. Yin é a força feminina, receptiva, flexível. Yin é a intuitiva, meditativa e complexa. Yang é racional, criativo e ativo.
            Na filosofia taoista, Yin e Yang são elementos do mesmo processo.  Quando um chega ao seu auge, engendra o outro. Ser sábio é combinar esses dois pólos, harmonizando Yin e Yang.
O estudo do ciclo de Yin Yang, embora seja muito influenciado pelas ideias taoistas, é comum a toda a cultura chinesa e já existia em um livro ancestral, o I-ching.
            A mais antiga forma de adivinhação chinesa era a leitura de sinais nos ossos de bois, surgidos depois que eram expostos ao fogo. Daí foi criada a adivinhação em cascas de tartaruga. Na dinastia Shang, o oráculo era consultado com o uso de varetas. O sábio jogava as varetas e determinava se a linha era inteira ou cortada. Depois de jogar seis vezes, formava-se o hexagrama e era possível interpretar seu significado.
            Em torno do ano 1150 a.C., o imperador Shang Chou Hsin mandou prender o governador da província de Chou, o rei Wen. Na prisão, ele elaborou os julgamentos dos hexagramas. Posteriormente, seu filho tomou o poder, tornando-se imperador e, descobrindo o trabalho do pai, resolveu ampliá-lo, escrevendo os comentários às linhas mutáveis. Posteriormente, o oráculo foi enriquecido com comentários atribuídos a Confúcio e seus discípulos. 
            O I-ching não é um livro de adivinhações, pois ele não prevê o futuro, mas estabelece o estado em que as coisas estão, analisando a mudança e a relação entre as forças Yin e Yang.
            Por exemplo, no primeiro hexagrama, todas as linhas são inteiras. A imagem formada representa uma situação apenas de linhas fortes Yang, que significam força, criatividade e liderança, razão pela qual esse hexagrama é normalmente chamado de O criativo. O julgamento diz que as forças do céu impelem o homem e o ajudam a iniciar ou levar adiante um empreendimento. O comentário diz que “as forças da natureza favorecem tudo aquilo que se inicia”.
            O hexagrama oposto, chamado de O receptivo, é formado apenas por linhas cortadas, representando Yin, a passividade, a dedicação e concórdia, a diplomacia, a perseverança e a paz. O julgamento diz que o sucesso está garantido se a pessoa que consulta o oráculo colaborar e se deixar conduzir, mantendo-se sempre flexível e disponível. O comentário diz que “Ser receptivo é muito importante, pois todos os seres lhe devem o nascimento. Como a Terra, cuja função é receber a semente que depois darão os frutos, também obterá muitos benefícios aquele que souber tolerar e compreender as pessoas e as situações”.
Rituais
            No taoísmo religioso, um dos principais rituais é o de iniciação. Ele é usado para introduzir aqueles que estão interessados em tomar o taoísmo como seu caminho espiritual. A cerimônia pode ser bem simples ou mais elaborada, mas tanto em um caso como outro, são estabelecidos compromissos entre mestre e discípulo. Os iniciantes passam a receber proteção dos mestres taoístas. Os iniciados também podem participar, de modo que são renovadas as bênçãos dos mestres.
            No ritual de purificação são feitos pedidos de desenvolvimento espiritual. No ritual de oferenda são realizadas oferendas de frutas, flores, incenso, velas e alimentos para as divindades como forma de agradecimento e devoção. As oferendas representam desprendimento das coisas materiais e dedicação ao caminho de transformação espiritual. Através delas, Yin e Yang são fundidos, criando um estado de unidade no praticante.
            Cada oferenda tem um significado. O incenso simboliza a transcendência e dissolução do ego, correspondendo ao conceito de Wu Wei (ação não-intencional). As flores simbolizam a vida e correspondem ao conceito de Dzé Zan (natureza e naturalidade). As frutas simbolizam o desapego e desprendimento em relação aos valores materiais. A água e o chá representam a purificação e a remoção dos apegos, correspondendo ao conceito Chin Jin (Transparência e Pureza). Finalmente, as velas simbolizam o encontro de nossa Consciência com a Consciência Sagrada, correspondendo ao conceito Suen Hua (Transformação Natural).
            Nos templos taoístas também são feitos rituais de casamento, benção de crianças e ritos fúnebres.

O TEI-GI
            O  Tei-Gi, também conhecido como Yin Yang, é um famoso ícone popular. Mas poucos sabem o que significa. Seu desenho, na verdade, é uma interpretação icônica dos princípios do taoísmo. A figura é formada por duas partes, uma preta e outra branca. São os pares opostos, o Yin e o Yang: o masculino e feminino, o feio e o belo, o bom e o mal.
            As figuras formam uma espécie de onda, como se fosse a água se movimentando. Isso simboliza a eterna mudança, base de toda a criação. Então, os pares opostos não estão estaques, mas em movimento. Uma mulher que hoje é bela amanhã pode se tornar feia. O que hoje é bem, pode ser o mal. Assim, no auge da parte branca, temos um pequeno círculo preto, demonstrando que o auge de um estágio é o começo do estágio seguinte. O auge do sucesso marca o início da decadência, etc.
            Dessa forma, os pares opostos não são absolutos: o belo traz em si também o feio. O feio traz em si o belo. A imagem permite ver os pares opostos em uma perspectiva global e é o que faz o taoísta, indo além deles. Assim, para o taoísta, vitória e derrota são apenas dois lados da mesma moeda e não se deve apegar a nenhum deles, pois seria estar parado em um mundo de eterno movimento. 

Pequeno pirata

 

Uma das lendas mais famosas – e mais exploradas – do mundo é a do navio fantasma, com seus piratas incapazes de morrer vagando pelo mundo e cometendo atrocidades. O autor francês David B., no entanto, apresenta uma visão diferenciada sobre esse tema tão explorado. Na história, os piratas encontram, perdido no mar, um bebê e resolvem criá-lo, o que muda completamente toda a rotina do navio e revela um lado sentimental inesperado nos bucaneiros. David B tem um estilo alternativo, com traços simples e muitas sombras, mas repleto de detalhes que encaixa muito bem na trama adaptada de um livro de Pierre Mac orlan. As sequências iniciais, com os piratas, reduzidos a esqueletos, mas incapazes de morrer, tentando sobreviver a uma rotina entediante e fazendo tentativas de alcançar a morte são uma atração a parte. Nada adianta. Recifes se afastam deles, monstros não conseguem pegá-los por causa de ondas gigantes e navios modernos simplesmente explodem antes de destruí-los. O que resta de diversão é invadir navios e roubar tesouros, que depois são simplesmente abandonados no fundo do mar.

As fronteiras da ficção-científica

 


O livro Os melhores contos brasileiros de ficção científica (Devir) foi uma das publicações de gênero mais comentadas do ano de 2007. Uma das questões polêmicas foi a inclusão do conto “O imortal”, de Machado de Assis, na coletânea. Segundo alguns críticos, o texto estava deslocado, já que não se tratava de FC. A polêmica levou o organizador, Roberto de Souza Causo, a produzir mais uma publicação, focada exatamente em textos que testam as fronteiras do gênero.
A discussão sobre o “O imortal”, inclusive ocupa a maior parte da introdução. “A ousadia não pretendia, porém, afirmar Machado como autor de FC propriamente dita, mas com um escritor que, à parte suas tendências principais, teve contato com ideias, estilos e temas que iam além”. Causo contesta também os que argumentaram que o texto de Machado era fantasia, e não FC, denunciando uma espécie de elitismo: “Se O Imortal é um conto fantástico, mantém-se a aura literária de prestígio; porém, se é um conto de ficção científica, supostamente há um enfraquecimento dessa aura”.
A discussão sobre a relevância literária da FC parece ultrapassada em vista dos grandes escritores que já se dedicaram ao tema, de Edgar Alan Poe a Ray Bradbury, passando por Monteiro Lobato e Isaac Asimov. Mas a discussão sobre as fronteiras do gênero é rica e pertinente.  Causo argumenta que “a ficção científica é ampla o bastante para incorporar características de outros gêneros, sem necessariamente deixar de ser FC”.
Os melhores contos brasileiros de ficção científica – fronteiras (2009, 186 p.) foi organizado justamente para provar essa tese. São 14 textos tanto de autores tradicionalmente ligados à FC, como Bráulio Tavares quanto de outros inesperados, como Lima Barreto.
Aliás, Lima Barreto abre o volume, com “A nova Califórnia”. No conto, um químico de renome internacional se estabelece na pequena cidade de Tubiacanga e se esmera em conseguir alcançar o objetivo da alquimia: a produção de ouro. Sua pesquisa irá colocar a cidade em polvorosa Trata-se de uma fábula sobre a ganância humana. Embora não seja uma FC clássica, o conto traz um dos temas prediletos desse gênero: o estudo do impacto da ciência sobre o comportamento das pessoas. Ademais, a prosa deliciosa de Barreto já vale a leitura.
Outra alegoria que se destaca no livro é “A vingança de Mendelejeff”,  de Berilo Neves, o primeiro escritor brasileiro a se dedicar sistematicamente à FC, com ênfase na sátira social. O conto dialoga com os pulp fiction ao mostrar o vilão como um cientista ensandecido que inventa uma máquina capaz de tirar o oxigênio do ar. Embora tenha um ar “pulp”, a história vai além ao fazer referência à corrente determinística segundo o qual somos vítimas de nossos impulsos.
Outro pioneiro da FC brasileira que se destaca é Afonso Schmidt, autor de “Delírio”. Muito popular em sua época, Schimidt flertava com o espiritismo e a teosofia, uma relação que se reflete no conto escolhido para a coletânea. Em “Delírio”, três homens estão morrendo em um hospital. A história que começa no plano físico, termina no plano espiritual. A prosa poética vai muito além do comum em histórias em ficção científica e parece uma antecipação do estilo Bradbury. Sem dúvida um dos grandes momentos do livro.
Outro clássico da FC nacional, André Carneiro, comparece na coletânea com o conto “O homem que hipnotizava”. Por suas características, a ficção científica é perfeita para textos que queiram trabalhar os limites da realidade. Várias obras tratam do assunto, entre elas os filmes da série Matrix. O conto de Carneiro segue essa linha e não decepciona. No final, o leitor se pergunta que realidade é mais concreta: a dos objetos físicos ou a mental, uma questão que já é levantada por cientistas como o chileno Humberto Maturana.
Entre os clássicos, o de maior destaque sem dúvida é Jerônymo Monteiro. Pioneiro da ficção de gênero no Brasil, Monteiro passou pela radionovela e pela ficção policial. Quando, na década de 1990, a revista Isaac Assimov Magazine resolveu criar um concurso de contos de ficção científica, o nome óbvio para o prêmio foi o de Jerônymo. Só pelas credenciais, esse autor já merecia presença obrigatória no volume, mas o conto “Um braço na quarta dimensão”, publicado originalmente no único de livro de contos do autor, “Tangentes da realidade”, de 1969, é leitura deliciosa e intrigante. Escrito de forma coloquial e sem artificialismos, parece que estamos ouvindo o narrador contar um caso real de um homem dotado de um poder que acaba se revelando uma maldição.
Fugindo do estilo mais característico da FC, Marien Calixte fez um conto poético em “O visitante” que mistura discos voadores com erotismo num resultado interessante e poético. Roberto Causo, na apresentação do autor, aponta que ele tem “ele tem uma das prosas mais elegantes dentro os nossos escritores de ficção científica”, o que é ratificado por “O visitante”.
Jorge Luiz Calife e Bráulio Tavares, dois dos mais badalados autores de FC do Brasil colaboram com os melhores contos do livro. Em “Uma semana na vida de Fernando Alonso Filho”, Calife mostra as atribulações de um brasileiro em Vênus enquanto o planeta é transformado em uma nova Terra, para recebimento de colonos. Adepto da FC hard, o autor usa o conhecimento científico atual para compor o cenário de sua história. O plano de terraformização, inclusive é chamado de Projeto de Sagan, em homenagem ao famoso astrônomo e divulgador científico. Mas o texto vai além da questão puramente científica, adentrando no impacto psicológico que condições extremas provocam no protagonista.
Braulio Tavares, autor, entre outros livros importantes, do volume Ficção científica da coleção Primeiros Passos, mostra uma realidade em que o ser humano alcançou o espaço, mas apenas para entrar em uma guerra perpétua com outra raça. O texto “Mestre-de-armas” lembra “O Jogo do exterminador”, de Orson Scott Card, na visão crua da guerra.
No geral, os contos da coletânea foram muito bem escolhidos e dão uma visão abrangente da FC nacional em suas várias fronteiras. Um livro que interessa aos fãs e não fãs. 

A saga da Viúva Negra

 

A Viúva Negra é uma das personagens mais populares da Marvel no cinema. Entretanto, nos quadrinhos poucas vezes ela ganhou protagonismo. Uma dessas poucas vezes foi uma ótima minissérie em quatro partes publicada na revista Marvel Fanfare no ano de 1982.

A história reunia uma dupla realmente impressionante. O roteiro era de Ralph Macchio, um cara especializado em histórias de ação que, inclusive, escreveu algumas das primeiras histórias o Justiceiro. Os desenhos ficaram a cargo do mestre George Perez, cuja arte estava em plena ascenção rumo ao deslumbre que seria seu trabalho mais conhecido, Crise nas infinitas terras.
Na HQ, a heroína é chamada para investigar o desaparecimento do cientista Ivan Petrovich, o homem que a criou. Tudo leva a crer que ele desertou para a União Soviética, mas as reviravoltas do roteiro irão mostrar uma trama muito mais complexa.
A primeira história, embora bastante forçada, dava o tom da série: uma equipe da Shield ataca Natasha quando ela está tomando banho enquanto Nick Fury conta a história da personagem para algum leitor desavisado que comprou a revista sem saber quem é a Viúva Negra.
Eu realmente gostaria de saber qual a necessidade de atacar uma espiã extremamente perigosa que é uma possível aliada, colocando em risco sua vida e principalmente dos outros agentes só para testar suas qualidades– mas vamos admitir que a Shield tem métodos bem estranhos de recrutamento.

Para quem não sabe, Natasha Romanov era uma espião russa encarregada de sabotar as indústrias Stark e roubar segredos industriais. Mas como Stan Lee recebeu muitas cartas elogiando a personagem, resolveu transformá-la em heroína. Nas primeiras histórias ela usava um modelito nada discreto para uma espiã: um maiô preto, meias arrastão, capa azul e uma máscara. Só depois surgiu o modelito preto minimalista (apenas com os braceletes e um cinto) que ela usa nessa história.
Como dito, a Viúva Negra é atacada numa empolgante sequência de ação – mérito principalmente para a narrativa visual de George Perez. Quando ela surge pela primeira vez, em uma belíssima splash page com o uniforme, os cabelos vermelhos molhados, segurando uma arma com uma mão e um soldado com a outra – os leitores certamente perceberam que aquela série marcaria época.
A heroina enfrenta um grupo de vilões, cada um especializado em um tipo de arma. 


No segundo número, a espião se depara com um grupo de seis inimigos, cada um especializado em um tipo de combate – há desde um lutador de sumô a uma vaqueira que maneja uma laço. Além de uma sétima, supostamente a mais perigosa, serpente negra. Cada capítulo termina com uma splash page, com a heroína derrotada, criando um gancho de suspense para o capítulo seguinte.
As cenas de ação eram o ponto alto da série. 


Tirando os exageros e clichês, era uma ótima história, que prendia o leitor. Uma pena que a Marvel não tenha tido a ideia de criar uma revista para a personagem com essa equipe criativa.
Aqui no Brasil essa história foi publicada em Superaventuras Marvel 29, 30, 31 e 32.