sexta-feira, dezembro 31, 2021

O uivo da górgona

 


Um som se espalha pela cidade (ou pelo estado, ou pelo país, ou pelo mundo?). Um som que ouvido transforma as pessoas em seres irracionais cujo único o objetivo são os instintos básicos de violência e fome. É o uivo da Górgona.
Acompanhe a história dos sobreviventes neste livro de terror, uma história de zumbis diferente, em que qualquer um pode se transformar, bastando para isso ouvir o terrível uivo da górgona.
Escrito em capítulos curtos, o livro transforma o suspense em elemento de fantasia, prendendo o leitor da primeira à última página. 
Pedidos: profivancarlo@gmail.com. 

Os herdeiros da caverna

 

Eu me lembro perfeitamente da primeira vez que vi um fã do Fantasma. Claro, eu já conhecia o personagem, e já tinha lido alguma coisa por alto, mas não imaginava toda a mitologia que havia por trás do personagem. E nem de longe podia imaginar a razão de tanto sucesso. Foi naquele dia que, pela primeira vez prestei atenção ao espírito-que-anda e foi naquele dia que tive o insight sobre a razão de seu sucesso.
O dito colecionador era um jovem senhor, na casa dos vinte e poucos anos, já graduado e na época cursando mestrado. Mas naquele dia, limpando e organizando suas revistas, ele parecia uma criança inebriada com um brinquedo novo. Ele sabia de cor tudo sobre o personagem, seus artistas e histórias e inebriava-se contando como o Fantasma havia derrotado os terríveis japoneses em plena II Grande Guerra.
Mais tarde, quando o pai dele chegou, os dois ingressaram juntos na fantasia que incluía Capeto, a caverna da caveira, os pigmeus e tudo o mais. Olhando dois eu percebi o que havia de tão interessante naquela história em quadrinhos: O Fantasma é uma história sobre herança. Sobre pais e filhos, sábios e discípulos. Não é por acaso que tantos pais legam a leitura desses gibis aos seus filhos. Temas como esse sempre calam fundo por falarem dos mitos mais ancestrais.
Não é de estranhar que esse seja o tema da tira. O criador do personagem, o escritor norte-americano Lee Falk, sempre teve um olhar paternal para com suas criações. Tanto que uma única vez o Fantasma fugiu de seu controle: quando foi publicado no Brasil e os editores, sem referencial de cores, trocaram o roxo original pelo vermelho, mais fácil de imprimir.
Lee Falk nasceu em 12 de abril de 1911, na cidade de St. Louis, Missouri. O primeiro personagem imaginado por ele foi o mágico Mandrake, criado aos 19 anos e fruto do fascínio do escritor pelos mágicos e ilusionistas.
Algum tempo depois, ele desenhou algumas tiras do personagem e aproveitou uma viagem que fez com seu pai para Nova York e passou nos escritórios da King Features Sindicate. Passou o dia mofando na ante-sala do chefão da KFS, Joe Conolly, mas quando este viu o material, decidiu-se imediatamente pela história. Era uma época de mudança, em que as antigas tiras cômicas estavam sendo abandonadas pelo público em favor de histórias de aventuras, que os levassem a viajar por mundos imaginários e esquecer as agruras da depressão norte-americana e as histórias do mágico se encaixavam nesse perfil.
Pouco seguro de seus dotes artísticos, Falk encarregou um colega, o desenhista publicitário, Phil Davis, de ilustrar o personagem. Mandrake estreou em 11 de junho de 1934, quando o escritor tinha apenas 23 anos. E foi um sucesso.
Lee Falk tornava-se não só um autor de sucesso, como também o primeiro roteirista de quadrinhos. Antes dele havia outras pessoas que se encarregavam da parte textual, como o criador do romance policial Dashiell Hammett, que assinava o Agente Secreto X9, mas faziam isso como se estivessem envergonhados de se envolverem com algo tão trivial. Falk, ao contrário, assumia seu amor pelo que fazia, o que provavelmente é uma das razões da verdadeira idolatria dos fãs por ele.
O nome do mágico era inspirado na planta mandrágora, usada como medicamento há séculos. Junto com ele, surgia seu fiel escudeiro, Lothar, um negro vestido de maneira exótica. Pouco tempo depois surgiu Narda, uma princesa do reino de Cockaigne que tinha uma curiosa característica: a ausência de umbigo. Inicialmente pensou-se que fosse falha de Phil Davis, mas a conforme a história avançava e o umbigo não aparecia, muitos estudiosos começaram a cogitar que Narda seria apenas mais uma ilusão do mestre das artes mágicas... uma antecipação talvez de temas como os que foram explorados em Matrix.
A história do umbigo demonstra a mitologia que se formou não só em torno da obra, mas também da vida do criador Lee Falk. Na época em que criou seu primeiro personagem, os relações públicas da KFS pediram dele uma biografia para ser apresentada aos jornais. Falk escreveu que era um aventureiro que, em suas viagens pelo mundo, encontrara diversos magos e se inspirara neles para criar Mandrake. Tudo balela, claro, mas convenceu.
Dois anos depois, Falk teve uma idéia para seu segundo personagem e a apresentou à KFS, que comprou de imediato o projeto. Para desenhar, foi chamado o assistente de Davis, Ray Moore, que deu ao personagem um traço elegante e misterioso.
A primeira história mostrava a saga de um lorde inglês, Kit Walker, único sobrevivente de um ataque pirata que jura devotar sua vida à destruição da pirataria, ganância, crueldade e injustiça. E não só isso: também seus filhos e os filhos de seus filhos seguiriam seu caminho. Assim que morria um fantasma, seu filho assumia seu lugar no combate ao mal. Para evitar que os malfeitores percebessem a troca, o herói usava uma máscara, dando a entender que o personagem era imortal.
A idéia inicial era mostrar o personagem como uma espécie de playboy que combatia o crime à noite, assustando malfeitores, um conceito muito próximo de personagens clássicos da literatura, como Zorro ou o Pimpinela Escarlate e certamente uma antecipação de Batman. Mas com o tempo, Falk foi se distanciando dessa idéia e, ao deslocar a ação para o mítico país de Bangala construiu toda a mitologia do personagem.
Falk, fã de Rudyard Kipling, cria a tribo de pigmeus bandar, inspirados na tribo de macacos homônimos de O Livro da Selva. Surgem as crônicas do Fantasma, os anéis, um para amigos, outro para inimigos, a Ilha do Éden, onde leões e tigres convivem harmonicamente com zebras e girafas. Surgem a cabana de Jade, onde os Fantasmas passam sua lua-de-mel, as Montanhas Misteriosas, a plataforma Walker, base de operações do Fantasma na América... a cada nova aventura um novo detalhe é acrescentado.
É essa mitologia que vai fazer com que o Fantasma torne-se eterno e angarie mais fãs que seu irmão mais velho, o Mandrake. A herança passada de pai para filho inclui os diversos itens que foram se acumulando ao longo do tempo e qual era a criança que não sonharia ganhar tudo isso de seu pai? De certa forma, é como se o leitor fosse o XXII Fantasma, lendo as crônicas de seu antecessor e preparando-se para entrar em ação e enfrentar o mal. E quando um pai lega ao filho a velha coleção de revistas do Fantasma, vai com ela todo o resto da mitologia.
Lee Falk podia não saber, mas estava construindo uma das grandes mitologias do século XX, um personagem que, mesmo diante de concorrentes mais modernos, terá seu lugar.
Nos anos 70 o Fantasma migrou para a literatura, numa série de livros publicados pela Avon Books e escritos pelo próprio Lee Falk. Também foi na década de 70 que o escritor ganhou o reconhecimento internacional com o prêmio Yellow Kid recebido em Luca, em 1971.
Aliás, Falk, embora fizesse questão de ser conhecido como escritor de quadrinhos, era também um teatrólogo de sucesso, tendo trabalhado com artistas como Marlon Brando e Charlton Heston.
Falk morreu em 13 de março de 1999. Até os últimos dias ele escreveu as tiras de Mandrake e Fantasma. Um pai preocupado até o último momento com seus dois filhos diletos e com seus milhões de filhos adotivos, leitores ávidos por mais e mais aventuras de seus heróis favoritos.

Ps: este texto foi publicado na edição especial sobre o Fantasma lançado pela editora Opera Graphica em homenagem aos 60 anos do personagem.

A volta do blog

 

Este blog, assim como a maioria dos blogs, viveu uma grande popularidade até o ano de 2013, quando nem todo mundo tinha perfil no Facebook. O surgimento dessa rede social tirou o público dos blogs e o meu não foi excesção. Antes eu fazia uma postagem por dia e conseguia fácil mil leitores, sem divulgação nenhuma. Na verdade, em alguns dias eu nem mesmo fazia postagens e em outros fazia um post de um parágrafo. Messmo assim conseguia uma boa audiência, principalmente graças às pessoas que se inscreviam e recebiam os avisos das postagens por e-mail. O auge disso foi no mês de agosto , quando consegui 91 mil acessos. 

Com o tempo, no entanto, até eu fui deixando o blog de lado para me dedicar mais à minha página no Facebook. 

Mas as restrições do Facebook para forçar os usuários a patrocinarem postagens fez com que eu voltasse ao blog (alguns amigos também fizeram o mesmo). Agora com uma nova abordagem, com postagens diárias e divulgação tanto no Twitter  quanto no Face. 

E o resultado parece indicar que o blog voltou a ter popularidade. Ano passado eu comemorava o fato dos acessos terem atingido 40 mil acessos no mês de dezembro. 



Parecia um número ótimo, mas não era nada comparado ao que viria a seguir. Em dezembro de 2021 ultrapassamos a marca dos 200 mil acessos mensais. Em janeiro já devemos alcançar a marca de 250 mil acessos mensais.  

São ótimos números para um blog que completou 18 anos em 2021  e que não usa clibait. 

A teoria hipodérmica da mídia

 


A teoria hipodérmica surgiu no início do século XX, com forte influência da psicologia comportamental. Foi a primeira tentativa de explicar os efeitos dos Meios de Comunicação de Massa sobre a sociedade.
Amparada nos exemplos do uso da propaganda por regimes totalitários e pelo pânico provocado pela transmissão radiofônica do romance A Guerra dos Mundos, de H.G. Wells, dirigida por Orson Welles, esse modelo comunicacional via a mídia como uma agulha que injetava seus conteúdos no receptor sem qualquer tipo de barreira, criando um estímulo que provocava uma resposta imediata e positiva por parte dos receptores, vistos como atomizados e idiotizados.
Sua influência sobre os estudos a respeito da comunicação massiva foi enorme, o que alimentou a imaginação popular com a ideia de que a mídia tem um poder absoluto sobre sua audiência.
A teoria hipodérmica (ou da bala mágica, como também é conhecida) influenciou até mesmo um subgênero da ficção-científica, as distopias. Em obras como 1984, de George Orwell, Fahrenheit 451, de Ray Bradbury, e Admirável mundo novo, de Adous Huxley, a televisão, o cinema e outras mídias são usados para massificar e idiotizar os indivíduos, tirando-lhes a capacidade crítica.
Na experiência de Pavlov, o cachorro passa a salivar mesmo sem a comida, apenas com o estímulo sonoro.

                A teoria utilizava o esquema estímulo – resposta da psicologia behavorista. A experiência de Pavlov com um cachorro seria a base da análise dos fenômenos midiáticos.
Pavlov observou que o animal salivava toda vez que lhe era apresentada a comida, um ato instintivo do organismo, preparatório para a digestão. Assim, toda vez que ia alimentar o animal, o cientista tocava uma sineta. Por fim, tocava apenas a sineta. Mesmo não havendo comida, o cão respondia ao estímulo (som da sineta) com uma resposta (salivando).
Por analogia, esse esquema foi utilizado no campo da comunicação de modo que as mensagens enviadas pela mídia seriam o estímulo que levaria uma resposta certa e imediata por parte dos receptores, vistos como atomizados, acríticos e condicionados.
Na perspectiva hipodérmica os efeitos são dados como certos, inevitáveis e instantâneos. Se uma pessoa é apanhada pela propaganda, passa a ser controlada e manipulada, leva a agir.
Os estudiosos viam os indivíduos como átomos isolados, com pouca influência dos grupos sociais e altamente manipulados pela mídia. Nessa perspectiva, seriam impensável respostas individuais ou que discordassem do estímulo midiático.
O nome, inclusive, refere-se à agulha usada para injetar medicamentos abaixo da pele do paciente, assegurando assim um resultado imediato. De fato, a agulha hipodérmica, é a usada por médicos em hospitais para injetarem medicamentos nos pacientes (hipo é abaixo e derme é pele), assegurando uma resposta mais rápida do paciente à medicação. Assima mídia é vista como uma agulha, que injeta seus conteúdos diretamente no cérebro dos receptores, sem nenhum tipo de barreira ou obstáculo.
Nessa percepção, o processo de comunicação é totalmente assimétrico, com um emissor ativo, que produz o estímulo e os destinatários são vistos como uma massa passiva à qual só resta obedecer ao estímulo. Os papeis emissor – receptor surgem isolados de qualquer contexto social ou cultural. 
                Pelo menos dois fatos contribuíram para a popularidade dessa teoria entre os intelectuais da primeira metade do século XX: o uso da propaganda por regimes totalitários e o pânico Guerra dos Mundos.
O pânico guerra dos mundos ajudou a popularizar a teoria hipodérmica.

Na noite do dia 30 de outubro de 1938, rádio CBS (Columbia Broadcasting System) interrompeu sua programação musical para noticiar uma invasão extraterrestre iniciada na cidade de Grover´s Mill, no estado de New Jersey.
O programa era, na verdade, uma adaptação do livro A guerra dos mundos, de H. G. Wells. O diretor, Orson Welles, organizou a adaptação como uma grande cobertura jornalística com reportagens externas, entrevistas com testemunhas, opiniões de peritos e autoridades, efeitos sonoros, sons ambientes, gritos e repórteres emocionados.
Muitas pessoas ligaram o rádio no meio da programação e acharam que estavam de fato diante de uma invasão extraterrestre. Os serviços telefônicos ficaram congestionados. Nas grandes cidades houve engarrafamentos devido às pessoas que tentavam fugir dos alienígenas.
O medo paralisou três cidades.  Houve pânico principalmente em localidades próximas a Nova Jersey. Além disso, houve fuga em massa e desespero em cidades como Nova York.
Na cidade mais próxima do suposto local da batalha, Newsmark, 50 mil pessoas fugram de suas casas, procurando abrigo na floresta. Pessoas se jogavam das janelas dos prédios. Outras saíam de casa atirando.
                O pânico total, provocado por um fato criado pela mídia convenceu pesquisadores de que esta tinha um poder absoluto sobre sua audiência. A audiência passou a ser vista como uma massa amorfa, que apenas respondia, passivamente, os estímulos dos meios de comunicação.
Outro fato fundamental para a popularidade da teoria hipodérmica  foi a maneira como os regimes totalitários utilizaram os meios de comunicação para manipular a população.
O nazismo, por exemplo, usou amplamente o cinema, o rádio e os jornais como veículos de doutrinação. Até mesmo os encontros do partido eram organizados no sentido de intensificar o sentimento de massa.
Goebbels, ministro da propaganda de Hitler, afirmava que o cinema era um dos meios mais modernos e científicos de influenciar as massas. Dava tal importância ao mesmo que as filmagens continuaram até quando os russos já estavam às portas de Berlin, pois acreditava-se que a única forma de reverter a derrota era através da propaganda.
Filmes como O judeu Suss ampliaram o sentimento anti-semita entre os alemães.

O princípio básico de  Goebbels era unir propaganda e diversão de modo que o receptor não conseguisse diferenciar um do outro. O filme Os Rothschild (dirigido por Erich Waschmeck, 1940), por exemplo, conta como uma família de judeus ingleses enriquece graças às guerras napoleônicas. O judeu Suss (1940) mostrava um ministro das finanças ambicioso e libidinoso que se apaixona por uma moça ariana e faz de tudo para separá-la de seu amado, igualmente ariano. O filme, um enorme sucesso na época, era exibido no leste europeu, para soldados responsáveis pelo fuzilamento de judeus e para guardas de campos de concentração. O diretor, Veit Varlan, chegou a ser processado pelo Tribunal Estadual de Hamburgo por crime contra a humanidade.
Um dos clássicos da propaganda nazista é O triunfo da vontade, filme de Leni Riefenstahl sobre o congresso nazista de 1936. Em uma das cenas mais emblemáticas, o avião que traz Hitler plana sobre as nuvens, que se abrem enquanto ele desce sobre a cidade, como se o líder estivesse trazendo o sol para a Alemanha.
Filmes como esse tiveram importância fundamental na sustentação do regime nazista alemão.
                Embora seja um dos paradigmas mais difundidas na área de comunicação e também a que mais influência teve, a teoria hipodérmica é também a mais criticada.
Dentro da própria corrente funcionalista (Laswell, criador do da teoria hipodérmica, era funcionalista) surgiram pesquisas que colocariam em questão o princípio mecanicista de efeito direto e indiferenciado. Lazzarsfeld, por exemplo, descobriu que líderes de grupos primários poderiam até mesmo modificar o significado da propaganda, fazendo-a se virar contra os emissores.
Esses líderes de opinião influenciam o pensamento de sua comunidade e relativizariam o poder dos meios de comunicação.
                Mesmo a mídia traz os mais diversos tipos de estímulos, muitos contraditórios, como as campanhas contra o consumo de álcool por motoristas e as propagandas de cerveja. 
A campanha da antarctica chocou-se com o sentimento religioso da população.

                Existem também fatores externos, culturais, sociais e religiosos, que influenciam o consumidor, enviando estímulos diversos daqueles veiculados na mídia. Exemplo disso foi a campanha “Do jeito que o Diabo gosta”, da cerveja Antarctica, em que a personagem Feiticeira protagonizava uma diabinha.  A campanha, um sucesso em metrópoles, como Rio de Janeiro e São Paulo, foi rejeitada em cidades das regiões Norte e Nordeste. Muitos donos de bares se negavam até mesmo a pregar cartazes da campanha, oem protesto. Nesse caso, o estímulo da mídia chocou-se com o estímulo religioso, que vê a palavra “Diabo”, como algo negativo. Se nos grandes centros, o público interpretou a propaganda como uma brincadeira, nas cidades mais conservadoras, o público preferiu alinhar-se aos estímulos religiosos.

Fundo do baú - O incrível Hulk

 

 


O incrível Hulk foi um seriado criado em 1977 que rendeu cinco temporadas e três longas metragens. No meio de várias tosqueiras lançadas pela Marvel na época, foi o único seriado de sucesso.
Saquem só a sinopse: Doutor David Banner... Médico, cientista. Em busca da força que todos possuem, acaba recebendo uma dose maciça de raios gama e agora, quando se enfurece ou se sente ultrajado, se transforma e tem de enfrentar a sua maldição: o Incrível Hulk!
Só por aí dá para perceber as diferenças dos quadrinhos. Os produtores acharam que Bruce era um nome gay e lá se foi a aliteração. Além disso, o protagonista virou médico, ao contrário dos quadrinhos, nos quais ele é cientista nuclear.
Na TV, por causa da censura, o monstro verde era pouco violento. Na maioria das vezes ele se limitava a rugir, demolir alguma parede de isopor e sair correndo, não sem antes amassar o revolver de alguém.
Uma curiosidade é que o ator  Lou Ferrigno dificilmente era maquiado por completo. Ele usava, por exemplo, uma sapatilha verde.
Apesar disso, o seriado fez sucesso graças ao carisma do ator Bill Bixby e ao clima de road-movie, com o herói fugindo de cidade em cidade  e assumindo novas identidades. Essa fase chegou até mesmo a influenciar os quadrinhos.

Superman e Batman – A brigada da vingança

Hoje em dia é difícil imaginar uma história em que vilões criam um fã clube para o Batman e o Homem de aço, mas esse tipo de história era comum na era de prata da DC e de fato isso aconteceu em Word´s finest 175.


O fã-clube de Batman é formado por bandidos que foram presos por ele. 

Na história, com desenhos de Neal Adams em início de carreira, os dois heróis fazem um duelo de sagacidade em que um desafia o outro. Parece que durante um dia todos os perigos em Gothan e Metrópolis tiravam férias enquanto Batman e o Super-homem desafiavam um ao outro em provas como não morrer sufocado numa sala fechada na qual entra gás ou descobrir qual dos objetos num navio é uma bomba atômica prestes a explodir.

Os dois heróis passam um dia envolvidos num duelo sagacidade. 


E  os fã clubes? O do Batmam é composto de bandidos comuns que resolvem montar uma associação em que todos vestem versões distorcidas do uniforme do morcego. Já o do homem de aço eram de vilões espaciais, todos curiosamente carecas, que também vestiam versões distorcidas do uniforme do herói.

E cada fã clube torce pelo seu herói odiado. A razão é que os prêmios foram sabotados e agora incluem bombas (a do super também inclui kriptonita). Então, quem ganhar o desafio, morre, o que nos leva à situação inusitada de ver bandidos de Gothan torcendo pelo cavaleiro das trevas, por exemplo.

Os vilões torcem por seus respectivos heróis enquanto o Super-homem aciona uma bomba atômica. Mais um dia comum em Metrópolis. 


Essa é uma história bizarra e ingênua típica dos anos 50-60 na DC, mas que, apesar de todas as bizarrices e do ritmo lento (especialmente em comparação com as histórias repletas de ação da Marvel), tinham um charme todo especial.

No Brasil essa história foi publicada pela Ebal em Batman & Super-Homem (Invictus) 3ª Série, número 30.

quinta-feira, dezembro 30, 2021

O desenvolvimento dos meios de comunicação

 


Uma das ideias básicas do filósofo canadense Marshall McLuhan era a de que pouco importava o conteúdo dos meios de comunicação. O que era realmente importante era o fato desses meios existirem. Essa ideia foi resumida na frase “O meio é a mensagem”. Para McLuhan, a forma como nos comunicamos determina a maneira como nos organizamos socialmente. Mais: a forma como nos comunicamos muda nossos processos mentais.
Uma análise da evolução mostra como se deu essa relação mídia-sociedade-cérebro.
No começo, vivíamos em aldeias. O tamanho da aldeia, segundo o McLuhan, é determinado pelo número de pessoas que podem ouvir a voz do líder. Em uma cultura oral, os grupos devem ser pequenos exatamente para facilitar a comunicação. Se o grupo se tornava muito grande, acabava se separando e formando outro grupo, com outro líder.
Nessa época o sentido mais usado era a audição. A comunicação era feita pessoa-pessoa, sem uso de qualquer plataforma além da própria fala. Era uma comunicação com envolvimento, pois normalmente se falava de pessoas conhecidas de todos e de fatos que muitas vezes tinham importância para a tribo. Não havia separação entre teoria e prática: aprendia-se praticando. As ações mais importantes dessa época, como plantar, caçar e pescar, eram aprendidas tendo como professores parentes, que ensinavam através da prática.
A invenção da escrita mudou o mundo. 
Com a escrita era possível ao líder enviar suas ordens ou receber relatórios de locais distantes, razão pelas quais as cidades foram se tornando cada vez maiores. Esse processo permitiu a criação dos impérios, já que as ordens e relatórios eram enviados por mensageiros (não por acaso, a primeira coisa que os romanos faziam ao conquistar um território era construir estradas ligando o local à Roma, origem da expressão “todos os caminhos levam a Roma”. 
Outra consequência da invenção da escrita foi o surgimento da hierarquia e da mania de classificação.
Numa sociedade muito mais complexa do que a tribo, era necessário haver níveis intermediários de comando, o que dá origem à hierarquia. Esse processo, por outro lado, reflete o surgimento das primeiras bibliotecas. Com tantas mensagens indo e vindo, era necessário organizar as informações. As tabuletas de barro passaram a ser juntadas por assunto, de maneira classificatória e hierarquizada. Assim, as ordens dos reis precisavam ser separadas dos relatórios e mesmo os relatórios deveriam ser separados entre si: a produção de trigo em uma coluna, a produção de gado em outra.
Na época da tribo e do ouvido, lidava-se com a informação relevante e relacional e a memória era biológica: os mais velhos geralmente eram os detentores daquilo que se devia saber para sobreviver: como plantar, pescar, caçar.
O surgimento da escrita e suas bibliotecas organizadas privilegiou a informação classificadora em que tudo deve ser colocado em categorias mutuamente excludentes, dando origem à boa parte da ciência moderna. Assim, uma baleia é considerada um mamífero, embora se pareça com um peixe e viva na água.
Depois das tábuas de argila a escrita encontrou um novo suporte, o papiro, muito mais fácil de ser produzido, mas de pouca duração e difícil de ser carregado, já que os escritos eram unidos em rolos.
O cristianismo, uma religião proibida, encontrou em uma nova mídia a possibilidade de divulgação. O códex era um papiro dobrado para facilitar o transporte. Alguém teve um dia a ideia de juntar essas folhas dobradas, costurando-as e surgiu o livro como o conhecemos hoje. Muito mais fácil de carregar do que um rolo de papiro, esse novo suporte tinha mais uma vantagem: permitia abrir exatamente na página de determinado trecho que interessava. Além disso, enquanto um rolo só permitia reproduzir um evangelho, um códex podia incluir toda a Bíblia.  Foi essa mudança midiática que permitiu ao cristianismo se difundir por todo o mundo ocidental.
Na Idade Média surgiu o pergaminho. Fabricado com peles de animais, o novo papel era muito mais resistente e apropriado para guardar as palavras de Deus. Mas a invenção tinha um custo: os novos livros eram muito caros. Além do preço alto do pergaminho, a maioria deles eram ricamente ilustrados com iluminuras e encadernados muitas vezes com capas em ouro. O livro passou a ser um tesouro que difundia a palavra de Deus, um objeto divino, ao qual a maioria das pessoas não tinha acesso.
Surge aí a ideia de que o que está publicado é verdade. Como duvidar daqueles livros luxuosos, aos quais apenas alguns monges podiam ler e interpretar. Vale lembrar que nessa época todas as Bíblias tinham de ser escritas em Latim e era proibido traduzi-las para as línguas nacionais.
A utilização do pergaminho marcou a transformação do conhecimento em algo divino, ao qual poucas pessoas deveriam ter acesso.
Essa realidade ia mudar completamente com a invenção da imprensa. Mais uma vez a mudança na forma das pessoas se comunicarem iria provocar grandes alterações nas relações sociais e até na mente humana. A invenção da imprensa iria marcar a era das revoluções, o individualismo e o nacionalismo.

Distopias hipodérmicas

 


Entre as várias teorias que tentaram explicar a influência da mídia sobre a sociedade, uma das mais conhecidas é a teoria hipodérmica, segundo a qual os meios de comunicação seriam como uma agulha, injetando seus conteúdos em uma massa amorfa e atomizada.
 Pelo menos três obras são fundamentais para entender como a teoria hipodérmica povoou o imaginário popular durante a primeira metade do século XX: 1894, de George Orwell, Fahrenheit 451, de Ray Bradbury e Admirável mundo novo, de Adous Huxley.
O livro Admirável mundo novo mostra um mundo perfeitamente ordenado em que as pessoas são organizadas por castas e vivem felizes e massificadas, exercendo funções definidas e jamais se rebelando graças a um processo de condicionamento que usa, entre outros elementos, a mídia.
Na história, bebês dormem ouvindo um sistema de som que repete continuamente o “Curso elementar de consciência de classe”: “As crianças Alfa vestem roupas cinzentas. Elas trabalham mais do que nós porque são formidavelmente inteligentes. Francamente, estou contentíssimo de ser um Beta, porque não trabalho tanto. E, além disso, somos muito superiores aos Gama e Delta. Os Gama são broncos. Eles se vestem de verde e as crianças Delta de cáqui. Oh, não, não quero brincar com as crianças Deltas. E os Ípisilons são ainda piores. São demasiado broncos para saberem ler e escrever. Como sou feliz por ser um Beta”.
As crianças ouviam isso dezenas de vezes enquanto dormiam. O objetivo era moldar a personalidade das mesmas.

Na distopia imaginada por Huxley as pessoas não têm pensamentos verdadeiros. Eles se sentem felizes por que foram condicionados pelos meios de comunicação a se sentirem felizes.
A influência da hipótese hipodérmica fica ainda mais clara em 1984, de George Orwell. No livro, escrito em 1948 (o título é apenas uma inversão da data), as pessoas são vigiadas 24 horas por dia através de teletelas, aparelhos capazes de enviar e receber imagens. Cartazes enormes, com a foto do Big Brother e os dizeres: “O grande irmão zela por ti”, são espalhados por todos os cantos e os olhos do ditador, enormes, parecem vigiar a todos.
Não é nem mesmo necessário cometer qualquer crime contra o regime para ser preso e torturado. O simples pensamento incorreto já é uma transgressão. Para evitar que se tenha pensamentos errados, até a linguagem é manipulada.
Nos dizeres de um dos personagens: “A revolução se completará quando a língua for perfeita. Novilíngua é Ingsoc, e Ingsoc é Novilíngua (...) como será possível dizer “liberdade é escravidão, se for abolido o conceito de liberdade? Todo mecanismo de pensamento será diferente. Com efeito, não haverá pensamento, como hoje o entendemos. Ortodoxia quer dizer não pensar... não precisar pensar. Ortodoxia é inconsciência”.
O livro explica a importância dos meios de comunicação no processo de massificação da população: “A invenção da imprensa, contudo, tornou mais fácil manipular a opinião pública, processo que o filme e o rádio levaram além. Com o desenvolvimento da televisão e o progresso técnico que tornou possível receber e transmitir simultaneamente pelo mesmo instrumento, a vida particular acabou. Cada cidadão, ou pelo menos cada cidadão suficientemente importante para merecer espionagem, passou a poder ser mantido vinte e quatro horas por dia sob os olhos da polícia e ao alcance da propaganda oficial, fechados os outros canais de comunicação. Existia, pela primeira vez, a possibilidade de impor não apenas a completa obediência à vontade do Estado, mas também completa uniformidade de opinião em todos os súditos”.
O partido, através da mídia controla não só o presente, mas também o passado, continuamente reescrito para se adequar às diretrizes do partido.
Exemplo disso é a questão do chocolate. No início do livro, um pronunciamento do Ministro da Fartura diz que a ração de chocolate será reduzida de 30 para 20 gramas. No final do livro, a mídia diz que a ração está sendo aumentada para 20 gramas e, numa perfeita demonstração dos princípios da teoria hipodérmica, a população vai às ruas comemorar o suposto aumento.
O episódio mostra um poder absoluto da mídia sobre o pensamento dos indivíduos, vistos como atomizados e submissos.  A massa acredita em qualquer coisa que a teletela informa, por mais absurda ou paradoxal que seja.
O Partido não só cria e manipula a massa, como ainda controla, através dos meios de comunicação, um outro tipo de comportamento coletivo: a multidão. Controlados inclusive sexualmente, os cidadãos da Oceania descarregam sua revolta nos “Dois minutos de ódio”, em que o alvo é sempre o inimigo do estado, Goldstein, cuja imagem é exposta em uma teletela. Associado ao inimigo contra o qual a Oceania está em guerra, Goldstein torna-se vítima de todas as frustrações dos indivíduos.

Os dois minutos de ódio ecoam as demonstrações de apoio popular dos regimes totalitários, como os do nazismo e o stalinismo.
Outro livro fundamental é Fahrenheit 451, de Ray Bradbury. Nele, são as próprias pessoas que se tornam massa espontaneamente ao fugirem de qualquer coisa que possa incomodá-los. Daí a proibição de livros, que podem interferir na felicidade da massa.
Em Fahrenheit 451, as pessoas evitam a todo custo qualquer atividade isolada ou reflexiva. Gastam todo o tempo que não estão trabalhando em esportes ou dentro de carros, correndo como loucas pelas auto-estradas, ou na frente da televisão com personagens que são chamados de “a família”. Na falta de vínculos reais, a família passa a ser a que está dentro da TV. Brabury chama as pessoas embrutecidas pela televisão de “mulheres de palha”.

A mídia é como uma droga, que hipnotizava as pessoas e as deixava dependentes, emburrecidas. Em determinado momento, no metrô, toca um anúncio de creme dental. As pessoas não conseguem resistir e acompanham o jingle com batidas de pés, as bocas agitando levemente e repetindo o slogan.
O personagem principal é Montang, um bombeiro, mas, uma vez que as casas são revestidas de plástico resistente ao fogo, sua função é queimar livros. Sua vida muda quando encontra com uma garota que lhe pergunta se ele é feliz, o que o leva a uma reflexão crítica sobre sua vida: “Não estava feliz. Não estava feliz. Disse as palavras para si mesmo. Admitiu que este era o verdadeiro estado das coisas. Usava sua felicidade como uma máscara e a garota fugira com ela pelo gramado (...)”.
A partir dessa reflexão, ele se interessa por livros e, a partir daí, torna-se um perigo para o sistema. Ao sistema não interessa pessoas que pensem por si mesmas, que sejam público. Daí porque Montang passa a ser perseguido.

Blueberry: o melhor faroeste franco-belga

 

 
     O faroeste sempre foi um gênero popular na Europa, com vários personagens e vários tipos de abordagens. Mas, no meio de tantos heróis, um se destacou e se tornou um verdadeiro clássico: trata-se de Blueberry, criação do roteirista Jean-Michel Charlier em dupla com o desenhista Jean Giraud, que posteriormente viria a assinar Moebius.
     Blueberry revolucionou ao mostrar um personagem que foge completamente do estereótipo do cowboy clássico: ele é um beberrão, jogador inveterado e indisciplinado. Em outra palavras: um anti-herói. Além disso, constantemente, Blueberry toma partido em favor do índios, uma novidade total, já que até então, com raras exceções, os índios eram mostrados como vilões.
     Além disso, as histórias de Blueberry mostravam um personagem que evoluía e se tornava mais experiente com o tempo. Aliás, essa cronologia era mostrada de forma não-linear, pois a juventude do personagem só foi contada depois que ele já era famoso.
     Jean-Michel Charlier, o roteirista, é uma verdadeira lenda nos quadrinhos franco-belgas. Aos 23 anos ele abandonou o curso de Direito para se dedicar aos quadrinhos. Começou escrevendo aventuras do aviador americano Buck Danny para a revista Spirou, em parceria com o também belga Victor Hubinon. Em 1959, junto com René Goscinny e Albert Uderzo, fundou a revista Pilote, posteriormente comprada pela editora Dargaud. Para o traço de Uderzo, criou os aviadores Tangui e Laverdure. Para Hubinon criou a série juvenil Barba Ruiva, sobre um garoto filho do famoso pirata.
     Jean-Giraud é, talvez, o desenhista europeu mais famoso de todos os tempos. Ele começou sua carreira como assistente de Jijé, criador do cowboy Jerry Spring. Seu primeiro trabalho importante foi justamente o tenente Blueberry. Inicialmente imitando Jijé, ele foi aos poucos criando um traço próprio, extremamente detalhista e original. Mas mesmo nas pranchas iniciais de Blueberry já é possível perceber que ele tinha um talento incomparável. Seu detalhismo chegava ao ponto de, ao desenhar um saloon, colocar dezenas de pessoas em posições diferentes. Na década de 1970, Jean-Giroud mudou seu nome para Moebius, juntou-se com outros desenhistas e roteiristas e revolucionou os quadrinhos franceses com histórias surrealistas de ficção-científica e fantasia para a revista Metal Pesado.
     A junção desses dois mestres não poderia resultar em algo que não fosse uma obra-prima. Embora outros cowboys (como tex) possam ser mais famosos, Blueberry é considerado pela maioria dos críticos como o ponto alto do gênero (honra que é disputada apenas com o quadrinho italiano Ken Parker).
     Charlier fez uma verdadeira investigação sobre a época, retratando de maneira muito detalhista o cotidiano do velho oeste. Além disso, ele introduziu fatos e personagens reais em sua história, num recurso característico da pós-modernidade que seria imitado posteriormente por outros autores.
     Se por um lado, Charlier teve uma grande preocupação histórica, ele também não descuidou da aventura. Como as aventuras de Blueberry eram publicada em seminários antes de serem juntadas num álbum, o roteirista colocava um gancho de suspense no final de cada página, deixando o leitor curioso para ler o resto. Essa técnica virou quase que um padrão no quadrinho europeu.

Heróis da TV 16 - a primeira revista Marvel que vi

 


A primeira revista Marvel que vi, e que me marcou profundamente, foi Heróis da TV 16.
Na época eu morava em um cidade do interior de São Paulo, Mococa (sim, da fábrica de leite). Nós saímos da escola e, de repente, vimos um grupo de garotos aglomerados em volta da vitrine de uma mercearia. Corremos para ver o que era a novidade.
Quando finalmente consegui vencer o mar de gente, fiquei pasmo.
Era uma revista em quadrinhos.
Mas não se parecia com nada que tivesse visto até então. Para começar, que tipo de herói era aquele? Motoqueiro Fantasma? Com um rosto de caveira? Não parecia nada com os heróis que eu conhecia – em especial não parecia nada com os heróis da DC que estreavam o desenho Superamigos, muito popular na época. Além disso, a moto parecia avançar para além da capa vindo em nossa direção. Os policiais atirando simbolizavam que ele fugia da lei, mas o demônio ao fundo, emitindo seus raios contra ele conotavam que ele perseguido também pelas forças do mal. Aquela capa reunia em uma única imagem toda a complexidade dos quadrinhos Marvel e prometia uma aventura realmente sensacional. Para completar, num pequeno quadro, um close de Thor, um herói que eu conhecia dos desenhos desanimados da década de 60.
Ninguém tinha dinheiro para comprar – e o dono da mercearia não deu ouvidos aos apelos para tirar a revista da vitrine e nos mostrar. Assim, a publicação ficou lá, envidraçada, uma promessa inalcançável de aenturas incríveis.
Nunca nem mesmo abri ou folheei a revista, mas a capa ficou para sempre em minha memória e imaginação – e certamente contribuiu para que eu reconhecesse aquele sentimento quando li pela primeira vez uma revista Marvel Abril, anos depois.

quarta-feira, dezembro 29, 2021

A árvore das ideias

 

Eu e Bené Nascimento, hoje Joe Benett, formamos durantes muitos anos uma das mais conhecidas e duradouras duplas dos quadrinhos nacionais. Na verdade, nós só paramos de colaborar um com o outro quando Bené começou a trabalhar para os EUA, e ficou sem tempo para nossos projetos em conjunto. Mesmo assim, de tempos em tempos ele me procurava para fazermos algo em conjunto. Mas quando os prazos da Marvel ou da DC começavam a apertar, ele voltava ao que dava dinheiro.

Nós tínhamos um método próprio de criação que lembra muito a parceria entre Stan Lee e Jack Kirby. O Bené aparecia quase todas as manhãs lá em casa. Como ele é enorme, ocupava quase todo o meu pequeno quarto, de modo que preferíamos ficar na frente da minha casa, debaixo de uma árvore da vizinha. E o Bené lembrava de uma lanchonete em Nova York que ficou famosa por ser o lcal em que Kirby e Lee criaram a maior parte de suas histórias, e dizia: “Um dia essa árvore também vai ficar famosa. Vão colocar uma placa aqui dizendo: Aqui Gian Danton e Bené Nascimento bolaram suas melhores histórias”.

Nós ficávamos lá debaixo da árvore, discutindo detalhes das HQs. Quando terminávamos, Bené ia para casa e depois me trazia um rafe sobre o qual eu colocava o texto e os diálogos. No começo ele, mais experiente, sempre dominava a criação e eu me limitava a dar alguns toques, a pedir algumas modificações. Com o tempo, fui ganhando domínio da linguagem e passei a dar mais idéias. O ponto alto desse processo foi na história “Noir”. Nós estávamos chateados com o conservadorismo dos editores de terror no Brasil. Enquanto o mundo lá fora pegava fogo com as histórias de terror sofisticadas de gente como Alan Moore (Monstro do Pântano) e Neil Gaiman (Sandman), no Brasil ainda se fazia terror nos moldes da década de 1960. Havia até uma regra implícita de que o protagonista sempre deveria virar monstro ao final da HQ de terror. Isso era feito com o objetivo de surpreender o leitor, mas mesmo o leitor mais obtuso, depois de ler três histórias, logo sacava a estrutura.
Outra estrutura era mostrar alguém muito mal, que era castigado por suas vítimas que voltavam do túmulo para se vingar. O quadrinista nordestino Luiz Eduardo já havia feito uma crítica disso na história “Mais do Mesmo”, e nós também queríamos expressar nossa revolta com essa camisa de força.
Então um dia eu sonhei com uma história completa. Quando acordei fiz um rafe e coloquei o texto. O Bené gostou tanto que seguiu rigorosamente o rafe. Na HQ eu mostrava um personagem que era, obviamente, John Constantine, andando por uma rua. À medida em que ele andava, apareciam monstros clássicos que eram eliminados da forma mais simples possível. Na verdade, para eliminá-los, Constantine usava apenas sua enorme sorte. Um vampiro, por exemplo, era atropelado por um carro. Ao final, ele encontrava com outro personagem, que mostrávamos na penumbra, mas dava para perceber que se tratava de Monstro do Pântano, e eles conversavam num papo que ecoava uma crítica ao terror clássico.
Surpreendetemente, essa história foi publicada na revista Mephisto, terror negro, uma das revistas mais conservadoras da época.

Uma outra exceção ao processo criativo da copa da árvore foi a história “Noir”, coincidentemente publicada também na revista Mephisto. O Bené tinha recebido um roteiro do editor, mas não gostou, achando o desenvolvimento óbvio demais. Estávamos discutindo isso no ônibus, quando o Bené me disse:
- Quer saber? Não vou ilustrar esse roteiro! Vamos criar outra coisa e mandar para eles! E vamos criar agora!
E assim começamos a conversar sobre como seria a história. Bené queria que ela tivesse um clima noir. Eu lembrei de um filme que tinha esse clima e que sempre esteve na minha relação dos 10 melhores: Coração Satânico, de Alan Parker.
Coração satânico tinha uma estrutura na qual um detetive procurava por um homem desaparecido. À medida em que a investigação avança, ele vai vendo todos os seus informantes sendo mortos. No final, ele descobre que o homem que ele procura é ele mesmo e o cliente é na verdade Lúcifer, para quem ele havia vendido a alma.
Imaginamos uma situação assim, mas com um contexto de vampiros, já que vampiros eram um tema clássico e, imaginávamos, iria agradar os editores. Assim, um detetive investigava assassinatos em séries cometidos por um vampiro e, ao final descobre que ele é o assassino.
Essa história foi barrada pelo Diretor de arte, Dagoberto Lemos, assim que chegou na editora. Ele argumentou que o desenho do Bené estava muito sujo e a história era incompreensível. Quem nos salvou foi a editora, Neuza de Castro Luz, que bateu o pé e foi falar com o dono da editora. Sua aposta valeu a pena: a revista, que antes vendia 40% da edição, pulou para 70% naquele número.
É um desses casos explicados pela teoria dos paradigmas: como não era da área, Neuza não percebeu que nossa HQ não se encaixava no terror anos 60, típico de revistas como Calafrio e Mephisto.

A arte fantástica de P. Craig Russell

 

P. Craig Russell é um ilustrador norte-americano especializado em fantasia. Seu traço detalhista e imaginativo se revelou perfeito para adaptações de livros fantásticos ou mitológicos, como O anel de Nibelungo. No Brasil ele ficou conhecido por seu trabalho com o personagem Elric e pelas histórias do Dr. Estranho. Russell se notabilizou também pelas parcerias com Neil Gaiman, entre elas a edição número 50 de Sandman. Aprecie o trabalho deste grande artista.