quarta-feira, setembro 30, 2020

Morreu Quino



 Morreu hoje, de causas não informadas, o quadrinista argentino Joaquín Salvador Lavado, mais conhecido como Quino. 

Quino é autor da garotinha Mafalda, sua criação mais famosa, mas também é autor de diversos outros trabalhos, entre eles quadrinhos de uma única página sobre temas variados, mas sempre com o mesmo enfoque: uma forte crítica ao conformismo, às pessoas que agem como massa. Na minha preferida, várias pessoas caminham como gado e uma delas pergunta: "Por que caminhamos como carneirinhos sem sequer saber para onde vamos?". No quadro seguinte, uma mão mecânica retira o inconformado e o restante continua andando na fila, como gado. 



Tiras como essa fizeram com que Quino fosse chamado de comunita por todos aqueles que só conseguem ver o ser humano como submisso a uma autoridade que não pode ser questionada. Aliás, a própria Mafalda era chamada de comunista exatamente pelo mesmo motivo. O mundo fica menor - e menos crítico - com a morte desse grande artista. 






Tentou comentar no blog e não conseguiu?

 


- Gian, entrei no seu blog e tentei comentar numa matéria, mas não consegui. 
- Infelizmente eu tive que bloquear os comentários. 
- Mas por quê? 
- Olha o tipo de comentário que os bolsominions estavam postando. 
- Caramba, são dezenas de comentários iguais o cara já começa te chamando de stalinista! 
- Pois é, é o culto à personalidade. Como eles consideram o Bolsonaro um semi-deus, qualquer um que não o idolatre só pode ser comunista. E pode colocar na conta vários outros "comunistas": Jim Starlin vira comunista, Raul Seixas vira comunista, Alan Moore vira comunista. E, para eles, comunista precisa ser preso. 
- O cara está te chamando de lulo-petralha?!!!
- Pois é, eu que nunca votei no PT, que sempre critiquei o PT de repente virei petralha só porque me recuso a idolatrar o mito. 
- E você praticamente nem fala de política no seu blog. 
- Pois é. Mas a estratégia deles é Dart Vader: ou você idolatra o Capitão ou é comunista. Teve um "amigo" bolsominions que ameaçou me dar um soco só porque eu disse que político é para ser cobrado não para ser idolatrado. Outro disse que o pior tipo de "comunistas" são os "isentões": isentão aí significa alguém que se recusa a idolatrar o mito deles, mas ao mesmo tempo não idolatra o Lula, que se recusa a tecer elogios à ditadura militar, mas também não elogia a Coréia do norte. Antigamente para ser comunista precisava ser fã do Karl Marx, precisava ler o Manifesto Comunista, precisava acreditar em ditadura do proletariado. Hoje em dia, para ser comunista, basta não idolatrar o mito.
- Caramba, estou lendo aqui. O cara está ameaçando te denuncia... Te denunciar para quem? 
- Para os militres, provavelmente. 
- Estou vendo aqui. Ele te acusa de doutrinar os alunos. Fui seu aluno e você nunca falou de política em sala de aula. 
- Deve ser porque uso camisas da Marvel em sala de aula. Dizem que estou doutrinando os alunos a gostarem da Marvel. Nisso, confesso, sou culpado. Mas em minha defesa posso dizer que gosto da DC quando ela é desenhada pelo Garcia-Lopez.... rsrs... 
- Nossa, o cara diz que vai fazer você perder o emprego! Chega até a te chamar de estelionatário! 
- Só faltou dizer que vai me prender e  torturar pessoalmente para que eu confesse todos os meues crimes...kkkk Tudo isso porque eu me recuso a idolatrar o Capitão. E é esse pessoal que diz que é a favor da liberdade. A liberdade que eles querem é a liberdade de poder denunciar e prender quem pensa diferente deles. E como você pode ver, postaram essas ameaças dezenas de vezes no blog antes que eu bloqueasse os comentários. É por isso que não é mais possível comentar no meu blog. Infelizmente, tive que bloquear essa possibilidade de contato com meus leitores por causa desse tipo de comentário ameaçador.   
- Assustador, melhor manter os comentários do blog fechados mesmo.  

Superman e a Legião dos Super-heróis


O roteirista Geoff Johns e o desenhista Gary Frank foram responsáveis por uma das fases mais interessantes do Homem-de-aço em época recente. Foram histórias que se tornaram imediatamente clássicas. E o melhor dessa fase foi o encontro do Superman com a Legião dos Super-heróis.
Na história, Superman recebe um pedido de socorro e uma cápsula do tempo enviadas por brainiac 5. Ao viajar para o século 31, o herói descobre que a Terra se tornou uma distopia. Membros rejeitados pela Legião se uniram, formando a nova Liga da Justiça, e transformaram o planeta numa ditadura xenofóbica. Mas a ida do Homem de aço para o futuro pode ter sido um erro: o sol se tornou vermelho, tirando boa parte de seus poderes. Se o herói morrer no futuro, o que pode acontecer com a realidade?

Geoff Johns usa como fio motor da história o fato de grande parte da Legião ser formada por extraterrestres e cria uma metáfora política. Assim, a nova Liga introduz uma cruzada contra extraterrestres, aprisionando-os ou simplesmente levando-os ao exílio. Mas há um problema aí: no futuro a figura do Superman é simplesmente idolatrada pela população. Como adequar isso a essa campanha? Inventando que o Homem de aço não veio de Kripton, mas nasceu na Terra e lutou a vida inteira contra alienígenas, incluindo Ajax, o caçador de Marte. Ou seja: criam uma campanha xenofóbica a partir de uma fake News.
O prelúdio da história é genial: um casal vê seu planeta ser destruído e envia seu único filho ao planeta Terra. Aqui a nave é encontrada por um casal de lavradores, que simplesmente mata o bebê. Essa sequência, além de ecoar a própria origem do super-homem, também mostra o quanto a realidade foi alterada a partir do boato criado pelos vilões.
Outra grande sacada foi a percepção de que os membros rejeitados da Legião o foram não apenas por não dominarem seus poderes, mas por terem problemas de caráter, como tendências psicóticas. Aliás, o trecho que mostra a nova Liga detalha isso: são obcecados por poder, depravados, têm ódio por terem sido rejeitados.
Geoff Johns maneja muito bem tanto esses momentos barra-pesada quanto os momentos idílicos, como os flash backs que mostram o primeiro encontro do Superboy com a Legião. Aliás, ele é um dos roteiristas que melhor entenderam o Homem de aço e o que ele representa.
Já o desenho de Gary Frank é simplesmente encantador. Ele caracteriza o Superman exatamente como Christopher Reeve no antológico filme da década de 1980, o que, por si só já agrada aos fãs. O mesmo vale para sua representação da Legião: é soberba, especialmente nas cenas em aparecem muitos personagens.

Abapuru e Monteiro Lobato

O assunto da semana é o quadro Abapuru. Esta semana alguém sugeriu que o quadro "Batalha do Avaí", de Pedro Américo (1843-1905), "deveria representar a arte brasileira no mundo" e chamava o quadro de Tarsila de merda. Os fãs de Tarsila correram para defendê-la com razão.
O problema é que um desinformado resolveu colocar Monteiro Lobato na história. Segundo ele, o internauta que chamara Abapuru de "merda" estava apenas refletindo a opinião já exposta anteriormente por Monteiro Lobato.
Foi o suficiente para a tag Monteiro Lobato chegar aos TTs e para mostrar como a esquerda pode ter tão analfabeta quanto a direita.
A tag teve de tudo, de gente dizendo que o Abapuru foi pintado por Anita Malfatti a gente dizendo que Lobato era inimigo do casal Oswald-Tarsila e até acusações de pedofilia.
Lobato era amigo íntimo de Oswald de Andrade e de sua esposa. Lobato era editor de Oswald e de vários outros modernistas. Lobato nunca criticou o Abapuru. Seu único texto sobre a semana de arte moderna, foi elogiando a semana e elogiando o gênio de Oswald (o que provocou ciúmes no Mário de Andrade). Aliás, Oswald queria que Lobato fosse o patrono da semana - acabou perdendo para Mário, que preferia Osvaldo Aranho.
Aliás, Abapuru foi pintado depois que Tarsila fez uma visita às cidades históricas de Minas Gerais e, encantada com o que viu, deixou de imitar a arte européia e passou a buscar uma arte tendo como referência a cultura nacional... que era exatamente a proposta de Monteiro Lobato para arte brasileira.

Basílica de Sacré-Cœur


A Basílica de Sacré-Cœur (Sagrado Coração) é uma das mais famosas igrejas de Paris. Construída no final do século XIX, ela resgatou a arquitetura romana e bizantina, com paredes sólidas.
A igreja é adornada com belíssimos vitrais, pinturas e esculturas – e uma réplica do santo sudário. E, embora tenha um estilo arquitetônico oposto ao de Notre Dame, também tem várias gárgulas que podem ser vistas na lateral do prédio.

A basília fica no alto do Monte Martre, o local mais alto de Paris e de lá é possível observar toda a cidade. Nos arredores há dezenas de lojas de lembrancinhas, café, restaurantes e quiosques nos quais são vendidos os tradicionais sanduíches parisienses, com pão baguete.

A arte fantástica de BORIS VALLEJO

O peruano radicado nos Estados Unidos mistura temas fantásticos e eróticos com maestria. Suas pinturas são feitas a óleo e utilizam um traço hiper-realista para retratar guerreiros sempre musculosos e em cenas dramáticas. Inspirado por Frazetta, Vallejo chegou a desenhar diversas capas para Conan - O Bárbaro. Nos anos 1980, ilustrou dezenas de livros de pulp fiction de fantasia e, atualmente, muitos dos seus trabalhos são feitos em parceria com sua esposa, a também ilustradora Julia Bell.










Suplemento Marco Zero Kids

Em 1998 eu fui convidado por um empresário de comunicação a editar um jornal. Ironicamente, embora o nome fosse Diário Marco Zero, era um semanário, indo para as bancas todos os sábados.
Seguindo uma antiga tradição – hoje praticamente extinta, o jornal tinha um suplemento infantil chamado Marco Zero Kids, com matérias sobre desenhos animados, filmes e quadrinhos. Além disso publicava uma série minha, Dragon Fire, desenhada pelo amigo Falex.
O jornal foi lançado em um jantar com empresários, políticos etc. os garçons entregavam exemplares de mesa em mesa. Ao final da festa, a maioria dos jornais estava jogado no chão. Enquanto isso, as crianças estavam disputando exemplares do Kids, o que reforça algo que sempre suspeitei: crianças adoram ler.

Mentes únicas



Atualmente estima-se que cerca de 1% da população mundial esteja dentro do espectro autista. Até meados da década de 1970 esse transtorno era praticamente desconhecido e normalmente visto como causados por “mães geladeiras”, que rejeitavam a existência do filho. Hoje em dia, o desenvolvimento da neurociência permitiriu descobrir que autismo é provocado por uma série de fatores genéticos e ambientais. Ainda assim, muitos mitos e lugares-comuns ainda persistem e fazem com que pediatras, professores e psicólogos demorem para identificar os sinais, postergando o diagnótico e as intervenções.
É para tentar preencher esse vácuo de informações que Luciana e Clay Brites escreveram Mentes únicas. O casal tem uma história diretamente ligada ao assunto. Ele é neurologista infantil especializado em autismo. Ela é especialista em educação especial.
Essa característica do casal de autores traz para o livro muitas qualidades e alguns problemas.
O principal problema é que o livro não fala sobre autismo em adultos – ou mesmo em adolescentes. Ele é todo focado em crianças dentro do espectro. É quase um manual para pais lidarem com a situação. Para quem busca isso é um livro muito interessante, embora em alguns momentos a linguagem seja um pouco técnica.
O livro inicia fazendo uma verdadeira revisão histórica sobre o assunto, desde Eugen Bleuler, que em 1912 cunhou o termo ao se referir aos pacientes que tinham condições de isolamento tão severas que ficavam totalmente internalizados em si mesmos. O que Bleuler descreveu foram provavelmente casos de autismo severo, ou clássico. Com o tempo a ciência descobriu que havia todo um espectro, com sintomas mais ou menos severos. Descobriu-se também que o autismo tem relação direta do a arquitetura do cérebro, responsável por armazenar, processar e limpar o lixo: “No cérebro do autista, essa arquitetura se encontra desorganizada e apresenta uma modelagem anormal, impedindo que o funcionamento seja pleno. As pontes, as ligações e as ramificações se encontram incompletas, desviadas, ora ativadas, ora desligadas, com conexões que se encontram ora perdidas, ora sobrecarregadas”.
Há um capítulo só de relatos de casos atendidos pelo casal. Desde a mãe que se recusava a aceitar que o filho fosse autista, mesmo ele tendo sintomas de autismo severo, até o professor que indicou a mãe a levar no neuro em decorrência de comportamentos observados em sala de aula.
Há também um capítulo sobre tipos de tratamentos e sobre o tipo de especialista que se deve procurar.
Mas para os pais que começam a observar sinais de autismo em seu filho, o capítulo mais interessante provavelmente será aquele que descreve os sintomas. Os autores explicam que existem sintomas principais e secundários. De forma resumida, os principais são a inadequada interação social, dificuldade de comunicação social, comportamentos repetitivos e interesses restritos. Já os secundários são: preferência excessiva por objetos, distúrbios sensoriais (como hipersensibilidade auditiva), fobias inexplicáveis, manias alimentares, problemas de sono e atraso no desenvolvimento motor e linguístico.

terça-feira, setembro 29, 2020

A voz do fogo, de Alan Moore

Quem lia quadrinhos na década de 80 espantava-se com a capacidade narrativa do mestre inglês Alan Moore. E surgia sempre a dúvida: ele se sairia tão bem na literatura, sem o auxílio dos desenhos? A voz do fogo, seu livro recentemente lançado no Brasil pela Conrad Editora, prova que quem é bom, é bom em qualquer mídia.
A obra traça a trajetória de Northampton, a cidade natal de Moore, por meio de seus habitantes. A trama tem início quatro mil anos antes de cristo e prossegue até 1995. São vários contos interligados que nos dão um panorama geral da localidade e de sua evolução, mesclando magia, reencarnação e sacrifícios.
O primeiro conto, O porco do bruxo, é provavelmente o mais interessante e também o de leitura mais difícil. Gira em torno do drama de um garoto na Era Neolítica, abandonado pela tribo quando sua mãe morreu. Imagine, então, o desafio de redigir uma aventura em primeira pessoa cujo narrador ainda não domina a linguagem falada. Para tanto, Moore cria uma linguagem estranha, sem tempos verbais e com pouquíssimos pronomes. O resultado é fantástico, mas árduo.
Sinta só este exemplo: Agora olha eu para baixo, para a grama em fundo da colina, vê porcos. Porcos grandes, compridos, um atrás de outro, traçando a fêmea, pelo que parece. Ver faz um osso subir dentro de eu vontade. Eu e barriga de eu, junto, posso descer colina correndo até porcos, acertar pedra em um e fazer ele sem vida, para comer ele todo. Antes é eu juntando isso. Agora é fazendo isso.
O episódio que vem a seguir é igualmente interessante. Os campos de cremação é uma trama policial e de suspense ambientada no ano 2.500 antes de Cristo. Em viagem para conhecer seu pai, um bruxo de uma rica aldeia, uma jovem depara-se com uma esperta andarilha, que já havia feito de tudo, inclusive vender uma criança perdida da mãe como escrava. Ingenuamente, a menina conta-lhe detalhes da fortuna do seu genitor. A mau-caráter, então, mata a incauta e apresenta-se na aldeia, fazendo-se passar por ela. A grande questão é saber se a impostora será descoberta ou não. A todo instante, Alan Moore mantém-nos no fio da navalha, jogando com os nervos da personagem e os nossos.
Neste mesmo episódio, dá-se algo que define bem a atuação do autor. O velho bruxo tatua, no corpo, o mapa de Northampton e assim influencia a cidade, que, por sua vez, exerce influência sobre ele. O mesmo ocorre com Moore. Suas palavras são uma espécie de magia simbólica que molda e se deixa moldar pela cidade. Compreender como isso transcorre e descobrir as coincidências entre as diversas tramas é mais um dos atrativos do livro. Muitas vezes, a conclusão de uma narrativa dá-se apenas em outra. Além disso, há personagens fixas, como arquétipos, que surgem aqui e acolá, permeando os textos. Entalhando as palavras, Moore garante que, se o conteúdo mágico e holístico do livro não for suficiente para atrair o leitor, a poderosa narrativa cuidará de prender sua atenção até o último parágrafo. São, portanto, mais de trezentas páginas, mas que muito facilmente serão lidas num fôlego só.

A fantástica história do homem que não existia


Já está disponível para leitura, no site da FAV-UFG, a minha tese A fantástica história de Francisco Iwerten: hiper-realidade e simulacro nos quadrinhos do Capitão Gralha. O PDF pode ser baixado aqui.

Monsieur & Madame Adelman



Geralmente quando pensamos em comédia romântica, imaginamos uma trama pueril, com personagens pouco profundos e final feliz. Monsieur & Madame Adelman, filme francês dirigido por Nicolas Bedos e disponível na Netflix vai na contramão dessa imagem.
E essa ruptura já é visível desde a primeira cena. Nela, o famoso escritor Victor Adelman morreu e vemos seu funeral. É quando um jornalista que está produzindo um biografia do famoso autor procura a viúva e ela, surpreendetemente, resolve falar com ele. O jornalista quer uma outra visão sobre a celebridade que acaba de morrer e exatamente isso que Sarah lhe dá: o ponto de vista da mulher que viveu com o premiado autor por 45 anos.
Monsieur & Madame Adelman é um filme repleto de reviravoltas a começar pela profundidade e complexidades de seus personagens. A princípio parece uma comédia leve sobre uma estudante de letras absurdamente apaixonada por um jovem e promissor escritor, a ponto de namorar o melhor amigo dele e até o irmão deste apenas com o objetivo de conquistá-lo. Mas com o tempo vamos percebendo que a situação é muito mais complexa. Nessa fase é interessante acompanhar como a narrativa dela, dita ao jornalista, nem sempre coincide  com os fatos, criando uma espécie de ironia que gera algumas boas cenas de humor.
O filme vai acompanhando 45 anos da vida desse casal, seus mais diversos problemas enfrentandos e a paixão avassaladora de um pelo outro. Entretanto, em nenhum momento parece meloso, melodramático ou mesmo forçado. O humor irônico e muitas vez cínico ajuda muito a tornar a narrativa fluída.
Ao final, o expectador descobre que aquilo que ele achava sobre os personagens era falso, quando a realidade inverte as expectativas, deixando o filme ainda mais instigante.
É uma boa dica para quem pretende assistir  a um filme romântico que foge dos padrões convencionais.

A guerra dos gibis

A campanha do Dr. Fredric Werthan contra os quadrinhos teve um grande impacto no Brasil por causa de uma questão política.
     Segundo Gonçalo Júnior, autor do livro A Guerra dos Gibis, embora existissem iniciativas isoladas desde a década de 30, quando os quadrinhos de aventura chegaram ao Brasil, a campanha contra os quadrinhos só tomou fôlego na década de 40, graças a uma briga entre Roberto Marinho, do Jornal O Globo, e Orlando Dantas, do Diário de Notícias. Dantas estava ganhando mercado ao promover concursos em que os leitores do jornal concorriam a prêmios em dinheiro. Preocupado com a concorrência, Marinho usou sua influência junto ao governo Vargas para fazer com que fossem proibidos os prêmios em dinheiro.
            Dantas, agora sem o principal atrativo de seu jornal, passou a atacar Marinho pelo que considerou o seu ponto fraco: o fato de seu concorrente ser um dos principais editores de histórias em quadrinhos do Brasil (sua publicação Gibi acabou virando sinônimo de quadrinhos). Dantas, ex-repórter de Assis Chateaubrind, sabia que a melhor forma de um jornal sair de uma situação financeira difícil era comprar briga com um concorrente de peso. O Diário de Notícias passou a acusar os gibis de provocarem preguiça mental, inculcarem valores estrangeiros nos jovens e incentivarem a violência. Na verdade, Dantas não tinha nada contra quadrinhos, e, aliás, tinha sido um dos pioneiros a publicar tiras de jornais no Brasil (o humorístico Popeye), mas ele logo descobriu que a melhor forma de chamar atenção para si e alfinetar o rival era fazer acusações aos gibis.
Passou a ser moda falar mal dos gibis. Até mesmo quem nunca tinha lido uma revista se apressava a dar sua opinião. A jornalista Ivone Jean, do Correio da Manhã, por exemplo, escreveu um artigo no qual pedia reconhecimento público por ter roubado um gibi do consultório de um pediatra, impedindo assim, que as crianças tivessem contato com a leitura. Além de se vangloriar do crime, a jornalista admitia que sua birra se devia ao fato dela não compreender o código quadrinístico: “Não sei ler histórias em quadrinhos! Aprendi a ler da esquerda para a direita e linha após linha. As legendas atrapalhadas que ilustram os desenhos são impressas em caracteres estranhos e dançam em todos os sentidos”.
            Mas a campanha contra os gibis teria seu momento mais grave a partir de 1953. Dessa vez, além de Dantas, Roberto Marinho teria contra si Samuel Wainer, do jornal Última Hora. Assim como acontecera com o Diário de Notícias uma década antes, o diário de Wainer estava tomando leitores de O Globo, graças a inovações editoriais. Marinho concentrou sua artilharia no concorrente e descobriu que Wainer não era brasileiro, pois chegara ao Brasil com dois anos de idade. Na época a legislação proibia estrangeiros de terem veículos de comunicação no Brasil.
            Wainer vingou-se empreendendo uma dura campanha contra as histórias em quadrinhos que durou anos. Para isso foi destacado o repórter Pedro Morel. Este percebeu que a estratégia de maior impacto era acusar os gibis de serem responsáveis pela criminalidade infantil. Citando as pesquisas de Fredric Whertan, Morel defendeu que as histórias em quadrinhos ensinavam as crianças como cometerem crimes.
            Para provar o que dizia, Morel foi ao Reformatório de menores Saul de Gusmão atrás do maior criminoso juvenil da época, um tal de Lilico, apelidado de “Terror do subúrbio”. Para sua decepção, encontrou o rapaz jogando futebol, e não lendo gibis. Mas nem por isso achou que seria o futebol o responsável pelos crimes de Lilico. Os responsáveis deviam ser os gibis.
            Apesar da total falta de embasamento e de serem resultados de uma briga de mercado, as denúncias deram resultado. Nas portas das igrejas eram distribuindo panfletos orientando pais a não deixarem seus filhos lerem quadrinhos. Em alguns locais os professores tiravam cinco minutos diários de suas aulas para falarem dos riscos da leitura dos gibis.
            Um dos resultados dessa campanha se vê nos testes escolares. Desacostumados a ler, os estudantes são incapazes de interpretar os textos mais simples. Nos países em que a leitura dos gibis foi estimulada a realidade é outra.

segunda-feira, setembro 28, 2020

O amor trágico de Abelardo e Heloísa

Pedro Abelardo foi um dos mais importantes filósofos da Idade Média. Diante da questão entre realistas (que, influenciados por Platão, acreditavam que as palavras universais, como "homem", tinham existência real) e nominalistas (que acreditavam que os universais eram apenas nomes, não tendo existência nem na natureza, nem na mente), ele apresentou um terceiro caminho, o conceitualismo, que sintetizava elementos dos dois e pregava que os universais são conteúdos da mente derivadas das coisas. Com suas ideias e novas formas de ensinar, ele criou a base do ensino universitário. Mas, para além de suas ideias, Abelardo ficou mais conhecido por ter protagonizado uma das mais famosas histórias de amor de todos os tempos, influenciando o que viria a ser o romantismo. 

Depois de passar por diversas cidades e ser perseguido por sua genialidade e espírito rebelde, Abelardo chegou em Paris em 1113 e começou a lecionar na escola de Notre Dame. Nessa época já era um professor famoso e suas aulas eram concorridas. Sua metodologia revolucionária quebrava com a metodologia platônica, maravilhando os alunos com o jogo de argumentação. 

Foi nesse período que ele conheceu uma jovem de 17 anos que chamava a atenção de todos por sua beleza e inteligência, Heloísa. Interessado em conquistar a moça, o filósofo se aproximou do tio (o cônego Fulberto), com a qual ela vivia e se ofereceu para ensinar à moça gratuitamente, em troca de moradia na casa. O cônego não só aceitou a oferta, como confiou a sobrinha inteiramente à orientação do filósofo, que poderia, inclusive, castigá-la severamente caso esta não se aplicasse nos estudos. 

Inicialmente o tio acompanhava os dois em suas lições, que geralmente aconteciam à noite, quando o filósofo voltava de suas aulas, mas depois, confiando na fama de casto de Abelardo, passou a deixa-los a sós. "Assim, com a desculpa do ensino, nós nos entregávamos inteiramente ao amor, e o estudo da lição nos proporcionava as secretas intimidades que o amor desejava. Enquanto os livros ficavam abertos, introduziam-se mais palavras de amor do que a respeito da lição, e havia mais beijos do que sentenças; minhas mãos transportavam-se mais vezes aos seios do que para os livros e mais frequentemente o amor se refletia nos olhos do que a lição os dirigia para o texto", escreveu Abelardo no livro A história das minhas calamidades. O casal chegou até mesmo a simular surras corretivas para dissimular as atividades românticas e não levantar suspeitas. 

Então começa a tragédia: Fulberto flagra o casal e expulsa Abelardo de casa. Mas nessa época Heloísa já estava grávida. Ainda tremendamente apaixonado por ela, Abelardo a tira às escondidas da casa do tio e a leva para sua terra natal, onde ela fica, na casa de uma irmã do filósofo, até dar à luz ao filho do casal, Astrolábio. 

Nesse meio tempo, Abelardo procura Fulberto e se oferece para se casar com a moça, desde que isso fosse mantido em segredo, a fim de que sua reputação não fosse prejudicada. 

Heloísa, no entanto, não concordava com o plano. Segundo ela, o casamento acabaria com a carreira do amado, pois, na época, acreditava-se que um verdadeiro filósofo deveria ser celibatário. Cícero, por exemplo, ao ser instado a casar com a irmã de Hírcio, respondeu que não podia consagrar-se igualmente a uma mulher e à filosofia. "Quem poderia, aplicando-se às meditações sagradas ou filosóficas, suportar o vagido das crianças, as cantarolas das amas que embalam e a multidão barulhenta da família?", indagava Heloísa. No final, o casal concordou com o casamento, desde que ele fosse totalmente secreto. Unidos pela benção nupcial, foram cada um para lado e se viam apenas às escondidas. O tio, envergonhado com a situação, passou a divulgar o casamento. 

Abelardo, para evitar o falatório, enviou Heloísa para um convento de monjas. Ultrajado, o tio arquitetou uma vingança que se tornaria célebre: mandou castrá-lo. Além da ferida, havia a vergonha: na época os eunucos eram considerados impuros e proibidos até mesmo de entrar nas igrejas. 

Ferido no corpo e na alma, humilhado, Abelardo internou-se no mosteiro de Saint-Denis, tornando-se um monge para o resto da vida. Heloísa, com apenas 20 anos, ingressou definitivamente no convento. Desde então, os dois nunca mais se viram, apenas trocaram cartas nas quais lamentavam a má sorte que os jogara naquela situação.
 

Túmulo do casal></P> Túmulo do casal<BR><BR><BR><BR>
Os dois jamais deixaram de se amar, como atesta uma das cartas de Heloísa:
Túmulo de Abelardo e Heloísa no Cemitério Padre Lachaise.

Abelardo morreu em 1142, com 63 anos. Heloísa conseguiu que se construísse uma sepultura em sua homenagem. Quando ela morreu, em 1162, foi sepultada ao lado de seu amado. Conta-se que ao abrirem a sepultura de Abelardo para enterrar Heloísa, seu copro ainda estava conservado e se mantinha de braços abertos, como se esperasse a chegada de sua amada. Em 1817 os restos mortais dos dois amantes mais famosos da Idade Média foram levados para o cemitério do Padre Lachaise. 
A história dos dois deu origem a um filme, Em nome de Deus, de 1988, de Clive Donner.

Perry Rhodan - 5 décadas de aventuras espaciais

A maior série de ficção científica do mundo. Trata-se de Perry Rhodan, uma space opera alemã que vem sendo publicada ininterruptamente desde 1961. No mundo todo já foram publicados mais de um bilhão de livros nas mais diversas línguas e há fã-clube espalhados por vários países, inclusive em alguns em que o personagem não é mais publicado. É um fenômeno poucas vezes observado na história da literatura de gênero. 

Perry Rhodan surgiu como uma reação à dominação norte-americana no campo da FC. No final da década de 1950, esse mercado era totalmente dominado por material vindo dos EUA e os alemães só conseguiam publicar sob pseudônimo. Foi quando dois autores, Karl-Herbert Scheer e Walter Ernsting (também conhecido pelo pseudônimo de Clark Darlton) apresentaram o projeto de um herói audaz à editora alemã Moewig, que topou publicar depois de algumas alterações. Para fazer a capa foi chamado Johnny Bruck, um dos mais famosos ilustradores alemães de ficção-científica. À equipe criativa juntaram-se mais dois escritores, Klaus Mahn (Kurt Mahr) e Winfried Scholz (que assinava W.W. Shols). Scher escreveu a sinopse dos 10 primeiros volumes e começaram a produzir. 




Para dar ideia de que a série era importada, o personagem principal era o astronauta americano Perry Rhodan. Em viagem à Lua, encontra uma nave de uma civilização super-desenvolvida, mas decadente, os arcônidas, e seus dois ocupantes. Voltando à Terra, ele usa a tecnologia alienígena para impedir uma guerra nuclear e funda a Terceira Potência, unindo a humanidade em torno de um ideal: a conquista do espaço.

Os autores acharam que a série ia fazer, no máximo, um sucesso relativo, e planejaram apenas 30 números. Mas Perry Rhodan vendeu tanto que os primeiros números foram rapidamente republicados e a série foi exportada outros países, inclusive no Brasil. Logo a quantidade de livros publicados era tão grande que ficou difícil explicar como uma pessoa normal vivia tantas aventuras. A solução foi tornar o protagonista praticamente imortal graças a um ativador celular (atualmente Perry Rhodan tem mais de 3 mil anos) e encher a trama de personagens secundários, muitos dos quais vivem aventuras solo. 


Para conseguir contar uma trama tão complexa e cheia de detalhes e personagens secundários, que abarca centenas de anos na história da humanidade, os autores desde o primeiro número fazem um planejamento detalhado. Um dos autores é nomeado líder e escreve um resumo de cada volume semanal por todo um ciclo (que pode durar 50 ou 100 livros). Esse resumo deverá ser seguido à risca pelo autor do volume. Assim, se uma nave parte com uma determinada tripulação em um volume, ela deverá ter a mesma tripulação no volume seguinte. Os livros também são revisados para encontrar incoerências. 

Muitos dos principais conceitos da FC e dos quadrinhos foram antecipados pela série. Os mutantes, por exemplo, já exibiam seus poderes em Perry Rhodan anos antes do surgimento dos X-men. Outra antecipação são os pós-bis, uma raça de robôs que pretendem destruir toda forma de vida orgânica, conceito muito semelhante aos borgs, vilões que surgiriam na série Jornada nas estrelas - nova geração, décadas depois. 

Apesar da enorme quantidade de livros publicados e de alguns escorregões, na média, os autores nunca deixaram cair a qualidade da série e houve momentos em que os livros chegavam a uma qualidade insuspeita para esse tipo de publicação. 



Exemplo disso é o número 50, O Pseudo, escrito por Clark Darlton. O livro é uma adaptação da peça O Inspetor Geral, do dramaturgo russo Nicolai Gógol. Gógol escreveu sua peça como uma crítica ao autoritarismo e à corrupção do Estado Czarista. Darlton atualizou a discussão, transpondo-a para um cenário futurista. 

Pelo menos um dos escritores é considerado um mestre da FC do porte de Isaac Assimov e Ray Bradbury: Willian Voltz. Dono de um estilo poético que lembra Bradbury, Voltz colocou humanismo e filosofia na série. O estilo Voltz ficou muito bem claro desde os primeiros livros desse autor na série. No volume 99, a história era pueril e maniqueísta: um dos arcônidas encontrados por Perry Rhodan na lua, Crest, vai para um planeta longínquo para passar os seus últimos dias, mas recebe a visita inconveniente de seres extraterrestres que querem se apoderar de sua nave, o ápice da tecnologia terrestre até então. Voltz transformou essa sinopse numa parábola sobre a amizade e a lealdade, recheada de poesia. 

Na fase em que liderou os escritores, a humanidade passou a questionar seu papel no universo, percebendo que a evolução espiritual era tão importante quanto a material. As histórias passaram a ser mais filosóficas e contemplativas, fugindo do militarismo da fase anterior. 

Os personagens, mesmo os vilões, começaram a questionar sua própria existência, fugindo do maniqueísmo. Nessa nova fase, mesmo os mais ferozes inimigos tinham motivos que justificavam sua suposta maldade. 



No Brasil a série foi publicada pela editora Tecnoprint S.A. a partir de 1975 e durou até o número 536. No início as histórias eram publicadas em formato livro de bolso pequeno, com borda branca. Posteriormente, o formato aumentou, com livros compridos e estreitos e a borda ficou preta. No início da década de oitenta, amparada por propagandas de TV, a série ganhou popularidade e as edições passaram a ser semanais. 

No início da década de 1990, a era Collor provocou uma crise sem precedentes no mercado editorial e o personagem não resistiu, deixando de ser publicado no número 536. 



Apesar de não ser mais publicada, a série continuou aglutinando fãs que se reuniam em torno de fanzines e tentavam articular a volta do personagem. Como o surgimento da internet, essa articulação foi para as redes sociais. Surgiu o Perry Rhodan Fã Clube do Brasil (PRFCB) e o fã-clube começou a negociar com grande editoras, ao mesmo tempo que organizava uma lista de possíveis assinantes. Embora essa lista aumentasse cada vez mais, nenhuma editora parecia se interessar. 

A solução surgiu de um fã, Rodrigo de Lelis, dono de uma pequena empresa de informática, a SSPG, voltada para a documentação eletrônica e editoração de publicações, que passou a publicar a série em volumes que incluíam duas histórias e vendidas através de assinaturas. 

Infelizmente a nova editora parou a publicação impressa, mas continua vendendo os e-books exemplares avulsos através do site do personagem.

Propostas discordantes no jornalismo


Na história do jornalismo percebemos que nem todos leram pela cartilha da objetividade e da pirâmide invertida.

Alguns movimentos e publicações discordavam abertamente do atual modelo de reportagens e apresentavam propostas de mudanças.

Uns se contentaram em mudar a pauta, realizando publicações sobre assuntos pouco enfocados pela imprensa estabelecida. É o caso da imprensa alternativa.

Outros propuseram uma mudança radical até mesmo no jeito de fazer jornalismo. Eu as chamei de "propostas discordantes". Tais propostas colocaram em xeque nossa idéia de imprensa e nos fizeram perguntar o que realmente caracteriza o jornalismo.
Capote, um dos criadores do novo jornalismo


Novo jornalismo

A proposta de aproximar o jornalismo da literatura não é nova. Muitos escritores transformaram reportagens em obras literárias. Exemplo disso é o livro Os Sertões, de Euclides da Cunha, um verdadeiro marco tanto da imprensa quanto da literatura brasileira.

Mas o grande mentor dessa relação foi o norte-americano Truman Capote. Ele acreditava que a reportagem poderia ser uma arte tão requintada quanto qualquer outra forma de prosa, tais como o ensaio, o conto e a novela.

Para provar sua tese, ele procurou o tipo mais baixo de matéria jornalística: a entrevista com astros.

Os brasileiros sabem o quanto é descartável esse jornalismo praticado por revistas como Contigo, Caras e Quem.

Capote queria transformar esse tipo de matéria em uma arte autêntica, provando que o jornalismo poderia ser um gênero literário.

Para isso ele procurou o ator Marlon Brando, então no auge da fama. Capote passou uma noite com Brando em um apartamento em Kioto, no Japão, onde o astro estava filmando Sayonara, de Joshua Logan.

Os dois conversaram a noite inteira, sem que Capote gravasse ou fizesse anotações. Ele acreditava que esses recursos criam um clima artificial e destrói a naturalidade por parte do entrevistado.

O resultado foi publicado na revista New Yorker em 1956 com o título de "O Duque em seus domínios".

Estava criado o Novo Jornalismo.

O texto mostrava o ator de maneira até então inédita e antecipava até mesmo a gordura de Brando (que chegou a pesar, nos anos seguintes, 120 quilos). O ator admitiu, entre outras coisas, que se sentia ofuscado pelo sucesso: "Um excesso de êxito pode arruinar um homem tão irremediavelmente quanto um excesso de fracasso".

Brando aceitou seu perfil como fidedigno, mas disse que se sentiu traído: "Aquele pequeno canalha passou a metade da noite me contando seus problemas. Achei que o mínimo que poderia fazer era contar-lhe os meus".

Em 1959, ao saber que quatro membros de uma família de fazendeiros haviam sido assassinados brutalmente (eles foram amarrados, amordaçados e receberam tiros na cabeça), Capote rumou para a cidade em que havia acontecido o crime, Garden City, decidido a chegar ao ápice de seu projeto de narrar a realidade como ficção.

Passou cinco anos pesquisando. Entrevistou, perguntou, levantou os menores pormenores do caso, tornou-se amigo dos policiais e até dos criminosos, dois assaltantes de nome Perry Smith e Dick Hickock.

Antes de publicar o relato, ele passou o texto para checadora da revista, Sandy Campbell, que verificou todas as informações. A história foi publicada em capítulos no New Yorker e depois reunida no livro A Sangue Frio, um marco do Novo Jornalismo.


A idéia dessa proposta discordante era dar ao leitor algo mais do que os fatos: a vida subjetiva e emocional dos personagens. Isso fazia com que os autores incluíssem no texto até mesmo o pensamento dos personagens.

Outra técnica do new journalism era a composição: fundir a história de várias pessoas e apresentá-las em uma personagem só, fictício. Além disso, essa corrente defendia o jornalismo investigativo: as histórias deveriam ser exaustivamente pesquisadas e checadas nos mínimos detalhes.

No Brasil o auge do Novo Jornalismo foi a revista Realidade, da editora Abril, que dourou de meados da década de 60 a meados da década 70 e só acabou por causa da censura.



Jornalismo gonzo

O nome mais importante do gonzo jornalismo é o norte-americano Hunter S. Thompson.

Na década de 70 ele foi mandado pela revista Rolling Stone para cobrir uma corrida de motos. Gastou todo o dinheiro que haviam lhe dado com drogas, carros, fez contas em hotéis e saiu sem pagar, arranjou problemas com a polícia e, para piorar, só chegou na corrida de motos quando esta já havia acabado. Ao invés de ser demitido, virou celebridade e acabou criando uma nova forma de fazer jornalismo: o gonzo. O batismo foi feito pelo repórter Bill Cardoso. Ao ver os textos de Hunter, ele comentou: "Não sei o que está fazendo, mas você mudou tudo. Isso está totalmente gonzo".

Hunter continuou produzindo reportagens, sempre sob o lema: "Quando as coisas ficam bizarras, os bizarros viram profissionais".

O gonzo, por suas próprias características, não é uma fórmula que possa ser aplicada a um texto. É muito mais uma atitude diante do mundo e do jornalismo.

É possível, no entanto, perceber algumas características no gonzo jornalismo.

A primeira delas é um ataque radical à teoria da objetividade jornalística.

Para os adeptos do gonzo, o discurso da objetividade quer criar confiança, convencer o leitor de que é isenta, livre de desejos, ideologias, medos e interesses de quem escreve.

Ou seja, a objetividade é um discurso de mascaramento da ideologia que permeia o jornalismo. Não interessa ao gonzo se essa ideologia é neo-liberal ou marxista. O importante é o princípio da objetividade serve para esconder o fato de que nenhuma linguagem é neutra.

O gonzo tira essa máscara e daí surge sua primeira característica formal: os textos são sempre escritos em primeira pessoa. O objetivo não é apenas narrar fatos, mas relatar a experiência de um determinado indivíduo com eles.

O fator de haver um mediador entre a experiência e o leitor é destacada, e não escondida.

O gonzo também quer ir contra a imagem que os jornalistas fazem de si mesmos, de sérios e respeitáveis (exemplo disso é o âncora da Record, Boris Casoy).

Tal imagem contribui para transformar o jornalismo em "discurso autorizado". O jornal é a expressão da verdade, e não de "uma verdade".

Em contraste, os gonzo-jornalistas não pretendem ser nem sérios nem respeitáveis.
Hunter Thompson, o criador o gonzo jornalismo.


A carta de princípios da irmandade Rauol Duke (pseudônimo utilizado por Hunter para evitar problemas com a polícia) nos diz que o repórter "deve se envolver na história e alterar ao máximo os acontecimentos dentro da media do Impossível, de forma a transformá-la não em um mero RELATO do evento, mas sim em uma história ENGRAÇADA e CÁUSTICA".

Entretanto, a ficção pura e simples não serve ao gonzo. Ainda segundo a mesma carta, "o conteúdo dos textos deve ser JORNALÍSTICO, ou seja: um fato precisa estar acontecendo necessariamente".

Para fazer jornalismo gonzo não é necessário procurar fatos bizarros. Aliás, o ideal é abordar fatos normais, banais, sob ponto de vista bizarro e pessoal.

Exemplos de jornalismo gonzo estão se tornando cada vez mais freqüentes na imprensa brasileira. Arthur Veríssimo, da revista Trip, foi o primeiro a celebrizar esse estilo no Brasil. Em uma de suas matérias mais antológicas, ele passou um dia como animador de festas infantis.

A revista Zero, recentemente lançada pelas editora Pool e Lester, também traz características gonzo.

O número de estréia trouxe uma matéria sobre as deusas-vivas do Nepal. O título e subtítulo deixam claro o distanciamento que a procura manter do jornalismo convencional: "É DURO SER DEUSA - No Nepal, o dom divino já nasce com data de expiração. Luiz Cesar Pimentel passou uma tarde na casa de uma ex-deusa viva e mostra a realidade casca-grossa das divindades locais".

O texto é em primeira pessoa e não esconde o ponto de vista do repórter:

Por mais que eu tenha me esforçado no parágrafo anterior para dar a real dimensão da discrepância de uma deusa dormir em um sofá-cama e possuir um vira-lata (que parece uma mistura de poodle com nada) como campainha, a cena para quem passa um período no país não é tão assombroso assim. No Nepal, todas as situações têm uma forte tendência ou a não funcionar ou a funcionar de um jeito totalmente estapafúrdio. E, como você deve imaginar, dá tudo certo no final. Ou quase.

Até mesmo a grande imprensa tem se rendido à bizarrice do jornalismo gonzo, embora de maneira mais comportada.

É na, até pouco tempo sisuda, revista Superinteressante que encontramos um exemplo típico de jornalismo gonzo.

Na matéria "Puro Rock'n'roll", publicada na Superinteressante, número 8, ano 15 de agosto de 2001, o repórter Dagomir Marquezi se disfarçou de saxofonista do grupo Jota Quest e participou de show em Mogi das Cruzes, interior de São Paulo. Como uma típica matéria gonzo, o jornalista também é personagem e o texto é em primeira pessoa:

Não bastava tocar: um trio de metais que se preze também dança. Lembrava-me dos muitos shows de James Brown que assistira. "Um passo para a direita, junta os pés. Um passo para a esquerda, junta os pés". Eu operava a coreografia e meus colegas de metais não se agüentavam de vontade de rir da minha picaretagem artística. O baixista PJ e o tecladista Márcio Buzelin, entre risadas disfarçadas, também faziam sinais de que estava me saindo bem.