quarta-feira, janeiro 31, 2024

MAD: Big Barraco Brasil

 

Eu sempre fui muito fã da MAD. Desde que comecei a ler quadrinhos com mais frequência, no início da adolescência e encontrei os sebos, era uma das minhas leituras prediletas. Em 2008 a revista voltou a ser publicada pela editora Panini, após um longo hiato, e eu resolvi entrar em contato com o editor, Raphael Fernandes, me oferecendo para escrever roteiros. O Raphael já conhecia meu trabalho, mas duvidou que eu pudesse escrever humor, já que eu era mais conhecido pelas histórias de terror. E me deu um desafio: fazer uma sátira do Big Brother Brasil. O Raphael é um dos cara mais malucos que já conheci e queria algo igualmente maluco, fora da caixa. Eu propus um Big Brother se passando em uma favela: o Big Barraco Brasil. A história foi bastante elogiada (inclusive por pessoas dentro da editora) e foi minha primeira colaboração para a revista. 

Quadrinhos hiper-reais na revista Nós

 


A revista Nós, da Universidade Estadual de Goiás, dedicou um de seus números mais recentes aos quadrinhos. Entre vários artigos de alguns dos principais pesquisadores de quadrinhos do Brasil, um texto meu sobre a hiper-realidade e simulacro nos quadrinhos do Capitão Gralha.
Para acessar a revista, clique aqui.

Jornada nas estrelas - Os anos mortais

 


Eu acredito que a melhor ficção científica prescinde de grandes orçamentos e efeitos especiais. Exemplo disso é o episódio os “Anos mortais” da segunda temporada de jornada nas estrelas.

Na trama, um grupo de tripulantes desce em planeta para um visita de rotina. Mas o que encontram é aterrador: todos os habitantes do local morreram ou estão morrendo de velhice. Um casal de sobreviventes tinha menos de 20 anos, mas aparentam mais de 90. Ao voltarem para a Enterprise, a doença degenerativa começa a acometer os tripulantes, entre ele o trio Kirk, Spock e McCoy. Para piorar ainda mais a situação, um comodoro, que está sendo transportado para uma estação espacial, assume o comando, alegando que Kirk não tem condições de comandar a nave, o que coloca a Enterprise na rota de naves romulanas.

É um episódio praticamente sem cenários externos e cujo único efeito é a maquiagem nós atores. Mesmo assim, tudo funciona a começar pelo conceito, que aborda um perigo real da exploração espacial. Se na própria terra já são muitas as doenças que surgem ou ressurgem, imagem no espaço.

Além disso,o dilema moral da tripulação, tendo que depor em uma audiência que todos sabem que terminará com o capitão deposto de seu cargo - e todos tentando, sem sucesso, evitar o inevitável. Leonard Linoy leva esse dilema ao seu extremo, pois atua como promotor.

Em sua canastrice inspirada, Kirk consegue repassar a luta do capitão contra a degeneração mental e vai ao outro extremo quando finalmente consegue salvar a nave.

Odisséia em quadrinhos

 


Clássicos da Literatura universal é uma coleção europeia lançada com apoio da Unesco com o objetivo de levar obras fundamentais para um público mais jovem.
O volume Odisséia, escrito por Christophe Lemoine e desenhado pelo paraense Miguel Lalor Imbiriba conta a história da volta de Ulisses para sua terra, depois de 10 anos na Guerra de Tróia.
O poema de Omero é um dos textos mais importantes da literatura ocidental e certamente serviu de base para o gênero aventura. O escritor Isaac Asimov adorava a obra e destacava uma de suas características mais interessantes: em oposição a heróis puramente musculosos e valentões, como Hércules, Ulisses é um herói cerebral, alguém que consegue se livrar dos perigos graças à astúcia e inteligência.

Adaptar uma obra tão relevante torna ainda maior e mais arriscada a tarefa dos dois autores responsáveis pela adaptação. E não decepcionam. O desenho de Miguel Lalor se destaca desde as primeiras páginas pelas belas mulheres e pela boa reconstituição de época, assim como a ótima caracterização dos deuses. O roteiro, por outro lado, consegue ser fiel à obra original e, ao mesmo tempo adaptá-la bem à linguagem dos quadrinhos. Há cortes narrativos bem orquestrados, que enxugam a história sem perder sua essência.

Saber em quadrinhos: pesquisas, práticas e produção de conhecimento

 



Já estão disponível para download gratuito os dois mais recentes livros da Aspas: Saber em quadrinhos: pesquisas, práticas e produção de conhecimento. 

Os livros foram organizados por Sabrina da Paixão Brésio e Nataniel dos Santo Gomes e reúnem trabalhos produzidos por pesquisadores e apresentados durante o VI FNPAS, que ocorreu em 2022.

Uma obra multidisciplinar que dialoga com várias áreas do conhecimento e que traz novas perspectivas sobre a pesquisa e o uso dos quadrinhos. O lançamento foi realizado no canal da ASPAS no Youtube, em uma conversa como os organizadores. O video pode ser acessado clicando aqui!

Os dois volumes da obra podem ser adquirido gratuitamente em formato pdf.

No volume dois encontra-se um artigo meu sobre a Jornada do horror. 

Confira as duas publicações clicando aqui


A arte impressionante de Dave Gibbons

 

Dave Gibbons vai ficar para sempre marcado como o desenhista e co-criador da antológica série Watchmen. Mas sua carreira iniciou muito antes disso e foi muito além. Gibbons é um desenhista completo, com uma incrível capacidade de criar conceitos, padrões visuais, composições. Cada traço seu tem um estilo único que já era visível em suas colaborações para a revista inglesa 2000 AD (na qual conheceu Alan Moore). Confira a arte impressionante desse artista único.











Os mini posteres da Abril

 


 

Em 1985 a editora Abril encartou nas suas revistas da DC e da Marvel uma série de mini posteres com alguns dos personagens publicados pela editora na sua linha de super-heróis. Com um fundo prateado, esses mini posteres se tornaram item de colecionador. 

Algumas curiosidades: 

- Há dois posteres com desenhos de Garcia-Lopez, um do Super-homem e outro da Liga da Justiça. Há dois posteres com desenhos de Mike Zeck, do Capitão América e do Mestre do Kung Fu, o que demostra que Zeck e Garcia-Lopez eram os desenhistas mais populares da época. 

- Aparecem nos posteres pesos pesados da Marvel, como Homem-aranha e Hulk. Mas um personagem hoje pouco conhecido, o Mestre do Kung Fu também teve direito a um posteres apenas dele. Reflexo do sucesso do personagem na época e do bom trabalho da Abril com personagens secundários da Marvel. 







O caso da borboleta Atíria

 

Lúcia Machado de Almeida foi uma das mais inventivas escritoras da coleção Vaga-Lume. Em O caso da borboleta Atíria, por exemplo, ela construiu toda uma trama policial que se passava no mundo dos insetos.

A história inicia com o nascimento da protagonista, Atíria e já nesse ponto fica claro o estilo da autora, que escrevia como se tivesse falando diretamente com o leitor: “Atenção! Eis que a crisálida começou a mexer-se... rompeu-se... e, pouco a pouco, veio surgindo lá dentro uma pequena borboleta”.

Atíria, apesar da beleza de da boa índole, era defeituosa, tinha nascido com desvio qualquer nas asas. “E não havia jeito. A vida inteira ficaria assim, sem poder ir longe, sem aguentar viagens longas”. Esse problema anatômico, que à primeira vista parece ser apenas uma caracterização da personagem, é aproveitado pela autora na história.

A trama gira em torno do príncipe Grilo, cuja noiva, Helicônia, é morta logo no início do livro. Mais à frente, outra noiva é também morta. Quem investiga o caso é o senhor Papílio, também uma borboleta, que o ilustrador Milton Rodrigues Alves representa como se fosse um Sherlock Holmes, inclusive com o chapéu característico.

A trama de investigação policial é quase ingênua. À certa altura, por exemplo, Papilo decifra quem está matando abelhas e a resolução acontece quase por acaso, quando ele se depara com borletas se fazendo passar por abelhas. A resolução do caso principal também se deve principalmente à coincidência uma vez que o detetive, protegendo-se de um violento vento, acaba ouvindo uma conversa entre os vilões.

Mas, apesar dessa simplicidade, o livro encanta principalmente pela preocupação de Lúcia Machado de Almeida em pesquisar o mundo dos insetos e adaptar isso para sua trama. A pesquisa aparece no final do livro, quando ela coloca uma bibliografia das obras consultadas, mas também, e principalmente, nas notas de rodapé, nas quais ela apresenta o nome científico e outras curiosidades sobre as espécies citadas.

A autora chega, inclusive, justificar algumas liberdades poéticas. À certa altura, por exemplo, ela fala da Dona Cigarra,  famosa soprano-ligeiro do bosque. Uma nota de rodapé esclarece: “Somente os machos das cigarras cantam. Que o leitor perdoe minha inexatidão”.

O caso da borboleta Atíria se tornou, assim, uma ótima obra de divulgação científica. Muitos dos leitores que se encantaram com a história se interessaram em aprofundar e assunto e se tornaram cientistas. Um deles inclusive chegou a fazer uma postagem no blog sobre cada um dos insetos citados na obra: http://bibocaambiental.blogspot.com/2017/09/a-verdadeira-fauna-do-livro-o-caso-da.html?m=1.

terça-feira, janeiro 30, 2024

Esquadrão Atari

 


Em 1984, a editora DC lançou uma versão em quadrinhos baseada nos jogos de vídeo-games da Atari. Não era a primeira adaptação de games da Atari, mas esse estava destinado a entrar para a história como um dos melhores trabalhos da era de bronze dos quadrinhos. A equipe criativa era composta por dois grandes nomes dos comics: o roteirista Gerry Conway e o desenhista José Luis Garcia Lopes.
            Gerry Conway, nascido em 1952, começou a escrever quadrinhos ainda na juventude com histórias para revistas de histórias curtas da DC Comics, como a House of Secrets, mas seu grande sonho era trabalhar com um título de super-heróis. Graças a um amigo, ele conheceu Roy Thomas, editor da Marvel, lhe entregou um argumento e pediu que ele desenvolvesse. Roy gostou do resultado e, com 19 anos, Conway foi efetivado no cargo de roteirista oficial do Homem-aranha.
            Apesar de inseguro no início (as primeiras histórias eram co-escritas com o desenhista do título, John Romita Senior), Conway logo se destacou e acabou escrevendo algumas das mais importantes histórias do aracnídeo na década de 1970, entre elas a controversa morte de Gwen Stacy. Conway foi também, junto com o desenhista Ross Andru, responsável pela criação do Justiceiro, que surgiria como personagem secundário na série do Aranha, mas se tornaria um dos mais populares da Marvel na década de 1980.
            Em meados da década de 1970, ele foi contratado pela DC, onde faria o primeiro crossover entre as duas maiores editoras do mercado norte-americano: o encontro de Superman e homem-aranha.
            José Luis Garcia Lopez nasceu na Galícia, mas mudou para a Argentina ainda jovem, onde leu muito quadrinho norte-americano, especialmente os trabalhos de Alex Raymond e Roy Crane.
            Indo para os EUA, Garcia Lopes substituiu Joe Kubert na revista Tarzan, o que acrescentaria mais uma influência seu traço, já que na época era comum um desenhista que entrava num título imitar o anterior, para os leitores não sentirem o impacto da mudança.
               Depois de trabalhar para a Charlton, ele se fixou na DC Comics, onde desenvolveria um dos traços mais dinâmicos e bonitos dos comics americanos. Seu visual do Super-homem atlético praticamente redefiniu a imagem do Homem-de-aço. Uma das imagens mais famosas, do personagem arrebentando correntes com a simples flexão dos músculos do peito, é de autoria de Garcia Lopes.
Garcia Lopes foi responsável pelo traço do segundo grande encontro da década de 1970: entre o Hulk e Batman, com roteiro de Len Wein.
Esquadrão Atari juntava, portanto, dois dos nomes mais importantes da era de bronze dos quadrinhos americanos. E ambos não decepcionaram. A primeira história mostrava personagens bastante originais: os mercenários Dart e Blackjack, o gigante bebê, que é seqüestrado de seus planeta natal, a telepata Morféa, vinda de uma civilização em que as crianças são criadas sem identidade (e sempre se refere a si mesmo como “este ser”), o ladrão Paco Rato, o rapaz Tormenta, que tem a  capacidade de se teleportar e seu pai, Martin Champion, um homem obcecado com a idéia de que o universo está sendo ameaçado por uma força poderosíssima chamada Destruidor Negro. Esse time improvável irá se juntar, alguns contra a vontade, para salvar o universo.
Embora a primeira história fosse essencialmente uma apresentação de personagens, ela já apresentava algumas das mais interessantes características da série: a ação vertiginosa e o suspense muito bem trabalhado. A estrela dos primeiros números é Dart, que junto com seu namorado Blackjack vão cobrar uma dívida e são atacados por um exército, mas conseguem escapar. A sequência inicial mostrava os dois lutando contra os soldados do general Ki numa página dupla que é um dos momentos mais clássicos dos quadrinhos da era de bronze. Dart e Blackjack estão no quadro maior, que é invadido por uma mão vinda de fora do quadro, apontando uma arma para Dart. Na sequência lateral, a heroína nocauteia o dono da mão. Ali estão os elementos que fariam de Garcia Lopes um dos desenhistas mais requisitados para capas: a composição inovadora, o dinamismo e o perfeito domínio da anatomia.   
Se Garcia Lopes tinha perfeito domínio da parte visual, Gerry Conway se revelou um mestre do roteiro, com uma ótima caracterização de personagens, narrativas paralelas, e uma trama muito bem costurada. Os dois, inclusive, voltariam a se encontrar anos mais tarde, na minissérie Cinder e Ash, com grande sucesso.
A dupla foi responsável pelo título até o número 12. O número 13 contou com roteiro de Conway e desenhos do estreante Eduardo Barreto, que emulava o estilo de Garcia Lopes. No número 14 a equipe se modificou completamente com a entrada de Mike Baron no texto. Ainda assim a revista continuou com um bom nível de qualidade até o número 20, quando a trama finalmente fechou.
No Brasil, Esquadrão Atari era uma das principais atrações de revistas como Herois em Ação e Superamigos. Infelizmente, questões de direitos autorais com a Atari fizeram que com essa série não fosse republicada, razão pela qual poucos leitores da nova geração conhecem essa obra-prima da ficção-científica.

A invenção da imprensa

 


O filósofo Marshall McLuhan propunha que a forma como nos comunicamos molda a sociedade em que vivemos e a forma como pensamos. A invenção da escrita, por exemplo, permitiu a criação dos grandes impérios, do pensamento linear e da burocracia. Na Idade Média, a invenção do pergaminho abriu caminho para que a escrita fosse vista como algo divino, elitizado, moldando a sociedade do período.
Outra grande mudança ocorre com a invenção da imprensa. McLuhan considera tão importante essa invenção que chama o mundo criado pela imprensa como Galáxia de Gutemberg. Com ela veio a era das revoluções, o nacionalismo e até o sentimento de individualidade e privacidade.
Uma das revoluções causadas pela impressa foi a publicação de livros, em especial a Bíblia em línguas locais. Essas edições deram às pessoas a noção de pátria, unida por uma linguagem. Além disso, com o barateamento do processo de produção, agora era possível ler livros individualmente, ao contrário da Idade Média, em que a leitura era quase sempre coletiva, com uma pessoa lendo para um grupo. Isso deu às pessoas a noção de individualidade e privacidade. Curiosamente, mais ou menos no mesmo período a arquitetura traz uma grande inovação: os corredores, que vão permitir que as pessoas tenham a privacidade de seus quartos. Com o tempo, muitos desses corredores passam a ser ornados por obras de arte, quadros assinados por grandes artistas, mantidos por mecenas, daí surgindo a ideia de direito autoral (na Idade Média os artistas não assinavam seus trabalhos pois se considerava que sua arte era para a glória de deus e não do pintor). Nas palavras de McLuhan: “A imprensa criou o livro portátil, que os homens podiam ser em particular e isolados dos outros. O homem podia, agora, inspirar – e conspirar. Como a pintura de cavalete, o livro impresso muito contribuiu para o novo culto do individualismo”.
A invenção da imprensa vai popularizar o pensamento linear, já que os livros vinham numa sequência lógica que devia ser lida página a página.
A imprensa permitiu também a era das revoluções. O protestantismo surgiu a partir da leitura da Bíblia em línguas nacionais (antes era proibido traduzir a Bíblia e praticamente só os padres as liam e interpretavam para os fieis). Também como consequência do barateamento dos livros, as ideias de filósofos revolucionários, como Descartes e, posteriormente, os iluministas, como Voltaire e Rousseau, se espalharam pelo mundo. As ideias revolucionárias se espalhavam não só na forma de livros, mas também através dos jornais. Não é coincidência que os três grandes líderes da revolução francesa (Danton, Marat e Robespiere) eram também jornalistas. 
A criação da rotatória e, posteriormente, do rádio e do cinema, iriam de novo provocar grandes mudanças. Nunca antes uma mensagem poderia ser enviada a tantas pessoas ao mesmo tempo. Isso possibilitou a cãoenção de ditadores como Hitler e Mussolini, que utilizaram jornais, rádios e filmes para difundir suas ideias e convencer as pessoas a obedecerem. Tratava-se da era das massas em que as pessoas eram tratadas apenas como parte de um todo. Esse período foi sintetizado na teoria hipodérmica, segundo a qual a mídia tem poder absoluto sobre as pessoas.
Em meados do século XX surge a televisão e com ela a era do audiovisual. Embora fosse um meio de massa, McLuhan enxergava nela uma possibilidade de maior participação. A baixa resolução da telinha levaria o expectador a interagir com o conteúdo, não se tornando o apático receptor da era das massas. Essa visão otimista e um pouco ingênua, há de se destacar o fato de que a transmissão da guerra do Vietnã fez com que pela primeira vez a juventude americana se pronunciasse contra uma guerra. Provavelmente a familiaridade com imagens de vietnamitas, como a da menininha correndo nua, atingida por napalm, tenham possibilitado uma maior aproximação com o fato. A TV tornou possível ver que o inimigo também era um ser humano.
Embora estivesse escrevendo muito antes da internet, McLuhan parecia antecipar a sociedade da informação: “As informações despencam sobre nós, instantaneamente e continuamente. Tão pronto se adquire um novo conhecimento, este é rapidamente susbstituído por uma informação ainda mais recente. Nosso mundo eletricamente configurado forçou-nos a abandonar o hábito de dados classificados para usar o sistema de identificação de padrões. Não podemos mais construir em série, bloco por bloco, passo a passo, porque a comunicação instantânea garante que todos os fatores ambientais e de experiência coexistem num estado de ativa interação”.
Nesse  mundo de informação contínua, a comunicação se transforma num fluxo caótico em que a mídia oferece cada vez mais dados e a o cérebro humano é obrigado a se adaptar a receber. Na medida em que a mente humana se acostuma com esse fluxo, passa a pedir mais e mais e o processo se amplia mais ainda num círculo vicioso.
As novas  gerações lidam com informação como se fosse um vício: é a novidade que vira a qualquer momento no Facebook ou no Twitter, é o e-mail essencial que virá a qualquer momento e que exige constante vigilância.
As mensagens não são mais procuradas e recebidas de maneira linear, como na galáxia de Gutemberg, em que as informações vinham na mesma sequência das páginas dos livros. Nesse novo mundo, a informação passa a ser relacional. A leitura de um texto leva a outro texto, que leva a outro texto, que leva a outro texto e que muitas vezes leva ao primeiro texto.

Van Gogh - Quarto em Arles

 


Apesar de toda a beleza e explosão de cores, a pintura que Van Gogh fez do quarto de pensão onde morou no fim da sua vida, em Arles, reflete o estado de espírito conturbado do grande pintor. Os objetos parecem não ter uma relação entre si, a janela está entreaberta, os quadros parecem cair sobre a cama. A obra é, portanto, um bom exemplo de como Van Gogh abriria caminho para o surgimento da arte expressionista. Essa versão do quadro, de 1889, um ano antes da morte do autor, está atualmente no Museu D´Orsay, na França, em uma das salas mais concorridas do local.

O demônio da mão de vidro

 

O demônio da mão de vidro foi um dos episódios mais emblemáticos do seriado The Outer Limits, conhecido no Brasil como Quinta dimensão. Escrito por Harlan Ellison, ele nele, um homem do futuro volta à década de 1960. Desmemoriado, ele descobre que sua mão de vidro é na verdade um computador, mas faltam três dedos. Ao mesmo tempo, ele está sendo perseguido por extraterrestres que invadiram a terra no futuro. Esse enredo influenciou tanto O Exterminador do futuro que James Cameron foi obrigado a colocar o nome de Harlan Ellison nos créditos. A adaptação para quadrinhos foi publicada no Brasil na série Graphic Globo, n. 2. A adaptação fez algum sucesso, mas passou despercebida principalmente em decorrência do desenho de Marshall Rogers ser comportado na comparação com outras graphics que eram publicadas na época. Ainda assim, é uma ótima leitura.

Beach Babe

 


A origem de Beach Babe está na HQ O Farol, publicada em uma das muitas revistas eróticas da editora Nova Sampa. Quando Bené se tornou um desenhista famoso nos EUA um agente teve a ideia de oferecer essa e outra história (Blood Road) para a editora Phantagraphics, dos EUA, que lançou ambas em revistas solo no selo Eros Comics no ano de 1995.

Na trama um casal vai para uma praia deserta e descobre o que parece ser um farol abandonado. Mas na verdade trata-se de uma nave espacial cujo objetivo é coletar informações sobre os habitantes da Terra. E a primeira informação que eles coletam é sobre prazer: o casal se separa e mulher encontra com um homem  belíssimo e acabam fazendo sexo (embora não seja mostrado, o homem também encontra uma mulher belíssima).

O casal descobre um farol, mas na verdade trata-se de uma nave espacial. 


No final, uma narrativa da nave diz que os androides recolheram informações sobre o prazer, mas falta a sensação de dor... e os personagens são retalhados.

Essa história foi publicada, mas gerou uma carta do editor Franco de Rosa na qual ele pedia, por favor, que nós não matássemos os personagens nos finais das histórias.

O desafio era expressar com o texto o sentimento da personagem. 


Embora a trama fosse simplória, quase uma desculpa para cenas de sexo (afinal, era uma revista erótica, lembram?), eu gosto particularmente do texto, inclusive nas sequências eróticas, na qual eu usei e abusei de metáforas náuticas.  Nesse sentido, o desenho do Bené criava um desafio, pois a narrativa visual era muito eficiente, contando a história praticamente sozinha. A forma de tornar o texto relevante era explorar aspectos que a imagem não conseguia mostrar.

A história tinha um toque de humor ácido. 


O quadro que mostra a moça vendo o androide é um exemplo de como usar o texto para mostrar a percepção dos personagens indo além do que o desenho podia mostrar: “Eu o vejo. Milhares de lampejos minúsculos se elevando... fazendo espirais... e se inclinando em queda livre rumo ao chão”.  

Black Mirror: Bandersnatch

 

Black Mirror é uma série que tem se destacado por sua visão distópica da tecnologia. O mundo de simulacros e controle social via tecnologia são temas constantes dos episódios. Bandersnatch, filme da série lançada recentemente pela Netflix explora muito bem esses temas em um formato que já havia sido explorado na literatura e nos jogos, mas é novidade na TV: a possibilidade do receptor fazer escolhas, interferindo na história.
Na trama, que se passa na década de 1980, um programador está desenvolvendo um jogo adaptado de um livro do tipo “escolha sua aventura”. O público escolhe o tempo todo o que ele irá fazer, desde decisões cruciais, como aceitar que o jogo seja feito por uma equipe, até qual o música ele ouvirá ou o cereal que ele irá com comer.
Esse enredo é usado para discutir o livre-arbítrio tanto do personagem quanto do expectador. O protagonista começa a desconfiar que está sendo controlado, mas à certa altura se pergunta se o expectador também não está sendo levado a fazer determinadas escolhas.
Quem se aventurar a explorar todo o filme-jogo perceberá que isso é verdade: algumas escolhas levam apenas a um labirinto narrativo. Outras (aquelas que estão de acordo com a proposta do roteirista) fazem a trama se desenvolver.
Isso serve como baliza para a grande discussão por trás do episódio: será que temos realmente livre arbítrio, ou somos apenas pessoas fazendo escolhas pré-determinadas?
Um outro assunto que permeia toda a trama é o mundo de simulacro, mostrado como um programa de computador, uma metáfora de nossa realidade. Vivemos em um mundo em que não existe mais realidade objetiva, mas narrativas. “Se você prestar atenção, poderá até ouvir os números”, diz o personagem à determinada altura. Parece estar falando do mundo atual.
Bandersnatch é uma experiência perturbadora e viciante. Difícil dizer que gostamos ou não gostamos. Na maioria das vezes, o resultado das escolhas é pertubador ou até mesmo metalinguístico.
Como iniciativa midiática foi uma estratégia perfeita: o episódio tem gerado diversos textos tentando decifrar seus meandros, gerando ainda mais interesse por ele.

segunda-feira, janeiro 29, 2024

Mashup: quanto mais misturado, melhor

 


O termo remix surgiu em 1972, quando o DJ Tom Moulton lançou seu primeiro disco. Posteriormente, com o surgimento das tecnologias das multi-tracks e do sampling, a prática se popularizou. Essas tecnologias, somadas ao computador, permitiram separar partes de uma música, incluindo separando vocal de instrumentos e, ao mesmo tempo maninpulá-los, alternado timbres, tempos e volumes. A partir do ano 2000, o termo “remix” passou a ser usado de maneira mais comum fora da área da música, uma vez que as artes visuais e a literatura começaram a adotar a reconfiguração como elementos de criação.
Entre os elementos do remix encontra-se o mashup. O termo pode ser traduzido como mistura. Neles, o artista une partes de vídeos e músicas pré-existentes, somando-os a composições novas e, muitas vezes, reconfigurando seus significados.
Mashup é misturar elementos de outras obras, criando uma obra original a partir dessa mistura.
A estética do mashup não se limita apenas à música. Há na internet vários vídeos que usam a técnica. Em um dos mais famosos, o então presidente norte-americano George Bush “canta” a música “Imagine”, de John Lennon (http://www.youtube.com/watch?v=n41bRHlr76Y). A música é retirada de falas reais do presidente norte-americano, editadas com um fundo musical eletrônico. Há aí um sentido irônico, uma vez que a música fala de paz e o presidente estava envolvido à época com a Guerra contra Iraque.

Esse mesmo sentido irônico pode ser encontrado no documentário Surplus (http://www.youtube.com/watch?v=YbpmWeymWWw), em que líderes mundiais de países capitalistas fazem um discurso contra o consumismo e o capitalismo num vídeo que apresenta técnicas de propaganda. O vídeo é a mistura de vários outros vídeos, pegando partes de falas dos presidentes e dando-lhes outro significado.
Na literatura, os mashups se caracterizam, principalmente, por releituras de obras clássicas da literatura acrescidas a gêneros pop. Exemplo disso é o romance Orgulho e Preconceito, de Jane Austen, que se transformou em Orgulho e Preconceito e Zumbis nas mãos de Seth Grahame-Smith.


Na internet, fãs fazem mashups visuais de suas séries favoritas. Um dos mais comuns é a tira Peanuts, que foi misturada, por exemplo, com o filme Alien, Watchmen ou Jornada nas Estrelas. Super-heróis são incluídos em quadros famosos, o vilão de Harry Potter é introduzido na capa de um disco dos Ramones... Quanto mais inusitada a mistura, mais interessante o mashup. 

Dez dicas para roteiristas de quadrinhos

 


1 - Não leia só quadrinhos. Um bom roteirista de quadrinhos lê de tudo: livros, revistas, jornais etc.
2 - Não leia só quadrinho americano ou japonês. Argentina, Inglaterra, França, Itália e Brasil são países que produzem ótimas HQs, que você deve conhecer.
3 - Sempre pesquise. Se sua história é sobre um advogado, pesquise livros jurídicos, pesquise sobre como funciona a justiça. Se for sobre o Egito, procure livros de história. 
4 - Não tente contar a história do universo. Comece com histórias curtas.
5 - Faça com que seu roteiro seja agradável para o desenhista. Se for necessário contar uma piada para que a leitura do roteiro seja mais agradável, conte.
6 - Imagine a cena visualmente antes de escrevê-la. Se houver mais de uma ação, divida em mais de um quadrinho.
7 - Produza. Seu texto só vai melhorar se você produzir continuamente.
8 - Use como referência grandes roteiristas, mas aos poucos busque estabelecer um estilo próprio.
9 - Não seja um colonizado. Esqueça Nova York. Faça histórias sobre sua realidade. Se o leitor viver a mesma realidade que você, a identificação será mais fácil.
10 - Seja objetivo. Não encha os balões de texto desnecessário. Nunca diga com o texto algo que o desenho já está dizendo.

Pacto de sangue


Billy Wilder é um diretor que nunca fez um filme ruim e que tem obras-primas nos mais variados gêneros: uma das melhores comédias de todos os tempos (Quanto mais quente, melhor), um ótimo filme de tribunal (Testemunha de acusação), um drama antológico (Crepúsculo dos deuses), um dos melhores filmes sobre jornalismo (A montanha dos sete abutres),o melhor filme sobre o alcolismo (Farrapo humano) e um dos grandes filmes noir.

Esse último é representado por Pacto de sangue, escrito por Wilder em parceria com Raymond Chandler, um dos mestres do gênero.

O filme, de 1944, conta a história de um corretor de seguros que é seduzido por uma linda mulher para matar o marido dela no que deveria parecer um acidente de trem, possibilitando a ela ganhar uma pequena fortuna para a época (100 mil dólares). O filme se sustenta no suspense sobre se os dois serão descobertos ou não, mas tem muitos outros atrativos. Entre eles os diálogos rápidos, cortantes, cheios de duplo sentido (o que, aliás, é um problema para que assiste a uma versão legendada - os diálogos são tão rápidos que às vezes é difícil acompanhá-los).
Também merece destaque o início, genial: o personagem Walter Neff chega ao escritório da companhia de seguros e começa a gravar uma confisssão. O espectador passa boa parte do filme imaginando porque dessa confissão. Ou seja: somos fisgados desde o primeiro minuto.