INTRODUÇÃO
Desde a Escola de Frankfurt, o termo Indústria Cultural tem sido usado para designar aquelas peças culturais que não são nem fruto da elite, nem da população menos favorecida, configurando produtos veiculados através dos meios de comunicação de massa.
Entretanto, fatos recentes têm demonstrado que o conceito formulado por Horkheimer e Adorno nem sempre se adequam aos produtos da mídia.
Por outro lado, começa a ser usado um novo termo para designar esses mesmos produtos: cultura pop. O termo, embora de uso corrente, não mereceu até o momento uma melhor análise por parte da comunidade acadêmica.
O nosso objetivo aqui é dar uma definição do termo cultura pop, trabalhando-o como complementar ao de Indústria Cultural.
INDÚSTRIA CULTURAL
O conceito de Indústria Cultural foi veiculado pela primeira vez em 1947, por Horkheimer e Adorno, no texto "A dialética do Iluminismo". O termo foi cunhado em oposição à cultura de massa, que dava a idéia de uma cultura surgida espontaneamente da própria massa.
Para Adorno, a idéia de que os produtos da Indústria Cultural vêm do povo é equivocada, pois a Indústria Cultural, ao aspirar à integração vertical de seus consumidores, não apenas adapta seus produtos ao consumo das massas, mas também determina esse consumo.
O termo Indústria Cultural é mais adequado, pois deixa bem claro que tais peças culturais são produtos fabricados para serem consumidos, assim como sabonetes e carros.
É importante notar, como destaca José Marques de Melo, que as reflexões da escola de Frankfurt foram feitas durante "a transição da sociedade industrial para a sociedade da informação, tendo a emergente indústria cultural como protagonista hegemônico.
Adorno e Horkheimer partem da constatação de que a sociedade industrial não havia realizado as promessas do iluminismo humanista. O desenvolvimento da técnica e da ciência não trouxe um acréscimo de felicidade e liberdade para o homem.
Considerando-se, diz Adorno, que o iluminismo tem como finalidade libertar os homens do medo, tornando-se senhores de si e liberando-os do mundo da magia, do mito e da superstição, e admitindo-se que essa finalidade pode ser atingida por meio da ciência e da tecnologia, tudo levaria a crer que o iluminismo instauraria o poder do homem sobre a ciência e a técnica. Mas o que ocorreu foi justamente o contrário. Liberto do medo mágico, o homem tornou-se vítima de um novo engodo: o progresso da dominação técnica.
Ao invés do libertar a humanidade, o progresso da técnica acabou por escravizar o homem, alienando-o.
Os meios de comunicação de massa, resultado direto de desenvolvimento da técnica, tiveram papel importante nesse processo de escravização da massa.
Segundo os pensadores frankfurtianos, a reprodutibilidade técnica tirou tanto da cultura popular quanto da cultura erudita o seu valor real. O resultado, a Indústria Cultural, não conduz à experiência libertadora da fruição estética.
O próprio princípio da reprodução deformaria a obra, pois ela seria nivelada por baixo, evitando sempre que possível aqueles elementos que poderiam interferir no seu caráter de produto.
Exemplo disso podemos ver na adaptação da Disney para o clássico “O Corcunda de Notre Dame”, de Victor Hugo. A história foi "adocicada" para se tornar mais palatável ao consumidor...
Assim, a Indústria Cultural pretende alienar, e não conscientizar; acomodar, e não incitar.
Para os frankfurtianos, os produtos da Indústria Cultural teriam três funções:
A. ser comercializados;
B. promover a deturpação e a degradação do gosto popular;
C. obter uma atitude sempre passivados seus consumidores.
Como são feitos para serem vendidos, os produtos da Indústria Cultural jamais devem desagradar os compradores. A produção é homogeneizada e nivelada por baixo.
Para Adorno, a visão crítica por parte do expectador não é possível dentro da Indústria Cultural, pois "A transformação do ato cultural em valor suprime sua função crítica e nele dissolve os traços de uma experiência autêntica".
Embora seja fundamental para a análise dos meios de comunicação de massa, em especial na primeira metade do século passado, a noção de Indústria Cultural tem sido objeto de diversas críticas.
Martellart, por exemplo, desconfia que Adorno e Horkheimer estigmatizaram a Indústria Cultural em decorrência de seu processo de fabricação atentar contra certa sacralização da arte: "Na verdade, não é difícil perceber em seu texto o eco de um vigoroso protesto erudito contra a intrusão da técnica no mundo da cultura".
Além disso, as idéias da escola de Frankfurt, mesmo atacando o conformismo, acabaram se tornando um discurso conformista, de pessoas que, confortavelmente em suas poltronas ou empregos, apenas criticam a indústria cultural, sem, no entanto, apresentar qualquer opção.
CULTURA POP
O termo cultura pop tem sido usado indiscriminadamente para designar diversos produtos da Indústria Cultural. Fala-se em música pop, pop rock, quadrinhos pop e, finalmente, cultura pop.
Mas o que é cultura pop? O que caracteriza algo como pop? Que tipo de cultura é essa, denominada pop?
Uma resposta interessante para a pergunta está no ponto de vista daqueles que colocam a cultura pop como uma alternativa para a cultura oficial.
Em um virulento editorial da revista General Visão, número zero, Rogério de Campos ataca o imobilismo cultural daqueles que criticam a Indústria Cultural por comodidade:
"Essa revista surge para, entre outras coisas, chatear essa gente. Nosso objetivo é mergulhar nas imagens criadas pela tal cultura pop e provocar mais imagens. Desenhos de shapes de skate, games, ilustrações, brinquedos estranhos, capas de discos, roupas, flyers, cartazes, filmes, tatuagens, fanzines, desenhos de sites, desenhos animados, fotografias, histórias em quadrinhos e até pinturas e esculturas. Criadores que vivem além das fronteiras das imaculadas galerias ou apenas inconvenientes, fora do lugar "correto", fora do tempo, contraditórias, infinitas imagens elétricas para ofuscar as imagens oficiais. Não siginifica ficar deslumbrado pela Indústria Cultural, mas, ao contrário, enfrentá-la com ações e visões críticas".
Daí percebe-se o conceito de cultura pop como algo que nasce da Indústria Cultural, mas não se limita às regras suas acríticas e homogenizantes. Ao contrário, a cultura pop está muito mais próxima da subversão que da ideologia. Ela, constantemente, quer incomodar o receptor, ao invés de acomodá-lo.
O trabalho do autor britânico de histórias em quadrinhos) Alan Moore se encaixa perfeitamente nesse padrão. Sua produção de quadrinhos tem sido subversiva e inquietante: do “herói” anarquista em “V de Vingança” à denúncia da moral vitoriana, na história incrivelmente detalhada de Jack, o Estripador, “Do Inferno”, recentemente transformada em filme.
Quando achou que os leitores estavam acomodados à sua produção mais intelectual, Moore, para provocá-los, dedicou-se a fazer histórias de super-heróis para a editora Image.
Essa produção crítica e provocadora não se encaixa em absoluto no conceito de Indústria Cultural.
Muito antes de Alan Moore, a editora americana E.C. Comics já fazia quadrinhos que estavam mais próximos do conceito de obra aberta do que de Indústria Cultural.
São inúmeros os outros exemplos (de)produções que estão mais próximas da entropia que da redundância que, teoricamente, deveria caracterizar a Indústria Cultural.
No cinema, há diretores como os americanos QuentinTarantino (, de “Cães de Aluguel” e “Tempo de Violência”) e Terry Gillian e, mais recentemente o indiano M. Night Shyamalan, (de “O Sexto Sentido” e “Corpo Fechado”)que não se encaixam no jeito americano de fazer filmes.
Na música há bandas que rompem com os ditames do stablishment: Beatles e suas experimentações, o incorfomismo de Raul Seixas, Pato Fu e a crítica à TV (na música “Televisão de Cachorro”)...
Por outro lado, há toda uma leitura crítica por parte dos receptores que foi totalmente ignorada pelos frankfurtianos, assustados com a idéia de uma mídia toda-poderosa, derivada do conceito de agulha hipodérmica.
A leitura de uma história em quadrinhos, de um seriado de TV, de um filme, pode evoluir desde a fruição pura e simples até uma análise semiótica aprofundada.
Embora os meios de comunicação de massa tenham como objetivo a leitura e a fruição rápidas, isso não significa que todos os leitores estejam “amaldiçoados” a fazerem sempre leituras superficiais.
Alguns leitores discutem os quadrinhos da mesma forma que um crítico de arte o faria com um quadro, ou um crítico literário com um romance.
Por conta dessa leitura, alguns produtos da indústria cultural acabam se tornando cultura pop. É o que acontece, por exemplo, com o seriado Jornada nas Estrelas ou com as histórias clássicas de Jack Kirby e Stan Lee para a Marvel.
Importante notar que, embora não tenham uma postura tão crítica ou provocadora quanto outros exemplos de cultura pop, tanto Jornada quanto as histórias clássicas da editora americana de quadrinhos Marvel (dona do Homem-Aranha, Capitão América e X-Men) têm duas características em comum:
A. Eles apresentam inovações significativas com relação ao modo de fazer as coisas dentro daquele gênero ou mídia (ou seja, são mais informativos que redundantes). A Marvel inovava, e muito, ao mostrar o lado humano dos heróis (o melhor exemplo talvez seja o Homem-aranha, sempre envolvido com gripes, perseguições da polícia e brigas com a namorada), sem falar na estética expressionista de Jack Kiby. Jornada nas Estrelas inovava ao introduzir nos seriados de ficção um vivo manifesto pacifista e ao dar um grande valor aos roteiros bem elaborados.
B. Eles se destacam por seu caráter mítico. Não são poucos os autores que admitem o caráter mítico de Jornada nas Estrelas e de personagens como o Surfista Prateado. A mídia estariam, nesse caso, resgatando algo que havia se perdido com a quase total extinção dos chamados contadores de histórias que, nas sociedades de desenvolvimento tecnológico menos desenvolvido, são os principais divulgadores dos mitos.
CONCLUSÃO
O conceito de cultura pop surge não para substituir o de indústria cultural, mas complementá-lo. Ele é aplicado onde justamente as teorias da escola de Frankfurt falham: nos produtos da indústria cultural que não conformam, mas provocam, não acomodam, mas incentivam uma leitura crítica da realidade.
A cultura pop surgiria ou de uma vontade de se contrapor à indústria cultural num movimento "de dentro", ou daquelas peças que ganham uma nova dimensão em decorrência de sua carga arquetípica.
Assim, a cultura pop teria as seguintes características:
A. ser inovadora com relação aos seus congêneres, tanto em termos de forma quanto de conteúdo;
B. apresentar uma leitura crítica de mundo;
C. ter um conteúdo arquetípico;
D. ser provocadora.
Tais características fazem com que, embora passe pelos mesmos mecanismos de reprodutibilidade técnica, a cultura pop se diferencie da média do que chamamos de indústria cultural.