sexta-feira, julho 31, 2020

The Last Kingdon



Quem gostou de Vikings certamente irá apreciar The Last Kingdon, lançado recentemente no Brasil pela Netflix.
Se Vikings é focado nos nórdicos, Tha Last Kingdon é centrado nos saxões. Acompanhamos praticamente os mesmos eventos – a Inglaterra sendo invadida, a resistência, as vitórias e derrotas, mas agora do ponto de vista saxão.
O personagem principal, no entanto, é uma mistura das duas culturas, o que permite um equilíbrio interessante e um dilema que acompanha sempre.
A série conta a história de Uhtred, um garoto cujo pai foi morto em um ataque viking. O próprio garoto é pego como prisioneiro e é criado por seu captor, Ragnar Ragnarson, como se fosse um filho ao salvar a filha deste de uma tentativa de estupro. Uhtred, batizado como cristão, é criado como danês, reverenciando deuses como Thor e Odin e irá, durante toda a série oscilar entre esses dois opostos. Embora renegue os ensinamentos cristãos, seu melhor amigo na série é um padre.
A vida desse personagem fictício é usada para contar praticamente toda  a história da Inglaterra na época das invasões nórdicas, com um apuro histórico bem maior do que Vikings, que em alguns momentos abusava da liberdade poética. Assim, Uhtred é, muitas vezes sem querer, envolvido nos principais acontecimentos do período, em especial nas guerras, já que se revela um guerreiro sem igual.
Baseada na série de livros Crônicas Saxônicas, de Bernard Cornwell, The Last Kingdon começa lenta, especialmente na comparação com Vikings, mas vai ganhando ritmo, principalmente a partir da segunda temporada. Na terceira temporada em diante, as batalhas parecem mais realistas, a direção mais frenética e até o figurino parece melhor (em uma das batalhas, a filha do rei é perseguida por daneses e a câmera a acompanha como se fosse alguém correndo próximo, num dos momentos mais eletrizantes da série). É também quando o expectador já conhece melhor os personagens e já simpatiza com eles.
Alexander Dreymon nem de longe é um ator tão versátil quanto Travis Fimmel, que faz papel de Ragnar em Vikings, mas mesmo assim consegue dar verossimilhança ao papel.
The Last Kigdon já está na quarta temporada e a Netflix já anunciou que será feita uma quinta temporada.
É uma ótima pedida para fãs de história.

Morreu Alan Parker

Coração Satânico, um dos melhores filmes de Alan Parker.


Alan Parker foi o primeiro cineasta que eu acompanhei e esperava ansiosamente por cada filme. Era uma espécie de ídolo de toda uma geração de cinéfilos.
O primeiro filme que vi dele foi Coração Satânico, no cine Líbero Luxardo, no Centur. Lembro que quando saí da sessão eu pensei: “Isso sim é terror!”. Até mesmo uma cena simples, sem nenhum efeito especial, como Robert De Niro comendo um ovo cozido, era de arrepiar a espinha. O expectador sentia que ele era o demônio e era como se aquele ovo fosse de fato uma alma humana degustada com prazer infernal.
Além disso, era um terror psicológico: um conflito interno do personagem principal que se revelava em pequenas coisas, como o pavor de galinhas. Até mesmo o canastrão Mickey Rourke parecia um mestre da atuação sob a direção segura e sombria de Alan Parker.
Na mesma época o compadre Bené Nascimento também tinha assistido ao filme e, na primeira vez em que nos encontramos, não conseguíamos falar de outra coisa. Tanto que acabamos criando uma história em homenagem a esse filme, “Noir”, uma das mais famosas da dupla. A história era muito diferente, mas a base era a mesma: um terror baseado no conflito psicológico do personagem principal.
Depois disso, eu esperava ansiosamente por cada novo filme dele e via todos os antigos em videocassete nas casas de amigos. Só Wall eu devo ter assistido umas 15 vezes.
Alan Parker era o cara que conseguia fazer filmes profundos em plena Hollywood, o que não é pouco.
É mais um dos mestres que nos deixam.

Roteiro para quadrinhos: o texto

A forma diz respeito à abordagem textual escolhida pelo roteirista

Chegamos à parte mais complexa do mister de quadrinhos: a forma. Nove em cada dez pessoas não tem a menor noção do que seja a forma num texto. Se perguntarmos a alguém o que achou da história, essa pessoa provavelmente se restringirá a fazer comentários sobre o enredo: "E aí tinha um monte de terroristas e o Batman chegou e deu porrada neles...". Provavelmente, se perguntarmos para essa mesma pessoa o que achou dos diálogos, ela fará cara de boba: "Como assim, tinha diálogos?".            
                A questão da forma está intimamente relacionada com o estilo, embora o estilo de um autor possa envolver diversas formas (por exemplo, a forma de Watchmen é bem diferente da forma de V de Vingança, embora ambas sejam obras do mesmo autor, Alan Moore).
                Partindo do princípio de que esse é um assunto difícil para o leigo, limitarei meus comentários apenas a dois aspectos: o texto e os diálogos.
                O TEXTO, ou legenda,  é um recurso comumente utilizado pela maioria dos bons autores. Ele geralmente aparece nas histórias  em balões quadrados, chamados de recordatários. Pessoalmente, não gosto desse nome, pois ele lembra uma época em que a única função do texto era explicar a sequência, ou mesmo o quadrinho para o leitor. Usava-se o recordatário para dizer coisas como "Enquanto isso", "Em outro lugar". "Algum tempo depois", "Flash dá um soco em Ming".
                Depois descobriu-se que o leitor não precisava que se lhe explicasse a cena (e devemos isso em grande parte ao trabalho de Will Eisner no Spirit). Se o desenho já está explicando a ação para o leitor, porque não utilizar o texto para aprofundar a psicologia do personagem, ou narrar eventos que o desenho não possa mostrar?
                Esse é em geral o segundo maior defeito dos roteiristas iniciantes: limitar o texto a contar coisas que o desenho pode mostrar sozinho. (O primeiro maior defeito é querer explicar tudo na história segundo a lógica do mundo real. As histórias têm a sua lógica própria, definida pelo roterista quando ele imagina os personagens e o universo no qual eles vão se deslocar).
                Dito isso, podemos analisar algumas técnicas de texto.

                O texto pode ser usado, por exemplo, para que o roteirista conte a história. É o que Miller faz em A Queda de Matt Murdock. Após observar a luta entre entre Matt e o Rei do Crime (na qual não há texto, pois ele seria desnecessário), vemos ângulos cada vez mais fechados de um carro no fundo de um rio, enquanto o texto diz: "O Rei é um homem cuidadoso. A morte de Murdock não deve ser nem misteriosa e nem suspeita. Não há motivo algum para investigação. Inconsciente, mas vivo, Murdock é colocado num taxi roubado. O taxi é jogado no cais 41, no rio leste. Seu cinto de segurança e a porta são emperrados por um processo indêntico à ferrugem. Murdock é encharcado de bebida".
                O texto, portanto, está em terceira pessoa e no presente, mas não está explicando o desenho, ele está contando coisas que o desenhista  não poderia mostrar em tão pouco espaço.
Texto em primeira pessoa em Cavaleiro das Trevas

                O mesmo Miller usa um tipo diferente de texto em Cavaleiro das Trevas. Em um sequência, vemos Batman escalando uma gárgula e lemos o seguinte: "A dor que já dura três dias arranha minhas costas. Eu espano o pó das articulações e subo. Isso já foi mais fácil".
                O texto, aqui, reflete os pensamentos do personagem. Por  isso, ele está no presente e em primeira pessoa. As frases são curtas para dar movimento à cena. Uma vez que as HQs, ao contrário do cinema, não têm movimento, é necessário inventar alguns truques para enganar o leitor e fazê-lo acreditar que está vendo movimento.  Um deles é escrever frases curtas e distribuí-las verticalmente pelo quadro. Miller é um mestre nesse tipo de engodo.
                Apresentei dois exemplos de Frank Miller para demonstrar como, dentro de um mesmo estilo, pode haver vários formatos de legenda. Antes de seguirmos em frente, no entanto, faz-se necessário definir alguns tipos básicos de textos. 

Exemplo de narrador em terceira pessoa

PRIMEIRO TIPO – Narrador em terceira pessoa: É quando o autor, o roteirista, tem a palavra. O texto ficará em terceira pessoa e o narrador, portanto,  não faz parte da história. A história Castelos de Areia, de Gerry Boudreau e publicada na extinta revista Kripta, é um exemplo disso. Enquanto vemos uma mulher correndo, o texto diz: “Estava frio e escuro no túnel, como no útero de uma mãe morta. Ela sentiu o ar penetrar por sua pele e cobrir suas artérias como uma fina camada de gelo”.
Texto em primeira pessoa


SEGUNDO TIPO – Narrador-personagem - é quando um dos personagens narra a história.  Um exemplo disso é a história de piratas que o garoto está lendo em Watchmen:  "Acordando do pesadelo, me encontrei numa lúgubre praia entulhada de cadáveres. Ridley jazia próximo de mim. Os pássaros devoravam seus pensamentos e memórias". Esse tipo de texto também pode ser uma continuação do diálogo, quando a imagem mostra algo do passado. Nesse caso, o texto deve vir entre aspas.

Gerry Conway usava muito o recurso do texto diálogo em sua fase no Homem-araha

TERCEIRO TIPO Texto diálogo - recurso muito pouco usado, mas bastante criativo. É quando o narrador parece estar conversando com o personagem. Gerry Conway, quando escrevia o Homem Aranha, no início da década de 70,  costumava usar muito essa técnica. Numa sequência que mostra o aracnídeo balançando-se sobre a cidade, o texto diz: "As pessoas terminam fazendo o que é preciso... mesmo que se odeiem por  isso. E você se odeia por  isso, não é Peter? Sim, com certeza". Outro exemplo é a história Shamballa, de J.M.De Mattei, com o personagem Dr. Estranho: “Mestre das Artes Místicas. Desde que assumiu esse majestoso título, parece ter eliminado a malícia e a mesquinhez de seu coração. Pena que ainda não aprendeu a sorrir. Você caminha, uma criança brincando com as sombras da memória: a imagem do desgraçado que foi se reflete na neve ofuscante”.  
                A partir desses três tipos básicos é possível produzir uma enorme variedade de textos.
                Ainda sobre a legenda é importante considerar algumas questões. A primeira delas é a uniformidade. Se a história começou sendo narrada por um personagem, refletindo seus pensamentos, por exemplo, ela deve ser narrada pelo personagem até o fim, sob pena de dar a impressão para o leitor de que o personagem deixou de pensar. Por outro lado, se começamos no presente, é bom continuar no presente.

Livro conta história de editora que fez sucesso com quadrinhos nacionais


No final da década de 1970, Curitiba se tornou a sede da principal editora de quadrinhos nacionais. A produção era tão grande que se formou até mesmo uma vila de quadrinistas. No livro Grafipar, a editora que saiu do eixo, eu conto em detalhes essa história. O livro inclui também algumas HQs publicadas na época e análise das mesmas.
Pedidos: profivancarlo@gmail.com.

Howard, o pato


A década de 1970 na Marvel foi a era dos quadrinhos estranhos, fora da caixinha. A regra parecia ser “não há regra” – e eram muitas as experimentações. Surgiram desde quadrinhos sobre heróis espirituais, como Warlock, até quadrinhos sobre artes marciais (Mestre do Kung-fu). Até personagens clássicos, como o Dr. Estranho, tiveram aventuras que saiam completamente do comum – com o personagem contracenando com uma lagarta fumadora, por exemplo. Tudo isso capitaneado por uma geração de hippies que aproveitou ao máximo a abertura que a indústria de entretenimento estava lhes dando naquele momento.
Mas nenhum quadrinho foi tão revolucionário, tão fora da caixinha quanto Howard, o pato.
 O personagem surgiu como coadjuvante em uma aventura do Homem-coisa, escrito por Steve Gerber e desenhado por Val Maverick.
O monstro se envolvia em uma trama de encontros de realidades e – entre os personagens que surgiam estavam um bárbaro e um pato falante. Ao final da história, o pato simplesmente sumiu em meio às realidades, desaparecendo da história.
Seria o fim dele, mas os leitores gostaram do personagem e começaram a escrever para a Marvel pedindo mais histórias com aquele personagem. Roy Thomas, editor-chefe da editora na época, achava que o personagem não se sustentaria num título, mas Gerber garantiu que daria conta do serviço e o personagem ganhou uma segunda chance, primeiro na revista do Homem-coisa, depois com título próprio. O desenho ficou sob a responsabilidade de Frank Brunner (que havia ilustrada a fase mais lisérgica do Dr. Estranho) e depois de Gene Colan.
E eram aventuras absolutamente subversivas. Howard, depois que quicar em várias realidades, vem parar na terra, onde encontra uma linda moça que seria sua parceira e passa a viver suas aventuras enfrentando os tipos mais estranhos, a exemplo do Homem-nabo (vindo de uma espécie de vegetais agressivos que superaram os limites de suas raízes para se tornarem empreendedores galácticos), O Pestana (um artista com sonambolismo) e muitos outros.
Em uma das histórias, a dupla é vítima de uma gangue de valentões e Howard se torna mestre de Quac Fu em apenas três horas de treino!!! Aliás, essa é uma das aventuras mais divertidas, uma belíssima brincadeira homenagem ao personagem Shang Chi, da Marvel desenhada por John Buscema.
Howard não parava. Em um momento ele estava enfrentando um mágico contador espacial, em outro estava na cidade grande se deparando com uma velha gorda e adepta de teorias da conspiração, em outro estava num castelo vitoriano caindo aos pedaços enfrentando um monstro Frankstein feito de biscoito. Em outras palavras: era piração em cima de piração.
O ponto alto desse processo é quando o Partido Noturno resolve lançar Howard como candidato à presidência – e este passa a ser alvo de todo assassino profissional do país.
O personagem fez tanto sucesso que se tornou filme, uma película pouco inspirada que tinha pouco a ver com toda a subversão dos quadrinhos.

Receita de pé de moleque


Ingredientes
Modo de preparo 

  1. Colocar na panela o amendoim, o açúcar e a margarina.
  2. Levar ao fogo, mexendo sempre.
  3. Quando começar a formar uma calda, coloque o leite condensado.
  4. Mexa bem, até soltar do fundo da panela, como brigadeiro.
  5. Coloque no tabuleiro untado com margarina.
  6. Deixe esfriar e corte em pedaços.

A tessitura do nó górdio


Em 2017 as professoras Isabel Regina Augusto e Maria Cristina Dadalto organizaram o livro A tessitura do nó górdio: redes periféricas em identidades, paisagens (e-I) imagração e comunicação. A publicação era uma parceria entre o Cucas (Grupo de Pesquisa em Cultura, comunicação, Arte e Sociedade), vinculado à Unifap e o Laboratório de Estudos Migratórios, vinculado à Universidade do Espírito Santo. Eu colaborei como o artigo “Francisco Iwerten: o quadrinistas que nunca existiu”, sobre o artista de quadrinhos fake que foi considerado como real e chegou até mesmo a ganhar prêmio e quase foi homenageado por uma escola de samba.

Homem-aranha vs Capitão Britânia


Marvel Team UP era uma publicação da Marvel que mostrava encontros entre heróis Marvel. Entre as várias equipes criativas que assumiram o título, sem dúvida a mais célebre foi a do roteirista Chirs Claremont e do desenhista John Byrne.
Ótimo exemplo dessa dupla afinada foi o encontro do Homem-aranha com o Capitão Britânia, publicada no número 65 e 66 da revista, em 1977.
Na história, Peter Parker recebe em sua casa um estudante inglês, Brian Braddock, que é ninguém menos que o herói britânico. Depois de uma luta entre os dois ocasionada por um equívoco (parece haver uma regra na Marvel: toda vez que dois heróis encontram, eles primeiro devem brigar), eles se deparam com uma ameaça terrível: o Mundo assassino do vilão Arcade.
Criado nessa história, Arcade é um jovem rico que, entendiado, resolve criar um parque de diversões para testar vários heróis da Marvel.
Os dois heróis são colocados em bolas transparentes e introduzidos em um fliperama gigantesco. Depois se deparam com os mais diversos tipos de ameaças, todas baseadas na ideia de um parque de diversões mortal.
Era uma ideia que de fato funcionava – tanto que a dupla ia retornar o vilão numa história dos X-men, pois permitia ação initerrupta.
Se Chris Claremont era bom ao trabalhar com diversos personagens, Byrne era ótimo com ação. A junção dos dois fez com que essa história se tornasse um clássico.
No Brasil essa história foi publicada em Homem-aranha 38 e na coleção de Graphic Novels Marvel da Salvat (também no número 38).

quinta-feira, julho 30, 2020

TV Calafrio #22 - ENTREVISTA GIAN DANTON

A origem do livro Cabanagem


A ideia para o livro Cabanagem surgiu de uma conversa com o amigo José Ricardo Smith.
Ele me apresentou algumas moedas feitas pelos cabanos (na verdade, moedas da regência “carimbadas” com novos dizeres) e comentou sobre o quanto essa revolta tinha se alastrado pela Amazônia. E no final perguntou: “Por que você não faz um livro sobre a cabanagem no Amapá?”.
Eu nunca tinha ouvido falar que a cabanagem tivesse chegado ao Amapá, mas ao pesquisar, acabei descobrindo que ela se alastrou pela Amazônia praticamente inteira. E os cabanos usavam para isso canoas, na maioria das vezes amarradas umas às outras, que impulsionadas por braços fortes de índios, negros e mestiços, atravessavam rápidas os igarapés da região.
Eu comprei livros, baixei teses, artigos, li muito sobre o assunto, mas a ideia de fazer um livro histórico não me agradava.
Eu queria fazer uma obra de fantasia histórica, um gênero em que o fantástico se mescla aos acontecimentos reais.
Jorge Luís Borges dizia que o estilo do escritor consiste, basicamente, na repetição de temas. Os temas preferidos de Borges eram espelhos, tigres, espadas e mensagens cifradas. A maioria de seus textos tem pelo menos um desses elementos, muitos têm todos.
O que Borges talvez tenha percebido é que, por alguma razão, as histórias só funcionam para escritores se tiverem aqueles elementos que fazem parte do seu estilo.
Assim, a trama de Cabanagem só se estabeleceu quando consegui descobrir uma maneira de colocar nela um psicopata. Meus dois outros livros, Galeão e O uivo da górgona, têm psicopatas assassinos.
A partir desse plot básico (um grupo de cabanos fugindo e sendo perseguidos por soldados chefiados por um psicopata assassino) a história se firmou. Também se tornou mais fácil incluir um outro elemento que me é muito caro: os mitos amazônicos. E se essas lendas tomassem partido de um lado ou do outro do conflito?
Assim surgiu o meu livro Cabanagem

Que tal me ajudar a publicar meu novo livro? Basta apoiar no Catarse. Em troca, você recebe recompensas incríveis. Dá uma olhada no link:

Flash Gordon

Buck Rogers, Dick Tracy e Tarzan causaram uma verdadeira revolução nas histórias em quadrinhos. O clima de aventura, o desenho realista e os cenários gran­diosos conquistaram os leitores.
Já não havia mais lugar para as tiras cômicas e um dos maiores syndicates da época, o King Features Syndicate entrou em desespero: Fazia-se urgente encontrar alguém que trabalhasse tão bem com a aventura quanto a con­corrência.
Para isso foi instituído um concurso interno. Quem acabou ganhando foi um ex-oficce-boy da empre­sa. Seu nome era Alex Raymond e seu personagem era Flash Gordon, um dos maiores sucessos da época.
          A história estreou num domingo, 7 de janeiro de 1934. Os leitores americanos abriram seus jornais e tive­ram um grande impacto. Lá es­tava um herói novo, diferente de todos os outros que o haviam an­tecedido. Era a primeira história de Flash Gordon, de Alex Ray­mond. De lambuja, vinha como complemento o personagem Jim das Selvas - também com dese­nhos de Raymond.
Flash Gordon veio para re­volucionar o conceito de aventu­ra. Nela predominava a imaginação: moças bonitas, homens-leão, povos submarinos, princesas estelares, vilões insa­nos e um herói ariano (exemplo perfeito de conduta e boas inten­ções) conviviam numa mesma pagina.
Flash Gordon não para­va. Mal conseguia se livrar de monstros pré-históricos e caia nas mãos de um imperador tirâ­nico. Era como se estivesse pas­sando por um eterno teste de provas.
A historieta - que tinha ro­teiros anônimos de Don Moore - tornou-se um sucesso absoluto de vendas. O traço forte e elegante de Raymond conquistou os leitores e conseguiu dar ao personagem uma imponência que ninguém nunca mais conseguiu.
Flash Gordon surgiu para concorrer com o grande campeão de vendas da época, Buck Ro­gers, mas com o tempo, Flash ultra­passou de longe o seu concorrente do século XXV. Praticamente junto com Flash Gordon, Raymond desenhou dois outros persona­gens nos moldes dos que já faziam sucesso na época: Jim das Selvas (baseado em Tarzan) e Agente Se­creto X-9 (para concorrer com Dick Tracy).
“Agente Secreto X-9” era de autoria do famoso escritor policial Dashiel Hammet e transmitia o clima de tensão que os gángsters impri­miam aos anos 30. Detalhe: esse trabalho de Hammet geralmente não aparece nas biografias do es­critor.
Já Jim das Selvas era, a principio, uma espécie de aventureiro, um caçador intrépido enfrentan­do todos os perigos da selva. Com o tempo, Jim começou a se envol­ver em tramas internacionais, mas nem por isso perdeu sua força.
Alex Raymond foi um dos maiores desenhistas dos quadri­nhos. O seu traço elegante in­fluenciou toda uma geração. Os seus persona­gens, entretanto, não tiveram muita sorte.
Depois da morte de Raymond, no final dos anos 40, Flash Gordon ainda passou por um bom momento no início da década seguinte nas mãos de Dan Barry (desenhos) e Harvey Kurtzman (roteiro). Mas, assim que Kurtzman saiu do roteiro a história perdeu muito do caráter onírico que tinha no início.
O grande seguidor au­têntico de Raymond a ilustrar seus personagens  foi All Williamson, que desenhou três números da revista do Flash Gordon e a tira do Agente Secre­to X-9 durante 13 anos.
Além do ótimo desenho e das tramas de matinê, terminando sempre em suspense, Flash Gordon é lembrado também pelas antecipações. Foi nessa história em quadrinhos que apareceu pela primeira vez a mini-saia, o raio laser e o forno microondas. Em um de seus boletins oficiais, a NASA admitiu que os quadrinhos do personagem foram usados para solucionar problemas de aerodinâmica dos primeiros foguetes espaciais norte-americanos.
Flash Gordon também foi a grande fonte de inspiração para outra grande saga moderna: os filmes da série Star Wars. Como não conseguiu autorização para filmar o personagem, George Lucas criou a série Guerra nas Estrelas baseada em Flash Gordon.

Lições literárias


Quando conheci Afonso, aos 14 anos, eu só tinha lido um livro, Aventuras de Xisto, de Lúcia Machado de Almeida. Afonso já  tinha lido todo Lobato, infantil e adulto, alguns livros de Freud e estava começando a ler Jung  em edições bonitas, encadernadas, que ornavam a sala de sua casa.
Essas  três coleções tinham história. Haviam pertencido ao seu padrinho, sargento do exército. Em plena ditadura, era um militar de esquerda. Um dia bateu na porta da família do afilhado com caixas repletas dessas coleções:
- Me descobriram. Eu vou sumir. Esses livros ficam de presente para o Afonso.
Nunca mais ouviram falar dele. Não se sabe se foi pego pelos órgãos de repressão, ou se fugiu para outro país.
Afonso tinha um ciúme atroz  desses volumes encadernado. Coisa de colecionador. Mostrava o que estava lendo, comentava, lia um trecho, mas não me deixava nem tocar no exemplar.
Talvez isso tenha aguçado minha curiosidade pela leitura.  Como não tinha livros em casa, tive que ir desbravando outros caminhos. Descobri os sebos e muitas vezes voltava a pé para casa, pois havia gastado o dinheiro da passagem com livros e gibis. 1984, de George Orwell, custou exatamente o valor de uma passagem de ônibus, depois de muito choro com o dono do sebo. Um outro livro que custou o preço exato de uma passagem de ônibus foi um volume argentino sobre história romana, com o qual não só aprendi sobre Roma, mas também comecei a dar os primeiros passos na língua espanhola.
Descobri também a biblioteca pública, em especial a seção circulante, que emprestava  livros. Pegava um livro por semana, religiosamente. Passava horas  olhando entre as estantes, lendo trechos, sorvendo um gostinho da obra. Na dúvida, levava Júlio Verne.  E nunca me arrependi. Entre os vários xodós, um exemplar de Viagem ao centro da terra com um texto  delicioso e ilustrações de um artista espanhol. Talvez  da mesma coleção (lembro que o ilustrador também era espanhol), um outro livro que me fascinou por seu intimismo: Robison Crusoe, um livro com um único personagem na maioria dos capítulos. E, claro, Lobato, mas esse eu emprestava pouco. Havia muitos livros dele em sebos e fui comprando um a um, muitos da mesma coleção encadernada em verde que eu via na casa do Afonso.
Na circulante havia um quadro onde eram colocadas pequenas resenhas escritas pelos leitores. Quando emprestei meu primeiro livro (um ótimo volume de contos de HG Wells), a bibliotecária sugeriu que eu escrevesse uma resenha para o quadro. Escrevi e na semana seguinte escrevi outra, e outra e outra, até que o quadro fosse totalmente tomado por resenhas de minha autoria.
Eu seguia também as sugestões da bibliotecária, algo muito útil para quem leu um livro por semana, por anos a fio. Meninos de engenho, de José Lins do Rego, foi dessa safra.
Ler era um prazer e, ao mesmo tempo, uma competição. Como na fábula do coelho e da tartaruga, eu largara muito atrás, mas queria vencer a corrida. Queria ler mais livros que o Afonso. Felizmente para mim, ele era como a tartaruga, lento para ler e preguiçoso para escrever. Aos 17 anos  eu já  tinha lido mais livros que ele, todos registrados em um caderno.
Além de, mesmo por vias tortas, me despertar o interesse pela leitura, Afonso, muito influenciado por Lobato, me ensinou uma grande lição: a propriedade no uso das  palavras.
No meio da  conversa ele soltava uma expressão que eu não conhecia e perguntava:
- Entendeu?
- Entendi, claro.
Ele  ralhava:
- Entendeu nada. Você nem sabe o que essa palavra significa.
Como eu negasse, ele me desafiava a definir o verdadeiro sentido da expressão.
Eu gaguejava, gaguejava, gaguejava, até que finalmente admitia ser era ignorante com relação àquele termo. 
Era humilhante, mas era  também uma lição: nunca finja entender de algo que não sabe  e, principalmente, nunca use palavras cujo significado não esteja muito claro para você.
Hoje vejo muitas pessoas  ansiosas por “falar difícil” usando expressões cujo significado desconhecem e penso: essas aí deveriam ter tido um amigo como o Afonso e um mestre como Lobato.  
Afonso passou anos se preparando nos melhores colégios, mas, mesmo com sua inteligência a e seu texto irrepreensível, não passou no vestibular. Foi para o Rio de Janeiro e nunca mais nos falamos. Era  época pré-internet e as minhas cartas levavam semanas para chegar e as respostas  às vezes  meses, até se esgotarem completamente. À moda de Carlota Joaquina, ele dizia que não queria levar nada de sua estada em Belém, nem mesmo os amigos.  A última notícia que tive dele é que tinha se envolvido com drogas e tinha abandonado dois curso de graduação, um deles de psicologia. Eu já trabalhava como jornalista  quando uma conhecida em comum me disse que ele ainda era sustentando pelos pais e não estava  estudando ou  trabalhando.
Mesmo com toda sua arrogância e egoísmo, Afonso despertou em mim o lado intelectual, o interesse pela leitura e o gosto por escrever de maneira clara.  Foram verdadeiras lições literárias.

Projeto Cabanagem - meta estendida


Já estamos em 104% e vamos ter meta estentida! Se chegarmos a 120%, todos os apoiadores vão receber um marca páginas exclusivo.
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Admirável mundo novo

Ao lado de 1984, de George Orwell e de Farenheit 451, de Ray Bradbury, Admirável mundo novo, de Adous Huxley, constituí a tríade das mais famosas obras distópicas.
As distopias surgem no início do século XX quando fica claro que o paraíso antevisto no século XIX não iria se concretizar. As pessoas da era vitoriana vislumbrava o futuro como um éden em que a tecnologia libertaria a humanidade do trabalho, da opressão e das doenças. Viveríamos um mundo de felicidade, dedicado apenas ao prazer. Mas a primeira guerra mundial e a difusão de regimes totalitários logo em seguida mostrou que o século XX seria o oposto. A tecnologia seria usada para oprimir e matar e ao invés de liberdade, seríamos escravos de regimes autoritários.
No mundo de Admirável mundo novo, as pessoas são geradas de forma artificial de acordo com classes rígida – os mais aptos intelectualmente são a classe dominante, com funções administrativas. Os mais aptos fisicamente exercem profissões como faxineiros. Desde pequenos, são condicionados através de um sistema subliminar que lhes ensina a serem felizes com sua posição na sociedade e se conformarem com as coisas como elas são.
É um mundo de falsa felicidade, embalado pela droga soma, consumida avidamente por seres vazios. Esse mundo é abalado pela presença de um selvagem, cuja presença questiona faz com que alguns questionem essa falsa felicidade.
Admirável mundo novo é um livro complexo, rico, mas se sua mensagem pudesse ser expressa em uma única frase, seria: nenhuma felicidade vale o preço da liberdade.

Homem-aranha e Justiceiro no beco da morte


Corria o ano de 1984. Uma revista do Homem-aranha tinha encalhado numa banca que eu conhecia. Na época eu só tinha dinheiro para comprar a revista eu colecionava, a Superaventuras Marvel, mas aquela revista ali, encalhada, com o preço sendo corroído pela inflação, era tentadora demais. Além disso, a capa era chamativa, com o Homem-aranha, o Justiceiro e a repórter April no centro, cercados por bandidos apontando suas armas.
Quando minha mãe me perguntou o que eu queria de Natal, não titubiei: pedi o valor da revista, 700 cruzeiros (sim, nessa época nós estávamos na pendura mesmo) e foi assim que consegui adquirir essa revista, a única do aracnídeo que comprei na época.

Essa é uma bela história, com roteiro de Marv Wolfman e desenhos de Keith Pollard, um desenhista menos famoso entre os que ilustraram o amigão da vizinhança, mas muito competentente, especialmente nas cenas de ação e com muitos personagens.
Na trama o Justiceiro está caçando um traficante de drogas quando o acaso faz com que o Aranha entre em seu caminho. Após um conflito inicial (um dos melhores quadros da história é Peter Parker entrando em seu apartamento e dando de cara com o Justiceiro apontando para ele uma arma), os dois acabam se aliando.
Justiceiro reclamando de camelôs: um proto-Rorschach? 
Lembro que algo que me chamou muita atenção na época foi o fato da narrativa ser toda baseada nos diários do Justiceiro chamados Relatório de guerra, algo que até então eu não tinha visto. E esses diários mostram o quanto o personagem era mostrado como uma crítica pelos roteiristas (o criador do personagem, Gerry Conway, já disse diversas vezes que ele é um vilão) e essa história antecipa inclusive a narrativa de Rorschach em Watchmen. À certa altura o diário registra: “A zona leste de Manhattan é uma verdadeira imundice! Os camelôs estão em toda parte vendendo roupas pela metade do preço das grandes lojas!”. Não é o tipo de coisa que Rorschach escreveria em seu diário?  


Essa história foi publicada originalmente nos números 201 e 202 de The Amazing Spiderman. A Abril, como sempre, fez das suas: transformou as duas HQs em uma só. 

quarta-feira, julho 29, 2020

Fundo do baú - Terra de gigantes


Terra de gigantes foi o mais audacioso, criativo e caro projeto de Irwin Allen, o produtor de vários seriados de sucesso da década de  1960, como Viagem ao fundo do mar e perdidos no espaço.
A história se passa no ano de 1983, quando uma nave terrestre é envolvida por uma névoa magnética e transportada para um planeta 12 vezes maior que a Terra.
A nave ficou avariada, impossível de regressar, iniciando uma série de perigosas aventuras para os seus sete passageiros.
Os gigantes, em sua maior parte, são seres perigosos e desejam capturar os “Pequeninos”, como costumam chamá-los, a todo custo, visto que a tecnologia dos gigantes está 50 anos atrasada em relação à Terra. Logo no dia em que os Pequeninos chegam ao planeta,  já são vistos pelos gigantes e se tornam interessantes para estudos de cientistas, para servirem de brinquedo, ou mesmo para gerar lucro, como em um circo, por exemplo.
A população do planeta é controlada por um Regime Autoritário de Poder, muito assemelhado a ditaduras, que na época em que a série foi gravada, eram mais numerosas que nos dias atuais. Com isso, as histórias de Terra de Gigantes foram críticas evidentes ao autoritarismo.
Curiosidades
- Para dar maior impressão de que os atores gigantes realmente tinham alguns metros de altura, as cenas eram filmadas de baixo para cima, a uma certa distância.
- A maquete da nave Spindrift tinha praticamente 1,80m de comprimento e contou com peças já utilizadas em outras produções da Fox. Os assentos da cabine, por exemplo, foram usados no filme “O Planeta dos Macacos” (1968). Por sua vez, partes originais da Spindrift foram reutilizadas no filme “Cidade Sob o Mar” (1970).
- A equipe de criação e design era muito competente e conseguiu reproduzir bem alguns objetos em grandes dimensões, como hidrantes, câmeras, coleira de um cão, um esfregão ameaçador, tubos de ensaio, uma galinha com fome, drenos, rédeas de um cavalo, entre outros, mas quando um gigante pegava um pequenino, era sempre uma mão mecânica.
A série Terra de Gigantes foi retransmitida para mais de 80 países, incluindo da América Latina. No Brasil, a estreia foi pela TV Record de São Paulo, no dia 2 de março de 1969, às 18h30, um domingo.
Por volta de 1974, passou a ser exibida pela Rede Globo e, anos depois, pela TV Tupi.

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Livro Teorias da comunicação

O Intercom é o mais importante congresso brasileiro da área de comunicação. Em 2014, o Intercom lançou um livro, no formato de e-book com artigos dos mais renomados professores de Teorias da Comunicação do Brasil. Intitulado Teorias da Comunicação: correntes de pensamento e metodologia de ensino, o volume foi organizado por Rose Vidal, José Marques de Melo e Osvando Morais. Eu colaborei com dois artigos, um sobre a teoria hipodérmica e outro intitulado "Da cibernética à teoria do caos". O volume, que se tornou bibliografia obrigatória em cursos de Comunicação, pode ser baixado aqui.

Monstro do Pântano: pontas soltas



Antes de reformular o personagem Monstro do Pântano, na história Lição de Anatomia, Alan Moore escreveu uma história do personagem pouco conhecida, publicada em Swamp Thing 20. Intitulada “Pontas soltas”, o objetivo era exatamente esse: fechar as pontas soltas deixadas pelo roteirista anterior, Martin Pasko, preparando terreno para a reformulação do personagem.
Pontas soltas é injustamente pulada nas antologias do personagem. É Alan Moore na sua melhor forma. E os desenhos de Dan Day não deixam nada a desejar aos outros artistas que trabalharam com o personagem na fase mais famosa, como Stephen Bissette. Sob a orientação de Moore, Day cria diversas páginas espelhadas e a página de abertura, com uma moldura no formato de colunas que desmoronam é espetacular.
Uma das páginas espelhadas da história.

A história se passa logo depois do confronto do Monstro com Arcane, cuja nave cai, provocando sua morte. A corporação Sunderland aproveita a oportunidade para tentar matar o monstro e seus amigos. Como sabemos, o personagem é aparentemente morto, para renascer como elemental na história lição de anatomia.
Talvez o maior impacto dessa história seja sobre Lizabeth Tremayne e seu namorado, Dennis Barclay. Ela uma jornalista renomada, ele um veterano do Vietnã. À certa altura ela solta a frase “Tudo que temos em comum é o horror em nossas vidas”, o que fará com que Dennis a envolva numa teia de falsas conspirações como forma de manter seu amor através do medo. Essa relação abusiva seria abordada em Swamp Thing 54, 34 números depois desse gancho ter sido lançado, o que mostra a habilidade de Moore para pensar a trama a longo prazo.