quinta-feira, março 31, 2022

Um erro de pronome

 

Muitos alunos dão pouca importância ao estudo da Língua Portuguesa. De certa forma, é até compreensível. As atenções estão voltadas para as disciplinas específicas do curso. Entretanto, ignorar o estudo da língua portuguesa pode acabar se tornando um erro fatal.
    Muitos especialistas consideram a nossa época a era da comunicação. Assim, quem não sabe se comunicar corretamente, fica de fora  de sintonia com o mundo e tem menos chances de conseguir um bom emprego. Uma ficha preenchida com erros de português certamente  não ajuda a conseguir um bom emprego.
    E, vejam bem, expressar-se bem não significa apenas escrever corretamente, de acordo com a gramática. Significa também dar fluência ao texto, torná-lo agradável e objetivo. Um relatório claro, sem erros ortográficos ou de pontuação, com frases curtas, tem mais chances de ser lido. 
    Entretanto, um bom conhecimento de nossa língua pode acabar influenciado até em nossa vida amorosa. É o que mostra o escritor Monteiro Lobato no conto “O Colocador de Pronomes” do livro Negrinha.
    A história se passa em uma cidadezinha do interior. Havia ali um pobre moço que definhava de tédio no fundo do cartório. Era escrevente, mas gostava de ler e, pior, de escrever versos lacrimogêneos. 
    Tudo ia na santa paz até que o moço se apaixonou pela filha mais moça do Coronel da cidade, a Laurinda, linda flor de 17 anos.  A filha mais velha, Do Carmo, era o encalhe da família. Já velha para casar, não conseguia bom ou mau partido. Também, pudera: era vesga, histérica, manca de uma perna e meio aluada. Se a mais nova era o ideal de beleza, a outra era feia até não poder mais.
    Pois se apaixonou o pobre rapaz e, para extrema infelicidade, escreveu um bilhetinho à amada: “Anjo adorado. Amo-lhe”. 
    O Coronel, entretanto, interceptou o bilhetinho e chamou o seu autor:
-    É seu? – disse, estendendo o papel para o rapaz.
-   É... – gaguejou o rapaz.
-    Pois agora... – ameaçou o vingativo pai... é casar!
O moço, que já se imaginava morto, ressuscitou. Casar com a filha do Coronel! A moça mais bonita de Itaoca!
O Coronel gritou lá para dentro:
- Do Carmo! Vem abraçar o seu noivo!
O escrevente piscou seis vezes e, enchendo-se de coragem, corrigiu o erro. O bilhete fora escrito para Laurinda...
- Sei onde trago o nariz, moço. – esbravejou o Coronel. Você mandou o bilhete à Laurinda dizendo que ama-lhe. Se amasse a ela, teria dito “amo-te”. Dizendo “amo-lhe”, declara que ama uma terceira pessoa, no caso a Do Carmo. 
E, pacientemente, o velho explicou que os pronomes se dividem em três: de primeira pessoa, quem fala; de segunda pessoa, a quem se fala, e de terceira pessoa, de quem se fala. E o lhe é pronome de terceira pessoa. 
Portanto, nada de dizer “amo-lhe” ou “convido-lhe”. Expressões com essas demonstram que se ama ou se está convidado uma terceira pessoa.
Quanto ao moço? Casou-se mesmo com a megera. Tudo por causa de um pronome...

Livro hiper-realidade e simulacro nos quadrinhos

 

Vivemos em um mundo hiper-real, em que ficção e fato se misturam. É um mundo de simulacros, de símbolos que existem por si só, sem nenhum referencial. Na arte esse fenômeno se refletiu na forma de obras que confudem real e ficcional. É a verossimilhança hiper-real: obras tão críveis que muitas pessoas acreditam que são reais. 
No livro Hiper-realidade e simulacro nos quadrinhos - a fantástica história de Francisco Iwerten, eu analiso esse fenômeno a partir de um fato específico: o quadrinista fake Francisco Iwerten e seu personagem, o herói Capitão Gralha. Durante 18 anos acreditou-se que Iwerten existia e ele chegou até mesmo a ganhar prêmios. 
Quer conhecer melhor essa história e entender o que é o mundo hiper-real? 
O livro está sendo disponibilizado de graça no site da Marca de Fantasia.  Para baixar, clique aqui

Namor, o Príncipe Submarino

 


Em 1939, Martin Goodman, dono da editora Timely, estava em maus lençóis. As vendas dos pulps (revistas de contos em papel barato) estavam em queda. Ele precisava de algo que fosse um sucesso de vendas. Foi quando Frank Torpey, agente do estúdio Funnies Inc apareceu com uma novidade. O pernagem era o Príncipe Submarino, criado por Bill Everett para a revista Motion Pictures Funnies Weekly, uma revista que era para ser distribuída de graça para crianças no cinema na esperança de que na semana seguinte elas quisessem comprar. Segundo Torpey, os quadrinhos eram grana fácil.
No final, negociaram para a publicação de uma antologia incluindo outros personagens criados pela Funnies, incluindo o Tocha Humana.
A antologia se chamou Marvel Comics e foi lançada em agosto de 1939. Vendeu 80 mil exemplares em um mês. Goodman decidiu reimprimir e vendeu 800 mil exemplares.
Junto com o Tocha Humana, Namor era a grande atração da Marvel. Na história, uma expedição faz explosões que provocam destruição involuntária nas colônias submersas de Atlântida. O imperador manda sua filha espionar os humanos. Ela faz mais que isso: se apaixona pelo capitão e engravida dele. Dezenove anos depois o fruto dessa união emerge do mar querendo vingança contra a raça humana. Com orelhas pontudas, asas nos pés e vestindo apenas uma sunga verde e um cinturão dourado, Namor (cujo nome significa filho vingador) era tudo, menos um herói convencional. Na verdade, estava mais para um anti-herói, violento e incorreto.
Já estava ali, naquelas primeiras histórias, a base do que seria a Marvel Comics. Enquanto na DC heróis como o Super-homem eram certinhos, na Marvel eles se pareciam mais com anti-heróis. Enquanto na DC os personagens trafegavam por cidades imaginárias, na Marvel os heróis lutavam em Nova York. Além disso, havia uma ligação entre os personagens, eles viviam no mesmo ambiente. Namor interessara-se por Betty Dean, amiga de Jim Hammond, alter-ego do Tocha Humana. E posteriormente ambos os personagens iriam se enfrentar (em outra grande características Marvel: quase sempre, quando heróis se encontram, eles brigam).
Embora inicialmente tenha se dedicado à sua vingança contra os humanos, Namor logo se aliaria aos americanos na luta contra o Eixo – uma jogada de Goodman, que percebeu que o patriotismo dava dinheiro.
Com o fim da guerra, os super-heróis entraram em declínio e Namor hibernou no limbo editorial.
Quando Stan Lee e Jack Kirby criaram o mega-sucesso Quarteto Fantástico, resolveram trazer de volta o personagem – e inventaram que ele estivera todo esse tempo sem memória, vivendo como mendigo em Nova York. O novo Tocha Humana o descobre, joga-o na água e ele recupera a memória. É o bastante para voltar à sua sanha de vingança contra a humanidade.
O personagem voltou a fazer sucesso e dividiu revista com o Hulk em Tales of Astonish.
Em 1968 ele finalmente ganhou revista própria, numa memorável fase com roteiros de Roy Thomas e desenhos de John Buscema. Ambos deram uma explicação coerente para a cronologia do personagem em história repletas de ação e selvageria, que antecipavam o trabalha da dupla em Conan, o bárbaro.  

O processo de elaboração da capa do livro Cabanagem

 

O ilustração da capa elaborada por Chris Ciuffi para meu livro Cabanagem está recebendo os mais diversos elogios. De fato, é uma ilustração poderosa, belíssima, que conseguiu reunir os diversos elementos do livro, em especial o histórico e o mitológico. É uma capa que "conta a história".
Mas para chegar a esse resultado realmente fenomenal foi necessário todo um processo. Entenda quais foram os passos desse processo. 
Esse foi o primeiro esboço do desenhista, só com os elementos básicos, mostrando como seria a composição da ilustração. 

Aprovado o esboço, Chris produziu uma imagem mais detalhada de como seria a capa. Eu considerei que o personagem dentro da água deixaria a cena mais emocionante. Além disso, na imagem final, o personagem trocou o facão e a arma de fogo de mão. Um problema deste desenho que foi consertado foi justamente a arma de fogo: Chris desenhou um revólver, que não existia na época, e foi substituído por uma garrucha no desenho seguinte. 

Aqui o lápis definitivo. Eu gostei muito da imagem, mas o rosto do personagem me incomodou, pois os traços davam um ar de maldade, deixando a impressão de que ele era o vilão da história. .Nessa imagem já aparecem sombras ao fundo, que representam os seres da floresta. A ideia aí não era mostrar diretamente esses seres mitológicos, mas apenas sugeri-los, algo que faço muito no próprio livro. O desenhista inclui aqui uma cobra vindo na direção do cabano. Embora essa cena não exista no romance, ela deu dramaticidade à imagem e a impressão de perigo ininente.  
Essa foi a versão definitiva do lápis. A imagem ficou tão boa que bastou colorir. A versão colorida dessa imagem se tornou a capa definitiva, sendo necessários apenas alguns ajustes.
 Essa é a versão colorida do último desenho. Ficou muito boa, mas foi necessário uma pequena mudança: o facão estava confundindo com o fundo e sugeri que fosse dado um brilho de metal nele, destacando sua lâmina.
O livro já pode ser comprado no site da editora: https://aveceditora.com.br/produto/cabanagem

Homem-aranha – A volta do Dr. Octopus


No número 11 da revista do Homem-aranha, Stan Lee E Steve Ditko trouxeram de volta um vilão que se tornaria um dos mais importantes do panteão do personagem e inauguraram algo que seria uma das marcas da série: a identidade secreta interferindo na vida amorosa de peter Parker.

A splash page inicial, genial por sua capacidade narrativa, já dava o tom da história. Betty Brand soca o peito do homem-aranha e diz: “Eu te odeio, Homem-aranha! Vou te odiar até o dia da minha morte!”. A legenda, acondicionada dentro de um ponto de interrogação: “Estará o Homem-aranha fadado a perder sua amada Betty Brand? Como isso aconteceu e por quê?”. Ao fundo, a sombra do doutor Octopus estende seus tentáculos sobre os dois. A legenda afirma no melhor estilo marqueteiro da Marvel: “Ninguém a não ser Stan Lee, poderia ter escrito essa história épica! Ninguém menos que Steve Ditko poderia ter desenhado cenas tão arrebatadoras”.

Uma aula narrativa numa única página. 


Na história, o Dr. Octopus termina de cumprir sua sentença e vai ser libertado. O Homem-aranha resolve visitar o presídio para tentar convencer o diretor a não libertar o vilão, o que mostra que Peter Parker poderia ser um gênio da ciência, mas não entendia nada de direito.

Claro que o diretor não aceita a sugestão e Parker resolve monitorar o vilão criando o rastreador aranha, que aparece pela primeira vez nessa história, embora ainda não tivesse esse nome.

Homem-aranha, seu desastrado. 


Para provar que o Homem-aranha era um personagem diferente até mesmo dos diferentões da Marvel, temos uma situação inusitada: à certa altura, ele cai de mal jeito e machuca o tornozelo. Quem poderia imaginar o Thor passando por algo semelhante?

quarta-feira, março 30, 2022

Cidade invisível

 


A primeira coisa que chama atenção em Cidade Invisível, série da Netflix criada por Carlos Saldanha (de A era do gelo), é a nítida semelhança com trabalhos de Neil Gaiman, como Sandman e Deuses Americanos, em que seres mitológicos e deuses vivem misturados com os humanos, como se fossem pessoas normais. Certamente não é uma coincidência, uma vez que a fonte é uma trama criada por Rafael Draccon, que certamente conhece o trabalho de Gaiman.

O que a série traz de inovador é explorar a mitologia brasileira, com sacis, curupira, iara, cuca e misturar isso com uma trama policial – em que alguém parece estar matando entidades.

O título cidade invisível tem dupla interpretação. Por um lado, remete aos seres míticos, invisíveis à maioria das pessoas. Mas por outro, remete à invisibilidade social. Todas as entidades são pessoas excluídas da sociedade, mendigos, moradores de favelas e cortiços.

Nesse sentido, um dos maiores méritos da série é a caracterização visual dos personagens. A Iara, por exemplo, tem um belo cabelo trançado que emula a cauda de uma sereia.

Outro grande mérito é provar que a mitologia nacional pode ser mostrada de maneira não-infantilizada em uma trama que flerta com o terror. Essa abordagem, aliás, parece ter funcionado, já que a série está entre as mais assistidas da Netflix.

Como aspecto negativo, o excesso de bifes,  diálogos que parecem a maior parte do tempo não ter outra função que não seja explicar aspectos da trama ou do próprio universo da série para o expectador. Aliás, essa necessidade de explicar tudo é, certamente o maior defeito da série. Até mesmo a origem de seres como a Iara, a Cuca, o saci e o curupira  e até do vilão e do protagonista são explicados, muitas vezes de maneira forçada para encaixar tudo numa trama coesa.

Entre erros e acertos, entretanto, o saldo é positivo.

Kid Miracleman e a pós-verdade

 

Para alguns, Kid Miracleman era um herói. 
Uma das passagens mais marcantes da série Miracleman, de Alan Moore é quando o Kid Miracleman, seu parceiro mirim, sai do controle. Enlouquecido pelo poder, ele destrói Londres e mata milhares de pessoas. Não só mata. Ele tortura, amputa, decepa. A dor torna-se uma forma dele afirmar seu poder. Muitos dos heróis da história morrem para deter ao massacre.
Os quadrinhos mostravam pessoas mortas e torturadas. 

O curioso é que, logo após esses eventos, surge um grupo que idolatra o Kid Miracleman. Para eles, ele era o verdadeiro herói e os crimes associados a ele pela mídia eram apenas invenções. Nem mesmo as milhares de fotos, vídeos e relatos de sobreviventes eram capazes de convencer esse grupo de que o Kid Miracleman era um vilão.
A história é uma metáfora do Moore para pessoas que se recusam a acreditar nas evidências, preferindo acreditar que a mídia, os relatos, os historiadores, as fotos são falsos e que suas convicções são verdadeiras.

Para o grupo que idolatra Kid Miracleman, o massacre é uma invenção da mídia.


Explicando melhor: eu não fui preso em um campo de concentração, não fui perseguido pelos nazistas. Mas eu sei que tudo isso aconteceu porque leio relatos de sobreviventes, vejo fotos, leio livros de historiadores e matérias da mídia especializada.
Eu não precisava estar lá presente para saber que esses fatos aconteceram. Há muitas evidências.
Entretanto, há um grupo que quando vê matérias sobre nazismo diz que relatos de sobreviventes são falsos, que a mídia e historiadores estão mentindo etc.
Os adoradores de Kid Miracleman são uma metáfora do Moore para esse tipo de situação, cada vez mais comum em que as convicções pessoais são mais relevantes que os fatos, o depoimento de sobreviventes, as matérias jornalísticas, os livros de historiadores etc.
Ou, trazendo para um exemplo mais brasileiro, a pessoa que prefere acreditar que a matéria jornalística (de um jornal que pode ser processado - e deve - se publicar uma notícia falsa) não tem credibilidade nenhuma, mas que um texto anônimo de zap zap, que ninguém sabe quem escreveu (e, portanto, quem escreveu não tem nada a perder) é a verdade absoluta - isso quando a pessoa não assina com o nome de uma pessoa famosa (como aconteceu recentemente com o Padre Fábio de Melo) para dar credibilidade ao texto e fazer essa pessoa ser processada pelas informações erradas, calúnias etc.
Moore como sempre antecipando e discutindo situações extramente atuais.

A arte impressionante de Jean Okada

 


 

Jean Okada é quadrinista e ilustrador desde o final dos anos 80, geralmente direcionado para publicações infantis e juvenis. Há muitos anos produz quadrinhos para empresas, enquanto segue em paralelo com trabalhos autorais, como os Exploradores do Desconhecido, em parceria com Gian Danton, as tiras do Jeanzinho, e mais recentemente as tiras do Homem-Grilo.









Cobra Norato de Augusto Morbach

 


Uma das grandes influências para a escrita do meu livro Cabanagem foi o pintor Augusto Bastos Morbach.
Nascido em Goiás, ele se mudou ainda criança para Marabá, no Pará onde começou a pintar. O poeta Líbero Luxardo o convidou a ilustrar um livro de poemas escritos por ele e essas ilustrações fizeram com que Morbach ficasse conhecido em Belém, para onde se mudou para trabalhar exclusivamente com pintura, ilustrações e jornalismo. Tornou-se um dos grandes nomes das artes plásticas do Pará.
No dia 1º de abril de 1990 o jornal O Liberal reservou a capa do Caderno Dois para uma história em quadrinhos que o artista tinha produzido em 1964 sobre a cobra Norato. Era um quadrinho estilo Princípe Valente, com os textos separados da imagem, mas me magnetizaram.
O texto era incrível e mágico e as ilustrações capturavam todo o clima de terror e encantamento da lenda. Eu recortei essa página e guardei durante anos, sabendo que um dia eu iria usar em uma história.
Para quem quiser saber mais sobre o artista, existe uma página no Facebook em homenagem a ele: https://www.facebook.com/AugustoBastosMorbach/
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Não existe pré-projeto de pesquisa

 


A palavra projeto vem do latim “projectu”, que significa lançar para a frente. Ou seja, é algo que ainda não existe, é algo que está sendo projetado, que só existirá concretamente no futuro.
Em ciência, projeto significa um planejamento da pesquisa, com tema, delimitação, problema, hipótese, metodologia etc. O futuro do projeto dará origema algo pronto, seja um artigo, uma monografia, uma dissertação de mestrado, uma tese.
No entanto, de uns tempos para cá tornou-se comum usar a expressão ‘pré-projeto” de pesquisa. Como é necessário nomear o projeto final, passaram a usar projeto para o resultado da pesquisa. Assim, a monografia vira um projeto, subvertendo completamente o sentido da palavra “projeto”. Se está pronto, não pode ser projeto.
A situação é tão bizarra que dia desses um amigo arquiteto disse que ia me mostrar o projeto de um prédio. Achei que fosse uma maquete, ou uma planta baixa. Cheguei lá era o prédio pronto.
Provavelmente, em algum momento alguém leu um projeto de pesquisa e comentou que estava tão ruim que não era nem um projeto, mas um pré-projeto, ou seja um esboço. Alguém ouviu, achou a palavra bonita e pensou que fosse um elogio. E aí começou a confusão de se chamar o produto final de projeto e o que vem antes de “pré-projeto”.
Então, crianças: não existe pré-projeto. Se ainda não está pronto, se é apenas um planejamento, é projeto. E o produto final é o produto final, não um projeto, seja uma monografia, uma dissertação ou um edifício. 

Maníaco da tesoura em Bocas Malditas

 

Bocas Malditas é uma coletânea de histórias em quadrinhos organizada por Karol Sakura (certamente um dos grandes nomes da nova geração do quadrinho nacional). Boca maldita, para que não sabe, é um ponto turístico da cidade de Curitiba e o nome reflete bem o objetivo da antologia: reunir histórias sobre a capital paranaense. E Curitiba tem muita, muita história para contar, como fica evidente na publicação. Eu participei com uma história sobre uma lenda urbana da cidade: um psicopata que matava mulheres com tesouras – o maníaco da tesoura. A arte ficou por conta do jovem e talentoso João Paulo de Melo, que fez um belíssimo trabalho, captando perfeitamente o clima de tensão psicológica da história. 

Matéria sobre a minha biblioteca

 A jornalista Cássia Lima, do site Selles Nafes, fez uma matéria sobre a minha coleção de livros e quadrinhos. A matéria é de 2014 e de lá para cá a coleção aumentou muito, mas pela matéria dá para ter uma noção do que se encontra na minha biblioteca.  Confira abaixo: 

 
Para muitas pessoas o amor à leitura é mais que um passatempo; é um vício. O professor e escritor Ivan Carlo que o diga. Dono de uma biblioteca com 2.534 livros e mais de 1.000 revistas ele causa admiração e espanto de muitos que visitam a casa dele. O habito de ler começou na infância, mas foi na faculdade que se tornou um grande vício.

Quando tinha 12 anos, o escritor leu o livro “As Aventuras de Xisto”, uma espécie de leitura obrigatória na escola. “Eu cheguei com meus pais e dei a notícia: tinham que comprar o livro indicado pela professora. Livro não era considerado uma coisa importante na época”, conta o professor. Os pais diante da situação não tiveram como negar. “Eu li tantas vezes aquele livro que o decorei. Meus amigos liam um parágrafo e eu completava e ainda dizia em que página estava”, afirma ele sorrindo. Leia mais

terça-feira, março 29, 2022

Cabanagem: uma continuação da Revolução Francesa

 

Poucos sabem, mas a Cabanagem foi a única revolta brasileira a ser consequência direta da Revolução Francesa. E tudo por conta de uma vingança de D. João VI.
Todos conhecem a história de como a família real portuguesa fugiu para o Brasil quando Napoleão invadiu Portugal. Mas, chegando aqui, o governante português resolveu revidar. Os ingleses sugeriram invadir a Guiana Francesa. Afinal, as defesas francesas eram quase inexistentes. De fato, quando as tropas, vindas de Belém, chegaram na Guiana, não enfretaram nenhuma resistência. E encontraram lá várias pessoas que estavam ali na condição de deportados, enviados para lá por Napoleão. Era a chamada “guilhontina seca”: ao invés de guilhotinar seus adversários políticos, o corso os mandava para a Guiana.
Os comandantes portugueses pensaram: “se são inimigos de Napoleão, são nossos amigos”. E abriram as portas para eles. Alguns inclusive foram para Belém ajudar a construir o palácio do governador.
Acontece que a maioria desses desterrados eram jacobinos, pessoas que tinham participado ativamente da revolução francesa desde os seus primeiros momentos.
Esses jacobinos influenciaram as tropas brasileiras com as ideias da revolução francesa e alguns deles chegaram até mesmo a participar ativamente da revolta cabana.
Quem poderia imaginar que a revolução francesa iria continuar em um local a milhares de quilômetros de Paris, em plena floresta amazônica?










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E não sobrou nenhum

Escrito em 1939, E não sobrou nenhum (originalmente “O caso dos dez negrinhos”) está, sem sombra de dúvida, entre o melhor de Agatha Christie. Uma história tão boa que acabou sendo adaptada ou simplesmente imitada dezenas de vezes, de filmes a episódios de “Uma família da pesada”. Publicado dezenas de vezes, teve seu título mudado para “E não sobrou nenhum” para atender ao politicamente correto, mas continua fazendo enorme sucesso e sendo a demonstração cabal da habilidade de sua autora em construir tramas.
Nascida em 1891, Ann Miller (seu nome verdadeiro) não parecia destinada à literatura. Queria ser cantora, foi enfermeira na I Guerra Mundial. Quando terminou a guerra, discutiu com a irmã, que afirmava que ela seria incapaz de escrever um romance policial. O resultado dessa disputada foi “O misterioso caso de Styles”, o primeiro livro de Hércule Poirot, seu personagem mais famoso. Foi rejeitado por seis editoras. Quando a sétima aceitou publicá-la, foi um sucesso mediano. O sucesso real só veio em 1926, com “O assassinato de Roger Ackroyd”. Agatha escreveu dezenas romances e inúmeros contos. Seu estilo seguia fielmente o lema de Edgar Alan Poe: primeiro pensava no final, e só depois começava a escrever. Segundo o Guiness, é a romancista mais bem sucedida da história da literatura popular mundial considerando-se o número total de livros vendidos: quatro bilhões de cópias.
O caso dos dez negrinhos conta a história de dez pessoas reunidas em uma ilha (a ilha do negro, devido a uma rocha que se parece com a cabeça de um negro) e que vão sendo mortas uma a uma. Sim, você já viu algo assim. A ideia é tão genial que já em 1945 foi transposta para o cinema, sob a competente direção do francês René Clair, então exilado nos EUA. O título foi modificado para “O vingador invisível”, provavelmente para fugir das acusações de racismo que pesavam sobre o título original. Aliás, nos Estados Unidos o livro foi publicado sob o título de “O caso dos dez indiozinhos”, como se o novo título não fosse igualmente racista, ou até mais, já que não tem relação nenhuma com a canção infantil inglesa, que deu origem ao romance:
Dez negrinhos vão jantar enquanto não chove;
Um deles se engasgou e então ficaram nove.
Nove negrinhos sem dormir: não é biscoito!
Um deles cai no sono, e então ficaram oito.
Oito negrinhos vão a Devon de charrete;
Um não quis mais voltar, e então ficaram sete.
Sete negrinhos vão rachar lenha, mas eis
Que um deles se corta, e então ficaram seis.
Seis negrinhos de uma colmeia fazem brinco;
A um pica uma abelha, e então ficaram cinco.
Cinco negrinhos no foro, a tomar os ares;
Um ali foi julgado, e então ficaram dois pares.
Quatro negrinhos no mar; a um tragou de vez
O arenque defumado, e então ficaram três.
Três negrinhos passeando no Zoo. E depois?
O urso abraçou um, e então ficaram dois.
Dois negrinhos brincando ao sol, sem medo algum;
Um deles se queimou, e então ficou só um.
Um negrinho aqui está a sós, apenas um;
Ele então se enforcou, e não ficou nenhum.
A genialidade da autora na elaboração do livro é impressionante – e difícil dizer qual aspecto é o mais relevante.
Primeiro, claro, por construir uma história em que os assassinatos ocorrem em um local relativamente pequeno, fechado e ainda assim manter o suspense até o último momento, jogando com as suspeitas do leitor e dos próprios personagens (essa situação foi levada ao extremo numa sátira da MAD sobre histórias policiais em que um escritor prometia escrever a respeito de “assassinatos numa prancha de surf”).  
Segundo, por construir toda a história a partir da canção infantil, de modo que os assassinatos vão seguindo, rigidamente, a ordem e a contextualização dos versos. Há o jantar, a chuva, a primeira morte com um suposto engasgo, a segunda morte enquanto a pessoa dorme e assim por diante. Aí não se trata só da habilidade de construir a trama a partir de algo anterior, mas de fazer isso de modo que o leitor, embora conheça os versos, não consiga adivinhar o rumo dos acontecimentos.
E, finalmente, pela fina construção dos personagens. Aliás, o romance inicia exatamente pela apresentação dos mesmos. Cada um está a caminho da ilha e são mostrados com seus pensamentos, suas histórias, suas angústias e defeitos.
Temos um severo juiz, que talvez tenha ajudado a condenar um homem inocente, uma velha e antipática solteirona, que pode ter sido responsável pelo suicídio de uma moça, um médico, que, ao operar alcoolizado, teria provocado a morte de uma paciente, um homem irrefreável que, ao abandonar um grupo de africanos, teria os condenado à morte, um general que enviou para a morte o amante de sua esposa, um detetive da polícia que, com seu falso testemunho, condenou um homem à cadeia, um playboy que atropelou dois garotos, mas escapou impune, dois criados que, por omissão provocaram a morte de uma senhora idosa... e, provavelmente, a mais complexa personagem de toda a história, a bonita professora Vera Claythorne. Ela é de longe o personagem mais interessante de toda a trama – tanto Agatha gasta páginas e páginas desenvolvendo-a. Se alguns são caracterizados logo de cara (o playboy inconsequente, por exemplo, ou a solteirona amarga), a jovem vai sendo descoberta aos poucos para o leitor, que inicialmente a vê como inocente – talvez a única ali, mas vai aos poucos descobrindo seu outro lado.
Essas pessoas são reunidas numa ilha, sob diversos pretextos por um tal senhor Owen e, logo na primeira noite, são surpreendidos por uma voz que os acusa de terem sido responsáveis pelos crimes descritos acima, todos eles casos que não há como se provar e, portanto, impossíveis de serem levados a julgamento.
Esse juiz secreto vai matando um a um e, a cada um que morre, um dos negrinhos sobre a mesa central da sala desaparece. Logo fica claro que o assassino só pode ser um deles. E, quando todas as provas parecem apontar para determinada pessoa, ela morre.
Agatha transforma todos os seus personagens em detetives e, ao mesmo tempo, em supostos assassinos. Manejar algo assim é algo que só um autor extremamente habilidoso conseguiria.
Em suma: o melhor do romance policial.  

Mórbido, maléfico e maldito

 

No início da década de 1990 eu e o compadre Joe Bennett representávamos uma renovação dentro de revistas clássicas de terror, como a Calafrio. E havia alguém que também publicava na revista e que tinha um trabalho muito semelhante ao nosso, inclusive com influência minha no texto e do Bené no traço. Essa pessoa era Eduardo Cardenas. A aproximação estilística era tão grande que acabamos nos tornando amigos. 
Depois de algum tempo, Eduardo (que na época assinava Luiz Eduardo) desapareceu. Assim foi uma alegria para mim ver um trabalho dele no FIQ. Trata-se do álbum Mórbido, maléfico & maldito. A revista é um tributo ao terror, um gênero infelizmente hoje pouco explorado.
Eduardo mistura monstros clássicos com ficção científica e monstros lovecraftianos, em narrativas sempre densas e desenhos impressionantes, com desejo sujo, repleto de sombras, como deve ser uma HQ de terror.
Antes de cada quadrinho, o autor faz uma capa fake e aqui vai minha única crítica ao álbum: essas capas simuladas são melhores do que a capa do álbum.

Pré-venda do livro Jornalismo em Quadrinhos

 


Meu livro Jornalismo em Quadrinhos está em pré-venda no valor de 11 reais com frete impresso sem registro.  Interessados  mandem um e-mail para profivancarlo@gmail.com.

Brick Bradford: o átomo é um universo

 


O segundo herói de ficção científica foi Brick Bradford, escrito por Willian Ritt e desenhado por Clarence Gray. Bradford apareceu pela primeira vez na tira diária de 21 de agosto de 1933 no New York Journal.
Embora criado para concorrer com Bucky Rogers, não era um simples decalque do mesmo. Ritt tinha fixação em antigas civilizações e dotou seu herói de uma cromosfera (uma espécie de pião) que lhe permitia viajar no tempo.
Curiosamente, a viagem mais famosa de Bradford não foi uma viagem histórica, mas científica. Em viagem ao interior de uma moeda, o herói e seu amig, o sábio Kalla Kopak, são miniaturizado e transportado para dentro de um átomo. Lá ele encontra vestígios de civilizações antigas, faunas e floras primitivas, mundos habitados por pessoas muito semelhantes aos humanos. A viagem termina com os dois voltando ao tamanho normal, no laboratório, alguns minutos depois de os terem deixado.
Essa aventura teve papel essencial na difusão do modelo atômico, até então pouco conhecido. Para isso, o roteirista usou um estratagema inteligente: comparou a estrutura do átomo com o sistema solar, o que permitiu que milhões de garotos no mundo inteiro tivessem seu primeiro contato com a estrutura atômica.
Bardford fez tanto sucesso que chegou a ganhar um seriado matinê, em 12 capítulos, estrelado por Kane Richmond.
Ritt se cansou de escrever o personagem e abandonou a série em 1948. Grey parou de desenhar as tiras do personagem em 1952, por problemas de saúde. Em 1952, Paul Norris assumiu a tira diária. Em 1956, Norris começou a fazer também as páginas dominicais e continuou no personagem até 1987, quando se aposentou.