sexta-feira, julho 26, 2024

Thor contra Zarrko, o homem do amanhã

 


Thor era o herói mais poderoso da Marvel, tão poderoso que Stan Lee precisava criar artifícios para produzir algum tipo de suspense e fazer com que a vitória sobre os vilões não fosse tão fácil. Foi o que aconteceu em Journey into Mystery 101, na qual o deus do trovão enfrenta Zarkko, o homem do amanhã.

A história inicia de maneira inusitada, com o personagem atravessando a cidade e destruindo tudo em seu caminho, de latas de lixo a carros (e Homem-de-Ferro indo atrás e pagando os prejuízos). A razão é que ele continua apaixonado pela enfermeira Jane Foster e Odin, seu pai, não autoriza o relacionamento. Como um garoto mimado, o deus do trovão sai destruindo tudo por onde passa.

Irritado, Thor sai destruindo tudo pelo caminho... 


Odin vê o episódio e, instigado por Loki, resolve punir o filho, tirando dele metade de seus poderes.

Acontece que justamente nessa situação surge do futuro um antigo inimigo de Thor, Zarkko. Como no futuro não existem armas ou máquinas de guerra, ele traz um robô de mineração para botar o terror no século XX.

... o que faz com que ele perca metade dos poderes exatamente quando surge uma ameaça do futuro. 


A história é arte-finalizada por George Bell, que parece não entender muito bem o estilo de Jack Kirby, deixando seu desenho sujo e tirando um pouco do impacto. A saga se estenderia até o número 102, que já teria a arte-final de Chic Stone, alguém que se adaptava melhor ao estilo do rei.

Kirby, aliás, parece feliz da vida com esse roteiro, que lhe dá a oportunidade de desenhar robôs e máquinas futuristas (embora não com tanta maestria quanto ele faria mais à frente).

Um enredo perfeito para Kirby usar sua criatividade. 


Uma curiosidade sobre essa história é que pela primeira vez vemos uma menção ao fato do martelo mjorn voltar para as mãos de Thor, um recurso maneiro, que, no entanto, acabava com um expediente de suspense comum até então: o de que o herói voltava a ser Don Blake depois de 60 segundos longe do seu martelo.

Fundo do baú - Tom e Jerry

 


É muito difícil uma pessoa que nunca tenha visto um desenho animado de Tom e Jerry. Essa série sobre um gato tentando a todo custo caçar um rato (e sempre se dando mal) é uma das mais populares de todos os tempos.

Os personagens foram criados em 1940 por William Hanna e Joseph Barbera. Inicialmente não se chamavam Tom e Jerry. O gato chamava-se Jasper e o rato era Jinx. Só depois que eles foram rebatizados por produtores como Tom e Jerry.

A dupla foi um sucesso nos cinemas, ganhando nada menos que sete prêmios Oscar como melhor animação. Em 1957 o estúdio de animação da MGM fechou e produção de novos episódios paralisou.

Tom e Jerry só iriam voltar em 1965, em episódios para televisão, criados no rastro dos sucessos do estúdio Hanna Barbera. Os episódios ainda mantinham a estrutura dos episódios originais, com o gato caçando o rato. Na fase do cinema, o único humano que aparecia era uma empregada negra e gorda (apareciam apenas as pernas e a voz). Na TV começaram a aparecer também uma mulher branca e magra.

Desde então a série tem ganhado novas temporadas, feitas por diversos estúdios.

Homem-aranha: a vingança de Mesmero

 


Em uma época marcada por grandes roteiristas, Denny O´Neil se destacava por ser um dos mais inovadores. Mesmo em histórias menores ou menos importantes ele se mostrava um mestre da narrativa e uma mente extremamente criativa.
Ótimo exemplo disso é a história A vingança de Mesmero, publicada em Spiderman 207, de 1980 (e no Brasil em Homem-aranha 15).
O´Neil imaginou a história como um espetáculo de variedades e isso já fica claro pela splash page que abre a história, que emula o cartaz de uma apresentação. O próprio crédito é colocado como parte do cartaz: “O renomado senhor Stan Lee, ilustrissímo empresário de incríveis atrações, em associação com os senhores Denny O´Neil e James Mooney, Pablo Marcos, técnico gráfico, apresentam... “.

Na história, Mesmero aluga um teatro para realizar um espetáculo de hipnotismo desastroso, que merece uma crítica severa do articulista do Clarin. Mesmero hipnotiza o crítico teatral e o convence a se matar, o que não acontece por intervenção do Homem-aranha. O vilão então volta sua atenção para o amigão da vizinhança e mesmo sua vingança é pensada como um espetáculo de variedades até o momento final, em que a cortina se fecha.
É uma história fechada, curta, sem grandes pretenções, mas muito divertida. Merecimento do mestre Denny O´Neil.

Novos Titãs – O início do pesadelo

 


Quando Marv Wolfman propôs para a DC sua nova versão da Turma Titã, os executivos gostaram tanto da proposta que resolveram usar uma estratégia de marketing ousada: encartar um número zero da revista na edição 26 a DC Comics Presents.

Para a estratégia dar certo, era necessário que fosse uma história fechada, não fizesse parte da cronologia (afinal, a história do grupo só iria começar de fato no número 1 a revista The New Teen Titans), mas ao mesmo tempo chamasse atenção o suficiente para fazer os leitores comprarem a nova publicação.

Robrin está no meio da ação quando começa o que parece uma alucinação... 


Marv Wolfman resolveu a situação de forma brilhante. A história começa com Robin na frente do prédio de um laboratório, onde terroristas ameaçam explodir um reator solar.

Quando vai entrar no prédio para resolver a situação, o garoto prodígio começa a ter flashs do que parecem delírios, mas na verdade são, vislumbres do futuro.

... e isso vira uma desculpa para apresentar os novos membros dos Titãs. 


Ele encontra com a Moça Maravilha, entra na Torre Titã, encontra com o Rapaz-Fera, que agora se chama Mutano (“Rapaz-fera era fim de carreira! Mutano tem estilo! Ritmo! Emoção!”) e todos os outros integrantes da equipe.

Ravena avisa que uma experiência científica trouxe, inadevertidamente para a Terra, uma criatura unicelular de outra dimensão e os Titãs precisam detê-la antes que ela transforme todo o oxigênio da Terra em metano.

O grupo enfrenta um ser unicelular vindo de outra dimensão. 


Mas, quando o grupo vai enfrentar a criatura, Robin volta para o presente, e a história vai assim, alternando entre o presente e o flash foward.

Quem, como eu, leu essa história em Heróis em Ação 1, empolgou-se com essa trama completamente diferente do que estávamos acostumados, que brilhava não só pelo bom roteiro de Wolfman, mas também pelos desenhos incríveis de George Pérez. A mesma coisa devem ter sentido os leitores norte-americanos, tanto que quando finalmente saiu a revista do grupo, foi um sucesso absoluto.

Turma da Mônica – Laços

 


A Turma da Mônica marcou a infância de milhões de brasileiros. Gerações se alfabetizaram lendo os gibis da turminha. Fazer um filme que agradasse a todas essas gerações, do avô ao neto, era o grande desafio do filme Turma da Mônica – laços.
Esse desafio já havia sido vencido com mérito na graphic novel Laços dos irmãos Cavaggi. A graphic foi uma das mais vendidas da coleção graphic MSP e recebeu elogios da crítica e do público – tanto o infantil quanto o adulto.
Mas levar a história para o cinema gerava muito mais desafios. Além de agradar adultos e crianças, a equipe precisava adaptar não só o roteiro, mas também o visual e a essência de uma história em quadrinhos querida por milhões.
E o resultado foi realmente digno de aplausos. Os atores mirins são realmente talentosos – com destaque para Giulia Benite, como Mônica, e Kevin Vechiatto, como Cebolinha – a dinâmica entre esses dois personagens é realmente um dos pontos altos do filme. O figurino e a caracterização visual dos personagens impressiona.
O diretor Daniel Rezendo (do ótimo Bingo), consegue transformar cenas essencialmente gráficas, como Mônica correndo atrás do Cebolinha e do Cascão e se preparando para atirar o coelho Sansão, em algo plenamente áudio-visual. O diretor, aliás, se aproveita de uma característica dos quadrinhos, a elipse: a Mônica nunca é mostrada batendo nos meninos. Isso é apenas sugerido. Na sessão em que assisti uma criança menor de cinco anos gritou para a mãe: “A Mônica bateu no Cebolinha!”. Ou seja, da mesma forma que nos quadrinhos qualquer criança consegue completar a ação entre os quadros, no filme até mesmo crianças conseguem entender o que não é mostrado, mas sugerido, o que mostra o quanto o filme foi feliz em sua abordagem.
Vale destacar também a cenografia. O filme leva para as telas como seria o bairro do Limoeiro se ele realmente existisse, bucólico, colorido, inocente, quase como se fosse um local visto pelo olhar de uma criança – ou de um adulto lembrando de sua infância.
Em tempo: o filme tem participações especiais. Na sequência em que as crianças espalham cartazes pelo bairro, em determinado ponto eles conversam com um florista e seus clientes. O florista é Sidney Gusman, editor da Maurício de Sousa Produções, e os clientes são os irmãos Cavaggi, autores da graphic original. A sequência termina com os personagens pedindo para afixar o cartaz em uma banca de revistas... e o dono da banca é Maurício de Sousa. 

O cortiço


Publicado em 1890, O Cortiço, de Aluizio de Azevedo, é um romance baseado na ideia equivocada do determinismo social, segundo o qual o caráter de uma pessoa e seu comportamento é determinado pelo meio. E, para o português Azevedo, um cortiço carioca era o pior dos meios, um local que corrompia todos que entrassem em contato com o mesmo.

Assim, O Cortiço é uma história de degradação moral, em que personagens desfilam diante do leitor, alguns até íntegros, como o português Jerônimo, mas vão sendo aos poucos tomados pela lubricidade do local e acabam contaminados.
O romance guarda forte conteúdo racista certamente influenciado por teorias em voga na época: o europeu é bom, íntegro, o brasileiro é uma raça degradada.
É curioso e irônico, no entanto, que de todos os personagens, o mais corrupto é justamente um português, João Romão, o dono do Cortiço. Perto de suas maldades e de seu egoísmo os moradores do cortiço parecem inocentes.
Muito além de sua mensagem determinista, O Cortiço é um dos melhores livros entre os clássicos da literatura brasileira. A forma como o autor lida com uma infinidade de personagens, caracterizando-os perfeitamente, dando a cada um deles uma uma história, um modo de reagir às alegrias e adversidades, tudo isso é genial.
É fácil aprofundar a personalidade de um único personagem. Mas lidar com uma galeria tão grande sem perder a mão é coisa para grandes autores.
Outro aspecto interessante é a inventividade na criação de situações. No cortiço sempre está acontecendo algo numa espiral vertiginosa de traições, brigas, intrigas.
Acrescente-se a isso afinadas descrições da psicologia dos personagens que lembram muito Eça de Queiros. Como exemplo, um trecho em que o autor descreve a descoberta da inveja por parte de João Romão: “E em volta de seu espírito, pela primeira vez alucinado, um turbilhão de grandezas, que ele mal conhecia e mal podia imaginar, perpassou vertiginosamente, em ondas de sedas e rendas, veludos e pérolas, colos e braços de mulheres seminuas, num fremir de risos e espumar aljofrado de vinhos cor de ouro”.

quinta-feira, julho 25, 2024

Monstro do Pântano – Estranhos frutos

 


Em gótico americano, Alan Moore revisitou os principais monstros do terror. Nos números 41 e 42 ele abordou os zumbis, como sempre de maneira revolucionária.

Na trama, uma equipe de TV está gravando uma soap opera em um velho casarão sulista. Mas o local está impregnado de tragédia e maldição, um horror que virá à tona quando os atores encarnarem as pessoas reais que moraram ali.

A história começa com uma sequência em visão subjetiva. O leitor entra no casarão e parece ouvir os fantasmas. 


A história inicia como se o leitor estivesse entrando na casa e descendo ao porão até parar numa coluna manchada de sangue. O diálogo é colocado na forma de legendas, como se reverberasse pela estrutura da casa assombrada: a esposa do senhor envolveu-se com um negro. Quando descobriu, o senhor de escravos levou o escravo até o porão e esfolou-o.

A trama pula para os dias atuais e temos novamente um trio, mas agora com papéis trocados: a mulher é racista e tem nojo do ator negro, enquanto o ator que faz papel de seu marido faz de tudo para ser aceito pelo ator negro. Essa situação vai se invertendo quando os fantasmas do passado encarnam nos atores e eles passam a representar o drama real. Ao mesmo tempo, os mortos levantam da tumba e vão até o casarão, exigindo sua liberdade.

A sequência do morto que não consegue descansar é uma das melhroes. 


Curiosamente, as melhores sequências são focadas nos zumbis. É também quando o texto de Moore encontra seu ápice: “Mas uma coisa todos queriam sem exceção: liberdade. Liberdade desse solo ruim, onde ressentimentos enterrados envenenam as raízes do mundo e de todas as culturas. Liberdade dessas terras contaminadas que deitam frutos tão amargos”.

É um zumbi que protagoniza a impressionante sequência final, repleta de humor ácido e critica social. Um dos mortos vivos apresenta-se como candidato à vaga como bilheteiro em um cinema. O próprio dono do cinema afirma que é um trabalho lamentável, em que as pessoas são obrigadas a passar horas sem comer ou ir ao banheiro, por isso poucos ficam muito tempo. “Tudo bem, quando eu começo?”, responde o zumbi. “Olha, gostei da sua atitude. Você não resmunga sobre condições de trabalho nem vem com papo de sindicato. Não se fazem mais trabalhadores assim”. A metáfora é óbvia: algumas vagas de trabalhos são tão entediantes e deploráveis que só poderiam ser ocupadas por zumbis.

A parte final da história é cheia de homenagens a filmes de zumbis. 


Uma curiosidade é que, nessa sequência final, os filmes que estão passando no cinema são todos de zumbis, como A noite dos mortos vivos, o famoso filme de George Romero que redefiniu o gênero.

A ilha – uma distopia que derrapa no roteiro

 


A Ilha, filme de 2004, de Michael Bay, tem uma ótima premissa e tinha tudo para ser um verdadeiro clássico do cinema. No entanto, o roterio perde-se na tentativa desesperada de transformar uma distopia num filme de ação.

O grande problema é que o grande segredo do filme acaba se revelando cedo demais e sem impacto nenhum com o objetivo de partir logo para a ação desenfreada. A reviravolta é tão banal que todo mundo, mesmo aqueles que não assistiram o filme, já sabem: um grupo de pessoas é criada em um local afastado, um dos poucos refúgios seguros depois que a Terra foi devastada por uma doença. Todos ali sonham com o dia em que serão sorteados na loteria e terão direito a ir para A Ilha, o último local paradisíaco que sobrou.

Ocorre que a Ilha não existe, nem a doença que exterminou a humanidade. Tudo faz parte de um projeto médico e as pessoas que estão ali são clones de outras, que pagaram para terem clones cujos órgãos precisariam usar quando necessário. As pessoas sorteadas na loteria vão, na verdade, para a mesa de cirurgia, onde seus órgãos são retirados.

Um dos clones descobre a verdade e a partir daí tentar fugir e salvar uma amiga que foi sorteada na loteria.

Como havia uma necessidade tão grande de deixar tempo para a ação, não há tempo para que o telespectador crie uma empatia com os personagens. O expectador não sente, por exemplo, o medo do lado de fora (contaminado).

De resto, o filme sucinta várias discussões (não aprofundadas) e remete a várias outras obras. O mito da caverna, de Platão, em que pessoas vivem presas em uma caverna e tudo que vêm são sombras das coisas verdadeiras do lado de fora, é uma referencia óbvia. Para Platão, tudo que vemos tem a sua contraparte perfeita no mundo das idéias, da mesma forma que todos os clones do filme têm sua contraparte no mundo verdadeiro.

A questão da clonagem também é algo que não passa nem perto de ser aprofundado. No filme, os clones começam a desenvolver habilidades de seus originais. Matéria recente do Fantástico mostrou que pessoas que recebem transplantes começam a desenvolver características dos doadores, como se as células humanas guardassem algum tipo de memória não-genética.

Há algum tempo um cientista norte-americano concentrou suas pesquisas nas planária, um tipo de verme dos pântanos. As planárias têm características interessantes. Por exemplo, se você cortar uma ao meio, terá duas guzanos novas. É assim que ela se reproduz: agarrando-se a uma pedra e puxando o rabo até que cabeça e rabo se separem (convenhamos, o sexo foi uma descoberta bem mais divertida!). Pois bem, esse mesmo cientista descobriu que, se ensinasse um desses bichinhos a percorrer um labirinto, depois o retalhasse e desse de comer aos outros, os comilões aprendiam a percorrer o labirinto.

Tal experiência nos diz que talvez não fosse tão sem sentido a idéia dos índios brasileiros, que comiam a carne dos guerreiros abatidos afim de conseguir dele a sua coragem.

A estarrecedora conclusão de que habilidades e memórias podem ser transmitidas pela comida me faz pensar o que estamos comendo?

Ah, mas nem pense que A Ilha faz esse tipo de discussão: os tiros e perseguições de carro são bem mais importantes...

O Super-homem

 

Na década de 1930 dois jovens judeus, Jerry Siegel e Joe Shuster andaram por quase todas as editoras e sindicates da época tentando vender um personagem que haviam criado. Todo mundo achava que o personagem era irreal demais e dificilmente venderia bem. O nome desse personagem era Super-homem, um dos maiores sucessos dos quadrinhos de todos os tempos.

O personagem havia surgido em um fanzine de ficção-científica editado por Siegel, o Science Fiction. Era um homem pobre, escolhido na fila para sopa e submetido a uma experiência científica que lhe dava poderes de ouvir o pensamento das pessoas e comandar seu comportamento. Graças a esses poderes, ele se transforma no governante despótico do mundo. Ou seja, inicialmente, o Super-homem era um vilão.

Com o surgimento das revistas em quadrinhos baratas (que no Brasil foram chamadas de gibis), Siegel percebeu ali um mercado e decidiu transformar seu personagem em um herói, aos moldes de Doc Savage, herói da literatura pulp.

O super-homem unia todos os elementos da cultura pop norte-americana: o valentão bonzinho batendo nos malfeitores (como nos pulp fiction), a malha colante dos fisiculturistas da época e a dupla identidade.

Conta a lenda que numa noite abafada de verão, Siegel não conseguia dormir e passou insone, pensando em seu personagem. De quando em quando ele se levantava, tomava água e fazia anotações. Quando amanheceu, ele já tinha o personagem estruturado, com sete semanas de história.

A história não é bem assim. Na verdade, o Super-homem foi sendo estruturado com o tempo, de acordo com as diversas recusas dos editores. Os dois quadrinistas chegaram até a fazer uma versão mais hard, para uma revista masculina.

Os sindicatos de distribuição, editoras e até estúdios (como o de Will Eisner, que posteriormente iria criar o ótimo Spirit) recusavam a tira com observações do tipo “Trabalho imaturo” ou “Prestem mais atenção ao desenho”.

Quando a National precisou de uma história pronta para colocar em uma nova revista que estavam lançando e que precisava estar nas bancas o quanto antes, Sheldon Mayer se lembrou do Super-homem que estava na pilha de materiais rejeitados. Não se sabe se foi uma antecipação do sucesso ou se era simplesmente a coisa que estava mais à mão, mas o fato é que a editora mandou uma carta com os originais para os dois rapazes dizendo que se eles conseguissem transformar aquelas tiras em uma história de 13 páginas o quanto antes, eles a comprariam.

Assim, Action Comics estreou no dia 1 de junho de 1938, tendo o Super-homem na capa, na sua pose clássica, segurando um carro acima dos ombros, para espanto de bandidos que fogem desesperados. Era um trabalho grosseiro, como se diversas histórias estivessem coladas sem muito nexo, mas mesmo assim provocou uma revolução no mercado. Não era só o heroísmo, mas também o humor. Em uma seqüência, o Super-homem corre por fio de alta tensão, levando um bandido consigo. “Não se preocupe. Os passarinhos ficam nos cabos telefônicos e não são eletrocutados – desde que não toquem num  poste telefônico! Opa! Quase bati naquele ali!”. Era algo novo: um herói fazendo piada. Isso conquistou os garotos.

A revista começou a vender horrores. Os donos da editora National mandaram algumas pessoas perguntarem nas bancas o que estava provocando o sucesso do gibi e o que ouviram foi: “As crianças querem mais desse herói”.

Conforme aumentava a popularidade do herói, aumentavam também seus poderes. No começo, ele apenas dava saltos enormes, mas logo estava voando. No começo ele era imune a balas (famosa a cena em que bandido atiram e as balas ricocheteiam em seu peito), mas logo ele já era capaz de agüentar até uma bala de canhão. Em uma história o herói foi obrigado a entrar telhado a dentro porque suspeitava que numa casa se escondia um bandido. Para evitar que novos telhados fossem danificados, foi inventada a visão de raio x.

Se por um lado ele era o herói mais poderoso da Terra, por outro lado, em sua identidade secreta, ele era Clark Kent, um repórter bobalhão que era sempre passado para trás pela colega Lois Lane. A diferença entre eles era de apenas um óculos, mas mesmo assim Kent conseguia enganar a todos. Alguns roteiristas acreditaram que o alter-ego de Super-homem fosse mesmo um bobalhão, mas trabalhos mais recentes, como de Grant Morrison em All Star Superman mostram que na verdade, ele apenas se faz passar por bobalhão.

Essa falsa dualidade Super-homem x Clark Kent permite um processo de identificação e projeção. O leitor se identifica com Clark Kent, mas se projeta no super-herói e suas realizações.

Com o tempo foram adicionados novos elementos à mitologia do personagem. Surgiu a kriptonita para contrabalancear os poderes cada vez maiores do personagem. A kriptonita verde pode até matar o herói. Já a vermelha tem efeitos imprevisíveis, podendo transformar o herói até mesmo em um monstro. Foi criada uma fortaleza da solidão, no pólo Ártico, um local em que o personagem guarda recordações de seu mundo e de suas aventuras.

Com o tempo, ficou claro também que um personagem tão poderoso não poderia combater reles marginais e surgiram os super-vilões, como Lex Luthor, Bizarro e Brainiac.

Cristo abençoador, de Ingres

 


Poucas pinturas são tão conhecidas quanto Cristo abençoador. A razão disso é que a imagem acabou se tornando meme em decorrência da expressão “Não estou nem aí” de Jesus.
Pintado em 1834, o quadro é de autoria de Ingres, um dos maiores nomes do neo-clássico francês.
A imagem mostra Jesus com as mãos abertas e voltadas para cima, como era normalmente representado nos primórdios do cristianismo.
A expressão de Jesus está diretamente relacionada ao estilo de Ingres, que evitava ao máximo expor qualquer tipo de emoção nos seus quadros, o que gerou essa curiosa expressão de indiferença.

Batman – Barro mortal

 


Uma das características que fazem de Alan Moore um autor tão celebrado é a abordagem inovadora que ele tem sobre os personagens os quais escreve, a exemplo de que foi feito com o Cara-de-barro em Batman anual 11, de 1987.

Moore já começa inovando ao focar sua história no vilão, e não no herói. Além disso, ele constrói sua trama como uma história de amor de tragédia.

Em história anterior já havia ficado estabelecido que o personagem tinha se apaixonado por uma manequim, que lhe pareceu uma mulher imune ao seu toque mortal (Preston Payne acidentalmente matou sua namorada ao tocá-la).

O vilão apaixona-se por uma manequim... 


Aqui, após escapar de um incêndio no museu de cera, ele encontra refúgio em uma loja de departamentos onde encontra uma manequim que lhe parece ser sua amada Helena. Ele passa os dias escondido e de noite aproveita a loja como se os dois (ele e a manequim) estivessem num interlúdio romântico.

Moore transforma esse plot num estudo psicológico: embora a manequim seja inerte e sequer revele emoções (afinal, é um manequim de plástico), o Cara-de-barro começa a ver nela sinais de traição, destacado principalmente pelo fato dela ter sido levada para a sessão de roupas íntimas durante um dia. “Como um idiota, eu havia me preocupado com sua segurança. Imaginei que tivesse sido levada... que o homem de capa a tivesse raptado! E então eu a encontrei... longe de casa. Em roupas de baixo. Como? Como ela pôde fazer isso comigo?”, pensa ele.

... e Moore usa isso para refletir sobre as origens do ciúme. 


Tomado pelo ciúme, o vilão começa a ver mais e mais “indícios” de que a namorada o trai, o que o leva a uma cruzada assassina.

Todos sabem que os vilões do Batman são conhecidos pelo desequilíbrio psicológico, mas nenhum roteirista tinha explorado tão bem essa abordagem quanto Alan Moore nesta história e em Piada Mortal.

quarta-feira, julho 24, 2024

A arte hiper-real de Ron Mueck

 

Ron Mueck é um artista australiano radicado na Gran Bretanha. Seu trabalho reproduz figuras humanas com perfeição hiper-real, mas em escalas estranhas (ou muito pequena ou muito grande), que desconsertam o expectador e o levam a um outro olhar sobre a realidade.









Francisco Iwerten – biografia de uma lenda

 


Em 1997 a Gibiteca de Curitiba completava 15 anos e surgiu a ideia de fazer uma revista em comemoração à data, Metal Pesado Curitiba. Vários autores locais foram convidados e nove deles (incluindo eu) resolveram fazer uma história só, com um super-herói curitibano.
Assim surgia o Gralha. Para dar mais verossimilhança ao herói, inventamos que ele não era um personagem original, mas uma atualização de um herói clássico, surgido em Curitiba na década de 1940 e criado pelo pioneiro Francisco Iwerten. Eu escrevi um texto de apresentação, com a biografia de Iwerten e José Aguiar fez os desenhos usando como base o visual criado por Edson Kohatsu.
Na época não tínhamos a menor ideia do impacto que aquela única página teria sobre os quadrinhos nacionais.
As pessoas começaram a achar que Iwerten existia mesmo.
O Capitão Gralha começou a aparecer em cronologias de quadrinhos brasileiros, em matérias de jornais, em artigos de revistas. Iwerten chegou a ganhar um prêmio e quase foi tema de uma escola de samba.
Como quem conta um conto aumenta um ponto, a história foi ampliando, em especial com o surgimento da internet. No meu texto eu dizia que Iwerten visitara o estúdio de Bob Kane. Logo começaram a dizer que ele estagiária no estúdio de Bob Kane. Pouco tempo depois surgiu o boato deque ele havia criado o cinto de utilidades. Daí para dizerem que ele era o verdadeiro criador do Batman foi um pulo.
Em 2014 finalmente resolvemos contar, oficialmente que ele não existia (para uma plateia lotada e embasbacada na Gibicon de Curitiba).
Isso nos liberou para “brincar” com a mitologia do personagem – e um dos resultados disso foi o livro Francisco Iwerten, biografia de uma lenda, escrito por mim e por Antonio Eder com ilustrações e projeto gráfico de JJ Marreiro.
É um livro tipo vira-vira, com dois lados e duas capas.
Em um dos lados, Iwerten é tratado como criador e temos uma biografia fake do quadrinista: sua origem judaica, a paixão pelos quadrinhos, a viagem para os EUA, os primeiros esboços para o herói.
No outro lado, Iwerten aparece como personagem (com o desenho da capa mostrando-o sendo desenhado em um quadrinho). Neste lado é contada a história “verdadeira” do nascimento da lenda: o conto de Mark Twain que deu origem à ideia, a estratégia de matar Antonio Eder, que não deu certo, mas serviu de base para a história, e, principalmente, a repercussão do caso.
Foi um dos meus trabalhos mais divertidos