sábado, julho 19, 2025

Tropa Alfa – Sombras do passado

 

 

No número 2, 3 e 4 do gibi da Tropa Alfa, John Byrne desenvolveu toda uma saga centrada na personagem Marina. 

Na história, ela fere quase mortalmente o Pigmeu e desaparece no mar. Ao procurá-la, os heróis encontram uma estrutura alienígena embricada no gelo do ártico. A estrutura é também uma armadilha, que aprisiona Estrela polar e Aurora 


O vilão tem pouca profundidade. 

O fato da saga se estender por três edições permite a Byrne desenvolver os personagens, em especial Marina. Descobrimos, por exemplo, que ela é uma alienígena de uma nave de colonização que teve uma pane e caiu na Terra. Com o seu casulo jogado no mar, ela se tornou uma anfíbia e desenvolveu habilidades aquáticas. 

Descobrimos também que a nave foi dominada por um homem das cavernas capturado pela nave e que, milhares de anos depois de ser aprisionado, conseguiu o controle da mesma e pretende usá-la para dominar o mundo. 


A dupla personalidade de Aurora torna-se um problema para a equipe. 

Apesar da boa qualidade da trama, há problemas. O vilão tem pouquíssima profundidade. Não é revelado como ele conseguiu dominar a nave e nem por que razão ele atraiu Marina para a nave e nem como prender e torturar ela vai ajudar no plano de dominar o mundo. 

Ou seja: para Byrne, o vilão é apenas uma motivação para o herói. Considerando-se que Claremont tinha uma grande preocupação em desenvolver os vilões em X-men, é possível imaginar como seus a tropa Alfa caso a dupla ainda existisse. 

A Mulher Invisível e Namor fazem uma participação especial na história. 


Aliás, nessa segunda história é possível perceber como os novos personagens são parecidos com os mutantes. Pigmeu obviamente é uma versão do Wolverine, inclusive em termos de altura e personalidade. Sasquatch é Colossus. Embora Pássaro da Neve lembre Tempestade, é Aurora que vai revelar um paralelo com ororo em termos de personalidade, especialmente quando ela reverte para sua outra personalidade durante a batalha. Vale lembrar que muitas vezes a fobia de Tempestade por lugares fechados era o motor de muitas histórias dos X-Men.

Capitão América contra o Touro

 


As revistas da Marvel tinham tanta ação desenfreada que faziam parecer que as revistas da DC Comics aconteciam em câmera lenta. Mas havia um personagem na Marvel cujas histórias eram explosões de ação a ponto de parecer que as outras revistas da editora é que aconteciam em câmera lenta.

Estamos falando do Capitão América de Jack Kirby e Stan Lee.

O personagem, que havia ressurgido nas histórias dos Vingadores, teve sua primeira história solo em Tales of Suspense 59, de novembro de 1964.

"Por que não telefonaram?" 


A revista já começa com uma splash page impressionante, com o sentinela da liberdade atravessando uma janela enquanto pedaços de vidro voam para todos os lados.

Corta para a mansão dos vingadores onde o Capitão América ficou responsável pelo plantão da noite. Ele recebe uma xícara de café de jarvis e senta para ver um álbum de fotos.

Enquanto isso, em outro lugar, um mafioso planeja um assalto à mansão dos vingadores. Parece uma ideia louca invadir exatamente a sede de um grupo super-poderoso, mas ele tem um plano.

Estão atirando com um maçarico? Que ótima oportunidade! 


Segundo o Touro (esse é o nome do mafioso), toda corrente tem um elo fraco e o elo fraco dos Vingadores é exatamente o Capitão América, o herói menos poderoso do grupo.

O grupo então sequestra Jarvis e pergunta quem está de plantão naquela noite. “Não é segredo! O Capitão América está de plantão esta noite! Não era mais fácil ter telefonado?”.

A sequência provavelmente é consequência do método Marvel. Kirby deve ter colocado os criminosos sequestrando o mordomo e Stan Lee aproveitou para fazer uma piada em cima da situação sem sentido.

Kirby caprichava nas poses acrobáticas. 


A partir daí a história é pura ação. Os mafiosos invadem a mansão dos Vingadores, com Touro vestindo uma armadura que lembra a do Homem de Ferro. Kirby era um especialista em transformar os quadros em uma imagem que parecia tridimensional e colocar o herói em situações acrobáticas estranhas, mas de grande impacto. E as situações beiram o absurdo. À certa altura eles conseguem amarrar o herói, se aproveitando do fato dele ter levado um tiro de raspão. Mas ele consegue usar o salto das botas para cortar as cordas que prendem suas mãos e quando um dos vilões atira nele com um maçarico, ele aproveita isso para soltar as pernas. “Chefia! É encrenca! Ele soltou as pernas!”, grita um dos bandidos.

Ali era uma junção perfeita dos desenhos de Kirby com os diálogos de Stan Lee em um personagem pra lá de carismático.

Primavera para Hitler

 

 

Primavera para Hitler é um filme de 1968, de Mel Brooks com Gene Wilder e Zero Mostel nos papeis principais.
Na trama um produtor de musicais (Zero Mostel) está decadente e é obrigado a namorar velhas endinheiradas para conseguir dinheiro, mas descobre, através de um contador (Gene Wilder) que um fracasso pode ser mais lucrativo que um sucesso. A receita é simples: basta arrecadar patrocínio muito a mais do que necessário para a produção. Se a peça for um fracasso total, apresentando-se um único dia, nenhum dos investidores irá procurar receber seu dinheiro de volta.
Para conseguir seu intento, a dupla procura a pior peça já escrita e encontram "Primavera para Hitler", escrita por um lunático nazista. Para dirigir o espetáculo escolhem o pior diretor da cidade: um cara afetado com mania de grandiosidade. Para o papel de Hitler, escolhem um rapaz que fora ao teatro por engano e só quer cantar rock. O produtor chega a subornar um crítico musical sabendo que isso o fará detonar o musical. Mas tudo dá errado quando a peça, inexplicavelmente, se torna um sucesso.
Na época o filme chegou a ser proibido na Alemanha, embora seu diretor fosse judeu.
Primavera para Hitler é comédia inteligente e politicamente incorreta. Destaque para a cena das moças semi-nuas cantando que Hitler está destruindo a Polônia ou a das moças vestidas como soldados nazistas dançando uma coreografia baseada no passo de ganso. Ou a secretária belíssima, mas que não fala em inglês e entende que trabalhar é dançar rock. Ou a do autor da peça tentando convencer a plateia de que não escreveu uma comédia (e todos acham que isso faz parte da piada). Enfim, Primavera para Hitller mostra bem porque Mel Brooks é considerado o homem que revolucionou o cinema de humor.

Esse filme, aliás, só seria possível nos revolucionários anos 1960. Hoje em dia Mel Brooks seria considerado persona non grata em Israel.

Perry Rhodan – A morte sideral

 


O volume 220 da série Perry Rhodan começa com uma situação angustiante. Os três teleportadores (Tako Kakuta, Ras Tschubal e Gucky) estão perdidos no espaço depois de terem destruído a fortaleza dos maahks. Embora toda a frota terrana esteja em busca deles, achar três pessoas na imensidão do vácuo é como achar uma agulha em um palheiro. Para piorar, o oxigênio está acabando.

É essa situação dramática que Clark Darlton explora no livro A morte sideral. E explora muito bem. Darlton é um dos melhores escritores da série e consegue transformar o livro em que uma obra que te prende desde o início pela situação terrível dos personagens, cuja vida parece estar por um fio.

Os personagens fazem de tudo para encontrar um planeta com o oxigênio, mas suas expectativas vão sendo frustradas uma a uma. Até mesmo quando encontram um planeta com gelo, o resultado é desesperador: o líquido não é formada por oxigênio e hidrogênio.

Quando finalmente eles se deparam com uma nave, é como sair da frigideira para cair no fogo: a nave é dos aconenses, inimigos dos terranos, que os entregam para os maahks sobreviventes com os quais fizeram uma aliança.


Darlton faz questão de mostrar a incrível capacidade de recuperação dos respiradores de metano, que em alguns dias constroem uma estrutura complexa no novo planeta.

Apesar de ser um pouco forçada a forma como os personagens conseguem sair dessa situação desesperadora, a narrativa é tão fluída e bem construída, que o leitor em nenhum momento duvida do curso dos acontecimentos.

Em outras palavras: é um livro que prende o leitor do início até o fim. Depois de vários livros arrastados, esse é um verdadeiro alívio.

Aliás, esse livro me fez lembrar um conselho de um amigo que me apresentou a série Perry Rhodan: “Não vá pela capa”, disse ele. De fato, dificilmente eu poderia pensar em uma capa tão sem graça que a deste volume.

Homem-aranha: ameaça ou calamidade pública?

 


Frank Miller costuma dizer que aprendeu boa parte do que sabe com Denny O´Neil, roteirista veterano que foi seu editor no Demolidor e a primeira pessoa dentro da Marvel a lhe dar liberdade para criar histórias.
Eles funcionavam também muito bem como dupla criativa, como podemos ver na história “Homem-aranha: ameaça ou calamidade pública?”, publicada em Spiderman annual 15.
A história tem muitas sacadas genias, a primeira delas o fato de ser totalmente focada na edição de 15 de julho do Clarin Diário. JJ Jameson está tentando definir qual será a capa da edição e, claro, opta por uma manchete chamando o aracnídeo de ameaça. Mas Joe Robertson lembra que toda vez que o Clarin tem esse tipo de capa, as vendas despencam.
O eixo narrativo da história é a capa do Clarin...


Enquanto isso, Bem Urich e Peter Parker cobrem um evento que tem tudo para se tornar a manchete do dia: um mágico coloca uma garota em coma com um processo de hipnose e é morto pelo Justiceiro. Ao investigar a história, Parker descobre que a hipnose era, na verdade, um potente veneno. E o Dr Octopus quer se apropriar do veneno e matar cinco milhões de pessoas misturando-o às tintas que irão imprimir o jornal O Clarin.
... cuja manchete vai mudando ao longo do dia. 


Conforme a história vai evoluindo, Jameson vai mudando a capa: o assassinato do guru, a intervenção do Justiceiro, a ameaça de Octopus. E cada um desses “subtítulos” é marcado pela nova capa do jornal. Aí Miller revela sua outra influência: Will Eisner, que na década de 1940 fazia experiências semelhantes em The Spirit.
A história tem o ritmo perfeito, misturando ação e humor na medida certa. É nítido que tanto O´Neil quanto Miller estavam se divertindo muito fazendo essa HQ.
Essa história foi publicada duas vezes pela Abril (em Homem-aranha 1 e Marvel especial 6) e pela Panini (no volume Os Maiores Clássicos do Homem-Aranha n° 4).

Escrava romana

 


Oscar Pereira da Silva é hoje pouco conhecido, mas foi um dos grandes pintores brasileiros no final do século XIX e início do século XX. Seu estilo acadêmico foi obscurecido pelo modernismo que eclodiria a partir da década de 1910.
Entre seus trabalhos está a decoração da Igreja de Santa Ifigênia, em São Paulo.
Uma de suas pinturas mais famosas é “Escrava romana”, produzido enquanto o artista estava em Paris. Uma das grandes qualidades do artista era sua habilidade de desenhar a figura humana, o que pode ser visto em plena forma neste quadro. A imagem é totalmente focada na jovem moça que está à venda como escrava sexual. A pintura, embora detalhista e realista em sua técnica, traz uma dubiedade interessante: embora a placa no peito da moça diga “Virgem de 21 anos”, ela parece muito sensual, descontraída e segura para uma garota virgem.
A pintura fez tanto sucesso que Oscar Pereira da Silva  fez uma cópia para poder vender duas vezes. Atualmente a obra consta no acervo da Pinacoteca de São Paulo.

sexta-feira, julho 18, 2025

O problema é falta de talento

 


Existe uma visão, muito difundida atualmente, segundo a qual o meio intelectual e a academia não aceitam autores de direita.
Parece coisa de quem não lê.
Vejamos alguns exemplos.
Paulo Francis, um dos grandes nomes da direita brasileira, quando era vivo era leitura obrigatória entre os jornalistas. Quando trabalhava em jornal, a coluna dele na Folha de São Paulo era a primeira que a maioria lia. Eu recortava e guardava. Tinha uma pasta cheia desses recortes.
Nelson Rodrigues, um notório direitista, sempre foi considerado um dos maiores autores teatrais do Brasil, além de escritor e jornalista brilhante. Peças de filmes baseados na obra dele sempre fizeram muito sucesso, inclusive entre a crítica.
O autor argentino Jorge Luís Borges é considerado pelos intelectuais um dos melhores, senão o melhor autor do século XX e influenciou centenas de escritores, inclusive de esquerda. Umberto Eco homenageou-o no livro O nome da Rosa.
Lovecraft tem sido resgatado e cada vez mais analisado pela academia nas mais diversas áreas, da literatura à filosofia – e a rejeição que existia à obra dele estava muito mais relacionada ao fato dele ser um escritor pop do que propriamente os posicionamentos ideológicos. Autores nitidamente de esquerda, como Neil Gaiman e Alan Moore se dizem fã de Lovecraft – este último inclusive já escreveu duas obras em homenagem ao criador dos mitos de Cthulhu.
Em suma: o problema não é a pessoa ser de esquerda ou de direita. O problema é a pessoa não ter talento. 

Histórias brilhantes, de Alan Moore

 

Alan Moore geralmente é reconhecido como autor de histórias grandiosas, como Watchmen e Monstro do Pântano. Entretanto, ele era um exímio autor de histórias curtas. Perfeita demonstração disso é Histórias brilhantes, recentemente lançado pela editora Myhtos.

O álbum reúne dez histórias curtas escritas por Moore e desenhada por diversos autores e impressa em diversas publicações alternativas. É uma fase diferente do mago de Northampton, com temas frequentemente sociais e subversivos – o tipo de história que ele raramente poderia desenvolver nas grandes editoras, como a DC.
Entre as várias HQs, uma das mais impressionantes é Tapeçarias.
A história, com desenhos de John Totleben e Stan Wach, foi produzida para uma organização pacifista, a CCCO (Comitê Central de opositores conscientes). A entidade havia percebido que seus folhetos eram simplesmente ignorados e não conseguiriam concorrer com a pesada propaganda pró-alistamento militar, que mostrava a guerra como algo heroico.
Assim, surgiu a proposta de fazer uma história em quadrinhos barata, com autores desconhecidos, em preto e branco, mas que mostrasse os verdadeiros horrores da guerra. Entretanto, quando o roteirista Harvey Parker entrou na empreitada, sua esposa sugeriu mudar completamente o projeto: ao invés de uma revista barata, em preto e branco, com autores desconhecidos, por que não fazer uma publicação colorida e convidar os grandes astros do mercado de quadrinhos ? E, surpreendentemente, muita gente aceitou produzir histórias sem necessidade de pagamento.
Tapeçarias mostra de um lado a visão idealizada da guerra e do outro a dura realidade do conflito militar.  


Moore adaptou o livro de W.D Ehrhart, um veterano da guerra do Vietnã. A narrativa da história “Tapeçarias” é genial, explorando perfeitamente as possiblidades dos quadrinhos: do lado esquerdo, mostrava a infância e juventude de Ehrhart, envolvido em quadrinhos, filmes e propaganda que glorificavam a guerra; no lado direito mostrava a dura realidade do implacável treinamento militar e as atrocidades da guerra, com soldados americanos matando civis vietnamitas, destruindo templos budistas e cometendo todo tipo de atrocidade.
Moore se empolgou e fez outra história adaptando dois outros livros de Ehrhart que mostram a experiência do autor na Nicaragua, mostrando que a história se repetia.
“O amor não dura para sempre”, com desenhos de Rick Veitch, é outro destaque. Aparentemente é apenas uma história de ficção científica com final irônico, mas por trás da aparência se revela uma envolvente metáfora sobre a AIDS, produzida na época em que a doença ameaçava se tornar uma pandemia.
O Espelho do amor explora a origem da perseguição à homossexualidade. 


Quase uma continuação deste conto, “O espelho do amor”, com desenhos de Bissette e Veitch, foi escrita no auge da pandemia, quando grupos conservadores aproveitaram a doença para promover um discurso anti-gays que insinuava até mesmo que câmaras de gás seriam uma solução para a pandemia. Moore, que na época vivia uma relação a três, constrói uma bela e poética narrativa que investiga historicamente a origem da homossexualidade e da perseguição.
Outro grande destaque é “Pictopia”, que desnhos de Donald Simpson. Aqui, Moore imagina uma cidade ocupada por personagens de quadrinhos, de desenhos animados e tiras de quadrinhos. A narrativa, altamente metalinguística, é focada numa versão mooreana do mágico Mandrake. Em muitos sentidos, essa HQ é uma atencipação de materiais que o autor desenvolveria em outros trabalhos, a exemplo de Supreme.
Em Histórias brilhantes, Moore mostra que é possível desenvolver temas complexos e relevantes em meras quatro ou seis páginas. 
O álbum tem ainda, extensos textos de Marc Sobel contextualizando as histórias e analisando-os num verdadeiro tratado sobre a obra do mago.
O ponto negativo é realmente o número de histórias: apenas dez.

O último recreio, de Carlos Trillo e Horacio Altuna

 

 

Imagine um mundo em que todos os adultos morreram e só sobraram as crianças. Esse o universo distópico cirado por Carlos Trillo e Horácio Altuna em O último recreio.

A trama começa com uma bomba caindo em Buenos Aires. Todos os adultos são encaminhados para um refúgio, mas nenhum deles sai de lá. Quando as crianças resolvem sair às ruas, descobrem o mundo está completamente mudado. Um goroto resolvem aproveitar a situação e violentar uma garota, mas acaba morrendo. É nesse ponto que fica claro: a bomba só atinge quem tem a sua sexualidade despertada.

Na história, quem tem a sexualidade despertada morre. 


Um mundo só de crianças poderia parecer um paraíso, mas o que ocorre é exatamente o oposto. A sociedade degenera para um mundo apocalíptico em que se sobressaem os mais fortes.

A história é contada em pequenos capítulos, com personagens que se alternam, quase como se fossem contos isolados unidos pela mesma ambientação.

De todos o episódios, talvez o mais interessante seja A estrela, sobre uma garota que estrelou um programa de TV e viciou-se em ser o centro das atenções. É um perfeito exemplo de como fazer um roteiro em elipse, em que o final é semelhante ao início em um círculo vicioso.

A Estrela é o melhor capítulo. 


Carlos Trillo se destaca pela ótima caracterização dos personagens e pelas tramas bem elaboradas, apesar das poucas páginas de cada capítulo. É um roteirista que impressiona por sua habilidade em todos os aspectos da história.  

Horacio Altuna, por sua vez, desenha a HQ em um perfeito equilíbrio entre a inocência juvenil e a sensualidade, uma escolha perfeita uma vez que, na história, o despertar sexual representa a morte.  

 A história foi publicada originalmente em capítulos na revista espanhola 1984 e depois reunida em álbum. Aqui no Brasil foi lançada pela editora Risco.

Perry Rhodan – Vôo para o infinito

 

No número 32 da série Perry Rhodan, a humanidade estava em plena guerra contra os saltadores, que não aceitavam qualquer interferência em seu monopólio do comércio espacial.

Diante de um adversário muito mais poderoso, Rhodan procura o planeta Peregrino, onde pretende pedir ajuda ao Imortal.

Essa premissa simples nas mãos de autores menos habilidosos poderiam dar origem a um dos volumes mais maçantes da série. Mas Clark Darlton transfoma esse plot num livro extremamente filosófico e um dos mais interessante do primeiro ciclo.

Quando finalmente chega ao planeta Peregrino, os terranos encontram o Imortal ocupado observando o fim de um sistema solar. Junto com o sol, perece uma das civilizações mais antigas do universo. Rhodan indaga se a situação não pode ser revertida e o planeta salvo.

Em resposta, o Imortal volta com Rhodan no tempo e o coloca numa nave rumo ao planeta, cujo nome dá uma dica sobre sua importância: Barcon. Barcon é a origem não só da civilização arcônida, mas de todas as raças humanoides, incluindo os terranos. Isso explica porque no universo da série há tantas raças humanoides: todas descendem do mesmo tronco.

A capa original alemã. 


Esse mote se torna desculpa para diálogos sobre o espaço-tempo, sobre sonhos (“O homem só conhece um tipo de viagem pelo tempo, que é precisamente o sonho”) e sobre até mesmo uma crítica aos excessos do cartesianismo: “No mais solitário dos mundos do universo prevaleceu a idéia de que um saber abrangente traz mais vantagens que a simples especialização”.

Em uma das sequências, o Imortal explica como consegue reunir, num mesmo momento, duas versões da mesma pessoa, numa explicação que reverbera tanto as ideias de Heráclito quanto o budismo: “A cada segundo que se passa, somos uma pessoa diferente. As células de nosso corpo renovam-se constamente, tal qual o sangue. Logo, o homem deste segundo não pode ser o mesmo do segundo que se segue”.

Vôo para o infinito é um daqueles exemplos de como a série Perry Rhodan conseguia ir muito além da literatura popular de banca.

Fundo do baú - Viagem ao fundo do mar

 


Viagem ao fundo do mar foi um seriado de aventura criado por Irwin Allen e exibido na TV americana na década de 1960.
O seriado teve origem em um filme dirigido por Allen sobre um submarino nuclear que tenta salvar a terra de um desastre. O diretor conseguiu convencer a Fox a produzir o seriado com o argumento de que os principais cenários já estavam prontos e poderiam ser reaproveitados.
Assim, surgiu o seriado no qual o submarino seaview enfrentava monstros, extraterrestres e nações inimigas dos EUA.
Uma curiosidade é que a marinha americana inicialmente se negou a ajudar a produção, temendo que o desenho de seus submarinos fosse divulgado. Assim, o pessoal do design teve de se infiltrar em grupos de turistas em exposições de submarinos alemães capturados durante a II Guerra e fazer desenhos escondidos.
Com o sucesso da série, o submarino a principal estrela. O Marechal Costa e Silva, então presidente do Brasil, fez questão de visitar o seaview quando visitou os EUA, em 1967.

No Brasil, Viagem ao Fundo do Mar foi exibida em vários canais de TV a partir dos anos 70. A última emissora a transmití-la foi a Rede Record, no início dos anos 90.

Jornada nas estrelas - A glória de Ômega

 


Confesso que tenho uma simpatia muito grande pela série clássica de Jornada nas Estrelas, de modo que acabo gostando até mesmo episódios ruins, como o cérebro de Spock. Mas um que me incomodou muito desde o início foi A glória de Ômega, da segunda temporada. 

No episódio, a Enterprise encontra uma nave vazia. Ao visualizarem o diário do capitão descobrem que a tripulação morreu em uma praga e que a única forma de sobreviver é descer ao planeta. Como também estão infestados, Kirk Spock e McCoy descem para o planeta, onde encontram o capitão da outra nave. Já começa aí um problema.  O vídeo dava a entender que ele também tinha morrido. Como ele descobrira que a superfície do planeta poderia curar a doença? E como só ele tivera a ideia de descer? Furos e mais furos no roteiro. 

O capitão explica que todos os habitantes do planeta são imortais e pretende usar isso para ganho pessoal, obrigado McCoy a descobrir o segredo da imortalidade. Além disso, a população local está dividida entre dois grupos, um de brancos considerados selvagens, e outro de asiáticos. O capitão usa sua tecnologia para mudar a guerra a favor dos orientais, quebrando diretamente com a primeira diretriz. 

Os problemas continuam. McCoy descobre que a imortalidade dos habitantes locais é decorrente de um processo de seleção natural, o que acaba completamente com a premissa básica do episódio de que o planeta tinha algo que curava doenças. 

Para piorar, o episódio termina com uma indisfarçada patriotagem que inclui a bandeira dos EUA e até a constituição, o que é forçar demais o pacto de verissilhanca. 

Nada faz sentido nesse episodio e ele nem mesmo engraçado. É apenas ruim.

Superman – Britânico legítimo

 


E se o foguete vindo de Kripton tivesse caído na Inglaterra e o Super-homem tivesse sido criado naquele país? Isso é o que imaginam Kim Howard Johnson e John Byrne no volume Superman – Britânico legítimo, lançado aqui pela editora Mythos.

A história, em volume único, tem um tom de sátira, algo destacado pelo fato do roteirista ter escrito uma biografia do grupo Monthy Python e ter tido algum tipo de ajuda não especificada de John Cleese, membro da trupe. Essas credenciais, exibidas com destaque na contracapa do título, leva a crer que essa história seria o superman no estilo Monthy Python. Infelizmente não é o que acontece.

A bebê vindo de Kripton cai na Inglaterra. 


Na trama, Colin Clark é criado por seus pais para não usar seus poderes, tendo como lema “OQOVVP” – “O que os vizinhos vão pensar”.

Formando em jornalismo ele é contratado para trabalhar em um jornal sensacionalista que tem um recorde de tiragem quando o personagem resolve finalmente usar seus poderes para salvar uma dupla de músicos dos Rutles (versão dos Beatles na história). As manchetes sensacionalistas chegam a insinuar namoros com atrizes famosas até que se torna mais interessante para o editor passar a difamar o herói, transformando-o em inimigo público número 1.

Isso deveria ser engraçado... 


O grande problema da história é que ela não funciona como história de super-herois, mas também não funciona como humor, ou talvez seja um humor tão tipicamente britânico que não possa ser compreendido fora de lá. Por exemplo, ao longo da história, os pais adotivos de Colin Clark se mudam diversas vezes, “esquecendo” de deixar o novo endereço. Eu fiquei sem saber se isso é uma referência ao hipotético fato de que pais ingleses costumam fugir de seus filhos ou se é uma referência ao hipotético fato de que pais ingleses costuma se mudar e esquecer de deixar o endereço novo. Nitidamente há ali algum tipo de referência que torna isso engraçado, mas que não consegui decifrar.

Outra questão que talvez seja muito engraçada para os britânicos tem a ver com os trabalhos recebidos por Superman por parte da Rainha: Acertar os horários dos trens; reduzir o tempo de espera das cirurgias de quadril e elevar o padrão de qualidade da BBC.

... mas não é. 


Sim, não são tarefas dignas de um super-herói, eu sei. Aliás, isso que deveria tornar essas tarefas engraçadas. Mas isso não acontece. Talvez porque a impressão que temos é que os britânicos são pontuais e, portanto, imagina-se que seus trens também sejam, e as produções da BBC que chegam até nós são de ótima qualidade (a exemplo dos documentários e do seriado Dr. Who). Talvez para um britânico tudo isso seja muito engraçado, mas nos faltam referências culturais para entender porque seria engraçado.

Pelo menos o uniforme ficou bacana. 


Há, sim, situações engraçadas, como quando o Super-homem resolve o problema das cirurgias de quadril colocando diversos pacientes num auditório, o que faz com que todos os operados tenham infecções (“Pelo jeito, um auditório que costuma concentrar inúmeras pessoas não é o local mais asséptico para cirurgias”) ou quando ele tenta resolver o problema da dívida inglesa produzido diamantes a partir de carvão, o que provoca uma super-inflação de diamantes, fazendo com que o preço da pedra despenque. Essas são piadas que qualquer um que tenha noções de biologia e economia consegue entender, mas são exceções. Kim Johnson parece ter aprendido pouco com seus ídolos do Monthy Python, cujo humor é universal.

No geral, a obra vale mesmo pelo lindo desenho de John Byrne magistralmente arte-finalizado pro Mark Farmer.