sexta-feira, julho 11, 2025

O pensamento vivo ou morto de Alfred E. Newman

 

 

Alfred E. Newman é o mascote da revista MAD, famoso por suas frases repletas de ironias e uma sinceridade absoluta. É uma espécie de coaching ao contrário. Confira algumas das citações mais famosas desse mestre da sabedoria amalucada.




Jonah Hex – Bem-vindo ao paraíso

 


Quando o personagem Jonah Hex surgiu, no número 10 da revista All-Star Western, em março de 1972, foi uma revolução nos quadrinhos de faroeste.

Até então, a maioria dos quadrinhos mostrava mocinhos bonitos, cujo cabelo nunca despenteava e que atiravam na arma dos inimigos para desarmá-los.

A primeira imagem da história, uma splash page do filipino Tony DeZuniga, já quebrava totalmente com o estereótipo dos heróis quadrinínsticos, como Roy Rogers. O desenho mostrava Jonah montado em seu cavalo, arrastando pelos pés os cadáveres de dois bandidos que ele havia liquidado a serviço dos endinheirados da cidade.

A primeira página já mostrava o quanto a série era revolucionária. 


O texto, de John Albano, dizia: “Matador a sangue frio, degenerado, demônio impiedoso, sem sentimentos ou consciência... um homem consumido pelo ódio... esse era Jonah Hex!”.

Nas páginas seguintes, quando vemos o personagem de perto, percebemos que a diferença dele para os heróis clássicos é ainda maior do que aparecia na página inicial. Ele tem um lado do rosto completamente deformado, os dentes à mostra, os olhos esbugalhados. Ao contrário dos mocinhos da década de 1950, Hex era sujo, feio e mal-educado. Em outras palavras, era o cowboy ideal para uma nova época, em que o faroeste americano perdia cada vez mais espaço para os bang bang italianos, repletos de anti-heróis, como o personagem sem nome de Clint Eastwood na trilogia de Sérgio Leone ou Django, de Sergio Corbucci.

O personagem era muito diferente dos cowboys convencionais dos quadrinhos. 


Na história, Hex persegue uma gangue de malfeitores e, quando consegue eliminar todos e pega o pagamento, decide ficar na cidade, para horror dos cidadãos de bem, que conseguem convencê-lo a ir embora. "Ufa!”, diz um dos endinheirados. “Um selvagem como ele morando entre pessoas civilizadas como nós? Jamais!”.

A história termina com ele visitando uma família que ele havia ajudado e sendo escorraçado pela mulher: “Atirei no seu chapéu para mostrar que não é bem-vindo por aqui!!.

O personagem é um anti-herói, rejeitado pela sociedade. 


Ao final, ele passa pela placa “Bem-vindo a Paradise Corners” e a destrói com um murro.

Era um final perfeito para um personagem que se tornaria tão popular a ponto de ganhar revista própria com quase uma centena de números.

Demolidor – Nas mãos de Mercenário

 


O primeiro grande evento do título do Demolidor na fase Frank Miller foi o confronto com o Mercenário nos números 160 e 161.

Nessa fase o roteirista ainda era Roger Mackenzie, que parecia cada vez mais se adaptar ao estilo e aproveitar ao máximo as potencialidades narrativas de Miller.


O casal na rua era Peter Parker e Mary Jane, mas a Abril suprimiu a referência. 


A história começa com uma sequência eletrizante com a Viúva Negra entrando em seu apartamento e dando de cara com o Mercenário, que pretende usá-la como isca para se vingar do homem sem medo. A espião se revela uma adversária formidável, mas é difícil lutar contra alguém que pode usar qualquer coisa como arma.

Essa sequência inicial é uma demonstração perfeita de como Miller era um narrador visual revolucionário. Ele brinca com a diagramação, fazendo quadros que esticam por todo o sentido vertical ou horizontal da página. E usa isso como elemento para dinamizar a ação. À certa altura, por exemplo, o mercenário derruba um candelabro sobre a heroína e o quadro esticado amplia a impressão de algo caindo.

Miller esqueceu de tirar as luvas do herói. 


A história tem direito até a referências a outras séries da Marvel. Num dos quadros, por exemplo, Matt Murdock vê um casal na rua e pensa: “Como eu gostaria que Heather e eu fôssemos um casal como esse. Não parecem ter nenhuma preocupação na vida”. O casal sorridente, que passa lá embaixo é composto por ninguém menos que Peter Parker e Mary Jane Watson, o que torna a cena irônica, já que o Homem-Aranha é conhecido exatamente por seus problemas pessoais. Em tempo: quando a Abril publicou essa história em superaventuras Marvel, a editora simplesmente cortou a referência.

Há também um erro narrativo, um descuido, provavelmente de Miller. Quando entra no apartamento da Viúva Negra e descobre que a ex-namorada foi sequestrada, o Demolidor percebe que o autor é o mercenário graças a uma foto de Natasha com os círculos concêntricos que caracterizam o Mercenário. Como é cego, ele usa o tato para visualizar a imagem. Mas na cena ele aparece usando... luvas!

A sequência do parque de diversões é simplesmente eletrizante. 


Tirando as referências e pequenos erros, a história se destaca mesmo é pela narrativa frenética, que encontra seu auge na sequência do parque de diversões, onde o mercenário prende a Viúva Negra. O cenário é ideal para os planos e ângulos inusitados nos quais Miller era um mestre.

Infelizmente, toda essa preparação tem um fim pífio, com o Mercenário tendo um surto e sendo facilmente derrotado, algo que foge completamente de tudo que havíamos visto sobre ele até então.

Rosa e Azul, de Renoir

 


Ao contrário de outros pintores impressionistas, que se dedicavam essencialmente a pintar paisagens em imagens que antecipavam o abstracionismo, Renoir era também um bom pintor de figuras humanas.
Um de seus quadros mais famosos, Rosa e azul, é o retrato de duas meninas, Alice e Elisabeth, filhas de um banqueiro judeu. As duas meninas pousaram para o pintor com vestidos absolutamente iguais – exceto pela cor: Alice, de cinco anos, veste rosa e Elisabeth, de seis, veste azul. Alice estava nitidamente incomodada ao pousar e parece pronta a rebentar em choro, enquanto sua irmã, mais à vontade, sorri para o pintor. O estilo impressionista, com pinceladas rápidas que procuravam captar a cor em sua essência, aparece principalmente no vestido.
Alice viveu até os 89 anos, mas sua irmã teve destino trágico. Por ser judia, ela foi presa e enviada ao campo de concentração de Auschwitz, mas não chegou lá: acabou morrendo no caminho.
A obra, produzida em 1881, foi redescoberta abandonada em 1990, no apartamento da família e passou por diversos colecionadores até ser adquirida em 1952 pelo MASP.

Aurora

 


Aurora é um filme clássico de F.W. Murnau (de Nosferatu) com roteiro de Carl Mayer (Caligari) considerado um dos melhores de todos os tempos.


À primeira vista trata-se de um filme muito bem dirigido, com roteiro óbvio: uma mulher da cidade convence um ingênuo rapaz do interior a matar a esposa e fugir com ela para a metrópole. E a trama parece girar em torno da indecisão do homem de cumprir o que prometeu. O que segura é a direção, absolutamente revolucionária para a época, que deve ter um injetado criatividade expressionista alemã no cinema americano. Numa cena, por exemplo, o protagonista é atormentado pela imagem da mulher sedutora, um espectro que inclusive o abraça (num efeito especial impressionante para a época).
Entretanto, perto do final, o filme apresenta uma virada que transforma a história, tirando dela seu ar ingênuo e introduzindo suspense.
A platéia americana parece não ter entedido e o filme foi um fracasso, mas deixou uma marca eterna no cinema americano, em especial o "noir", que teve grande influência do expressionismo.

Fundo do baú - Plic, ploc e Chuvisco

 


Plic, Ploc e chuvisco é um retorno da dupla Hanna-Barbera ao tema que os tornou célebres: a eterna disputa entre gatos e ratos.

Mas, ao contrário de Tom e Jerry, Plic, Ploc e Chuvisco apostava menos na violência gráfica e mais nos diálogos humorísticos. Além disso, a guerra entre gatos e ratos era mais simbólica que real. Em um episódio por exemplo, Chuvisco acerta com uma pá um dos ratos e se apavora com a possibilidade de tê-lo matado. Aliás, boa parte dos episódios eram calcados na ingenuidade do gato.  

O desenho surgiu em 1958, sendo produzido até 1961, num total de 57 episódios.

Guerras Secretas – Começa a guerra

 


A série Guerras Secretas surgiu como uma encomenda para promover uma linha de bonecos da Marvel. Jim Shooter, o roteirista e editor, chegou a comentar que o objetivo da história era mostrar para os garotos como brincar como os bonecos, colocando-os em confronto.  E é isso de fato o que percebemos na primeira história.

Nas revistas anteriores da Marvel, os roteiristas tinham jogado ganchos com os heróis sendo atraídos até uma estrutura no Central Park. No primeiro número de Guerras Secretas vemos o que aconteceu com eles: estão numa estação espacial, no meio do nada. Essa sequência funciona principalmente graças ao talento de Mike Zeck, com seu traço simples, elegante e funcional: começamos com o espaço, a estação espacial surgindo do nada, um plano detalhe dos heróis espantados e uma página dupla com os mesmos no meio da estação espacial.

O roteiro apresenta os personagens. 


Shooter é bem direto. Alguém pergunta quem está ali e o diálogo seguinte é só apresentando, em sequência, cada um dos heróis escolhidos por Beyonder. A mesma coisa acontece entre os vilões. Diante da perplexidade dos vilões, o Doutor Destino tenta explicar o que está acontecendo, ao mesmo tempo em que também apresenta todos os jogadores do lado do mal: “Alguém ou alguma coisa nos transportou através do universo! Pelo que puder notar, aqui estão a asgardiana Encantor, Ultron, o Homem-absorvente, a Guangue da Demolição, Kang, Galactus, Lagarto, Homem Molecular e Dr. Octopus”.

Era como se o roteirista estivesse apresentando os bonecos para os meninos: “Olhe, são com esses personagens que vocês vão brincar”.

Beyonder cria um mundo a partir de pedaços de outros mundos. A física mandou um abraço. 


Logo após isso, Beyonder destrói uma galáxia e forma um planeta, transportando para lá as duas estações espaciais.

Enquanto isso, os vilões começam a brigar entre si, sem razão nenhuma até que Ultron resolva simplesmente eliminar todos até ser neutralizado por Galactus. Afinal, Galactus é o vilão mais fodão da Marvel, certo? Não. Quando ele tenta confrontar Beyonder, é simplesmente repelido como um inseto.

Os vilões brigam entre si. 


Funciona como medida para mostrar o tamanho do poder do ser que está manipulando heróis e vilões. Mas a presença de Galactus no time dos vilões desequilibra absolutamente o jogo, afinal, Galactus sozinho poderia derrotar todo mundo ali.

Se os vilões estavam brigando entre si, os heróis também, mais especificamente pela presença entre eles de Magneto, visto como um vilão pela maioria ali (era Shooter explicando para os leitores como brincar com os bonecos, colocando-os em conflito). Da mesma forma, há uma discussão sobre quem seria o líder – o escolhido acaba sendo o Capitão América.

Os heróis brigam entre si. 


Beyonder avisa que quem destruir seus inimigos alcançará o maior dos prêmios: todos os seus sonhos serão realizados, de forma que o número um acaba com os vilões atacando os heróis.

Apesar de todos os problemas, como falta de profundidade e até de verossimilhança, há de se admitir que a história é empolgante e deixa o leitor com uma pulga na orelha perguntando-se o que vai acontecer. Na época em que eu li, aos 15 anos, foi exatamente isso que aconteceu.

Mike Zeck ainda estava se esforçando nesse primeiro número. 


Hoje, lendo a versão sem cortes, o que mais chama atenção é o belo desenho de Mike Zeck, com destaque para o quadro de Galactus caído no chão, depois de se enxotado por Beyndoer. A presença do Doutro Destino no quadro só serve para destacar a grandiosidade do ser cósmico.

Nas edições seguintes, à medida em que Jim Shooter implicava com destalhes e mais detalhes, Mike Zeck foi perdendo o interesse pela história, de forma que seu traço foi se tornando cada vez menos detalhado e mais genérico. Quando foi publicado o último número, Shooter mandou uma garrafa de champanhe para o desenhista. Ele abriu e jogou tudo na pia.

quinta-feira, julho 10, 2025

Roteiro para quadrinhos: o texto

 

A forma diz respeito à abordagem textual escolhida pelo roteirista

Chegamos à parte mais complexa do mister de quadrinhos: a forma. Nove em cada dez pessoas não tem a menor noção do que seja a forma num texto. Se perguntarmos a alguém o que achou da história, essa pessoa provavelmente se restringirá a fazer comentários sobre o enredo: "E aí tinha um monte de terroristas e o Batman chegou e deu porrada neles...". Provavelmente, se perguntarmos para essa mesma pessoa o que achou dos diálogos, ela fará cara de boba: "Como assim, tinha diálogos?".            
                A questão da forma está intimamente relacionada com o estilo, embora o estilo de um autor possa envolver diversas formas (por exemplo, a forma de Watchmen é bem diferente da forma de V de Vingança, embora ambas sejam obras do mesmo autor, Alan Moore).
                Partindo do princípio de que esse é um assunto difícil para o leigo, limitarei meus comentários apenas a dois aspectos: o texto e os diálogos.
                O TEXTO, ou legenda,  é um recurso comumente utilizado pela maioria dos bons autores. Ele geralmente aparece nas histórias  em balões quadrados, chamados de recordatários. Pessoalmente, não gosto desse nome, pois ele lembra uma época em que a única função do texto era explicar a sequência, ou mesmo o quadrinho para o leitor. Usava-se o recordatário para dizer coisas como "Enquanto isso", "Em outro lugar". "Algum tempo depois", "Flash dá um soco em Ming".
                Depois descobriu-se que o leitor não precisava que se lhe explicasse a cena (e devemos isso em grande parte ao trabalho de Will Eisner no Spirit). Se o desenho já está explicando a ação para o leitor, porque não utilizar o texto para aprofundar a psicologia do personagem, ou narrar eventos que o desenho não possa mostrar?
                Esse é em geral o segundo maior defeito dos roteiristas iniciantes: limitar o texto a contar coisas que o desenho pode mostrar sozinho. (O primeiro maior defeito é querer explicar tudo na história segundo a lógica do mundo real. As histórias têm a sua lógica própria, definida pelo roterista quando ele imagina os personagens e o universo no qual eles vão se deslocar).
                Dito isso, podemos analisar algumas técnicas de texto.

                O texto pode ser usado, por exemplo, para que o roteirista conte a história. É o que Miller faz em A Queda de Matt Murdock. Após observar a luta entre entre Matt e o Rei do Crime (na qual não há texto, pois ele seria desnecessário), vemos ângulos cada vez mais fechados de um carro no fundo de um rio, enquanto o texto diz: "O Rei é um homem cuidadoso. A morte de Murdock não deve ser nem misteriosa e nem suspeita. Não há motivo algum para investigação. Inconsciente, mas vivo, Murdock é colocado num taxi roubado. O taxi é jogado no cais 41, no rio leste. Seu cinto de segurança e a porta são emperrados por um processo indêntico à ferrugem. Murdock é encharcado de bebida".
                O texto, portanto, está em terceira pessoa e no presente, mas não está explicando o desenho, ele está contando coisas que o desenhista  não poderia mostrar em tão pouco espaço.
Texto em primeira pessoa em Cavaleiro das Trevas

                O mesmo Miller usa um tipo diferente de texto em Cavaleiro das Trevas. Em um sequência, vemos Batman escalando uma gárgula e lemos o seguinte: "A dor que já dura três dias arranha minhas costas. Eu espano o pó das articulações e subo. Isso já foi mais fácil".
                O texto, aqui, reflete os pensamentos do personagem. Por  isso, ele está no presente e em primeira pessoa. As frases são curtas para dar movimento à cena. Uma vez que as HQs, ao contrário do cinema, não têm movimento, é necessário inventar alguns truques para enganar o leitor e fazê-lo acreditar que está vendo movimento.  Um deles é escrever frases curtas e distribuí-las verticalmente pelo quadro. Miller é um mestre nesse tipo de engodo.
                Apresentei dois exemplos de Frank Miller para demonstrar como, dentro de um mesmo estilo, pode haver vários formatos de legenda. Antes de seguirmos em frente, no entanto, faz-se necessário definir alguns tipos básicos de textos. 

Exemplo de narrador em terceira pessoa

PRIMEIRO TIPO – Narrador em terceira pessoa: É quando o autor, o roteirista, tem a palavra. O texto ficará em terceira pessoa e o narrador, portanto,  não faz parte da história. A história Castelos de Areia, de Gerry Boudreau e publicada na extinta revista Kripta, é um exemplo disso. Enquanto vemos uma mulher correndo, o texto diz: “Estava frio e escuro no túnel, como no útero de uma mãe morta. Ela sentiu o ar penetrar por sua pele e cobrir suas artérias como uma fina camada de gelo”.
Texto em primeira pessoa


SEGUNDO TIPO – Narrador-personagem - é quando um dos personagens narra a história.  Um exemplo disso é a história de piratas que o garoto está lendo em Watchmen:  "Acordando do pesadelo, me encontrei numa lúgubre praia entulhada de cadáveres. Ridley jazia próximo de mim. Os pássaros devoravam seus pensamentos e memórias". Esse tipo de texto também pode ser uma continuação do diálogo, quando a imagem mostra algo do passado. Nesse caso, o texto deve vir entre aspas.

Gerry Conway usava muito o recurso do texto diálogo em sua fase no Homem-araha

TERCEIRO TIPO Texto diálogo - recurso muito pouco usado, mas bastante criativo. É quando o narrador parece estar conversando com o personagem. Gerry Conway, quando escrevia o Homem Aranha, no início da década de 70,  costumava usar muito essa técnica. Numa sequência que mostra o aracnídeo balançando-se sobre a cidade, o texto diz: "As pessoas terminam fazendo o que é preciso... mesmo que se odeiem por  isso. E você se odeia por  isso, não é Peter? Sim, com certeza". Outro exemplo é a história Shamballa, de J.M.De Mattei, com o personagem Dr. Estranho: “Mestre das Artes Místicas. Desde que assumiu esse majestoso título, parece ter eliminado a malícia e a mesquinhez de seu coração. Pena que ainda não aprendeu a sorrir. Você caminha, uma criança brincando com as sombras da memória: a imagem do desgraçado que foi se reflete na neve ofuscante”.  
                A partir desses três tipos básicos é possível produzir uma enorme variedade de textos.
                Ainda sobre a legenda é importante considerar algumas questões. A primeira delas é a uniformidade. Se a história começou sendo narrada por um personagem, refletindo seus pensamentos, por exemplo, ela deve ser narrada pelo personagem até o fim, sob pena de dar a impressão para o leitor de que o personagem deixou de pensar. Por outro lado, se começamos no presente, é bom continuar no presente.

X-men – O início da saga da Fênix Negra

 



A saga da Fênix Negra foi o ponto máximo de um longo processo que transformou a revista dos mutantes de um azarão sempre à beira do cancelamento na revista mais vendida da Marvel.

Essa grande e revolucionária saga começa em The Uncanny X-men 129. É curioso como uma história que iria sacudir o universo Marvel tenha começado de maneira tão pouco impactante. Nos quadrinhos Marvel, a splash page de abertura geralmente mostra uma espetacular cena de ação ou uma situação inusitada, que estimula a imaginação do leitor. Aqui a splash page é usada para mostrar apenas a despedida dos X-men dos que iriam ficar na Escócia logo após a derrota de Proteus. Banshee está sem poderes e prefere ficar consolando Moira após a morte do filho. O Homem múltiplo, Destrutor e Polaris preferem se manter longe da vida de super-heróis. Essa sequencia inicial é Chris Claremont desenvolvendo os personagens e estabelecendo o estilo novelão que caracterizaria os mutantes.

Uma splash page atípica. 


Enquanto isso, mestre Mental volta a invadir a mente da Fênix fazendo-a acreditar que está vivenciando a vida de uma antepassada do século XIX, um gancho para a parte principal da trama.

Mas logo as coisas esquentam quando a equipe se separa para contactar dois novos mutantes descobertos pelo cérebro.

O Mestre Mental manipula a mente de Jean Grey. 


O professor Xavier, Tempestade, Wolverine, Colossus e Ororo vão para Chicago, tentar convencer os pais de Kitty Pride a matriculá-la no colégio para jovens superdotados. Na mesma sequência a garota vai, aos poucos descobrindo seus poderes.

Claremont manipula muito bem o roteiro para mostrar esse processo como um desabrochar equivalente à puberdade, num paralelo direto com Carrie, de Stephen King: “Ô cabecinha, dá um tempo... o que eu fiz de errado, hein? Putz, como dói! Esta é a pior de todas! Deus, eu só tenho 13 anos e meio! Não posso morrer!”, desespera-se a menina.

Os X-men são atacados e Kitty Pride descobre seus poderes. 


Assim que surgiu, Kitty conquistou rapidamente a simpatia dos leitores. Ela era também um ponto de referencia para novos leitores que estavam chegando à revista naquela época, estimulados pelo buxixo provocado pela qualidade das histórias da dupla Claremont-Byrne.

Assim como esses leitores, ela estava descobrindo o mundo mutante e seus perigos. Perigos que logo aparecem quando homens com armaduras invadem a sorveteria onde ela, Ororo, Colossus e Wolverine estão. É nessa sequencia que temos também a primeira visão da rainha branca em sua roupa fetichista e seu fantástico poder mental. Poder, aliás, magistralmente ilustrado por John Byrne numa imagem em que os X-men, atingidos por sua rajada psíquica, são mostrados apenas em linhas e envoltos numa aura branca e vermelha.

Para as pessoas da minha geração, essa história prometia muito... e não decepcionou. 

Guia dos Mochileiros das galáxias

 

O Guia dos Mochileiros das galáxias surgiu inicialmente como um programa de rádio idealizado por Douglas Adams e transmitido pela BBC em 1978. Pouco tempo depois se tornou uma coleção de cinco livros, publicados entre 1979 e 1992.
A história trata das andanças estelares de um herói atrapalhado e seu amigo extraterrestre após a destruição da terra para a construção de uma via espacial (os responsáveis, os Vogons, seres tão burocráticos que não se importam com o fato da terra ser habitada).
O título refere-se a uma espécie de enciclopédia multi-uso que traz todas as informações necessárias para um mochileiro interestelar. A ideia surgiu ao escritor em sonho quando ele dormia bêbado em um campo na Áustria e é uma referência a um guia de viagem pela Europa famosa na época.
Pela descrição do autor, o livro é uma espécie de tablet no qual é possível acessar as mais diversas informações relevantes, como a importância da toalha – Sim, a toalha é um dos itens mais importantes na mochila de qualquer aventureiro. Com ela você pode usar a toalha como agasalho quando atravessar as frias luas de Beta de Jagla; pode deitar-se sobre ela nas reluzentes praias de areia marmórea de Santragino V, respirando os inebriantes vapores marítimos; você pode dormir debaixo dela sob as estrelas que brilham avermelhadas no mundo desértico de Kabrafoon; pode usá-la como vela para descer numa minijangada as águas lentas e pesadas do rio Moth; pode umedecê-la e utilizá-la para lutar em um combate corpo a corpo; enrolá-la em torno da cabeça para proteger-se de emanações tóxicas ou para evitar o olhar da Terrível Besta Voraz de Traal (um animal estonteantemente burro, que acha que, se você não pode vê-lo, ele também não pode ver você - estúpido feito uma anta, mas muito, muito voraz); você pode agitar a toalha em situações de emergência para pedir socorro; e naturalmente pode usá-la para enxugar-se com ela se ainda estiver razoavelmente limpa.
A importância da toalha na trama é tal que o dia do orgulho nerd é chamado de dia da toalha justamente em homenagem à obra de Adams.
E, antes que eu me esqueça, sempre vale seguir o grande conselho do Guia, impresso em letras garrafais na capa do livro: NÃO ENTRE EM PÂNICO!

Tom Strong e o planeta do perigo

 

 


Imagine a responsabilidade de escrever um personagem concebido por Alan Moore. É esse desafio que Peter Hogan se impõe na série em seis partes Tom Strong e o planeta do perigo (publicada encadernada no Brasil pela Panini em 2019).
Hogan se aproveitou de uma história do personagem publicada nos números 11 e 12 do título regular no qual Tom descobre uma contraparte da terra, chamada por ele de terra obscura, ocupada por diversos heróis científicos, inclusive uma contraparte sua, chamada de Tom Strange. Nessa fase da revista, Moore estava fazendo homenagens a quadrinhos clássicos e o número 12 imitava as capas da liga da justiça, inclusive na logo da revista e era uma clara alusão às terras paralelas da DC.
Na história, Telsa está grávida, mas a gravidez pode matá-la...


Na série de Hogan, Strong precisa da ajuda de Strange para salvar sua filha, Tesla. Seu filho, como o pai, tem a propriedade de se transformar em lava incandescente e isso pode matar a mãe. A única forma de resolver a situação é tornar Tesla invulnerável usando a fórmula Alisson, de  Tom Strange.
Mas quando chega no planeta obscuro, Tom Strong percebe que sua missão não será fácil: o local está dominado por uma praga que matou milhões de pessoas. E ele e Val, seu genro, podem estar infectados e levar a doença para a seu planeta. 
... para salvá-la, Tom e o genro vão para a Terra Obscura, mas o local está arrasado por uma pandemia. 


Assim, para salvar sua filha, ele precisa primeiro salvar a terra obscura, ajudando a encontrar uma cura.
Peter Hogan não é Alan Moore, mas consegue dar conta do recado. Consegue fazer uma história divertida, que aprofunda a mitologia da terra obscura. A arte de Chris Sprouse também ajuda bastante.

Chico Xavier - O filme

 



Chico Xavier é um filme de 2010 dirigido por Daniel Filho. 

O roteiro, , de Marcos Berstein, mostra Chico em um dos pontos altos de sua vida: a participação no programa Pinga Fogo, da TV Tupi. Sua vida é contanda a partir dos flash backs provocados pelas perguntas dos entrevistadores. Essa estrutura de roteiro dá dinamismo à história evitando o tom de discurso que caracterizou, por exemplo, o filme Bezerra de Menezes.

Além disso, o filme conta com um trama paralela que ajuda a manter o interesse: a do diretor do filme, que perdeu o filho em um acidente com uma arma.
Indo ao acordo com a personalidade de Chico, que dizem ter sido um piadista nato, a película também tem muito humor, até mesmo em cenas mais tensas, como naquela em que Chico diz para um assistente para usar o evangelho caso o espírito possesso em uma moça entrasse nele. O assistente não teve dúvidas: tascou-lhe a Bíblia na cabeça de Chico.
A direção de Daniel Filho também é muito segura. Um dos pontos interessantes é o uso econômico de efeitos especiais. Alguém comentou no Twitter que foi para economizar dinheiro da produção. Não acho. Hoje, CGI é a coisa mais barata e comum do mundo. Como diz Alan Moore, hoje vemos uma horda de ogros descendo uma coluna e bocejamos. O que falta hoje é um bom uso da linguagem do cinema, coisa que sobra em Chico Xavier. A quase ausência de efeitos computacionais faz com que, no momento em que eles apareçam, eles marquem a cena, como no primeiro momento em que Chico psicografa mensagens espirituais sob orientação de adeptos do espiritismo.
Um filme excelente, que segura a atenção até o último minuto. Nunca tinha visto a plateia inteira ficar sentada durante os créditos (que passa cenas reais de Chico no programa Pinga Fogo)