sexta-feira, dezembro 31, 2021

A teoria hipodérmica da mídia

 


A teoria hipodérmica surgiu no início do século XX, com forte influência da psicologia comportamental. Foi a primeira tentativa de explicar os efeitos dos Meios de Comunicação de Massa sobre a sociedade.
Amparada nos exemplos do uso da propaganda por regimes totalitários e pelo pânico provocado pela transmissão radiofônica do romance A Guerra dos Mundos, de H.G. Wells, dirigida por Orson Welles, esse modelo comunicacional via a mídia como uma agulha que injetava seus conteúdos no receptor sem qualquer tipo de barreira, criando um estímulo que provocava uma resposta imediata e positiva por parte dos receptores, vistos como atomizados e idiotizados.
Sua influência sobre os estudos a respeito da comunicação massiva foi enorme, o que alimentou a imaginação popular com a ideia de que a mídia tem um poder absoluto sobre sua audiência.
A teoria hipodérmica (ou da bala mágica, como também é conhecida) influenciou até mesmo um subgênero da ficção-científica, as distopias. Em obras como 1984, de George Orwell, Fahrenheit 451, de Ray Bradbury, e Admirável mundo novo, de Adous Huxley, a televisão, o cinema e outras mídias são usados para massificar e idiotizar os indivíduos, tirando-lhes a capacidade crítica.
Na experiência de Pavlov, o cachorro passa a salivar mesmo sem a comida, apenas com o estímulo sonoro.

                A teoria utilizava o esquema estímulo – resposta da psicologia behavorista. A experiência de Pavlov com um cachorro seria a base da análise dos fenômenos midiáticos.
Pavlov observou que o animal salivava toda vez que lhe era apresentada a comida, um ato instintivo do organismo, preparatório para a digestão. Assim, toda vez que ia alimentar o animal, o cientista tocava uma sineta. Por fim, tocava apenas a sineta. Mesmo não havendo comida, o cão respondia ao estímulo (som da sineta) com uma resposta (salivando).
Por analogia, esse esquema foi utilizado no campo da comunicação de modo que as mensagens enviadas pela mídia seriam o estímulo que levaria uma resposta certa e imediata por parte dos receptores, vistos como atomizados, acríticos e condicionados.
Na perspectiva hipodérmica os efeitos são dados como certos, inevitáveis e instantâneos. Se uma pessoa é apanhada pela propaganda, passa a ser controlada e manipulada, leva a agir.
Os estudiosos viam os indivíduos como átomos isolados, com pouca influência dos grupos sociais e altamente manipulados pela mídia. Nessa perspectiva, seriam impensável respostas individuais ou que discordassem do estímulo midiático.
O nome, inclusive, refere-se à agulha usada para injetar medicamentos abaixo da pele do paciente, assegurando assim um resultado imediato. De fato, a agulha hipodérmica, é a usada por médicos em hospitais para injetarem medicamentos nos pacientes (hipo é abaixo e derme é pele), assegurando uma resposta mais rápida do paciente à medicação. Assima mídia é vista como uma agulha, que injeta seus conteúdos diretamente no cérebro dos receptores, sem nenhum tipo de barreira ou obstáculo.
Nessa percepção, o processo de comunicação é totalmente assimétrico, com um emissor ativo, que produz o estímulo e os destinatários são vistos como uma massa passiva à qual só resta obedecer ao estímulo. Os papeis emissor – receptor surgem isolados de qualquer contexto social ou cultural. 
                Pelo menos dois fatos contribuíram para a popularidade dessa teoria entre os intelectuais da primeira metade do século XX: o uso da propaganda por regimes totalitários e o pânico Guerra dos Mundos.
O pânico guerra dos mundos ajudou a popularizar a teoria hipodérmica.

Na noite do dia 30 de outubro de 1938, rádio CBS (Columbia Broadcasting System) interrompeu sua programação musical para noticiar uma invasão extraterrestre iniciada na cidade de Grover´s Mill, no estado de New Jersey.
O programa era, na verdade, uma adaptação do livro A guerra dos mundos, de H. G. Wells. O diretor, Orson Welles, organizou a adaptação como uma grande cobertura jornalística com reportagens externas, entrevistas com testemunhas, opiniões de peritos e autoridades, efeitos sonoros, sons ambientes, gritos e repórteres emocionados.
Muitas pessoas ligaram o rádio no meio da programação e acharam que estavam de fato diante de uma invasão extraterrestre. Os serviços telefônicos ficaram congestionados. Nas grandes cidades houve engarrafamentos devido às pessoas que tentavam fugir dos alienígenas.
O medo paralisou três cidades.  Houve pânico principalmente em localidades próximas a Nova Jersey. Além disso, houve fuga em massa e desespero em cidades como Nova York.
Na cidade mais próxima do suposto local da batalha, Newsmark, 50 mil pessoas fugram de suas casas, procurando abrigo na floresta. Pessoas se jogavam das janelas dos prédios. Outras saíam de casa atirando.
                O pânico total, provocado por um fato criado pela mídia convenceu pesquisadores de que esta tinha um poder absoluto sobre sua audiência. A audiência passou a ser vista como uma massa amorfa, que apenas respondia, passivamente, os estímulos dos meios de comunicação.
Outro fato fundamental para a popularidade da teoria hipodérmica  foi a maneira como os regimes totalitários utilizaram os meios de comunicação para manipular a população.
O nazismo, por exemplo, usou amplamente o cinema, o rádio e os jornais como veículos de doutrinação. Até mesmo os encontros do partido eram organizados no sentido de intensificar o sentimento de massa.
Goebbels, ministro da propaganda de Hitler, afirmava que o cinema era um dos meios mais modernos e científicos de influenciar as massas. Dava tal importância ao mesmo que as filmagens continuaram até quando os russos já estavam às portas de Berlin, pois acreditava-se que a única forma de reverter a derrota era através da propaganda.
Filmes como O judeu Suss ampliaram o sentimento anti-semita entre os alemães.

O princípio básico de  Goebbels era unir propaganda e diversão de modo que o receptor não conseguisse diferenciar um do outro. O filme Os Rothschild (dirigido por Erich Waschmeck, 1940), por exemplo, conta como uma família de judeus ingleses enriquece graças às guerras napoleônicas. O judeu Suss (1940) mostrava um ministro das finanças ambicioso e libidinoso que se apaixona por uma moça ariana e faz de tudo para separá-la de seu amado, igualmente ariano. O filme, um enorme sucesso na época, era exibido no leste europeu, para soldados responsáveis pelo fuzilamento de judeus e para guardas de campos de concentração. O diretor, Veit Varlan, chegou a ser processado pelo Tribunal Estadual de Hamburgo por crime contra a humanidade.
Um dos clássicos da propaganda nazista é O triunfo da vontade, filme de Leni Riefenstahl sobre o congresso nazista de 1936. Em uma das cenas mais emblemáticas, o avião que traz Hitler plana sobre as nuvens, que se abrem enquanto ele desce sobre a cidade, como se o líder estivesse trazendo o sol para a Alemanha.
Filmes como esse tiveram importância fundamental na sustentação do regime nazista alemão.
                Embora seja um dos paradigmas mais difundidas na área de comunicação e também a que mais influência teve, a teoria hipodérmica é também a mais criticada.
Dentro da própria corrente funcionalista (Laswell, criador do da teoria hipodérmica, era funcionalista) surgiram pesquisas que colocariam em questão o princípio mecanicista de efeito direto e indiferenciado. Lazzarsfeld, por exemplo, descobriu que líderes de grupos primários poderiam até mesmo modificar o significado da propaganda, fazendo-a se virar contra os emissores.
Esses líderes de opinião influenciam o pensamento de sua comunidade e relativizariam o poder dos meios de comunicação.
                Mesmo a mídia traz os mais diversos tipos de estímulos, muitos contraditórios, como as campanhas contra o consumo de álcool por motoristas e as propagandas de cerveja. 
A campanha da antarctica chocou-se com o sentimento religioso da população.

                Existem também fatores externos, culturais, sociais e religiosos, que influenciam o consumidor, enviando estímulos diversos daqueles veiculados na mídia. Exemplo disso foi a campanha “Do jeito que o Diabo gosta”, da cerveja Antarctica, em que a personagem Feiticeira protagonizava uma diabinha.  A campanha, um sucesso em metrópoles, como Rio de Janeiro e São Paulo, foi rejeitada em cidades das regiões Norte e Nordeste. Muitos donos de bares se negavam até mesmo a pregar cartazes da campanha, oem protesto. Nesse caso, o estímulo da mídia chocou-se com o estímulo religioso, que vê a palavra “Diabo”, como algo negativo. Se nos grandes centros, o público interpretou a propaganda como uma brincadeira, nas cidades mais conservadoras, o público preferiu alinhar-se aos estímulos religiosos.

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