quinta-feira, julho 15, 2021

Monteiro Lobato: Urupês

 


            Em 1917 Lobato vende a fazenda e se muda para São Paulo. Resolve investir o dinheiro na compra da Revista do Brasil e decide publicar um livro. Deveria chamar-se Dez Mortes Trágicas. Revoltado com a água morna dos escritores da época, incapazes de matar sequer uma mosca, ele escrevia contos de arrepiar os cabelos. Matava em monjolo, lameiro e em tantos outros lugares quanto fosse possível dar cabo à vida de um indivíduo.
            No fim, Lobato acabou mudando o título por sugestão de Artur Neiva, que achou melhor Urupês, título de uma artigo que servia de apêndice ao volume.
            O recém-batizado Urupês foi para a seção de obras do Estado de São Paulo com a recomendação de que não se fizesse mais de mil exemplares. Lobato desacreditava completamente da possibilidades mercadológicas do livro. Para espanto seu, Urupês foi um sucesso. A primeira edição esgotou-se rapidamente e o livro chegou a ser assunto de discurso de Rui Barbosa, o grande figurão da época.
            Entusiasmado com o sucesso, Lobato publicou outros livros com material de colaborações suas para jornais. Algumas recentes, outras dos tempos do Minarete. Surgiram Cidades Mortas, Idéias de Jeca Tatu, Negrinha e outros.
            Mas persistia um velho problema: no Brasil só havia 40 livrarias! Para driblar o problema, Lobato resolveu fazer uma experiência inédita no país. Pediu ao correio uma lista de todos os estabelecimentos confiáveis de que tinham conhecimento. No final conseguiu uma lista de 1200 casas comerciais relativamente sérias, de farmácias a açougues. Mandou para elas uma circular engraçadíssima, que viria a ser a pedra fundamental da indústria editorial nacional: “Vossa senhoria tem o seu negócio montado e quanto mais coisas vender maior será o lucro. Quer vender também uma coisa chamada ‘livro’?”.
            Todos toparam o negócio e os livros de Monteiro Lobato passaram a ser encontrados em todos os locais do Brasil. Com isso as edições, que eram de 400 ou 500 exemplares em média, pularam para três mil.
            Entusiasmado, Lobato chegou a tirar uma edição de 50.500 exemplares de Narizinho Arrebitado, o primeiro livro do Sítio do Pica Pau Amarelo.
            Era um marco, mas era também uma loucura. Quem iria comprar tanto livro?
            Lobato deu uma sorte dos diabos. A edição esgotou-se em nove meses. Só o governo de São Paulo comprou 30 mil narizes.
            A coisa aconteceu deste modo: certa vez o presidente de São Paulo saiu a visitar as escolas junto com o secretário de Educação. Em todas as escolas que entrava, sempre encontrava um livrinho amarrotado, cheio de orelhas de burro, já muito surrado pelo manuseio. Era justamente o Narizinho Arrebitado. Lobato havia mandando 500 exemplares para as escolas e, como a coisa era novidade, a criançada caiu de dentes.
            A pedido do presidente, o secretário de educação ligou para Lobato e perguntou quantos exemplares do livro poderia vender ao governo. “Uma pergunta assim, à queima-roupa a um editor que está atrapalhado com a maior avalanche nasal de sua vida é coisa de estontear. Pisquei sete vezes e respondi: Quantos quiser, Alarico. Temos narizes a dar com o pau. Posso fornecer cinco mil, dez mil, vinte, trinta mil...”, contou Lobato, muitos anos depois.
            O secretário achou que fosse patota e, só por brincadeira, encomendou 30 mil. No dia seguinte lá estavam os 30 mil narizes no almoxarifado do secretário, para espanto de todos.

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