quarta-feira, fevereiro 09, 2022

 


 No livro A Gramática do Poder, Isaac Epstein, professor da Umesp, analisa as relações de poder do ponto de vista da semiótica (teoria dos signos). Seu objetivo era descobrir os mecanismos de poder, desnudando-os.

Epstein percebeu que nesse tipo de relação, há um código fraco e um código forte. Toda vez em que falamos uma palavra, por exemplo cadeira, essa palavra é emitida e compreendida através de um processo que passa por três momentos, o chamado triângulo semiótico.
Em uma das pontas do triângulo, temos o referente, o objeto ao qual estamos nos referindo, o caso, a própria cadeira. Na outra ponta, o significante, no caso, a palavra cadeira. E, finalmente, na última ponta, o significado, a imagem mental que o receptor faz da cadeira a partir da percepção da palavra. O significado é, portanto, a compreensão que se tem da mensagem.
No código forte, a relação entre esses três elementos é coesa. Cada significante remete a um só significado. O código forte utiliza uma linguagem unívoca, denotativa.
Já no código fraco, a relação entre os elementos é frágil. Cada significante pode remeter a dois ou mais significados, utilizando-se uma linguagem equívoca, conotativa.
Segundo Epstein, o código forte é característico dos detentores do poder, das classes privilegiadas. Quem detém o poder deve utilizar uma linguagem que não dê margem para dupla interpretação: Faça isso! Faça aquilo!
A própria arquitetura das fábricas e empresas é caracterizada por esse código, com espaços racionalmente divididos, com utilização delimitada. Há a área de alimentação, a área de produção, a área burocrática... tudo está em ordem.
Ordem, aliás, é uma palavra-chave no código forte, ao contrário do código forte, que constantemente se utilizada do caos, da entropia.
Como demonstração do código forte, nos regimes autoritários, cada aspecto da vida das pessoas é rigorosamente vigiado e normalizado e qualquer fuga das regras é exemplarmente punida.
O código forte é definido pela frase: “Manda quem pode e obedece quem tem juízo”.

Marginalizados no jogo do poder, só resta ao despossuídos a utilização do código fraco. Se o poderoso tem o mando, a regra, a ordem, aqueles têm o jeitinho, a malandragem.
O código fraco permite ao oprimido contestar o poder sem se expor a um confronto aberto, no qual ele obviamente perderia.
Na época da ditadura, os intelectuais criticavam o regime através de peças de teatro, filmes e músicas. A partir do recrudescimento da censura, as críticas precisavam se tornar veladas, equívocas. Um dos meus exemplos prediletos é música Jorge Maravilha, de Chico Buarque. Os militares só perceberam o caráter equívoco da música, quando os estudantes começaram a cantar o refrão nas passeatas: “Você não gosta de mim, mas sua filha gosta”. Explica-se: a filha do presidente Médice dera uma entrevista na Hebe em que dizia que seu cantor predileto era justamente o Chico Buarque...
Na guerra, enquanto o código forte é característico dos exércitos regulares, com sua rígida hierarquia, suas normas, regras e noções sobre como deve ser uma batalha.
No outro oposto, utilizando o código fraco, temos a guerrilha e o terrorismo, com sua estrutura multi-facetada e seus métodos nada convencionais. É George W. Bush usando o código forte (guerra declarada de um país contra outro) e Osama Bin Laden utilizando o código fraco (o inimigo pode estar em qualquer lugar e pode atacar utilizando as formas mais inusitadas para isso – como as facas usadas para seqüestrar os aviões nos ataques de 11 de setembro).
O humor, com seu duplo sentido e trocadilhos, é característico do código fraco. Raramente o poder, a autoridade, utiliza a linguagem do riso.
Segundo Freud, o riso serve como resistência às autoridades e como escapatória à sua pressão.
Exemplo disso, os brasileiros, no período colonial, eram incapazes de confrontar o poder da metrópole e se vingavam contando piadas de português. O grande poeta russo Puchkin dizia ao escritor Gogol: Faça o povo rir. Quem ri não tem medo.

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