quarta-feira, julho 03, 2024

Thor contra Durok

 


No número 191 da revista do Thor, Loki se apropriou do anel de Odin e, com isso, se tornou o ser mais poderoso de Asgard. Claro que um vilão como esse só poderia usar esse poder para o mal. Sua primeira medida foi obrigar o pai dos deuses a dormir seu sono real.

O único que decide enfrentar o deus da trapaç é Thor e, para enfrenta-lo, o vilão ordena a Karnilla, Rainha dos Nornes, que produza um ser extremamente poderoso que se torna praticamente invencível graças ao anel de Loki. Esse ser, chamado Durok, é enviado para a Terra com a missão de devastar o planeta, forçando o deus do trovão a segui-lo.

Balder pede ajuda do Surfista. 


Essa saga, que se estendeu dos números 191 a 193 tem uma particularidade. Ela foi iniciada pela dupla Stan Lee e John Buscema. Mas no meio do caminho, Lee foi substituído por Gerry Conway, um garoto de apenas 19 anos.

Imaginem a responsabilidade, para um garoto dessa idade substituir Stan Lee num título!

Entretanto, Conway não só se sai muito bem como consegue, nesse início, mimetizar perfeitamente o estilo de Lee a ponto de um desavisado achar que a equipe criativa não havia sido alterada.

Na transição entre um título e outro, Balder pede a ajuda do surfista prateado, mas, enciumada, Karnilla o prende numa parede de pedras, afinal, ele jurara dedicar sua vida apenas a ela.

No começo, Gerry Conway imitava o estilo de Stan Lee. 


O diálogo que se segue lembra Stan Lee:

- Foi um homem honrado e corajoso que você atacou! Remova as pedras imediatamente e rogue para que ele não esteja morto!

- Como ousa me ameaçar? Meu é o poder de controlar os elementos contra os quais criatura alguma deve prevalecer!

- O Surfista prateado não se curva a ninguém! Nem mesmo a uma rainha.

Com o tempo, Conway conseguiria imprimir sua própria marca ao título do deus do trovão, mas lá naquele início, imitar Stan Lee era uma ótima estratégia.

Passando vergonha na rua mais elegante de Belém

 

Braz de Aguiar foi durante muitos anos a rua mais elegante de Belém.

Braz de Aguiar foi, durante, antes do surgimento dos shoppings, a rua mais chique de Belém, famosa pelas suas confeitarias caríssimas. Foi numa dessas confeitarias que eu e o compadre Bené Nascimento (Joe Benett) protagonizamos uma cena no mínimo curiosa.
Na época nós produzíamos o fanzine Crash, o primeiro fanzine de quadrinhos do Pará. Sem dinheiro para xerox, nós reproduzíamos as páginas numa repartição pública, meio que às escondidas, graças à bondade de uma amiga do Bené.
Um dia saímos de lá e fomos direto para o Centur, onde nos informaram que seria possível ministrar oficinas de quadrinhos. Eu já havia feito o contato inicial, mas queriam conhecer o Bené. À essa altura, Collor já havia sido eleito presidente, as principais editoras de terror já haviam quebrado e ministrar oficinas de quadrinhos pareceu uma boa forma de ganhar algum dinheiro.
Quando saímos de lá, ali pelas quatro da tarde, estávamos urrando de fome. Não tínhamos almoçado e nem tínhamos dinheiro sequer para um prato de comida. Juntamos os poucos centavos que havia em nossos bolos além do necessário para passagem e nos dirigimos à padaria mais próxima, coincidentemente, situada na Braz de Aguiar, a rua mais elegante de Belém, frequentada na época apenas pelos ricaços da cidade.
Entramos naquele local chique e pedimos um pão baguete.
- Para levar? – perguntou o atendente.
- Não, para comer aqui.
- Querem que passe manteiga, que esquente na chapa?
Olhamos para os preços, para nossos centavos e abanamos a cabeça:
- Não, assim mesmo. Sem manteiga. E não precisa colocar na chapa não. Mas... ah... se puder nos arranjar uma água... de torneira...
E lá ficamos nós, comendo um pão puro, com água de torneira, na confeitaria mais chique de Belém, sob os olhares intrigados dos outros frequentadores.

Roteiro de quadrinhos: Texto de ambientação

 

Texto de ambientação na graphic Manticore


                Uma técnica interessante é o texto de ambientação. O objetivo é ambientar o leitor no clima da história, criando um efeito parecido com o da trilha sonora nos filmes. É uma utilização do texto aparentemente exclusiva dos quadrinhos. O cinema dificilmente usa o texto em off e a literatura, como não dispõem dos desenhos para contar a história, fica presa à função narrativa.
 Vamos encontrar um exemplo desse tipo de texto no álbum Os Companheiros do Crepúsculo, de Bourgeon:
Esta durou, diz-se, cem anos... Nada a distinguiu verdadeiramente daquelas que a perceberam, nem das que lhe seguiram... como o raio e a peste, a guerra abate-se sobre os campos quando menos se espera. De preferência quando os celeiros estão cheios e as jovens são belas...
            Como se vê, aqui temos um texto sem teor narrativo. Observe-se a linguagem empolada e literária, que distingue a legenda de Bourgeon. O objetivo do autor era adequar seu texto à narrativa historica (a HQ se passa na Idade Média Européia).

Academia Amapaense de Letras abre concurso para duas vagas


 

A Academia Amapaense de Letras está com edital aberto para preenchimento de duas vagas. 

As cadeiras postas sob concorrência são as seguintes, com seus respectivos patronos e ocupantes anteriores: 

Cadeira nº 10 – Patrono: Francisco Torquato de Araújo, comerciante e maçom. Ocupante anterior: Nilson Montoril de Araújo. 

Cadeira nº 27 – Patrono: Otton Accioly Ramos, promotor de Justiça. Ocupante anterior: Pastor Oton Miranda de Alencar

As inscrições podem ser feitas no site da Academia. No mesmo link pode ser baixado o edital com as normas para a inscrição. 

The Last Kingdon

 


Quem gostou de Vikings certamente irá apreciar The Last Kingdon, lançado recentemente no Brasil pela Netflix.
Se Vikings é focado nos nórdicos, Tha Last Kingdon é centrado nos saxões. Acompanhamos praticamente os mesmos eventos – a Inglaterra sendo invadida, a resistência, as vitórias e derrotas, mas agora do ponto de vista saxão.
O personagem principal, no entanto, é uma mistura das duas culturas, o que permite um equilíbrio interessante e um dilema que acompanha sempre.
A série conta a história de Uhtred, um garoto cujo pai foi morto em um ataque viking. O próprio garoto é pego como prisioneiro e é criado por seu captor, Ragnar Ragnarson, como se fosse um filho ao salvar a filha deste de uma tentativa de estupro. Uhtred, batizado como cristão, é criado como danês, reverenciando deuses como Thor e Odin e irá, durante toda a série oscilar entre esses dois opostos. Embora renegue os ensinamentos cristãos, seu melhor amigo na série é um padre.
A vida desse personagem fictício é usada para contar praticamente toda  a história da Inglaterra na época das invasões nórdicas, com um apuro histórico bem maior do que Vikings, que em alguns momentos abusava da liberdade poética. Assim, Uhtred é, muitas vezes sem querer, envolvido nos principais acontecimentos do período, em especial nas guerras, já que se revela um guerreiro sem igual.
Baseada na série de livros Crônicas Saxônicas, de Bernard Cornwell, The Last Kingdon começa lenta, especialmente na comparação com Vikings, mas vai ganhando ritmo, principalmente a partir da segunda temporada. Na terceira temporada em diante, as batalhas parecem mais realistas, a direção mais frenética e até o figurino parece melhor (em uma das batalhas, a filha do rei é perseguida por daneses e a câmera a acompanha como se fosse alguém correndo próximo, num dos momentos mais eletrizantes da série). É também quando o expectador já conhece melhor os personagens e já simpatiza com eles.
Alexander Dreymon nem de longe é um ator tão versátil quanto Travis Fimmel, que faz papel de Ragnar em Vikings, mas mesmo assim consegue dar verossimilhança ao papel.
The Last Kigdon já está na quarta temporada e a Netflix já anunciou que será feita uma quinta temporada.
É uma ótima pedida para fãs de história.

Demolidor – Desafio


No número 175 da revista do Demolidor surge um dos adversários mais mortais já enfrentados tanto por Elektra quando pelo demônio mascarado: o guerreiro Kirigi. Esse personagem surge na esteira de um processo em que Miller foi colocando, aos poucos, elementos da cultura japonesa nos quadrinhos de super-heróis.

Essa influência era perceptível não apenas no tema, com samurais, ninjas e armas orientais, mas também na linguagem, como na impressionante sequência (tão boa que Miller repete neste número) na qual Kirigi mata de um só golpe três ninjas do Tentáculo. A imagem, dividida em três, para dar uma impressão de movimento, mostra o guerreiro em primeiro plano, de costas, a espada acima de sua cabeça, suja de sangue. Os guenins olham estarrecidos e dizem: “Extraordinário.”; “Nós três...” ; “... com um só golpe...”.  No quadro seguinte, os três estão caindo ao chão.

Miller trouxe para os comics a influência dos mangás. 


A sequência demostra uma forte influência dos mangás, em especial de Lobo Solitário, mas também mostra que Miller conseguia misturar essa influência com novos elementos, em especial o seu uso genial da elipse quadrinística.

Há outro ponto em que vemos esse uso inteligente da narrativa e que antecipa inclusive Cavaleiro das Trevas, na qual ele usaria um recurso semelhante em uma cena muito parecida. Foggy está em um taxi quando é atacado por um dos campangas do Tentáculo, sendo salvo pelo Demolidor.

O carro está sendo atacado, mas só percebemos a luta pelas mãos. Miller usaria recurso semelhante em Cavaleiro das Trevas. 


A imagem é focada apenas no sócio de Matt Murdock, de modo que vemos apenas as mãos dos outros personagens. Miller deixa para o leitor imaginar o que está acontecendo acima do capô do carro.

Na história, o Rei do Crime planta em um dos ninjas do Tentáculo um cartão com o endereço em que o grupo se esconde. Isso faz com que Demolidor e Elektra invadam o local. Enquanto o herói enfrenta campanhas menores, Elektra enfrenta Kirigi em uma sequência impressionante. Ela o acerta de todas as formas, mas ele nunca cai. “Dizem que força mortal alguma é capaz de derrubá-lo. Elektra jamais acreditou em tais histórias... até agora.”, diz o texto.

Kirigi não morre? 


Se hoje tudo isso parece impressionante, na época não deveria parecer nada menos que revolucionário.  

terça-feira, julho 02, 2024

Sexo como mercadoria e o prazer feminino: uma análise do site Tufos

 


Em janeiro de 2023 eu fui contactado pelos responsáveis por um site de quadrinhos pornôs. Eles queriam que eu escrevesse roteiros para eles. Não era um convite despropositado, já que eu cheguei a escrever quadrinhos eróticos na década de 1990 (algumas histórias, como a Família Titã, chegaram a se tornar célebres).

Mas eu comecei a estranhar quando entrei no site (eles me passaram um login e senha) e li as histórias. Eu cheguei a perguntar a eles se o sexo oral nas mulheres era proibido, pois não aparecia em nenhuma das histórias que li naquele primeiro momento (segundo eles, não era).

Outra coisa que me provocou estranhamento é que, segundo eles, era necessário que as mulheres das histórias tivessem um tal de “gatilho para o sexo”, ou uma seja, uma motivação não-sexual para o sexo. Já a única motivação dos homens era puramente a libido.

Além disso, não havia qualquer margem para a autorilidade: eles me enviavam um resumo e eu deveria desenvolvê-lo a partir de parâmetros bem específicos e rígidos.




Para mim ficou óbvio que eu não me encaixaria e nem teria interesse em fazer aquele trabalho, mas aproveitei a oportunidade para fazer uma análise de conteúdo sobre as histórias do site. Os resultados, transformados em gráficos, foram surpreendentes até para mim: essas HQs, em pleno 2023 eram mais conservadoras que os quadrinhos eróticos do início da década de 1990 ou até mesmo que os quadrinhos da Grafipar, do início da década de 1980.

Também aproveitei para realizar uma experiência: fazer um roteiro a partir de um plot enviado por eles, mas modificá-lo, colocando a ênfase da história no prazer feminino. Qual seria a reação dos editores a esse roteiro? Como eles encarariam essa inversão?

O resultado dessa pesquisa você pode conferir no artigo “Sexo como mercadoria e o prazer feminino: uma análise do site Tufos”, publicado na antologia Histórias em Quadrinhos e Interdisciplinaridade: Desafios Metodológicos, organizado por Natania Aparecida da Silva Nogueira, Amaro Xavier Braga Jr. e Maiara Alvim de Almeida e lançado pela Aspas.

O livro pode ser baixado aqui

O Cavaleiro das Trevas

 


No início da década de 1980, Frank Miller era o grande nome dos quadrinhos americanos. Depois de salvar a revista do Demolidor do cancelamento, transformando-a num campeão de vendas, ele foi contratado para a DC Comics na qualidade de astro.
Seu primeiro trabalho para a editora, Ronin, foi aplaudido pela crítica, fez sucesso e abriu as portas para a invasão dos mangás, mas não chegou a ser algo bombástico. O grande sucesso mesmo viria com a minissérie Batman - Cavaleiro das Trevas, de 1986.
Cavaleiro das Trevas foi um arrasa-quarteirão que mudaria para sempre a história dos quadrinhos de super-heróis, a começar pelo formato de luxo em que foi lançado, chamando atenção dos leitores adultos e da imprensa.
A história se passa em um futuro em que os super-heróis foram proibidos. Aposentado após a morte de seu parceiro Robin, Bruce Wayne é um homem amargurado pelos fantasmas do passado e pela percepção de que a cidade que protegeu durante anos está se transformando em um completo caos de violência urbana.
Sua volta à ação marca também o retorno dos vilões Duas Caras e Coringa e a tensão com o Super-homem, o único herói com autorização para agir.
Miller foi revolucionário em tudo, a começar pela forma de contar a história, usando e abusando das elipses. Elipses são pulos na narrativa, partes não mostradas pelo quadrinistas e que são completadas pelo leitor. Os quadrinhos usam as elipses o tempo todo: o personagem se levanta da cadeira, no quadro seguinte está na porta de casa: todo o trajeto entre uma ação e outra é completado pela imaginação do leitor. Miller levou o recurso a patamares nunca explorados em especial na sequência em que o Batman volta à ação: o leitor nunca vê o herói, e sim as consequências de sua ação. Quando ele finalmente surge é numa grandiosa splash page, de enorme impacto.
Outra revolução de Miller foi introduzir quadros televisivos como elementos narrativos. Quando vemos Batman pela primeira vez, por exemplo, as telas mostram pessoas comuns comentando sua aparição. Além disso, a narrativa televisiva muitas vezes ajudando o leitor a entender as elipses – exemplo disso é a mulher cuja bolsa é revistada pela gangue mutante e que sai feliz ao descobrir que não foi roubada – na sequência, uma jornalista informa: “Mulher explode numa estação de metrô! Noticiário completo às onze...”.
As telas de televisão também funcionam como um acréscimo de aprofundamento ao mostrar debates sobre a ação do herói. É nesses inserts que Miller irá colocar uma das questões mais interessantes da obra: seriam os vilões uma consequência dos super-heróis? Ou seria o contrário? A obra não dá respostas fáceis, deixando muito mais perguntas que certezas.
Outra inovação de Miller foi mostrar o Batman como alguém que capaz de qualquer coisa para conseguir seus objetivos – inclusive usar uma criança como aliada no combate ao crime ou torturar um bandido para conseguir uma informação. Maníaco? Visionário? Herói? Vilão? Junto com A Piada Mortal, de Alan Moore e Brian Bolland, Cavaleiro das Trevas transformou o Batman em um herói tridimensional, um dos mais complexos do universo DC.
Miller continuou sua abordagem sobre o personagem em uma outra série, Batman ano um, com desenhos de David Mazzuchelli, em que contava os primeiros anos do herói.
Como resultado, Batman se tornou o herói mais popular da época, uma verdadeira mania, com várias revistas derivadas e especiais.
No Brasil, Cavaleiro das Trevas foi a obra que inaugurou a era das graphic novels. O sucesso da série fez com que a Abril lançasse várias outras minisséries de luxo e até uma coleção, Graphic Novel, apenas com histórias fechadas, em papel gouchê.

Perry Rhodan – O atentado

 


O número 57 apresenta uma história isolada dentro da saga, quase um conto.

Escrito por Kurt Mahr, o volume é centrado em Horace O. Mullon, líder do grupo conhecido como Democratas autênticos. Ele se dirige a Terrânia com um objetivo muito claro: matar Perry Rhodan, que ele considera um ditador. Mas, antes que consiga seu objetivo, ele se depara com outro grupo, os Filósofos da Natureza, liderados por Walter Hollander, que também pretende assassinar Rhodan.

A trama gira em torno das tratativas desse plano de assassinato. Em uma narrativa paralela, o administrador do Império Solar é informado de todos os passos dos dois grupos, o que parece uma estratégia narrativa burra, já que tira todo o suspense da história, já que sabemos de antemão que o atentado irá fracassar (se bem que, qualquer leitor minimamente inteligente desconfiaria que o protagonista da série não seria morto no volume).

A capa original alemã. 


Há também uma atenção muito parca às motivações dos dois grupos. Não fica muito claro porque os democratas autênticos, que parecem um grupo bem intencionado, consideram Rhodan um ditador. Dos filósofos da natureza, temos apenas a impressão que se trata de um grupo que professa uma volta a um passado menos tecnológico, o que de fato não se bate com a realidade, já que os mesmos não fazem qualquer objeção a usar meios tecnológicos.

Essa pouca atenção às motivações e a ausência de suspense da primeira parte do volume são compensadas por um plot twist no final do primeiro ato: a história não é sobre o atentado a Rhodan, mas sobre o que acontece com as pessoas que se envolveram de alguma forma nesse atentado.

Nesse sentido, Mahr consegue escrever uma história envolvente, cheia de ação e suspense, com um final que se não chega a ser surpreendente, é, para dizer o mínimo, engenhoso.

Em outras palavras, O atentado é um daqueles livros que parecem não prometer nada, mas entregam muito.

O curupira

 


O curupira foi o primeiro ser encantado brasileiro registrado pelos europeus. Em uma carta de 1560, José de Anchieta já o citava. Em 1663, o padre Simão de Vasconcelas referia-se a ele como um gênio de pensamento “num exótico de mentiras e enganos”.
Esse ser mitológico mudava de local para local, chegando mesmo a mudar de nome: Curupira na Amazônia e Caipora ou Caapora no sul. Em comum, a característica de ser o protetor da floresta, que castiga quem mata caça pequena ou fêmeas ou prejudica a floresta de alguma forma.
Segundo Câmara Cascudo, “Vigiando árvores, dirigindo manadas de porcos-do-mato, arracadas de veados e pacas, assobiando estridentemente, passa a figura esguia e torta do Curupira, o mais vivo dos deuses da floresta tropical, presente às histórias infantis aos episódios de caça, aos acidentes da luta do homem n´Amazônia. É o eplicador dos mistérios, passando seus cabelos de fogo, seus pés virados como Enotocetos de Mégasthènes, registrados em Estrabão, seus dentes azuis, seus assobios açoitantes, na memória de todas as recordações”.
O maestro paraense Waldemar Henrique eternizou-o numa canção:

“Já andei três dias e três noites pelo mato
Sem parar
E no meu caminho não encontrei nenhuma
Caça pra matar
Só escuto pela frente pelo lado o Curupira
Me chamar
Ora aqui, ora ali, se escondendo sem
Parar num só lugar
Por esse danado muitas vezes me perdi
Na caminhada
E nem padre nosso me livrou desse
Danado da estrada”

O curupira aparece no meu romance Cabanagem desenhado pelo grande quadrinista Laudo numa imagem que representa bem o caráter do mestre do engano.

Compre o livro Cabanagem no site da editora: https://aveceditora.com.br/produto/cabanagem

Lanterna e Arqueiro Verde – Meu ódio será sua herança

 


Ao assumirem o título do Lanterna e do Arqueiro Verde, Dennis O´Neil e Neal Adams se propuseram a explorar os grandes males da América. No volume 78 do título, eles abordaram um tema de pouco destaque, mas de grande relevância até os dias atuais: os líderes que criam em torno de si um grupo de fanáticos irracionais.

A história começa com a Canário Negro sendo abordada por uma gangue de motoqueiros. Eles querem roubar a sua moto, mas logo descobrem que não estão lidando com uma mulher indefesa. Entretanto, quando as habilidades em artes marciais da heroína já deram conta de quase todo o bando, um deles atropela a moça com uma moto.

A Canário é atacada por uma gangue de motoqueiros...


Duas semanas depois, o Lanterna, o Arqueiro e o Guardião chegam  a um restaurante administrado por um indígena. Enquanto estão comendo, aquela mesma gangue ataca o local. Quando são finalmente derrotados, o Arqueiro percebe que a moto usada por um deles é a mesma da Canário, o que os leva a procurar por ela. Só que a moça foi resgatada por um falso messias chamado Joshua e passou a fazer parte de sua seita. Joshua quer usar seu grupo massificado para uma guerra contra negros e índios.

A trama ecoa diretamente situações reais, como Charles Manson, cujos seguidores mataram diversas pessoas, entre elas a atriz Sharon Tate, e o Pastor Jim Jones, que levou mais de 900 pessoas a se suicidarem. O roteiro mostra que até mesmo uma heroína pode ser lobotizada e nas situações corretas passar a seguir cegamente um líder fanático.

...  o que faz com que ela entre numa seita. 


Não bastasse o tema relevante, temos aqui um roteiro primoroso de Dennis O´Neil, com uma ótima caracterização de personagens (poucas vezes o Arqueiro foi tão bem trabalhado em sua personalidade impetuosa) e diálogos afinados.

Falar da qualidade do desenho de Adams é chover no molhado, mas aqui, além de todas as outras características que diferenciam seu desenho, como a diagramação inovadora e planos inusitados, ainda descobrimos que ele é simplesmente um mestre ao desenhar mulheres. Sua Canário oscila entre o meigo e o obstinado.

Uma sequência magistral como essa não precisa de texto. 


Em determinada sequência, quando Joshua ordena que ela atire no Arqueiro, vemos uma sequencia de vários quadros, num close cada vez mais próximo, que vão revelando o conflito interno da personagem. De maneira inteligente, O´ Neil não coloca texto. Ele seria desnecessário. O desenho ali fala por si.

Quando a Marvel era a casa das Ideias

 

Revistas como a do Doutor Estranho refletiam a criatividade da Marvel na década de 70. 


Quando Alan Moore, Steve Bissett e John Totleben assumiram o Monstro do Pântano, muitos se surpreenderam com a diagramação inovadora. Mas a diagramação psicodélica não era novidade: o Doutor Estranho de Englehart e Frank Brunner já tinha essa característica.
A Marvel na década de 1970 era pura inovação.
Alguns fatores contribuíram para tornar isso possível.
Um deles foi o fato da Marvel não ser uma grande empresa, como a DC, mas que ter uma grande produção de revistas. Então eles precisavam urgente de profissionais e não podiam pagar tanto quanto a DC. Compensavam com liberdade criativa.
Por outro lado, a maioria dos roteiristas eram também editores, de forma que tinham controle do processo criativo, uma tradição que começara com Stan Lee e se tornara norma com Roy Thomas.
Por último, o lema de Stan Lee que foi regra até a entrada de Jim Shoter como editor-chefe da Marvel no final década de 1970: "se uma revista está vendendo bem, não interfira".
Todos esses fatores juntos faziam com que Marvel fosse o local ideal para quem queria inovar. E a lista dos que que aproveitaram isso é enorme: Steve Englehart, Frank Brunner no Doutor Estranho, Jim Starlin na saga de Thanos, Bill Mantlo no Hulk e Micronautas, Steve Gerber em Howard, o pato, Don McGregor no Pantera Negra...
Na década de 1980 a DC se tornou mais inovadora. Monstro do Pântano é um exemplo disso. 

Na década de 1980 essa situação muda completamente: a Marvel se torna uma grande empresa, a primeira em vendas, os roteiristas deixam de ser editores e o editor-chefe se pedia modificações nas revistas, mesmo que ela estivessem vendendo bem (há uma caso famoso de uma capa de quadrinhos que Shoter mandou redesenhar três vezes porque não gostou do tênis que um personagem usava).
O ápice desse processo foi a série Guerras Secretas. Tudo ali foi decidido pelo departamento de marketing, inclusive o nome da série (uma pesquisa mostrou que essas eram as palavras que mais chamavam a atenção dos meninos). A partir daí passou a ser o departamento de marketing - e não os criadores - que decidiam os rumos das histórias. 
Resultado: foi exatamente nessa época em que a DC se tornou mais criativa que a Marvel. Foi exatamente nessa época que Alan Moore Steve Bissett e John Totleben fizeram o Monstro do Pântano para a DC.

Encantado

 


A princípio minha colaboração com a revista Causos do meio do mundo 2 era para ser com roteiro para apenas uma história. Mas conversando com a Natália Muniz, ela, que não ia desenhar nenhuma HQ, acabou se empolgando. Eu tinha gostado muito do quadrinho Jaguadarte, em especial da forma impressionante como ela tinha desenhado a cobra que ataca a tribo indígena, e sugeri que ela seria a pessoa ideal para desenhar uma história do Cabano.

Assim nasceu Encantado, uma HQ que reconta o mito das cobras Nonato e Caninana.

Na história, o Cabano está em um bar quando um desconhecido lhe oferece pinga e narra a história das duas cobras abandonadas logo após o nascimento que se transformam em cobras gigantes de personalidades opostas: uma boa e uma má. A missão do Cabano será livrar Norato do encamento que o transformou.



Quando a Natália me enviou os primeiros esboços, fiquei impressionado, especialmente com a segunda página, que mostra as duas cobras em plena luta. A cena era grandiosa e captava perfeitamente o clima de terror da história.

No meu roteiro eu havia proposto que o corpo de uma cobra percorresse as páginas, com o rabo na primeira página e a cabeça na última. Natália fez isso tão bem que no final, o resultado da diagramação ficou melhor do que eu esperava.

Se em trabalhos anteriores, Natália se revelava uma artista promissora, aqui vemos ela em plena maturidade artística. Embora atualmente seja conhecida apenas no Amapá, não duvido que em breve a veremos concorrendo e até vencendo prêmios nacionais.



Em tempo: a revista Causos do Meio do Mundo pode ser adiquirida ao preço de 25 reais pelo e-mail jvggaia@hotmail.com.

Menos é mais


Um sábio já dizia que escrever é cortar palavras. Em nenhum outro gênero textual isso é tão verdadeiro quanto nos roteiros para quadrinhos.

Quadrinhos são a arte da síntese. Escrever muito com pouquíssimas palavras. Tanto que muitos escritores que se aventuraram a produzir quadrinhos deram com os burros n´água.
Um dos poucos que fizeram obras-primas foi Paulo Leminiski. No começo dos anos 1980, ele escreveu algumas histórias para a editora Grafipar, de Curitiba e, mesmo poucas, entraram para a história dos quadrinhos nacionais. A razão é que Leminski vinha da publicidade, em que a síntese é essencial, e foi muito influenciado pela poesia hai-kai, também muito sintética, além de intimamente relacionada à imagem. Em outras palavras, quando foi para os quadrinhos, o poeta sabia que quadrinhos não são literatura.
Um exercício interessante é observar a evolução do texto de Stan Lee ao longo de histórias como as do Quarteto Fantástico. Nas primeiras HQs o texto parecia transbordar dos balões. Depois foram diminuindo, diminuindo e, ao mesmo tempo, tornaram-se mais poéticos, mas sensíveis. Ou seja: ao mesmo tempo em que os textos diminuíam de tamanho, iam ficando mais elaborados.
Quando comecei a escrever quadrinhos, eu logo descobri algumas dicas básicas: evita-se, por exemplo, orações subordinadas e frases que digam o que o leitor está vendo. Por que dizer “Flash, que corria velozmente, salvou a moça!”? Além de contar algo que o leitor já está vendo, o “que corria velozmente” só serve para entulhar o balão de texto. Além disso, nos quadrinhos, uma única palavra pode dizer muito.
A história Orquídea Negra, de Neil Gaiman mostra bem isso. Em uma sequência genial, o texto diz apenas: “Então o sonho me leva para longe... e/uma/vez/mais/eu/desco/ca/in/do”. Difícil não se sensibilizar com a beleza poética dessa sequência, em que o texto se une perfeitamente aos quadrinhos. Aliás, essa sequência lembra muito a poesia concreta, um movimento literário brasileiro que influenciou muito, adivinhem? Paulo Leminski.