quinta-feira, outubro 16, 2025

Os sete samurais

 



Se existe um filme que é perfeito do primeiro ao último take este filme é Os sete samurais, de Akira Korosawa.

Lançado em 1954, o filme conta a história de um vilarejo assolado por bandidos, que roubam toda a colheita de arroz. Cansados da situação eles resolvem procurar samurais que possam ajudá-los em troca apenas de três refeições de arroz por dia, o que parece impossível, já que a maioria dos ronins considera a proposta ultrajante.

O filme é nitidamente dividido em três atos: a procura dos samurais, a preparação para o confronto com os bandidos e a guerra em si. Cada um deles tem seu encanto.

Talvez o momento mais impressionante do primeiro ato seja a descoberta de Kambei Shimada, o sábio e experiente samurai que será responsável por recrutar a maior parte dos outros. Um bandido se escondeu em uma casa e tomou uma criança como refém. Ele não deixa que ninguém se aproxime e ameaça matar a criança. Fingindo ser um monge budista oferecendo comida, Kambei consegue entrar na casa, salvar a criança e matar o bandido com a própria espada desse. A sequência inteira é impressionante e mostra como Kurossawa conseguia dar uma impressão de ação única usando praticamente nenhum recurso além da câmera lenta.



Outro momento de destaque é Kyūzō, visto em um duelo no qual mata seu arrogante oponente. O sangue frio e o hiper-foco se destacam aqui, com o samurai eliminando o adversário com um único golpe.

Ao grupo se junta um jovem nobre que pretende se tornar um samurai e ser discípulo de Kambei.

Outra adição é Kikuchiyo, talvez a figura mais carismática do filme.

Kikuchiyo  é um falastrão, que se apresenta como samurai, mas provoca risos quando descobrem que o documento apresentado por ele é de uma criança. Além disso, seu jeito estabanado é o oposto do contido Kyūzō. O grupo inclusive o rejeita em um primeiro momento.

Quando os sete samurais chegam ao vilarejo e todos estão escondidos em suas casa, é que Kikuchiyo mostra seu valor ao tocar o sino que avisa sobre a chegada dos bandidos.



É esse grupo muito diverso e até de certa forma disfuncional que irá defender a aldeia e salvar os lavradores.

Conta-se que Koroswa e os roteiristas Shinobu Hashimoto e Hideo Oguni escreveram a biografia de cada um dos personagens principais, o que de fato aparece na história. O expectador vai aos poucos conhecendo cada um dos samurais (e alguns dos aldeões) e se afeiçando a eles.

O ato da batalha si em faria cada um dos roteiristas de GOT querer se enterrar de vergonha. São 40 bandidos contra apenas sete samurais, mas  Kambei Shimada usa toda as possiblidades a seu favor. Quando um dos samurais pergunta porque ele deixou uma brecha por onde os bandidos poderiam entrar, ele responde que toda boa fortaleza tem um ponto fraco que funciona como isca para os atacantes. Usando da estratégia, eles vão eliminando os bandidos um a um.

Bom desenvolvimento de personagens, ótimas cenas de ação, uma trama realmente envolvente somam-se ao apuro estético de Kurossawa, de modo que cada frame tem uma composição perfeita, como se fossse um quadro.

Os sete samurais é, provavelmente, um dos filmes mais adaptados de todos os tempos. A primeira adaptação foi o faroeste Sete homens e um destino, dirigido por John Sturges e lançado em 1960, mas há uma infinidade de outros, incluindo a animação Vida de Inseto.

As tentações de Santo Antão

 



Hieronymus Bosch é um dos artistas mais misteriosos e controversos de todos os tempos. Sabe-se muito pouco a respeito de sua vida. Sua obra, rica de interpretações, tem gerado os mais diversos debates.

Nascido provavelmente em 1450 nos Países Baixos, suas pinturas são carregadas de religiosidade e têm o objetivo de alertar as pessoas sobre os perigos do pecado.

A especialidade do artista era os tríptico, imagens dividas em três, com um centro e duas asas, que poderiam ser fechadas, e na tampa apresenta outra imagem.

Eu tive a oportunidade única de ver uma das obras do mestre no Museu de Arte de São Paulo – MASP. A pintura era um retábulo, um estudo para a parte central do tríplico As tentações de Santo Antão.

Santo Antão foi um homem santo que doou tudo que tinha para os pobres e foi para o deserto meditar. Lá foi tentado de todas as formas pelo demônio, tendo resistido bravamente, o que o transfomou em símbolo da resistência ao pecado e à vida mundana.

O retábulo impressiona pelos detalhes, fazendo com que passemos longo tempo visuando e tentando entender as imagens. Há um barco no formato de peixe, seres estranhos num objeto voador indistinguível, uma mulher grávida de uma cabeça, tudo isso em meio a uma paisagem que parece estar pegando fogo... a imaginação de Bosh para o bizarro e para o estranho não parecia ter limites. Não por acaso, surrealistas o consideravam um precursor.

A mulher-rei

 

A mulher-rei, filme dirigido por Gina Prince-Bythewood e estrelado por Viola Davis parte de uma situação real.

De fato, no século XIX, existiu no reino de Daomé, atual Benin, um grupo de guerreiras invencíveis, verdadeiras amazonas da África, chamadas de agojie.

A história inicia com uma incursão das agojie para libertar pessoas do reino de Daomé aprisionadas pelo império Oyo para serem vendidas como escravas.

O ataque é liderado por Nanisca, interpretado por Viola Davis. O protagonismo da história, entretanto, se equilibra entre Nanisca e Nawi, uma garota que, após atacar o velho que deveria ser seu noivo, é entregue por seu pai no castelo para se tornar uma guerreira. A história de Nawi mostra como participar das agojie poderia ser a única oportunidade de ascenção social para muitas mulheres, assim como a única forma de escaparem de um destino de eterna submissão. No castelo, onde são treinadas as agojie, só podem entrar mulheres e eunucos, de forma que ali se torna um local governado por mulheres.

Há um outro fato interessante: os habitantes de daomé cultuam um casal de gêmeos, o que faz com que todos os principais cargos, de general a rei, tivesse uma contraparte feminina.

Tudo isso é mostrado de forma muito competente no filme. Além disso, a trama envolvente: Nawi lutando para provar seu valor como guerreira e Nanisca busca de vingança contra o homem que no passado a aprisionou e a estuprou repetidas vezes. No final, descobre-se que o destino das duas é intimamente interligado.

O trailer, focado principalmente na ação, pode dar a entender que esse é o clima do filme, o que  não é verdade. Há um bom equilíbrio entre cenas de ação e cenas de desenvolvimento, com uma forte caracterização de personagens. Aliás, as cenas de ação merecem destaque em qualquer resenha. Os combates ganharam uma coreografia crua, brutal, que destaca bem a sanguinolência da guerra.

Em tempo: embora seja baseado em fatos reais, A mulher rei não é totalmente fiel aos fatos históricos. O filme inclui um forte discurso anti-escravista quando na verdade, as próprias agojie foram elemento importante no aprisionamento de escravos que seriam vendidos pelo reino de Daomé para traficantes. Mas ficção é ficção, e não história. O importante é produzir uma obra que envolva e faça o expectador acreditar naqueles fatos que são mostrados na tela, o que de fato acontece nesse filme.

Batman contra o Cavaleiro Negro

 


Nos números 393 e 394 da revista Batman, o personagem enfrentou um dos seus adversários mais perigosos numa trama muito bem conduzida pelo roteirista Doug Moench e pelo desenhista Paul Gulacy.

No centro da trama está uma estátua de um cossaco. Como não tem interesse em arte pré-revolucionária, a união soviética pretende leiloar a peça, mas Batman descobre que há algo por trás desse leilão, algo mortal, que poderá resultar em um desastre para Gothan.

A trama gira em torno de uma estátua de um cossaco. 


Por trás de toda a trama está o Cavaleiro Negro, um agente da KGB viciado em endorfinas que pretende provocar a terceira guerra mundial. Para impedi-lo, juntam-se a CIA, o FBI e o cavaleiro das trevas.

A melhor parte da história é quando Batman começa a trabalhar em conjunto com uma agente russa, Kátia, o que rende bons diálogos e uma química única. A relação entre os dois fica entre as faíscas e alfinetadas mútuas e a atração sexual. À certa altura, por exemplo, ela pergunta o que ela achou da suíte que ele reservou para ela. “Se eu gostei, Batman? Estou me sentindo como uma estrela de Hollywood! Sim, Batman... os russos também entendem de cinema americano... a KGB quer que seus agentes sejam bem informados em todos os assuntos!”. “Gozado. A CIA não costuma exibir filmes russos para os seus agentes”, responde o homem-morcego.

As melhores sequências envolvem o relaciomento conturbado de Batman com a agente da KGB. 


Essa é uma boa trama de ação e espionagem, com um Batman que age de maneira racional e não tira deduções da cartola como um mágico. Ponto para Doug Moench e principalmente para Paul Gulacy, que com seu traço fotográfico consegue imprimir o visual perfeito para a história.

Ao publicar a história, a Abril substituiu a belíssima capa de Batman 394 por uma versão muito inferior.


No Brasil essa história foi publicada pela editora Abril em Batman 5 e 6 (segunda série).

Ópera de sabão, de Marcos Rey


Em 1954, após uma crise política gigantesca provocada por um atentado ao jornalista Carlos Lacerda, o presidente Getúlio Vargas suicidou-se. O ato provocou uma grande comoção nacional e fez reascender a chama do getulismo. Marcos Rey situa a ação de seu romance Ópera de Sabão, escrito em 1980, nos três dias após a morte do presidente.
A ação é centrada em uma família de origem italiana, os Manfredi. O pai, ao saber da morte de Getúlio, fecha a transportadora e sai armado de um revólver, disposto a matar Carlos Lacerda, mas na verdade, acaba se encontrando e vivendo dias idílicos e sexuais com uma professora de piano.
A situação mostra bem a ótica do livro: uma mistura de história do Brasil com dramalhão e comédia. Marcos Rey foi redator do rádio e coloca sua experiência no meio a serviço da história, a começar pelo título, Opera de sabão, uma referência direta às soap operas, melodramas radiofônicos quase sempre patrocinados por marcas de sabonete, daí o nome.
Os personagens são impagáveis. Hilda, a esposa, transforma-se na Madame Zohra, conselheira radiofônica cujo programa já foi uma das maiores audiências da agora decandente Rádio Ipiranga. Como Madame Zohra, Hilda é porta voz de uma rigorosa campanha contra o aborto, mas se vê em uma cinuca ética quando seu filho engravida uma menina e esta, sem saber, envia-lhe uma carta pedindo conselhos.
O filho mais velho chama-se Benito, homenagem a Mussoline de quando o pai era fascista. O mais novo, Lenini. “Quando Leinie nasceu, meu pai era comunista”, explica a outra filha do casal, Adriana, à certa altura da história. “E não é mais?” “Não, agora está nos transportes”. Uma sequência que exemplifica o humor afinado de Marcos Rey.
O autor, que foi roteirista de rádio, televisão e cinema, constrói sua mistura de melodrama com comédia de erros como se fosse um roteiro de rádio, a começar pela abertura:
SPEAKER1 – No ar...
SPEAKER2 – sob o alto patrocínio do sabão minerva...
SPEAKER1 - ... a Rádio Ipiranga, PRG-10, 2000 quilociclos, canal exclusivo, apresenta...
TÉCNICA – Sobe o prefixo (La vie em Rose). Cai em bg.
SPEAKER2 - ... sonhos de juventude!
SPEAKER1 – Radionovela de Marcos Rey
Isso soma ao livro mais um aspecto, o metalinguísticos. Há momentos, por exemplo, em que o autor comenta a história, descrevendo a estratégia utilizada pelo roteirista: “Ainda a perigosa criatividade do radioautor. Faça os personagens sofrerem, coloque-os em situações aparentemente sem saída e a audiência se multiplica”.
E como bom roteirista, Marcos Rey nos surpreende no final quando a história dá uma guinada, mudando completamente de tom: sai o humor, a crítica de costumes, a metalinguagem, e entra uma sequência emocionante e arrebatadora acontecida dez anos depois, quando do golpe militar.

A divulgação científica nos quadrinhos

 

Defendida em 1996, minha dissertação de mestrado A divulgação científica nos quadrinhos - análise do caso Watchmen foi um dos primeiros trabalhos acadêmicos a analisar a relação entre HQs e ciência no Brasil. Tornou-se referência obrigatória inclusive sobre uso de gibis em sala de aula. 
A dissertação pode ser lida online no blog ou baixada em PDF no Repositório da Unifap.

Wolverine antes de se tornar Wolverine

 

O personagem Wolverine representou na Marvel o pior dos quadrinhos dos anos 1990, naquela que ficou conhecida como a Era Image. Houve uma história, por exemplo, que iniciava com três páginas duplas do Dentes de Sabre pulando sobre o carcaju. Seis página de pura enrolação e dentes rangendo. História, nenhuma.  
Mas antes de se tornar um personagem raso envolto em violência sem sentido, maus roteiros e páginas que eram pensadas como pôsteres para serem vendidas para colecionadores, antes disso, o Wolverine teve histórias memoráveis nas mãos de grandes mestres.
Um exemplo disso é a saga que estreou a revista do personagem na editora Abril. Publicada originalmente em 1988, na revista Marvel Comics Presents, a HQ em dez partes tinha roteiro de Chris Claremont, desenhos de John Buscema e arte-final de Klaus Jason.
O traço de Buscema com arte-final de Klaus Jason. 


À primeira vista, a arte de Buscema parece não se encaixar com o traço de Jason, famoso pela dupla com Frank Miller. Mas o arte-finalista dá uma força e um dinamismo para o traço do mestre Buscema que se encaixam perfeitamente no estilo da história, em especial nas splash pages que abrem cada parte da trama.
A história se passa na cidade fictícia de Madripoor, dominada por gangues e pela máfia e tem a ver com uma história anterior dos X-men. Mas é possível ler e gostar sem saber o que aconteceu antes na complicada cronologia mutante. A cidade está vivendo uma guerra pelo controle da máfia. De um lado, o chefão O´Donnell e seu campanga Punho de Lâmina. Do outro, um misterioso personagem chamado Tigre. O Wolverine acaba sendo pego no meio dessa disputa e é preso ao se deparar com uma mutante vampira, que suga sua essência vital, deixando-o totalmente à mercê de seus inimigos.
Claremont sempre foi um bom roteirista, mas costuma abusar do tom novelesco, do excesso de texto e da cronologia mirabolante. A história não tem nenhum desses defeitos. Claremont estabelece bem a tipologia de fala do personagem, coloquial e cheia de gírais, que fica explícita na narrativa em off.
No final, tudo, desenhos, arte-final e texto, tudo se encaixa perfeitamente.  
A Abril ainda fez uma capa em alto relevo, com o personagem pulando na direção do leitor com suas garras em posição. Como diz a capa, edição de colecionador.

quarta-feira, outubro 15, 2025

O início da Marvel

 



A Marvel sempre foi uma editora diferenciada. Na era de ouro, enquanto a DC faturava alto com heróis  certinhos como Superman, Flash, Mulher Maravilha e outros, a Marvel se destacava com anti-heróis como Namor, o príncipe submarino e o Tocha Humana. Enquanto na DC a linha que demarcava os heróis dos vilões era muito clara, na Marvel, era um limite tênue.
Na década de 1960, quando Stan Lee, Jack Kirby e Steve Ditko renovaram a Marvel, transformando-a num sucesso absoluto, essas características foram ampliadas ao invés de atenuadas. Eram heróis estranhos, que poderiam se tornar vilões em determinado momento e até vilões que viravam heróis.
Essa característica é plenamente visível na graphic Origens – a década de 1960, da coleção Salvat. O volume reúne alguns das primeiras histórias de diversos herói da casa das ideias.
A primeira HQ, de origem do Quarteto Fantástico – o grupo que comandou a virada da Marvel – mostra todas essas características. A narrativa é genial. Ao invés de mostrar os heróis logo de cara, Lee joga com a curiosidade dos leitores ao mostrar um sinal dos céus, chamando o Quarteto. Então vemos uma mulher em uma loja se tornando invisível. Invisível, ela saí nas ruas, assustando a todos.


O mesmo ocorre com o Coisa e o Tocha Humana (mostrado nessa primeira HQ com um visual que não permitia ver seu rosto). Imagino a garotada da época, lendo e se perguntando: quem são essas pessoas?
Depois, quando se reúnem e um perigo é anunciado, a origem do grupo é contada em flash back. Red Ricards decide fazer um voo espacial sem autorização do governo para garantir a primazia dos EUA na corrida espacial. Bem Grinn se recusa devido aos riscos, mas aceita ao ser desafiado. Depois, quando se transformam, culpa Red Richards e tenta atacá-lo com uma árvore. Durante essa primeira história há diversos momentos assim, de conflito no conflito e conflito dos heróis com eles mesmos.
Na comparação com os amistosos encontros da sociedade da justiça, em que os membros se reuniam para confraternizar, comer e contar histórias divertidas, o Quarteto Fantástico deve ter sido uma revolução imensa. O quarteto parecia ser composto por pessoas reais. Uma curiosidade: o grupo nessa primeira história vivia em Central City. Nova York só surgiria depois.
É curioso também perceber como essa primeira história do Quarteto é só uma releitura das histórias de monstros da Marvel da década de 1950. Uma pequena mudança na narrativa fez com que as histórias chavões e passadas se tornassem revolucionárias. É como pegar um jogo de montar, modificar uma ou duas peças de lugar e no final conseguir um resultado completamente diferente.
Esse aspecto de pegar algo já padronizado, mudar um pouco e fazer algo revolucionário é igualmente percebida na hq seguinte, com a origem do Homem-formiga. Era só mais uma hq sobre cientista que desenvolve uma fórmula que o faz encolher e suas arguras num formigueiro, mas já havia ali a gênese do heroísmo Marvel – tanto que depois o personagem, que era para uma única HQ (no final, ele joga fora a fórmula) foi resgatado, se tornando um herói.
Nas primeiras histórias o Professor Xavier era nitidamente autoritário. 


O volume permite entender, também, por que razão os X-men, um dos quadrinhos Marvel de maior sucesso de todos os tempos, não teve vendas baixas à época. Imagino que deve ter sido difícil para os jovens da década de 1960 se identificarem com heróis que viviam sob domínio de um professor autoritário. “Venham imediatamente! Atrasos serão punidos”, diz ele, em mais de um momento da história. A figura do professor Xavier seria suavizada na década de 1970 e, nas vezes em que ele tentava ser autoritário, isso gerava conflito com os alunos, o que certamente contribuiu para o sucesso da revista no final dos anos 1970.
É interessante notar como Jack Kirby era de fato o rei no início da Marvel. Das 10  histórias do volume, apenas três não são desenhadas por ele. Mais interessante ainda perceber como seu traço muda de acordo com o arte-finalista.

A magia da Pixar

 

Com a morte de Steve Jobs, tem se falado muito do criador da Aple e idealizador de equipamentos que revolucionaram o dia-a-dia das pessoas, como o I-Phone e o I-pad. Poucos, no entanto, lembram que Jobs teve um papel fundamental na animação: afinal, a Pixar, empresa que revolucionou a área, era de sua propriedade. O livro A magia da Pixar, de David Price (editora Campus) ajuda a superar esse vácuo.


Os que se aventurarem na leitura, deverão ser firmes para superar os capítulos iniciais, técnicos, de maior interesse apenas para quem é da área. O livro se torna interessante exatamente com a entrada de Jobs na história.

Em meados da década de 1980, a Lucasfilm queria a todo custo vender a sua divisão de computação gráfica. O divórcio de George Lucas e sua esposa havia esvaziado os cofres da empresa e Lucas não via muito futuro na geração de imagens por computador. Os executivos acreditavam que o investimento na computação gráfica só poderia ser recuperado graças a um protótipo de um computador para um público restrito. O equipamento ainda não tinha nome. Alguém sugeriu Picture Maker, mas o nome que acabou emplacando era baseado no verbo espanhol pixer (criar imagens). No final, o equipamento se chamou Pixar Image Computer.

Alan Kay, o criador do mouse, lembrou-se de um possível comprador, um multimilionário de 32 anos chamado Steve Jobs. Jobs acabara de ser enxotado da Aple por um executivo que ele mesmo contratara. Ele saíra da empresa levando consigo cinco empregados para criar uma nova empresa, a Next.

Jobs interessou-se pela compra, mas achou o preço alto. Segundo ele, se a Pixar chegasse a 5 milhões, ele compraria. Nesse meio tempo, o setor de computação da Lucasfilm produziu uma cena do filme O enigma da pirâmide, produzido por Steve Spielberg no qual um cavaleiro sai de um vitral para aterrorizar um padre. Mas mesmo assim o setor dava prejuízo e no final a empresa aceitou vendê-la pelos cinco milhões oferecidos por Jobs.

Jobs não percebeu que estava comprando uma empresa de animação. Para ele, tratava-se de uma companhia de hardware: "Jobs desfrutava da reputação de leitor visionário dos mercados do consumidor, reputação conquistada inúmeras vezes. Entretanto, se ele tivesse o mesmo olhar clínico para ler os seres humanos, teria observado alguma coisa inquietante em relação aos homens que acabara de empregar. Ele deveria ter percebido que Catmull e Smith - diretor técnico executivo e vice-presidente, respectivamente, de sua nova empresa de hardware de computadores - não tinham qualquer interesse em hardware", escreve David Price.

Jobs era influenciado pela visão da contracultura de computadores segundo a qual os pequenos computadores poderiam ser instrumentos para a liberdade pessoal. Ele não se cansava de repetir que a Aple era o lugar para as pessoas que queriam mudar o mundo levando o poder para as pessoas através do acesso à informática. Ele estendeu essa visão à Pixar: segundo ele, a computação gráfica começaria na mão dos primeiros usuários, mas logo ganharia impulso em um grande mercado popular.

Quando falava do assunto, ele criava o que muitos chamaram de "campo de distorção da realidade de Jobs": o dom que ele tinha de fazer as pessoas ao seu redor acreditarem em qualquer coisa. Os empregados da Pixar tinham de ser desprogramados após uma visita do dono, pois a capacidade de avaliação delas caia. Eles se sentavam diante dele e o olhavam para com amor nos olhos. Todos na Pixar sabiam que a renderização 3D ainda não estava pronta para os consumidores comuns - era um grande esforço até para os especialistas da Pixar - e nem se tinha certeza de que os consumidores realmente a queriam. Naquelas visitas, no entanto, os técnicos acreditavam no carismático e extremamente entusiasmado Steve Jobs.

Apesar do entusiasmo, Jobs perdia dinheiro a cada ano com a Pixar. Ele chegou a cogitar fechar o setor de animação da empresa (a desculpa para existir um setor de animação era que estas chamariam atenção para os hardwares da empresa). O Oscar para o curta-metragem Tin Toy (a história de um boneco homem-banda que se assustava com um bebê) salvou o departamento, que logo começou a fazer comerciais para tentar gerar alguma receita.

Pouco depois surgiu a proposta da Disney para realizar um longa-metragem. A primeira sinopse tinha como protagonista o homem-banda de Tin Toy. A ideia básica do que viria a ser Toy Story já estava lá: a coisa mais importante para um brinquedo é a companhia de uma criança para brincar. Mas nesse primeiro tratamento, o brinquedo era esquecido num posto de gasolina, encontrava um boneco de ventríloquo e iam parar numa sala de jardim de infância, onde encontram o paraíso e seu final feliz.

Faltava muita coisa. Os dois personagens principais queriam as mesmas coisas, pelos mesmos motivos. Katzenberg, produtor da Disney, sugeriu que o filme seguisse a linha de "48 horas" e "Acorrentados", filmes em que homens unidos pelas circunstâncias e forçados a cooperar acabam se tornando amigos após uma hostilidade inicial.

Com o tempo, os personagens foram tomando suas formas definitivas. Surgiram Woody e Buzz e uma amostra foi exibida para os executivos da Disney, no que foi chamada de sexta-feira negra. A Disney exigiu que a produção parasse até que fosse feito um novo roteiro.

O principal problema estava em Woody, que era uma espécie de tirano dos brinquedos. Numa cena ele sacudia o cão de mola: "Se não fosse por mim, Andy não prestaria a mínima atenção em você!". Em outra cena, ele jogava intencionalmente Buzz pela janela, fechava a cortina e comentava: "Ei, é um mundo de brinquedo comendo brinquedo". Era um personagem antipático, muito longe do líder sábio que apareceria no filme.

Apesar do roteiro estar se ajustando, a produção não era garantida. A Disney alocou um orçamento muito modesto (17 milhões de dólares) e até Jobs achava que iria perder dinheiro com Toy Story. Ele já desperdiçara 50 milhões de dólares com a empresa e concluiu que o melhor era tentar vender. Quando o negócio já estava quase fechado com a Microsoft, ele mudou radicalmente de ideia e resolveu bancar o prejuízo.

As principais fabricantes de brinquedos não se interessaram por Woody e Buzz e o licenciamento ficou nas mãos da pequena Thinkway Toys.

O resultado todo mundo conhece: Toy Story foi um sucesso estrondoso. Jobs fez uma oferta pública de ações da Pixar pouco depois do lançamento do filme e, no final do processo, estava U$ 1,1 bilhão de dólares mais rico - segundo Price, o erro de arrendondamento nesse valor representava praticamente o total de ações da Aple pertencentes a Jobs quando ele deixou a empresa, dez anos antes.

O livro de David Price percorre esse tortuoso caminho do fiasco à fama, mostrando um amplo painel sobre a Pixar. Embora os primeiros capítulos sejam árduos (e o livro não fale de filmes mais recentes, como Up), a partir de determinado ponto, o livro empolga principalmente por mostrar os bastidores de produções que todos aprendemos a amar.

Hulk – Banido no espaço sideral

 


O Hulk como nós o conhecemos hoje só surgiu no número 3 da revista. As mudanças já eram anunciadas na capa, onde o grandalhão aparecia saltando com Rick Jones nos braços enquanto um soldado apontava e gritava (aparentemente para o leitor): “Veja! Nada pode detê-lo agora! Ele consegue voar!”. claro que ele não voava, mas os saltos equivaliam e davam um impacto muito maior ao personagem. Até então, o Hulk era mais terrestre que uma minhoca.

Na história, os militares convencem Rick Jones a atrair o Hulk para dentro de um foguete, supostamente com a ideia de que ele seria o único capaz de testar o tal aparelho. Mas na verdade era uma trama do general Thunderbolt Ross para se livrar do monstro jogando-o no espaço sideral. Mas rick Jones sabota o mecanismo e o módulo cai na terra. Quando vai investigar, Jones descobre que o golias esmeralda agora o obedece. E é numa dessas que ele, inadvertidamente, faz o personagem dar um dos seus grandes saltos (“Tira a gente daqui, rápido!”).

E o Hulk pulou...


Essa é também a primeira história que o personagem aparece com seu visual definitivo: verde, descalço e usando apenas a calça rasgada. É também a primeira vez em que ele enfrenta um verdadeiro vilão de quadrinhos, o Mestre do Picadeiro. O vilão entrava numa cidade, hipnotizava todos e roubava tudo que podia, partindo para outro local. Mas numa dessas ele acaba hipnotizando Rick Jones, o que faz com que o Hulk vá em seu encalço, com resultados tanto previsíveis quanto imprevisíveis.

E, para completar, Stan Lee ainda relembra a origem do personagem. Tudo isso em meras 24 páginas. Stan Lee e Jack Kirby não enrolavam: era muito coisa acontecendo em um volume.

O assassino profissional

  


Estava decidido. Iam matar o candidato à presidência.
- Precisamos contratar alguém. Alguém que seja realmente competente. Precisa matar bem matado.
- Tem o Adelton.
- Adelton... Adelton... não foi esse que nossa organização contratou para matar o Niemeyer em 1950?
- Esse mesmo. O cara é bom!
- O Niemeyer morreu em 2012! Com 104 anos! De causas naturais!
- Mas morreu, não morreu? E quem disse que foi de causas naturais?
- Nós também contratamos o Adelton para matar o Mick Jagger.
- Isso mesmo. Serviço bem feito.
- O Mick Jagger está vivo até hoje e pelo jeito vai passar dos 100 anos!
- É, nessa o Adelton falhou. Mas ninguém é perfeito. Além disso, ele está em promoção!
No final, acabou sendo o Adelton mesmo pela simples razão de que ele era o melhor assassino de aluguel que eles conheciam.
Adelton foi contratado e recebeu uma arma.
- Quando ele estiver sozinho fazendo cooper na praia, você atira e ponto. Fácil, não?
Não, não era fácil. Adelton foi levado para uma fazenda para melhorar sua pontaria. Deu dois tiros, um em cada pé. No terceiro conseguiu acertar a própria arma.
Desistiram do revólver. O jeito ia ser usar uma faca. Treinando com ela, Adelton se cortou dez vezes. Numa das vezes, em que cortava cebola para a comida, fez um corte tão profundo na própria perna que teve que ser levado para o hospital.
- Bem, pelo menos sabemos que ele é mortal com uma faca. – comentou uma das pessoas que o haviam contratado.
- Só espero que ele não se mate antes de executar o serviço.
No dia do atentando, estava tudo certo. Adelton ia esperar o candidato no banheiro de uma churrascaria. Ia esfaqueá-lo e fugir pela janela do banheiro.
- Adelton, você entendeu o plano? É só ficar escondido aqui, esfaquear o homem e fugir pela janela. Entendeu?
- Entendi.
Mas não tinha entendido nada. Era para ficar parado ou para ficar andando? Era para esfaquear ou para esmurrar? E, afinal, como era mesmo o rosto da pessoa que ele devia esfaquear? Ele simplesmente não lembrava.
Resolveu sair do restaurante e ir para a rua, na tentativa de encontrar alguém que lhe explicasse de novo o plano. Nisso viu uma aglomerado de pessoas. Gritavam, davam vivas e carregavam alguém. Adelton se aproximou, achando que fosse algum jogador de futebol. Se fosse, ia pedir um autógrafo. Na hora se empolgou e resolveu ajudar a carregar o homem. Só esqueceu de guardar a faca. 
O homem foi esfaqueado. Nada grave, mas foi o suficiente para mobilizar a opinião pública. O candidato, que antes era um azarão, se tornou o líderes das pesquisas e acabou ganhando a eleição. Adelton não só não matara o homem, como ainda o elegera. 
Mas isso não era o pior. O pior de tudo é que ele esfaqueara o candidato errado.

Erótica Steampunk

 


Erótica Steampunk foi uma antologia organizada por Tatiana Ruiz publicada pela editora Ornitorrinco em 2013. Para quem não conhece, o movimento steampunk imagina como seria o mundo se a tecnologia tivesse se desenvolvido a partir do que havia no mundo no século XIX. É uma ficção científica retrô, em que avanços tecnológicos como computadores se unem a máquinas a vapor e roupas vitorianas. A proposta da coletânea era unir esse estilo a história que tivessem um fundo erótico. Eu participei com o conto “A beleza roubada”. A história se passa em um dirigível que singra os céus de vários países oferecendo tudo que é possível em termos de sexo. Ou seja: um bordel voador. O protagonista é um agente secreto brasileiro que investiga a morte de um diplomata brasileiro e roubo de algo que lhe pertencia. Com Brasil e Argentina disputando o controle da América, a situação pode gerar um crise diplomática que levaria a uma guerra mundial. Eu gosto particularmente da dinâmica entre o agente e sua parceira, disfarçada de prostituta e do final surpresa, quando ele descobre o que de fato foi roubado.

Jornada nas estrelas – O último duelo

 


Alguns dos episódios mais interessantes da série clássica de Jornada nas Estrelas são aqueles que ocorrem no passado da Terra. Mas como fazer personagens do futuro viverem situações do passado? A volta no tempo era a estratégia mais óbvia, mas o episódio “O último duelo”, da terceira temporada, trouxe uma solução curiosa.

Na trama, a Enterprise recebe a missão de fazer contato com a civilização melkotiana. No caminho, encontra uma bóia daquela raça avisando que se afastem, mas Kirk ignora o aviso. Quando finalmente uma delegação terrana se teletransporta para o planeta, os melkotianos, temendo tratar-se de uma raça violenta, prendem a equipe numa espécie de realidade virtual que simula a cidade de Tombstone onde ocorreu o célebre duelo do OK Curral, no qual os irmãos Eerps mataram a quadrilha dos Clantons.

Todos na cidade vêem os tripulantes da Entreprise como membros da quadrilha dos Clantons, o que significa que eles serão inevitavelmente mortos ao final do duelo.

Quem brilha nesse episódio é Chekov. Assim que entram num salão uma moça se joga em seus braços, achando que ele é Billy Clanton. A moça beija apaixonadamente o rapaz. Kirk tenta dar uma bronca, no navegador, que responde:  “O que posso fazer, Capitão? Sabe que temos que manter boas relações com os nativos.”. E volta a beijar a moça.  

Um aspecto interessante do episódio é que, como a essa altura o orçamento da série tinha reduzido consideravelmente, a produção não conseguiu construir uma Tombstone completa. O cenário é nitidamente falso, com uma casinha aqui e outra ali, na maioria das vezes só com a fachada. O roteiro, no entanto, aproveita muito bem isso e o que deveria ser um defeito se torna um trunfo.

Ao final, o que poderia ser uma ode a um dos períodos mais violentos da história norte-americana acaba se tornando uma mensagem de paz, bem ao estilo de Jornada.