Fazer
quadrinhos dava pouco dinheiro. Assim, não tínhamos grana para comprar o
material mais caro, como álbuns de quadrinhos. Mas mesmo assim gostávamos de
visitar a livraria Ponto e Vírgula, única que tinha uma sessão de quadrinhos em
Belém.
Sem dinheiro
para comprar, ficávamos o tempo todo folheando as revistas, livros e álbuns e
depois simplesmente íamos embora, na cara de pau.
O Bené
gostava especialmente de folhear livros de arquitetura. Era fascinado pelo
tema. Claro que esses eram os mais caros, de modo que nunca havia dinheiro para
comprá-los. Mas eu sempre me espantava com a memória fotográfica do compadre.
Ele folheava o livro inteiro. Chegando em casa, desenhava os prédios, de
cabeça.
Isso se
refletia em nossas histórias, em especial no visual expressionista das cidades
em que se desenrolavam nossas histórias de terror, a exemplo da Noir. Era tão
bom nisso que chegou a trabalhar em escritórios de arquitetura, fazendo aquilo
que muitas vezes nem os arquitetos conseguiam fazer. Aliás, sua habilidade para
cenários foi percebida até por Alan Moore. Em um dos roteiros de Supreme, o mago
inglês escreveu que o Bené iria adorar aquela história por ela lhe dar a
oportunidade de desenhar vários prédios expressionistas.
O
expressionismo, aliás, foi uma grande influência para nós, em especial o cinema
alemão da década de 1920.
Na época eu
peguei emprestado com uma professora (a grande crítica de cinema Luzia Alvares,
que durante décadas teve uma coluna sobre o assunto no jornal O liberal) um
livro sobre o cinema expressionista alemão. Era uma belíssima obra, repleta de
imagens, sinopses de filmes, análises. Eu e Bené devoramos o livro. Na época
não havia a facilidade que existe hoje de se conseguir assistir a filmes
antigos, de modo que muitas das obras que nos influenciaram nós só conhecíamos
por aquele livro.
Muito do
expressionismo pode ser encontrado nas nossas HQs, desde a ênfase no cenário,
muitas vezes distorcido, aos personagens perturbados e muitas vezes loucos.
Anos depois,
quando fui fazer especialização em artes visuais, meu tema foi exatamente o
filme fundador do movimento: O gabinete do doutor Caligari.
Outro livro
que acabou sendo uma grande influência em nosso trabalho foi o volume Magia
negra e feitiçaria, da coleção Prisma. Consegui num sebo a preço mais baixo que
uma passagem de ônibus e levei para o Bené. Ele adorou os desenhos e certamente
o clima sombrio dos mesmos foi uma influência. Além disso, usamos várias informações
ali para compor histórias. Se não me engano, foi nesse livro que o Bené achou a informação sobre o demônio das moscas, que deu origem à história Belzebu, uma das mais famosas da dupla.
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