quinta-feira, julho 18, 2024

O budismo não é uma negação da realidade

 

A maioria das pessoas tem uma interpretação equivocada da palavra zen. No linguajar popular, ficar zen significa algo como ficar alegre, ficar feliz ou até mesmo alienado do mundo. Frases que já ouvi: “Fulano é zen, está sempre com um sorriso no rosto”; “Beltrano é zen, pode cair o mundo à volta dele que ele nem liga”.  É o famoso “está tudo bem, está tudo zen”.

 Essa, no entanto, é uma interpretação equivocada do zen budismo e do zazen.

 Para explicar isso é interessante recorrer a uma historinha.

 Várias pessoas estavam viajando num ônibus quando o motorista teve um ataque cardíaco. A reação da maioria das pessoas foi de desespero: “O ônibus vai bater! Vamos morrer! Vamos morrer!”. Outros entraram num processo de negação: “Está tudo bem, nada vai acontecer, está tudo ótimo!”. Havia um monge zen budista no ônibus. Este levantou do seu lugar, foi até a cabine do motorista, tirou-o da cadeira, sentou no lugar, freiou o ônibus e desligou o motor.

 A história demonstra bem o conceito: o budismo (e, portanto, o zen) não é uma negação da realidade, nem o desespero com a realidade.

 Buda já dizia: o mundo é dukka (uma palavra que, de forma simplista, pode ser traduzida como sofrimento). Inevitavelmente iremos passar por momentos de sofrimento: vamos ficar doentes, vamos ficar velhos, vamos morrer.

 O sofrimento físico existe, assim como o sofrimento psicológico. Negar isso não traz benefício nenhum. Tanto que a primeira nobre verdade é a existência do sofrimento. Uma atitude negacionista é totalmente isolória e não leva a nada.

 Não adianta, por exemplo, chegar com alguém que está com depressão e dizer: “Você não deve ficar em depressão, deve ficar feliz, seja feliz!”. Ou chegar para alguém que acabou de perder um ente querido e dizer: “Não fique triste, seja feliz!”.  O problema existe, negar ele não só não ajuda como pode piorar as coisas.

 Por outro lado, o desespero também só piora a situação. Desesperar-se com algo que ainda vai acontecer, como aliás aconteceu com Buda quando descobriu que ia adoecer, envelhecer a até morrer, só pode trazer resultados negativos.

 Como o monge da história, devemos estar conscientes da situação e devemos aprender a lidar com ela.

 Se alguém está em depressão, o que levou a isso? Como isso pode ser resolvido? Essa atitude é muito mais válida do que desesperar-se com a situação ou simplesmente negá-la. Estar consciente de si e do mundo é a base do budismo, a atenção plena.

 A meditação zazen é um passo essencial desse processo. Não é por acaso que muitos não se adaptam. Ali é você com você mesmo, consciente da sua situação e tendo que encontrar maneiras de lidar com isso. Não há ninguém pegando na sua mão e lhe apresentado soluções mágicas.

 A perna está dormente depois de vários minutos de meditação? Simplesmente ignorar isso não serve de nada, assim como desesperar-se e sair da posição. Você precisa entender a dor a aprender a lidar com ela. O mesmo ocorre com os fatos psicológicos. Muitas vezes, problemas surgem na hora do zazen é necessário aprender a lidar com eles, sem negá-los ou desesperar-se.

 Nesse sentido, o zazen é aprendizado para a vida. Um aprendizado que nos distancia tanto da negação quanto do desespero, mas, ao contrário, mantém o foco na percepção do instante presente. 

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