segunda-feira, setembro 01, 2025

Quarteto Fantástico – Derrotados pelo Doutor Estranho

 


Embora Fantastic Four 1 seja considerado o marco inicial da Era Marvel, foi só no número 17 que Stan Lee teve a idea de usar o termo, em um splash com grande destaque na capa.

Nessa edição, o Quarteto enfrenta, de novo, o Doutor Destino. De novo.

O Coisa confunde um ator com o Dr. Destino... 


A edição mostra também como os heróis podiam ser tapados. Quando procuravam pelo vilão, o Coisa chega a quase bater em um homem, que na verdade está caracterizado para divulgar uma peça sobre a Idade Média. Por outro lado, Destino se disfarça de um zelador e não só encontra com eles e os cumprimenta, como ainda coloca um sinalizador em cada um. O sinalizador é usado por quatro robôs que coletam a estrutura atômica dos heróis. Assim, mesmo quando a fortaleza dele é descoberta escondida em uma nuvem, eles não podem invadi-la, pois a nave está programada para desintegrar qualquer coisa que se aproxime com a estrutura atômica codificada.

Destino ainda encontra tempo para sequestrar Alícia, a amada do Coisa, e fazer um ato de terrorismo que coloca todos os aparelhos eletrônicos dos EUA em pane.

... Mas não reconhece quando encontra o Dr. Destino disfarçado. 


Aliás, nessa parte específica, há introito curioso.

Na Rússia, os generais comemoram.

- Ah, essa é a melhor notícia que recebo em semanas! Logo os países capitalistas ficarão indefesos perante nós! – diz um sujeito com a cara de Trotsky, seja lá o que Trotksy estivesse fazendo lá na Rússia anos depois de sua morte.

- Parem de tripudiar, seus cabeças-ocas! O Doutor Destino não está nos fazendo um favor! Pelo que se vê, ele pode muito bem nos atacar em seguida! – responde outro.

O que Trotksy estava fazendo na Rússia após a sua morte? 


- Você tem razão, camarada K! Nunca tinha pensado nisso!

- Ah! É por isso que você nunca será um ditador!

Aquela era uma época em que os ditadores dos gibis faziam questão de dizer que eram ditadores.

Os Passa vida, de Osmar Júnior e Rambolde Campos

 


Uma verdadeira preciosidade para quem gosta de música amapaense é o livro Então, foi assim?, de Ruy Godinho. Na obra o autor conta o processo de criação de algumas das principais musicais tucujus, entre elas Os passa vida, de Osmar Júnior e Rambolde Campos, em minha opinião a mais poética de todas, um belo exemplo de como usar vários recursos poéticos, em especial a personificação, em uma música.  
Para começar, ao contrário do que muitos imaginam, a música não é sobre Belém, embora tenha ficado famosa na versão da banda Sayonara.
Segundo o livro, a composição surgiu num momento de depressão do poeta Osmar Júnior, após o fim de um relacionamento. O amigo Rambolde Campos foi visitá-lo e, vendo-o daquele jeito, convidou-o para darem uma volta de carro. Iam andando à toa e Osmar Júnior apontando para as mangueiras e comentando o quanto elas eram bonitas.
Daí os versos “Quando o sol chegou, acendendo o dia, foi pra me socorrer da noite que eu vinha”. Aliás, quando foi gravada em Belém por Alcyr Araújo este mudou a letra para “Quando o sol chegou, iluminando dia”, um versão bem menos força poética e simbólica.  
Uma outra mudança ocorreu no trecho: “É que nessa cidade, as mangueiras falam sempre em ti. No passo da chuva nos passa a vida, é sempre assim”, Na gravação paraense ficou É que nessa cidade, as mangueiras falam sempre em ti. Na chuva da tarde os passa a vida, é sempre assim” para deixar a música mais com a cara de Belém. A mudança, no entanto, fez com que a composição perdesse força, pois perdeu-se a aliteração (Nos passos... passa vida) e simbologia.
Uma das partes mais lindas da letra, no entanto, foi preservada integralmente: “Mandei a saudade te buscar pra perto de mim”.
Para que não conhece, a personificação é uma figura de linguagem na qual se atribui características humanas a objetos, coisas. É o uso dessa figura que faz Os passa vida ser tão bonita. É o sol que acende o dia e tira o poeta da depressão da noite, são as mangueiras da cidade que falam da amada, é a saudade que vai buscar a amada de volta para o poeta.
Abaixo a letra completa:

Quando o sol chegou acendendo o dia.
Foi pra me socorrer da noite que eu vinha.
É que nessa cidade tudo ficou entre nós dois.
Uma noite em claro, e o claro da noite vem depois.
o que aperta o peito é o tempo é o cheiro, O amor é assim.
Eu quis você pra mim.
Eu quis você pra mim.
É que nessa cidade as mangueiras falam sempre em ti.
No passo da chuva, nos passa a vida, é sempre assim
Eu te procurei, te achei em minha solidão.
Ai minha solidão!
Oh minha solidão!
Peguei pra cantar na beira do rio.
Meu coração, mandei a saudade te buscar pra perto de mim
Eu me debrucei por sobre o meu verso
E o violão, um beijo no tempo segurei e guardei pra você, aqui.

Guerras Secretas – Crises internas

 


A série Guerras Secretas foi criada a partir de uma pesquisa de marketing com garotos americanos que mostrou que as palavras que mais chamavam a atenção deles eram “guerras” e “secreto”. Jim Shooter, o editor-chefe da Marvel e roteirista, fez o roteiro todo baseado nessa ideia sem se preocupar muito com detalhes ou verossimilhança. O importante era ter coisas “secretas” acontecendo e “porrada” o tempo todo. No número 3 isso fica flagrante.

A história começa com Magneto libertando Vespa, que havia sido sequestrada por ele, e entrando em um intercurso romântico com ela. 

Magneto encontra tempo para namorar. 


Saca o diálogo dos dois:

- Sentiu minha falta? Que animador!

- Não se empolgue...

- Quem sabe isso faz você mudar de ideia!

- Ei! MMMM!

- Um pequeno interlúdio de paz em meio ao caos!

- Não... não

No quadro seguinte os dois já estão aos beijos. Pense numa garota fácil de conquistar.

Duas vilãs surgem do nada. Coisa de Jim Shooter. 


Enquanto isso, Doutor Destino transformava duas mulheres em duas novas vilãs, Vulcana, com poderes térmicos, e Titânia, uma mulher super-forte. A questão aí é que não existe explicação nenhuma para isso. De onde o vilão tirou essas mulheres? Parece que o roteirista simplesmente tirou as personagens da cartola. E, se destino pode dar tamanho poder a alguém, porque ele não concede esse poder a si mesmo? Nada fazia muito sentido. Na verdade, não fazia sentido nenhum.

Nesse meio tempo, Thor encontra tempo para paquerar Encantor. Pense num rolê aleatório.

Thor encontra tempo para namorar. 


A história termina com os vilões atacando de surpresa o QG dos heróis logo depois de uma tempestade – um ataque que já tinha sido previsto pelo sentinela da liberdade. E isso acontece porque o Hulk “esquece” de avisar o Capitão América, que a tempestade havia acabado. 

Roteiro de quadrinhos: como melhorar seu texto

 

Uma pergunta comum de novos roteiristas é: como melhorar meu texto?
A resposta vale para qualquer um que escreve, seja quadrinhos, cinema, TV, livros: lendo e escrevendo.
Não existe outra forma de melhorar que não seja produzido. Quanto mais produzir, melhor ficará seu texto. 
Isso é bem óbvio no caso de roteiristas de quadrinhos que trabalharam durante anos em um único título, começando em início de carreira.
Pegue, por exemplo, uma história de Chris Claremont na sua fase inicial dos X-men. Depois compare com uma história da fase em que os desenhos eram de John Byrne, época em que o texto de Claremont já estava desenvolvido. A diferença é gritante.
Outro exemplo é Gerry Conway, escritor que começou sua carreira no Homem-aranha e foi responsável por uma das fases mais antológicas do personagem, com histórias clássicas, como a morte de Gwen Stacy. No começo, o texto de Conway parece inseguro e claramente imita o de Stan Lee. Com o tempo o texto se torna solto e vemos, a cada edição, a melhora no roteiro.
Infelizmente no Brasil não temos um mercado consolidado de quadrinhos que permita ao roteirista evoluir escrevendo um título. Mas para isso vale a boa e velha editora Gaveta. Escrever para a editora Gaveta significa escrever para engavetar, sem nenhum objetivo imediato de publicação, escrever para treinar. Pode ser que um dia você vá lá na gaveta e reaproveite alguma daquelas ideias, mas o objetivo inicial é apenas esse – escrever.
O ideal de um bom escritor é ser como um bom motorista. Um bom motorista dirige automaticamente: ele muda a marcha, acelera, diminui marcha, freia, é tudo automático. Da mesma forma, um bom escritor. Depois de algum tempo e muito treino, o texto flui automaticamente e fica bom.
Revisando O UIVO DA GÓRGONA acabei me espantando com a quantidade de figuras de linguagem e de outros elementos narrativos que coloquei na trama. Foi tudo inconsciente. Não passei horas pensando: ah, vou colocar uma metáfora aqui, ah, vamos ter uma elipse aqui. Isso surge naturalmente. O ideal é que o escritor treine, treine, treine, até chegar a esse ponto.