quinta-feira, dezembro 09, 2010

Farrapo humano

Billy Wilder é considerado um cineasta eclético pela sua incrível capacidade de transitar em gêneros que vão da comédia ao drama. Farrapo humano (1945) é um ótimo exemplo dessa versatilidade. O filme conta a história de um escritor (Ray Milland) que se vê em crise de abstinência ao ser privado de beber durante um final de semana. Ele faz de tudo para conseguir a bebida, até mesmo roubar a bolsa de uma moça. 
Acompanhamos sua decadência até ao ponto em que ele começa a ter delírios e pensa em se matar.
Esse parece ser o filme de Wilder mais influenciado por Cidadão kane. É, por exemplo, o que mais usa profundidade de campo, aliás, com ótimos resultados. A cena em que o protagonista procura a última garrafa de bebida é mostrada de cima para baixo, e vemos a garrafa, que estava escondida no lustre, como se fosse um fantasma pairando sobre ele. 
Algo curioso sobre o estilo de Wilder é que ele parece ser um cineasta da tela grande. Seus filmes só começam a empolgar lá pelo meio, pois há um grande respeito pelo primeiro ato, que muitas vezes parece arrastado e até desinteressante. Em Quanto mais quente melhor, por exemplo, o humor só se instala a partir da cena do trem e é só quando o receptor é fisgado. O mesmo acontece com Farrapo humano, de começo pouco interessante, com uma longa caracterização do personagem, mas que fisga o leitor do meio para a frente, a ponto de não se conseguir parar de assistir. 
Isso só era possível porque naquela época os filmes eram assistidos exclusivamente no cinema e raramente alguém saia no meio da sessão. Nos tempos do video-cassete, que pode ser desligado a qualquer momento, foi necessário fisgar o expectador desde o primeiro momento, daí o sucesso de George Lucas e Spielberg. 
Por sua denúncia crua do alcoolismo, o filme botou medo na indústria de bebidas, que chegou a oferecer 5 milhões de dólares para que o estúdio não o lançasse. 
Uma curiosidade é que Farrapo Humano fez tanto sucesso que gerou uma versão nacional, chamada O ébrio (1946), com direção de Gilda de Abreu e Vicente Celestino no papel principal.

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