A imagem que se tem hoje do Natal é nitidamente influenciada
pelas histórias de Charles Dickens, em especial nos contos Os carrilhões e
Canção de Natal.
Canção de Natal foi adaptado para todas as mídias possíveis,
a exemplo do filme com Jim Carrey no papel principal. Era a história de um
homem avaro que, visitado por três fantasmas na noite de natal, um do passado,
outro do presente e um do futuro, acaba descobrindo que o sentido da vida não
se limita ao dinheiro. A história de terror é um hino sobre o verdadeiro
significado do natal.
A influência dessa história pode ser sentida até nos
quadrinhos Disney: o Tio Patinhas é uma versão do personagem. Seu nome em
inglês é McScrooge, uma referencia direta ao protagonista de Canção de Natal.
Em Os carrilhões um pobre homem de recados é fascinado pelos
sinos da igreja (os carrilhões do título) e sente como se eles o estimulassem a
continuar vivendo apesar da pobreza e das dificuldades que ele e a filha
enfrentam. No período de natal, ele deixa de acreditar nos sinos e se
desespera. Mas serão os sinos que irão lhe mostrar como seria a vida de todos
os outros caso ele morresse. Dickens, um cristão convicto, deixa sua mensagem:
até o mais humilde dos homens é importante nesse mundo.
O conto, embora não seja creditado, nitidamente serviu de
base para A felicidade não se compra, filme de Frank Capra que se tornou
símbolo do Natal. Durante anos era uma das atrações obrigatórias na televisão
na época das festas. Seu enredo: um homem afundado em dívidas pensa em se
matar, mas um anjo lhe mostra que a vida de toda uma cidade estaria muito pior
sem ele.
Só esses dois exemplos mostram o quanto a obra de Dickens
povoou o imaginário ocidental.
Antes de se tornar um
dos maiores escritores ingleses de todos os tempos, Dickens teve uma infância
pobre. Seu pai foi preso por dívidas e ele experimentou na pele todas as
dificuldades do período da revolução industrial na Inglaterra, uma época em que
poucas famílias faziam fortuna à custa da miséria de milhões de pessoas, que
viviam em condições sub-humanas, trabalhando
até 14 horas por dia em troca de um salário que mal dava para a
alimentação.
O rapaz conseguiu sair da miséria graças a sua verve
humorística. Depois de ser explorado num trabalho em que sua função era pregar
adesivos em latas de graxa, Dickens tentou estudar, mas a péssima condição
financeira de sua família o levou a abandonar a escola. Para tentar ganhar um
pouco mais de dinheiro, o futuro escritor aprendeu estenografia e passou a
trabalhar para o jornal True Sun anotando
as reuniões parlamentares e campanhas eleitorais. Era um trabalho difícil,
muitas vezes chato, e que o obrigava a viajar pelas cidades do interior e
muitas vezes ficar sem comer. Mas Dickens compensava isso anotando casos
pitorescos e divertidos.
Um dia ele tomou coragem e enviou uma crônica humorística
anônima ao Monthly Magazine. O texto não só foi publicado, como foi lido com
avidez e mostrou que o autor tinha talento. o sucesso fez com que ele
escrevesse uma série de outras crônicas para o jornal londrino mais popular da
época, o Morning Chronicle. Foi quando um famoso desenhista, , propôs realizar
uma série de desenhos humorísticos satirizando a política local. Os editores
lembraram de Dickens para escrever as legendas, mas este propôs que fosse feito
o oposto: que os desenhos ilustrassem seus textos.
O resultado foi as aventuras de Mister Pickwick, uma série
que despertou pouco interesse no início, mas virou febre quando Dickens
introduziu na história o criado de Picwick, Samuel Weller. O sucesso é total e
representa uma virada na carreira profissional de Dickens.
Mas os anos de pobreza permearam quase todo o seu trabalho
posterior. Oliver Twist, um dos seus primeiros sucessos, conta a história de um
pobre órfão explorado e maltratado por aquelas pessoas que deveriam cuidar de
sua proteção. Emblemática a cena em que ele, no asilo, é sorteado pelas
crianças para pedir um pouco mais de comida. O cozinheiro toma o pedido como um
desacato, uma insubordinação, pois significa que os cálculos das autoridades
sobre quanto cada criança deveria comer estava errado. A ironia de Dickens faz
do romance uma obra-prima universal.
Essa ironia, colocada a serviço da crítica social, vai
permear quase toda a sua obra. Em David Coperfield são mostrados os maus tratos
sofridos pelas crianças e o encarceramento por dívidas. O romance é considerado
por muitos como uma espécie de autobiografia romanceada.
Publicados em folhetins em jornais londrinos, os textos de
Dickens fizeram chorar e rir. Encantaram milhões de pessoas e moldaram o
imaginário popular, em especial sobre o natal. Sua importância pode ser
percebida não nos prêmios que recebeu ou nos livros que vendeu, mas numa
história singela. Dizem que ao receber a notícia de que o escritor havia
morrido, uma pobre menina, vendedora de flores na porta de um teatro indagou:
“Papai Noel também morreu?”.
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