A apropriação é uma das possibilidades de interação com o produto original. |
O interesse no estudo do processo de comunicação surge
justamente no período em que, na maior parte do mundo, os meios de comunicação
de massa afloraram. As análises passaram de uma visão autoritária, da mídia
como toda poderosa, às propostas de meios interativos. Hoje, a linha de
pesquisa em processos midiáticos abre a porta para possibilidade de ver todos
os meios como interativos, inclusive aqueles que são vistos como de sentido
único.
Durante muitos anos, a mídia foi vista como uma flecha, de
sentido único e autoritário, a exemplo do que pregava a teoria hipodérmica.
Essa visão de uma mídia toda poderosa influenciou muito a corrente
apocalíptica, que via as novas mídias, tais como o cinema e o rádio, como
estando a serviço do autoritarismo.
Uma tentativa de tirar das novas tecnologias esse caráter
autoritário surge com as propostas de interação. Assim, se existem veículos de
sentido único, existem também mídias que permite um feedeback ativo, a exemplo
do MSN, do chat e do e-mail.
Esse modelo dialogal
de interação será criticado por José Luiz Braga (2006). Para ele, todos os
processos midiáticos permitem interação.
Sua proposta de interação não se prende apenas à
possibilidade de resposta ao emissor por parte do receptor. Existe também a
possibilidade de interação receptor-produto
e receptor-sociedade ou sociedade-produto.
Esse modelo quebra totalmente com a ideia hipodérmica de
receptor passivo.
Uma das formas de interação pode ser configurada na
apropriação. Se existem pessoas que recebem os produtos da mídia de forma
passiva e a-crítica, existe aqueles que reconfiguram sua simbologia, numa
atitude que lembra a música Geração Coca-cola, do Legião Urbana (Vamos cuspir
de volta o lixo em cima de vocês). Utilizar um símbolo da mídia e reconfigurar
seu significado, como a Coca-cola, é uma forma de interação.
Mesmo quando não é uma crítica negativa, essa resignificação
pode ser uma forma de apropriação. Em um texto eu meu blog, eu faço uma relação
do seriado Terra de Gigantes com
paradigmas científicos, uma discussão que provavelmente não estava nos planos
dos criadores do mesmo. O fato de não sabermos se os protagonistas diminuíram
de tamanho e estão em um mundo de pessoas com estatura normal, ou se estão de
fato numa terra de gigantes abre espaço para discutir a teoria da relatividade,
a física quântica e o relativismo filosófico.
Formas mais elaboradas de interação podem ser encontradas
nos fanfics, em que fãs interagem com a obra original, mostrando outras
possibilidades de interpretação. O fanfic O portal das probabilidades, de minha
autoria, por exemplo, introduz a teoria do caos no universo da série alemã de ficção
científica Perry Rhodan.
Claro que essa possibilidade de interação com os MCM é tanto
maior quanto maior for a capacidade crítica dos indivíduos. Daí a importância,
levantada por Braga, da criação de um sistema crítico.
Quanto mais preparadas estiverem o indivíduo e a sociedade,
melhor a sua capacidade de interação e menores as chances de manipulação ou de
recepção ingênua (se está publicado, é porque é verdade). Setores organizados
da sociedade podem ter importância fundamental nesse processo.
Exemplo recente dessa possibilidade de interação crítica
aconteceu com a publicação de uma reportagem da Veja contrária à demarcação de
terras indígenas (A farra da antropologia oportunista). Um antropólogo citado
na matéria veio a público denunciar que a revista teria inventado uma
entrevista com ele. A revista argumentou que a citação fora tirada de um dos
livros do pesquisador. Este contra-argumentou que a citação fora deturpada
para servir aos interesses da publicação.
O SBPC lançou uma nota pública de repúdio à Veja e de apoio
ao antropólogo. No Twiter, surgiu a tag
#boicoteveja, que pretendia aglutinar casos semelhantes de manipulação. Blogs,
num processo de apropriação, fizeram capas fictícias da Veja, denunciando o
perfil manipulador das matérias da revista. Numa delas, por exemplo, aparecia
Darth Vader com o título “Ele salvou você”. Na mesma capa, sob uma imagem do
mestre Yoda, a legenda: “Descoberto o líder espiritual dos terroristas
rebeldes”.
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