sexta-feira, novembro 29, 2019

Hinduísmo: 330 milhões de Deuses em uma das mais antigas religiões do mundo



            O hinduísmo é uma religião com 900 milhões de fieis. É uma religião sem fundador, credo fixo ou uma organização oficial, como ocorre no catolicismo. Também é chamada de monoteísta, embora tenha 330 milhões de deuses.
            A palavra hinduísta significa simplesmente indiano. Isso nos ajuda a compreender um pouco dessa religião: trata-se de uma designação genérica para várias formas religiosas que surgiram na Índia e que foram, pouco a pouco, sendo agregadas em torno de um credo.
            Acredita-se que os primeiros a chegarem à região tenham sido os drávidas, por volta de 2.700 a.C. Eles construíram uma das primeiras civilizações do mundo antigo, maior que do Egito e da Mesopotâmia juntas. Era uma sociedade urbana, mercantil e agrícola, dirigida por sacerdotes. Arqueólogos encontraram figuras em barro representando uma deusa feminina, Kali e uma masculina de três faces, Shiva.
            Essa civilização entrou em declínio com o início das invasões arianas, entre 1.500 e 800 a.C.  Eles vinham da Ásia Central, eram altos e tinham pele clara, sendo antepassados dos gregos, celtas e latinos. Acabaram dominando os habitantes locais, de pele escura, criando a civilização védica.
            Seus integrantes tinham o costume de recitar hinos com histórias de deuses. Em torno de 1.200 a.C. essas histórias começaram a ser copiladas pelos brâmanes, que aproveitaram para unir essas crenças às já existentes na região. Desse caldeirão surgiram os Vedas, a mais antiga e mais extensa coleção de textos sagrados do mundo.

Castas
            Os Vedas estabeleciam a forma de organização da sociedade através do sistema de castas. O livro conta que os deuses criaram o mundo através do sacrifício do gigante Purusha (uma das formas do deus Brahma). Seu corpo foi desmembrado e dos pés surgiram os trabalhadores braçais, os shadras. Dos braços foram criados a nobreza e os guerreiros, os Kshatriya. Da boca, surgiram os brâmanes, santos e sábios, aos quais todas as outras castas devem obediência.
            O sistema de castas determinava a profissão da pessoa, o que podia comer e  e com quem podia se casar.
            A explicação para isso era puramente religiosa. Acreditava-se que quem nascia em uma classe alta é porque, em vida anterior havia feito boas ações e por isso ganhava uma nova encarnação afortunada como prêmio. Por outro lado, quem havia sido mal, podia nascer em uma classe menos favorecida, como animal ou, pior, como pária.
            Os párias são aqueles que não se encaixam em nenhuma casta. Chamados de dalits, são descendentes de pessoas que violaram o código de suas casta. São considerados impuros e não se pode tocar neles, sob o risco de tornar-se também impuro, razão de serem também chamados de intocáveis. Eles recolhem o lixo, enterram defuntos e entram em esgotos para limpá-los retirando os dejetos com as mãos. Não podiam comprar roupas e tinham que roubá-las dos cadáveres. Suas casas eram construídas de coisas retiradas do lixo.

A vaca

            Uma das características fundamentais da religião hindu é o respeito pela vaca. Esse animal é considerado mais puro que os brâmanes. Uma pessoa que toca uma vaca está ritualmente limpa. Até mesmo os excrementos e a urina dela são considerados sagrados e podem ser usados para purificação.
            Assim, os animais andam pelas ruas livremente, sem serem incomodados e recebendo alimento da população.
            A vaca é adorada em diversas festas religiosas. Nos Vedas há hinos à vaca, pois ela supre tudo que é necessário à vida, especialmente com leite, muito usado na culinária indiana.
            Uma das explicações para esse relacionamento com as vacas está no deus Krishna, que era um pastor e adorava esses animais. Como Krishna é um dos deuses mais famosos do panteão indiano, acredita-se que o amor dele pelas vacas influenciou toda a sociedade.

Brahman

            Embora a Índia tenha cerca de 330 milhões de deuses, o hinduísmo é considerado uma religião monoteísta por conta do conceito de Brahman.  Brahman seria o supremo, que se manifestou no mundo de diversas formas, gerando inúmeros deuses. Os principais formariam uma trindade, composta por Vishnu, Brahma  (não confundir com Brahman) e Shiva. Essas divindades, por sua vez, se manifestavam no mundo através de seus avatares.
            Brahman não é um ser pessoal, mas uma força, uma energia que está em tudo: pedras, animais, homens, plantas. Ele seria formado por Shiva, Brahma e Vishnu.                         
            Essa trindade foi uma forma de tentar unificar as várias religiões, que já existiam na região quando os Vedas foram escritos, e tem impacto apenas sobre as classes intelectualizadas, tendo pouca importância para o povão, que prefere adorar aos deuses menores.

Reencarnação

            Uma das bases da religião indiana é a crença na reencarnação: depois da morte, o espírito renasce em outro corpo. A reencarnação é regida pelo karma. O karma estabelece uma relação de causa e conseqüência: para todos os atos, tem-se conseqüências em outras vidas. Trata-se de uma lei natural: da mesma forma como o fogo provoca a fumaça, boas ações trazem um bom karma e ações maldosas trazem um karma ruim.
            Durante séculos, o karma foi visto como algo positivo e as pessoas se esforçavam para acumular um bom karma através de boas ações e sacrifícios aos deuses. Com o tempo, no entanto, o entendimento mudou e o karma passou a ser visto como um círculo vicioso e ilusório que deveria ser quebrado para se conseguir finalmente a salvação.

Três vias

            Segundo a religião hindu existem três vias para superar o karma, alcançando finalmente a graça.
            A primeira via é a do sacrifício. Oferecer flores, frutas e verduras aos deuses seria uma forma de superar o karma. Infelizmente, boa parte da população vê esses sacrifícios como uma forma de conseguir felicidade terrena, saúde e riqueza, o que acabaria trazendo-lhes mais karma.
            A segunda via é a do conhecimento. Segundo essa perspectiva, é a ignorância que prende o homem nas amarras da reencarnação. Assim, compreender a verdade da existência seria a melhor forma de quebrar esse círculo vicioso.
            O grande segredo é que a alma humana (atmã) e o mundo espiritual (Brahman) são uno. Assim, todas as almas individuais são reflexos de um único ser universal e têm uma centelha divina. O homem se liberta do ciclo de karma ao unir sua alma ao supremo como uma gota de água que se junta ao mar.
            A terceira via é a da devoção. Ela vai se tornar importante a partir dos ensinamentos de Krishna, um dos avatares de Vishnu. Krishna ensinou que a atitude mental é uma fonte karmica. Ao realizar uma boa ação, a pessoa quer uma recompensa por ela. Queira ou não, irá renascer para receber os resultados dessa ação. A solução para acabar com o ciclo era continuar fazendo as coisas normalmente, mas abdicar do fruto de todas as ações oferecendo-as a Deus. Essa atitude de renúncia criaria um estado mental e espiritual que permitiria ao devoto escapar do círculo vicioso das reencarnações.
            Essa filosofia, chamada de bhakti ioga e expressa no livro Bhagavad Gita permitiu uma associação mais pessoal com Deus estabelecendo uma relação de amor e devoção.
            Algo revolucionário na doutrina trazida por Krishna é que qualquer pessoa, independente de sexo ou casta, poderia devotar suas ações à divindade, alcançando assim a graça. Bastaria adotar a filosofia de renúncia aos frutos da ação.
            Na bhakti ioga o devoto oferece a Deus até o alimento que come, de forma simbólica. Nesse simbolismo, sua alimentação é feita das sobras do que foi ofertado à divindade.

Cultos
            Quase todas as aldeias indianas têm sua própria divindade, mas a grande maioria idolatra Vishnu através de seus avatares mais famosos, Krishna e Rama.
            Em cada casa há um cômodo especial para ser usado nos cultos, com estampas e esculturas representando um ou mais deuses. Normalmente o culto consiste na recitação de textos sagrados, na meditação e sacrifícios (normalmente de água, flores, frutas ou verduras). Antes do culto, a pessoa deve se purificar tomando banho.
            Nos rituais, tanto nos templos quanto caseiros, acontece a veneração aos deuses, tratados como convidados especiais. Os deuses são lavados, perfumados, ornados com flores, enfeitados com o cordão sagrado. Incensos são acesos para alegrá-los. Depois disso, normalmente são colocados diante deles alimentos, que depois são divididos pelas pessoas da casa (a prasadam). O ritual pode ter até 108 passos, mas a versão resumida inclui apenas cinco: unção, oferenda de flores, incenso, lâmpadas a óleo e alimentos.
            Durante os cultos é comum cantar mantras, as palavras sagradas. Os indianos acreditam que através do som é possível experimentar o poder divino, entrando em sintonia com a divindade. O mantra mais famoso é “aum”, emblema de Brahman.
            Outro mantra muito famoso é o hare krishna, usado na ioga da devoção:
Hare Krishna
Hare Krishna
Krishna Krishna
Hare Hare
Hare Rama
Hare Rama
Rama Rama
Hare Hare
            Também são usados nos rituais as mandalas, formas geométricas que auxiliam na meditação.

Os deuses indianos

            Conheça  alguns desses deuses mais populares:

            Brahma é o deus da criação. Conta a lenda que ele foi criado por Brahman, que depositou uma semente sobre as águas cósmicas. Dessa semente surgiu um ovo e de dentro dele surgiu o deus responsável pela criação do mundo e de suas criaturas. O ovo que o envolvia quebrou-se em dois, dando origem à esfera divina e à esfera terrestre. Depois de separar as metades, ele criou os homens, animais, plantas e todas as outras coisas do universo.
            Brahma é descrito como um homem de pele vermelha e dotado de quatro braços. Também possui quatro cabeças, cada uma voltada para um lado do universo. Ele geralmente é representado sentado sobre uma flor de lótus. Seus atributos são um rosário, que usa para manter a ordem no universo; um pote de água, utilizado para criar a vida; uma flor de lótus e os vedas.

            Shiva, suas primeiras representações datam de 4000 a.C. Na época védica foi admitido no panteão divido graças à sua imensa popularidade entre a população mais pobre. Na trindade, ele é o deus da destruição, rótulo negado por seus seguidores, que consideram isso uma imagem negativa.
            Shiva é antissocial e impulsivo, mas também é o deus da meditação. Ele normalmente é representado sentado na posição de meditação, vestido apenas com a pele de um tigre. Na mão traz um tridente com a qual destrói a ignorância humana e costuma cavalgar o touro Nandi, representando o domínio sobre a violência. Seus adeptos andam pelas estradas e florestas com os cabelos desgrenhados, cobertos por cinzas, parcamente vestidos e carregando consigo apenas uma vasilha de água. São pessoas que abdicaram totalmente à vida mundana, dedicando-se apenas à vida espiritual. As cinzas são para lembrar que o corpo humano é mortal e não vale a pena se dedicar aos desejos mundanos.
            Shiva, deus dos mendigos e miseráveis, é constantemente representado dançando em um círculo de fogo. Em uma das mãos ele segura um tambor, com o qual marca o ritmo do mundo e o compasso de sua dança. A dança representa as forças opostas de criação e destruição.

            A esposa de Shiva é Pavarti, representação da paciência e da bondade. Oposto do marido, ela o completa, formando um dos mais belos casais do panteão hindu. A harmonia entre os dois é tanta que os devotos costumam recorrer a ela para pedir felicidade conjugal.
            Pavarti nasceu para ser esposa de Shiva, mas o deus, após perder sua primeira mulher, entrou em profunda meditação. Para conquistá-lo, ela mergulhou numa meditação severa, ficando em pé sobre uma só perna em volta de quatro fogueiras. O calor liberado por tal estado era tão grande que os deuses, com medo, forçaram Shiva a se casar com Pavarti.
            Da união entre Shiva e Pavarti nasceu um dos mais populares deuses hindus por sua capacidade de remover obstáculos e atrair sorte para novos empreendimentos.
            Ganesha nasceu nas montanhas do Himalaia. Quando sua mãe ainda não sabia que estava grávida, seu pai, Shiva, foi para a floresta meditar. Ao retornar encontrou um menino na frente de casa, vigiando-a enquanto a mãe tomava banho. Shiva, com saudades da esposa, quis entrar imediatamente, mas foi barrado pelo menino. Sem saber que era seu filho, ele usou seu poder para matá-lo, separando a cabeça do corpo.
            Quando a Pavarti saiu do banho e viu o filho assim, entrou em desespero. Mas Ganesha não estava morto, pois, como deus, era imortal. Assim, o pai penalizado pela atitude impensada, saiu à procura de outra cabeça para o filho. A primeira criatura que encontrou foi um filhote de elefante. Por isso Ganesha é representado como um homem com cabeça de elefante. 
            Ganesha está diretamente ligado ao Mahabharata. Dizem que  o escritor do livro sagrado teve medo de não acabá-lo e pediu ajuda ao deus Ganesha. Esse concordou em ajudar colocando no papel as falas do velho. Mas o ancião não poderia parar de recitar os versos, sob pena do deus se entediar e parar de escrever. O sábio parece ter entendido mal, pois começou a recitar tão rápido que pegou Ganesha desprevenido. O deus foi obrigado a quebrar uma das presas para usá-la como pena. Por essa razão ele é representado com um dos dentes quebrados. É também por isso que ele é visto como deus da sabedoria e da literatura.

            O deus mais popular da Índia é Krishna, aquele que possui as seis opulências: beleza, força, conhecimento, fama, riqueza e renúncia. É um deus brincalhão, que adora passatempos. Krishna trabalhava como pastor e tinha muito amor pelas vacas, o que seria um dos motivos pelos quais esses animais são sagrados na Índia.
            Também existem muitas histórias de Krishna com as pastoras, chamadas de gopis, todas apaixonadas por ele. Mas sua gopi preferida é Rhada, que geralmente é retratada ao lado dele. A relação entre os dois é vista como uma relação espiritual e de devoção.

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