John Ford retratou os personagens como pessoas reais. |
Na década de 1990 a TV Cultura passava diversos
filmes clássicos sem intervalo. Se você pegava um filme pela metade, ficava sem
saber o título. Foi o que aconteceu comigo quando assisti a uma película em
preto e branco sobre uma família de retirantes na época da grande depressão
norte-americana. O impacto foi imenso. Embora o tema fosse social, o filme era
divertido, com uma narrativa fluída e um equilíbrio perfeito entre drama, humor
e humanismo.
Passei anos procurando informações, perguntando
para todos que conhecia... até descobrir que o filme que me prendera durante
toda a noite era Vinhas da Ira, de John
Ford.
Lançado em 1940, as vinhas da ira era baseado
no livro homônimo de John Steimbeck. Steimbeck fora enviado para fazer uma
série de matérias sobre os agricultores expulos de suas casas pelos bancos na
época da grande depressão e que sobreviviam em condições sub-humanas. Ficou tão
chocado com o que viu que resolveu escrever um livro de ficção baseado no que
vira.
O filme destacatou a dura vida dos oakis em busca de trabalho em plena depressão. |
Vinhas da Ira conta a história de uma família
expulsa de suas terras no Oklahoma que migra para a Califórnia em busca de
trabalho. A maior parte do filme se passa durante a viagem atravessando os EUA
em um caminhão repleto de pessoas, colchões, panelas penduradas. O realismo é
impressionante tanto no caminhão, que de fato, parece capaz de virar a qualquer
momento (um dos personagens comenta à certa altura que seria um milagre
chegarem na Califórnia com aquele veículo) quanto nas atuações. Os atores não
parecem astros de hollywood: parecem antes terem saído diretamente dos
acampamentos dos oakies, como eram chamados os retirantes.
Até mesmo o astro Henry Fonda parece alguém do
povo, um homem sofrido e endurecido pela vida, mas com um forte senso de
justiça. Jane Darwell, a mãe da família Joad também tem uma atuação marcante e
sua imagem representa as pessoas do povo que, apesar de tudo, conseguem manter
sua dignidade. Não por acaso, ela ganhou o oscar daquele ano como atriz
coadjuvante.
Jane Darwell ganhou o Oscar por sua atuação no filme como a matriarca que consegue manter a dignidade mesmo em meio às maiores provações. |
O filme em nenhum momento descamba para o
dramalhão, apesar do tema. Tudo é muito sutil e, talvez por isso, pareça algo
tão impactante. Em uma cena, por exemplo, o pai da família entra numa
lanchonete de posto de gasolina e pede dez centavos de pão para dar para a avó.
O dinheiro não paga um pão inteiro, mas mesmo assim a garçonete o vende e,
quando vê as crianças esfomeadas observando um doce, os vende dois por um
centavo, quando na verdade cada um custava cinco centavos. É um dos momentos
mais emocionantes da obra.
Mas momentos de ternura como esse são raros.
Por onde passam, os Joad são escorraçados, perseguidos, explorados. Grandes
fazendeiros se aproveitam da situação de miséria para oferecer salários de fome
de modo que toda a família trabalhando consegue ganhar apenas um dólar ao final
do dia – o suficiente apenas para que não morram de fome.
Tudo isso é mostrado com uma fotografia
impressionante. A iluminação hollywoodiana não funcionaria em uma obra tão
realista. A casa de um retirante muito iluminada simplesmente não pareceria
verossímil. Em uma das cenas, os atores são iluminados apenas por um fósforo e
conseguimos ver com perfeição os atores e suas expressões sofridas.
O filme não é tão depressivo quanto o livro e
seu final dá ao expectador uma ponta de otimismo. Mesmo assim entrou para a
história como uma das mais pulgentes críticas sociais já feitas.
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