quinta-feira, abril 15, 2021

São Tomás de Aquino e a vitória do ocidente

 


Lendo sobre São Tomás de Aquino, no livro Viagem na Irrealidade Cotidiana, de Umberto Eco é que percebo a importância imprevista desse pensador para a configuração do mundo em que vivemos hoje. Não fosse ele, talvez fôssemos hoje mulçulmanos e falássemos árabe.
Eco conta que o santo era zombado pelos companheiros por sua vagarozidade, chamado de boi mudo. Era tão gordo que precisava de duas cadeira para acomodar suas gigantescas nádegas. Certa vez os frades brincalhões gritaram que lá fora havia um asno voador. Tomás corre para a janela enquanto os outros se escangalham de rir. Na volta, o futuro santo faz com que se calem argumentando que achou mais verossímil um asno voar que um monge contar uma mentira.
Para surpresa de todos, algum tempo depois ele se torna professor adorado pelos alunos. E tem um objetivo em mente: resgatar a filosofia de Aristóteles. Até então o Ocidente se contetava com Platão e Agostinho os livros de Aristóteles eram proibidos. O grego é conhecido quase que exclusivamente pelos árabes, muito mais adiantados que europeus tanto na filosofia quanto na ciência. Exemplar é a criptografia: enquanto na Europa qualquer mensagem codificada era considera segura, no Islã os pensadores já conheciam os avançados métodos probabilísticos que considera a freqüência da aparição de cada letra em cada língua. Os árabes da Idade Média eram sábios e refinados, comparados com os europeus. 
Agostinho e Platão poderiam dar contar muito bem do mundo espiritual (ou mundo das idéias), mas pouco diziam sobre o mundo físico. Aristóteles, ao contrário, estudava lógica, psicologia, física, classificação de animais e os movimentos dos astros.
As idéias de Aristóteles traziam em seu bojo a razão, o estudo da natureza e a possibilidade de determinar os eventos.
No mundo árabe, Averróis já recuparava as idéias do filósofo grego. Para ele, Deus contruiu a natureza em sua ordem mecânica e em suas leis matemáticas, reguladas pela determinação férrea dos astros. O mundo tem uma ordem, orquestrada por Deus. Para o filósofo/cientista resta achar ordem em meio ao caos.
Antes de Tomás de Aquino, ao copiar um texto antigo o comentador ou copista, ao encontrar algo que não se encaixava com os ditames da religião católica, simplesmente apagavam as frase “errôneas” ou as retiravam para as margens para colocar em guarda o leitor. Tomás utiliza outro método. Primeiro alinha as opiniões divergentes, esclarece o sentido de cada uma, questiona tudo, até o dado da revelação, enumera as objeções possíveis e tenta a mediação final. Tudo feito às claras, sob a ótica da razão.
Com isso podia ser demonstrado que o verdadeiro sentido da filosofia aristotélica era católico apostólico romano. Tomás cristianizou Aristóteles.
Consegue seu intento com rapidez tremenda para a lenta Idade Média européia. Antes dele se afirmava que “O espírito de Cristo não reina onde reina o espírito de Aristóteles”. Em 1210 todos os seus livros estão proibidos. Em 1255 toda a obra de Aristóteles está liberada e Aristóteles é considerado um sábio que deve orientar a fé cristã.
A luta de Tomás permite que entre no espírito da Europa a razão, a pesquisa empírica e o determinismo. Quando alguns séculos depois Descartes vai formatar o pensamento cartesiano, isso só é possível graças à herança aristotélica, resgatada pelo santo católico.
Ao mesmo tempo em que a Europa entrava na modernindade, Descartes e depois Newton dão a base da metodologia científica, desenvolvem-se as grandes navegações, o Islã fecha-se para novidades, enclausurado em uma fé religiosa rígida, como era o catolicismo da Idade Média.
Como os povos árabes, tão sábios e cultos da Idade Média, foram ultrapassados pelos incultos e fanáticos europeus? A resposta pode estar em São Tomás de Aquino. Ele parece ter sido aquilo que os teóricos do caos chamam de efeito borboleta: pequenos eventos que podem provocar grandes alterações. Não fosse ele, talvez hoje estivéssemos falando árabe e rezando na direção de Meca. 

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