No início dos anos 1980 não existia caixa eletrônico e muito menos aplicativos de bancos. A única forma de pagar uma conta era passar horas numa fila. Foi numa situação dessas que consegui ler pela primeira vez uma revista Marvel. O primeiro contato tinha acontecido anos antes, que quando vi na vitrine de uma mercearia um exemplar de uma Heróis da TV com uma capa realmente impressionante com o Motoqueiro Fantasma. Mas a primeira vez que li uma revista, foi ali, na fila do banco.
Alguém
levara a superaventuras Marvel número 4 para ler e emprestara para alguém, que
emprestara para o seguinte da fila e assim em diante até que chegou em mim. Eu
só devolvi quando li a última página.
Passei
anos procurando essa revista. Nunca encontrei em sebos.
Enfim,
desisti e resolvi apelar para uma pessoa que produz fac símiles. Então, quase 40
anos depois, tive a oportunidade mágica de reler aquela revista, tentando
entender como e porque ela me marcou tanto.
A
capa era uma colagem, feita pelos artistas da Abril com um desenho em destaque
de Luke Cage e dois boxes com o Demolidor (num estilo que não lembrava nada
Frank Miller) e de Conan (num traço que lembrava remotamente John Buscema). O verdadeiro impacto estava no miolo. A
revista reunia quatro histórias, uma de Luke Cage, uma do Demolidor, uma do Dr
Estranho e, fechando, uma de Conan.
Luke Cage era um herói nada convencional.
Relendo,
é possível perceber o quanto a história do Herói de aluguel deve ter sido
marcante. Era algo totalmente diferente de qualquer coisa que eu já tivesse
lido de super-heróis. Nada de máscaras, identidade secreta, um herói que
parecia muito mais um anti-herói, que vendia seus serviços e, nessa história, alugava
um muquifo acima de um cinema como escritório.
Na
história, cortesia de Archie Goodwin no roteiro e George Tuska na arte, o
personagem enfrenta um tal de Cascavel, que teria sido o responsável pela morte
da namorada do herói. A HQ mostrava também a origem do personagem e a forma
como ele escolhera seu marcante uniforme, escolhendo entre os itens descartados
numa loja de fantasia.
Para
quem estava acostumado com os heróis certinhos, que tinham tudo nas mãos, como
os Superamigos, era algo totalmente diferenciado.
A cena página de Demolidor que me marcou.
Mas
o que vinha depois era muito mais revolucionário: o Demolidor de Frank Miller,
nessa época ainda com roteiro de Roger Mckenzie. Na história, o herói investiga
o roubo de um carregamento de adamantium.
A
diagramação de Miller era revolucionária, assim como a abordagem do Demolidor
(algo que eu não sabia na época) e a cena que mais me marcou já estava lá, na
segunda página. O herói está num bar, tentando tirar informações de um bandido,
quando outro meliante se aproxima dele pelas costas com uma faca. Sem se virar
ou mesmo tirar o olho do que está sendo interrogado, o Homem sem medo para o
agressor com um soco no rosto. Eu me lembro que pensei: caramba! Esse cara é
incrível! Não sabia naquela época que o personagem era incrível porque tinha um
gênio por trás de suas histórias. A ambientação urbana e factível era mais uma
quebra com os coloridos Superamigos, que pareciam incapazes de dar um soco num
vilão.
Em
seguida vinha a história do Dr. Estranho. Essa história era continuação de uma
trama anterior, inciada por Archie Goodwin e Barry Smith, toda baseada na
mitologia lovecraftiana. Nessa edição, o roteiro já estava a cargo de Gardner
Fox e a arte de Irv Wesley.
Doutor Estranho se tornou um dos meus personagens prediletos na Marvel.
Na HQ,
o mago se envolve com uma seita secreta que tenta trazer de volta um deus adormecido.
Hoje vejo que a trama tinha todos os elementos que tornariam Lovecraft famoso, numa nítida homenagem, entre eles uma
cidade isolada com habitantes que são resultado de uma mistura de raças. Mas na
época o que mais me marcou foi a sequência inicial: com o herói aprisonado por
grilões numa mesa de concreto, uma cruz invertida com uma cobra ao seu lado e
um demônio reptiliano se aproximando para matá-lo.
Eu
não tinha lido a história anterior, mas apenas aquele quadro já era o
suficiente para despertar minha atenção e tornar o Dr. Estranho um dos meus
personagens prediletos da Marvel de todos os tempos. Aquilo não era só
super-herói. Havia uma essência de terror ali, de mistérios assombrosos.
Imaginem isso para alguém que estava saindo da infância (eu devia ter uns 12
anos na época) e praticamente só conhecia os Superamigos.
Quarenta anos depois eu ainda consigo me lembrar do diálogo final dessa história de Conan.
Fechando
a revista, uma história de Conan com roteiro de Roy Thomas e arte de Barry
Smith na qual o cimério salva uma prostituta chamda Jenna das garras de um
demônio morcego. Aqui foi a sequencia final que me marcou profundamente, a
ponto de eu conseguir me lembrar do diálogo 40 anos depois. Os dois estão no
deserto e Jenna sugere que Conan durma e sonhe sonhos de ouro. Quando o cimério
acorda, ela fugiu com o ouro, ao que ele comenta: “Tenha sonhos de ouro, ela me
disse... e eu fiquei com os sonhos... e ela com o ouro!”.
Era
o fechamento perfeito de um mix perfeito que simplesmente fez pirar um garoto
de 12 anos e mudou totalmente a forma como eu via os quadrinhos.
Quarenta
anos depois essa edição ainda parece ter o mesmo encanto.
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