terça-feira, agosto 15, 2023

Quadrinhos: O texto invisível

 


Algo que tenho percebido é a incapacidade da maior parte dos leitores de quadrinhos de perceber as qualidades de um texto de quadrinhos. Eles sabem que o texto está lá, mas é como se ele ficasse apenas de maneira subliminar, não se tornando consciente a ponto de chamar a atenção do leitor – ao contrário do desenho, cujos méritos são evidentes para a maioria dos leitores.

Essa percepção ocorre principalmente quando faço críticas à qualidade do texto de Jack Kirby – e isso já aconteceu vezes o suficiente para me permitir identificar um padrão.

As críticas à qualidade do texto de Jack Kirby são geralmente respondidas com: “Mas o desenho dele é lindo”; “Mas a perspectiva dele era inovadora”; “Mas o traço dele era extremamente dinâmico”; “Mas as histórias eram geniais”. Ou seja: críticas ao texto são compreendidas como críticas ao enredo, à narrativa gráfica ou ao desenho.

Com muita dificuldade, às vezes consigo convencer alguém que estou falando das “letrinhas dentro dos balões”, o que geralmente leva a respostas do tipo: “Mas o Kirby não podia colocar mais texto nos balões, senão ficaria chato”. A crítica à qualidade do texto é entendida como uma crítica à quantidade de texto.

Ou seja: mesmo quando a pessoa consegue tomar consciência de que há texto de balões, essa consciência diz respeito muito mais à quantidade de texto do que à qualidade de texto.  

Uma possível comparação seria quanto à música, quando a voz de um interprete se torna marcante demais e os ouvintes não conseguem perceber conscientemente que há um acompanhamento musical.  Da mesma forma, para o leitor de quadrinhos médio, o desenho é tão marcante que torna o texto invisível. O texto está ali, a pessoa lê (da mesma forma que um ouvinte ouve o acompanhamento musical), mas não consegue tomar consciência da existência desse texto.

Para exemplificar que qualidade não tem relação nenhuma com quantidade, deixo uma história de Spirit, de Will Eisner. O texto da última página é mínimo, mas de uma poesia impressionante – aliás, essa é apontada por muitos como a melhor história de Spirit de todos os tempos.

Em tempo: para entender minhas críticas ao texto de Jack Kirby, uma boa dica é este texto sobre Etrigan.



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