terça-feira, outubro 15, 2024

O mundo hiper-real

 

A obra de Ron Muek reflete sobre a hiper-realidade

Olhe à sua volta. As propagandas que você vê, os filmes a que você assiste, a comida que você come. Tudo isso parece real, não? Mas não é. Nós deixamos de viver na realidade. Hoje vivemos em um mundo hiper-real.
A hiper-realidade é uma ficção, um simulacro, que é percebido como real. Baudrillard explica usando o exemplo de alguém que simula uma doença. Alguém que finge estar doente está apenas mentindo, mas quem simula chega ao ponto de sentir os sintomas, é como se a doença tivesse se fato se instalado na pessoa, embora ela seja apenas uma criação mental (exemplo disso é a chamada gravidez psicológica).
Na hiper-realidade, portanto, torna-se cada vez mais difícil distinguir a realidade da ficção, o natural do criado pelo homem. Um momento fundamental dessa mistura aconteceu durante os ataques terroristas de 11 de setembro. Aquilo parecia tanto com um filme que na França as transmissões eram acompanhadas do aviso: “Isto não é ficção”.
Essa confusão entre ficção e realidade tem um precedente famoso no Brasil: desde que as novelas estrearam entre nós se tornou comum que os telespectadores confundissem o ator com o personagem. Atores que interpretavam vilões muitas vezes eram insultados e até agredidos na rua.

Mas não é preciso ir muito longe ou mesmo ligar a TV. Abra a geladeira. É possível que você encontre lá cenouras. Podem parecer reais, mas não são. As cenouras reais são feias, murchas, pálidas. Aquelas cenouras bonitas, amarelas, grandes que você provavelmente tem em sua geladeira são uma ficção, uma invenção humana. São cenouras hiper-reais.
Aliás, aí vai mais uma característica da hiper-realidade: ela é muito mais fascinante que a realidade. Há uma anedota sobre isso. Uma mulher elogia a beleza de uma menina, ao que a mãe responde: “Se você acha ela bonita, precisava ver a foto dela!”.
Ainda na geladeira podemos ver isso nas embalagens de produtos congelados. As fotos das embalagens são lindas, irresistíveis, deliciosas. Você abre, é algo completamente diferente. O sanduíche vistoso da embalagem é uma coisa murcha e pequena. A lasanha saborosa, crocante, lustrosa da capa é uma massa gosmenta. As imagens hiper-reais da embalagem são muito mais interessantes que a comida em si.
No cinema então a diferença é gritante. Entramos na sala escura e vemos mundos extraterrestres extraordinários e acreditamos neles mais do que acreditamos no mundo lá fora. Até mesmo em filmes urbanos, como 50 tons, a fotografia hiper-real faz com que tudo seja fascinante, romântico, perfeito como o mundo real jamais será.
As também as pessoas se tornam hiper-reais. Um vídeo viralizou na internet ao mostrar todo o processo pelo qual passam as modelos de propagandas: da luz à maquiagem, passando pela manipulação digital, que as torna mais magras, esguias, tira manchas, espinhas, tornando-a perfeita segundo o um padrão de beleza estabelecido. E essa mulher hiper-real se torna o modelo a ser seguido, um modelo inalcançável.

Aliás, a mulher perfeita, hiper-real não está apenas nos anúncios. Ela existe em carne em osso. Ou melhor, em silicone. São as real dolls, novas bonecas sexuais produzidas ao gosto do freguês, que escolhe a cabeça, o tronco, os seios, as pernas até montar sua mulher ideal.
Os fabricantes perceberam, no entanto, que muitos homens não se excitavam com mulheres “reais”, mas com suas versões em anime ou mangá. Isso abriu um novo mercado: o de bonecas sexuais baseadas em personagens de animes. Ou seja: o simulacro do simulacro.
Na mão inversa desse fenômeno, surge um outro: mulheres que fazem de tudo para se parecerem com bonecas, como no caso da Barbie humana, que realizou diversas cirurgias para ficar o mais parecida possível com a famosa boneca. Em redes sociais como o Facebook é possível encontrar grupos de garotas que dão dicas de maquiagens, roupas e outras para quem pretende incorporar uma boneca.
Em tempos de internet, até a identidade se torna hiper-real, sendo definida pelo que as pessoas postam nas redes sociais. E geralmente essas publicações são escolhidas e pensadas pela imagem que irão passar. A maioria das pessoas escolhe as melhores fotos, os melhores momentos. No Facebook todo mundo é feliz e todos vivem em eternas férias. Essa situação foi aproveitada por uma designer holandesa que se fechou em sua casa durante um mês e, manipulando fotos, simulou uma viagem ao redor do mundo. Todos de seu círculo de amizade acreditaram.
Esse é o mundo em que vivemos: um mundo hiper-real em que modelo se sobrepõe ao original, em que imagens perdem seus referentes, em que é cada vez mais difícil distinguir ficção de realidade. 

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