domingo, julho 20, 2014

Fake art e a pet humana


No mundo de hoje, as separações entre as coisas vão cada vez mais se esvaziando. A arte se mistura com a vida, a diversão com a informação, a realidade com a informação. Assim, torna-se cada dia mais difícil distinguir o falso (fake) do real, até porque, o que é falso hoje pode ser nada mais do que a antecipação de um acontecimento futuro, em especial quando se trata do desenvolvimento da ciência. 

Sintoma desse estado das coisas são os diversos perfis fakes (estima-se que 27% dos perfis das redes sociais sejam fakes) e os hoaxes, notícias falsas que se espalham pela internet. 

Os artistas reagem a essa realidade gerando trabalhos questionadores, críticos, que colocam em cheque tanto a nossa noção de realidade quanto a forma como as mensagens têm sido transmitidas e retransmitidas, sem nenhum filtro crítico. Tais trabalhos questionam a credibilidade e a abundância de informações no ciberespaço, levantando questões morais e éticas.

Exemplo disso é a obra do escutor iuguslavo Darko Maver. Sua obra, conhecida em outros países a partir do final dos anos 1990, denunciava a tortura exercida pelo regime comunista, com corpos mutilados e fetos mal-formados. O regime havia destruído a maior parte de suas esculturas e sobrara apenas fotos delas, disponibilizadas através da rede. Sua obra era tão subversiva que Maver foi preso e condenado à morte por "antipatriotismo". Sua morte provocou uma forte reação no mundo artístico. Ele chegou a ser homenageado na 48ª Bienal de Veneza. 

Pouco depois do evento, veio a revelação: a história era falsa, criada pelos integrantes do grupo 0100101110101101.ORG - codinome de Eva e Franco Mattes. Todos os documentos e imagens haviam sido forjados. 

Outro exemplo: em 1999, o artista Alexei Shulgin criou um site falso que ofertava drives genitais capazes de proporcionar relações sexuais a distância. O site tinha abas para pedidos, perguntas mais frequentes e especificações técnicas. Segundo o artista e pesquisador Fábio Nunes (também conhecido como Fábio Fon), "É exatamente esse ato de assumir características de um equivalente não-artístico - sites de comércio eletrônico - que dá verossimilhança à proposta, tornando possível acreditar que tais dispositivos realmente estivessem à venda".

Outro exemplo é concurso falso de web arte criado pela ciberfeminista Cornelia Sollfrank em 1997. Todos os participantes eram perfis fakes com perfis e obras criadas pelo computador através de uma algorítimo. Embora dois terços dos inscritos fossem mulheres, os três primeiros ganhadores eram homens. A obra, denominada Female Extension, discute o machismo em concurso artísticos. 

Fábio Fon chama essas obras de fake art. Segundo ele, ao atuar no mundo do improvável e "tomar de assalto uma audiência crédula e questionar diretamente nosso poder individual de discernir entre o 'verdadeiro' e o 'falso', estas ações podem ser muito mais eficazes quando se trata de aproximar uma discussão crítica". 

O tema é tão relevante que já existe até mesmo um museu, na Alemanha, dedicado apenas à fake art. A maioria de seu acervo é de falsificações de quadros, mas há também o Diário de Hitler, realizado por Konrad Kujau.

Eu também me aventurei pelo campo da fake art. Com parte da disciplina Arte e Tecnologia do doutorado em Arte e Cultura Visual da Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás (FAV/UFG), eu e o artista José Loures criamos uma história falsa baseada no universo pós-humano criado por Edgar Franco. Franco, no álbum Biocyberdrama propõe um mundo em que três grupos: humanos resistentes, tecnogenéticos e extropianos. Os tecnogenéticos são fruto da hibridação entre humanos, animais e vegetais, permitidos pelo avanço da engenharia genética. Os extropianos são pessoas que transmitiram sua consciência para corpos robóticos, vivendo, assim, eternamente. Os resistentes são pessoas que resistem às mudanças extropianas e tecnogenéticas. Reproduzem-se sexualmente e imitam o modo de vida dos antepassados. Leia mais

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