Filho de imigrantes
que haviam saído da Europa fugindo da perseguição aos judeus, Stanley Milgran
se perguntava como havia sido possível o holocausto. Como milhares de pessoas
normais, pais de família, pessoas do bem, haviam se tornado carrascos nazistas
nos campos de concentração, matado e torturado pessoas que mal conheciam. Um fato
ainda mais perturbador: nos julgamentos que se seguiram, muitos desses criminosos
de guerra alegaram que estavam apenas cumprido ordens superiores.
Para verificar como a
obediência à autoridade poderia levar pessoas normais a atos extremos, Milgran
bolou uma experiência. Um voluntário era levado a acreditar que estava
participando de um experimento a respeito da influência da punição na
aprendizagem. A cada resposta errada, o professor deveria acionar uma chave que
aplicava um choque em um “aluno”, em outra sala. Os choque aumentavam gradativamente
de potência. Na outra sala havia na verdade um ator, que gritava, alegava que
tinha problemas cardíacos e pedia para parar o experimento. 65% das pessoas
foram até o choque mais potente, que poderia até matar o “aluno”. Isso porque
uma autoridade, o pesquisador lhe dizia que deveria continuar apicando choque.
A experiência abalou a
psicologia social – até então a maioria dos psicólogos acreditava que pouquíssimas
pessoas iriam até o final.
A vida de Milgran é
mostrada no filme O experimento de Milgran, de Michael Almereyda, lançado pela
Netflix, com Peter Sarsgaard e Winona Ryder no elenco.
Não é um filme convencional,
que permita uma fácil identificação com o protagonista, em especial graças à
quebra da quarta parede – em diversos momentos Milgran se vira para a câmera e
conversa com o telespectador. Isso pode provocar alguma rejeição de receptores
mais acostumados a filmes convencionais, mas certamente serve aos propósitos do
filme. O objetivo aqui parece ser não mergulhar o expectador numa história, mas
principalmente força-lo a refletir sobre determinadas situações. Nesse sentido,
é quase uma experiência social, fato reforçado por algumas situações estranhas,
como um elefante que anda atrás de Milgran em determinados momentos ou o filho
do psicólogo, que sempre aparece pintado de verde.
Embora sua experiência
com autoridade o tenha tornado famoso, Milgran é também autor da teoria dos
seis laços, segundo a qual há no máximo seis graus de separação entre qualquer
pessoa do mundo. Ou seja: eu conheço alguém que conhece alguém que conhece alguém
que conhece aquela pessoa. É a base filosófica das redes sociais, como o
Facebook.
Milgran também criou
experiências que se tornaram famosas como pegadinhas, como a da pessoa que no
meio da rua começa a olhar para cima até que várias outras pessoas também
começam a olhar para cima até que uma multidão se junta para ver nada... numa
perfeita demonstração da chamada conformidade social.
O filme passeia por
essas experiências e pela vida de Milgran focando inclusive na versão
televisiva de sua experiência, o filme The Tenth Level, de1975, estrelado por
William Shatner (sim, o mesmo ator que ficou famoso no papelo do Capitão
Kirk!!!).
Em tempos em que
pessoas acreditam cegamente em boatos anônimos em redes sociais e parecem cada vez
mais inclinadas a seguirem líderes autoritários, é um filme necessário, que nos
alerta sobre o lado terrível da natureza humana.
Sem comentários:
Enviar um comentário