De 1968 a 1985, um artista reinou absoluto nos cartazes de filmes
nacionais. Suas mulheres elegantes e extremamente sensuais povoaram a
imaginação de milhões de brasileiros. Eram tão bons que muitos se sentiam
logrados por não encontrarem nas películas mulheres tão lindas quanto as dos cartazes. Ao mesmo tempo, nas bancas de
revistas, centenas de livrinhos de bolso
traziam sua marca. É a história desse
artista que Gonçalo Júnior conta em “E Benício criou a mulher...” (Opera
Graphica, 2012, 416 páginas), obra ganhadora do prêmio HQ Mix na categoria
melhor livro sobre quadrinhos.
Gonçalo Júnior é um dos mais importantes biógrafos brasileiros e tem
se especializado na história editorial brasileira. Seu livro A guerra dos gibis
é um clássico ao mostrar como impérios de comunicação, como as organizações
Globo, surgiram a partir do lucro gerado pela venda de gibis. Outras obras que
seguem essa linha são Maria Erótica e o clamor do sexo e Alceu Pena e as garotas
do Brasil.
Benício começou sua carreira como ilustrador publicitário na década
de 1950, em Porto Alegre. Em 1953 foi
para o Rio de Janeiro tentar realizar o
sonho de se tornar pianista. Ele iniciou
na editora RGE, de Roberto Marinho, como aprendiz de desenhista. Sua função era
adequar as histórias em quadrinhos estrangeiras (a maioria tiras) ao formato
gibi da editora. Durante três anos cuidou da adaptação de diversos personagens,
entre eles o mais difícil de todos (segundo o próprio Benício): Príncipe
Valente, de Hall Foster.
Mas o sonho do artista não era os quadrinhos (ele desenhou uma única
história em toda sua vida, “Foi o destino”, escrita por Edmundo Rodrigues e
publicada na revista Cinderla), e sim as ilustrações. Seu alvo eram as revistas
femininas, como Cinderela e Querida. Assim, ele passou a produzir desenhos com
cenas de amor e espalhar por sua prancheta. As mulheres eram sempre lindas, com
olhos grandes, vivos e lábios generosos. Logo ele estava produzindo capas e
ilustrações internas para as revistas femininas da RGE.
Em 1965 ele voltou para capital gaúcha, mas continuou aparecendo
mensalmente nas bancas de revistas graças às capas feitas para os livros de
bolso da editora Monterrey. Suas capas eram tão espetaculares que há quem
colecione os pockets apenas por causa das ilustrações.
Entre os trabalhos para a Monterrey, o que mais se destacou foi a
espiã Brigitte.
Brigitte era filha de Giselle, a espiã nua que abalou Paris, folhetim
do jornalista David Nasser que havia salvado o jornal Diário da Noite, elevando
suas vendas na década de 1940 e foi republicada pela Monterrey na forma de livros
de bolso. O sucesso foi tanto que, quando a
série terminou de ser publicada, o dono da editora teve a ideia de
continuá-la através de uma outra personagem: a filha de Giselle.
Brigitte era uma estonteante morena de cabelos negros levemente
cacheados, olhos azuis, pele dourada como pêssego e corpo escultural. Seu
codinome era “Baby” e era a agente secreta mais perigosa do mundo. Sabia usar
todos os tipos de armamentos e nunca se afastava de uma pequena
pistola com cabo de madrepérola, que prendia com uma liga na coxa esquerda.
Sempre que ia usá-la, fazia surgir as roliças coxas por entre o vestido, o que a fez ser
conhecida também como “a espião de pernas provocantes”.
Benício já era famoso pelas capas de Brigitte quando começou a
produzir cartazes para cinema. A primeira encomenda veio do ator, diretor e
produtor Adolfo Chadler, que em 1968 lhe pediu uma ilustração para o filme “Os
carrascos estão entre nós” sobre a caça de nazistas que haviam se refugiado na
América Latina após a II Guerra. O filme não fez grande sucesso e é mais
lembrado exatamente por ter sido o primeiro a contar com a capa de Benício.
No cartaz o personagem principal apontava uma arma e agarrava uma
loira linda, com olhos assustados. A imagem tinha tudo que faria de Benício o
mais bem pago ilustrador brasileiro: o erotismo, a sofisticação, a composição
muito primorosa e o hiper-realismo.
O trabalho chamou a atenção de Osvaldo Massaini, um dos maiores
produtores cinematográficos brasileiros, que o contratou para realizar a capa
de diversos outros filmes, entre eles Independência ou morte e A madona de
Cedro.
Nesse ponto, o livro chega a um dos seus assuntos mais interessantes:
o trabalho de Benício para a Boca do Lixo, reduto de produção cinematográfica
localizado no centro de São Paulo. Nesse local circulavam diretores, atores,
atrizes, cafetões , prostitutas e aspirantes a atrizes buscando uma chance. O
termo criado para batizar a produção dessa época, pornochanchada, talvez dê uma
imagem irreal do qu era produzido. Na maioria os filmes insinuavam muito e
mostravam pouco, puxando muito mais para o humor do que para o erótico. Nesse
sentido, os cartazes e os títulos com grande apelo sexual ajudavam a aumentar a
bilheteria. Entre os títulos: A virgem, Cada um dá o que tem, O grande gozador,
Deixa amorzinho... deixa, A noite das imorais.
A obra de Gonçalo ajuda a preencher a lacuna bibliográfica sobre a boca
do lixo, mas esse importante momento do cinema popular brasileiro por si só dava
um livro com foco nos bastidores das produções. Como o foco é a obra de
Benício, Gonçalo se atém mais ao trabalho com os cartazes.
O livro é repleto de ilustrações de Benício, que, só por isso já
valiam a compra, em especial as coloridas. A capa, por exemplo, abre em uma
orelha dupla com três imagens femininas belíssimas.
De negativo apenas a falta de uma melhor revisão (há trechos
praticamente repetidos dentro de um mesmo capítulo). Mas, de resto, é uma obra
obrigatória para colecionadores.
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