quinta-feira, fevereiro 06, 2020

Edrel: a gênese do mangá no Brasil

       Uma das mais interessantes e revolucionárias editoras de quadrinhos do final dos anos 1960 foi a Edrel.

            A editora surgiu de outra, a Pan Juvenil, que devia muito a agiotas. Os sócios Salvador Bentivegna e Jinki Yamamoto convidaram Minami Keizi, que havia produzido um álbum de quadrinhos e literatura que tinha forte influência do mangá (quadrinhos japoneses) para ser sócio na empresa nova chamada Editora Edrel.
            Um artista do interior de São Paulo, Cláudio Seto, foi chamado para cuidar da revista Humor Negro. Minami Keizi fazia sucesso com seu personagem Tupãzinho, com roteiro dele e desenhos Fabiano Dias. O personagem era tão popular que o autor chegou a receber convite para publicar pela editora Abril, mas não quis. Preferiu engordar sua editora investindo no filão infantil. Seto criou o personagem Flavo para a revista Ídolo Juvenil. Era um misto de ficção com conto de fadas, criado na esteira do sucesso das revistas Contos de Fadas e Varinha Mágica, que a editora Outubro havia lançado anos antes. Mas tanto Humor Negro quanto Ídolo Juvenil haviam chegado nas mãos de Seto na fase de decadência. Seto reclamou e Minami sugeriu que ele apresentasse projetos de outras revistas.
            O desenhista lembrou-se dos mangás que lia e propôs uma revista de Ninja e outra de Samurai. O dono da editora gostou e marcou o lançamento para dali a 30 dias. 
Minami gostou do Ninja assim que pôs os olhos no trabalho. Era o tipo de HQ infantil que ele queria. O mesmo não pode ser dito de O Samurai, cujos desenhos não lhe pareceram tão bons e tinha como tema o incesto, um tema indigesto para uma época de censura e ditadura militar.
            Eram legítimos mangás brasileiros, lançados três décadas antes dos mangás se tornarem febre entre os jovens ocidentais.
            Para surpresa do dono da editora, a revista que acabou agradando foi justamente Samurai, destinada ao público adulto. Ninja durou apenas quatro número e foi cancelada por baixas vendas.
            A Edrel tinha como principais artistas descendentes de japoneses, e foi nela que muitos deles introduziram a linguagem de mangá na HQB. Além de Cláudio Seto, havia Paulo Fukue, Fernando Ikoma e Wilson Hisamoto.
            Seto transformou-se um faz tudo da editora. Além de desenhar e escrever histórias em quadrinhos, selecionava elenco e dirigia a produção de fotonovelas eróticas da cidade Guaiçara, no interior paulista, em plena época de ditadura. A produção de seu estúdio chegava a 150 páginas por mês.
            Foi na Edrel que surgiu Maria Erótica, genial criação de Cláudio Seto. Suas aventuras misturavam aventura, erotismo, humor e mistério e foram publicadas entre 1970 e 1972, em diversas revistas da Edrel.
            A personagem surgiu como coadjuvante da série Zero-Zero Pinga, uma sátira de James Bond. Era uma repórter do jornal Time is Money, de uma Guaiçara megalópole. Fazia parceria com Beto Sonhador, um detetive particular atrapalhado e mulherengo. "A loura Maria é peituda, de pernas compridas e quadris largos, e desnuda-se com freqüência", define Franco de Rosa, no livro As taradinhas dos quadrinhos. 
A personagem não agradou às associações das mulheres católicas, que denunciaram a personagem.
            A polícia invadiu a editora, mas, como não encontraram Seto, que morava no interior do estado, levaram os originais das histórias, colocando-os numa cela.
            A editora, que marcou época por lançar os primeiros gibis de mangás do Brasil acabou fechando suas portas no início dos anos 1970.
            Seto, que morreu em 2008, é considerado o pai do mangá brasileiro. Recentemente seu Samurai foi homenageado no prêmio HQ Mix (o troféu apresentava um busto do personagem)

Sem comentários: