Na terça-feira, dia 3, o
transformador que leva energia para a maior parte do estado do Amapá pegou fogo. O segundo
transformador estava em manutenção. O sistema tinha um transformador de
emergência, mas a empresa espanhola Isolux responsável pela subestação havia
deixado esse transformador estragar. Dos três transformadores que a empresa recebeu da Eletronorte, só um estava em funcionamento, quando esse pegou fogo, todo o sistema caiu.
Como resultado, o estado praticamente inteiro
(13 municípios) foi dominado por um apagão.
A maioria das pessoas não tem noção do que
significa a falta de energia. Parece um mero contratempo. Mas, além do calor
infernal no auge do verão amazônico, a falta de energia gera consequências
muito mais graves, um verdadeiro caos:
- Sem energia, a cia de água não tinha como
manter o fornecimento de água para as casas.
- Hospitais ficaram sem água e sem energia.
UTIS ficaram sem água ou energia.
- Estoques de sangue e leite materno se
perderam.
- Comércios e casas perderam toneladas de
alimentos, provocando uma crise de desabastecimento.
- Os poucos comércios que continuaram
funcionando porque tinham gerador na maioria das vezes só aceitavam dinheiro.
- Os bancos, devido à falta de energia, não
estavam funcionando. Quem tinha dinheiro no banco não podia sacar para comprar
alimentos. Resultado: filas enormes nos poucos locais que tinham caixa
eletrônico 24 horas funcionando.
- Além disso, poucos postos de gasolina tinham
geradores, o que provocou uma filas imensas nesses poucos postos.
- Tornou-se praticamente impossível conseguir
carne, pão, queijos e outros produtos alimentícios.
- Muitos acidentes. O trânsito virou um caos.
Eu mesmo vi um carro atropelando uma moto logo na minha frente.
- Fila para tudo, inclusive para comprar água
mineral, que acabou em toda a cidade de Macapá já no primeiro dia do apagão.
Aqui um relato pessoal de quem viveu e ainda
está vivendo o caos no Amapá:
Na quarta-feira já era possível perceber uma
movimentação, principalmente para compra de água mineral e as filas nos postos
de gasolina. Nós usamos água de filtro de barro, mas comprei um galão de água
mineral e meu filho comprou outro. Mas ninguém achava que apagão fosse durar
muito tempo, até porque não se tinha informação – o único veículo que continuou
funcionando foi a rádio CBN, mas a maioria das pessoas, como eu, só descobriu
isso depois.
Na quinta-feira ficou claro que a energia não
iria voltar tão cedo e o local que nos fornecia água mineral simplesmente não
tinha mais o produto. Levantei cedo e percorri os locais próximos em busca de
água, gás, e, se possível, gelo. O que mais via eram placas: “Não temos água”
“Não temos gelo”.
Passei por um único local que aparentemente
tinha os dois, mas uma fila monstruosa tinha se formado, as pessoas uma do lado
da outra, a maioria sem máscara (isso no auge da segunda onda de covid no Amapá).
Aliás, Macapá tinha se transformado na cidade
das filas: era fila para tudo.
O que mais preocupava era a falta de água. Sem
água ninguém consegue sobreviver. Não é só água para beber, mas para fazer
comida, tomar banho e até para jogar no vaso sanitário.
Nessa ronda não consegui água, gelo ou mesmo
gás (a maioria dos locais que vendia gás estava fechada).
Nessa ronda, vi situações bizarras, como um
carro repleto de garrafões vazios de água mineral, até no colo do motorista.
Nitidamente o dono estava tentando comprar água, não sei se para uso próprio ou
para revender. Provavelmente ele não conseguiu.
Pior era a preocupação de ficar rodando de
carro e gastando gasolina.
Posteriormente meu filho saiu e conseguiu
comprar gás, mas nada de gelo, muito menos água mineral. Ele trouxe um garrafão
de água de torneira. Uma mulher que aparentemente tinha água em casa estava
vendendo água de torneira!
No final da manhã a água voltou. Apenas um
filete, mas o suficiente para ser coletado em baldes e colocados em baldes
maiores, com tampa, que já temos – e até uma piscina infantil que temos e montei com o objetivo de armazenar a água. Nossa sorte é que, como é comum faltar água da
Caesa, tínhamos um balde grande grande e dois baldes médios com tampa.
A situação pior era de quem não é abastecido
pela CAESA e depende de poços artesianos – a maioria da população do Amapá. Sem
energia não é possível ligar a bomba para puxar água do poço artesiano. Então,
sem energia, sem água. Essas pessoas não tinham nem o filete de água com o qual
enchemos as vasilhas. Algumas pessoas
que tinham geradores movidos a óleo diesel alugavam os mesmos para encher caixa
d´água. A média era 100 reais para encher um caixa d´água.
Quando faltou a energia colocamos tudo que era
mais perecível, como iogurtes, requeijão e queijo no congelador. Como minha
filha e minha esposa têm intolerância à lactose e só um local aqui vende isso,
sempre que vou lá compro bastante queijo, então tinha muito na geladeira, e foi
o que mais se perdeu. Os perecíveis no congelador duraram até a sexta-feira de manhã,
quando tivemos que jogar boa parte fora.
Uma estratégia que usamos para economizar na água
foi abolir o uso de pratos e talheres. Compramos ambos descartáveis e jogávamos
no lixo.
Algo que incomodou muitos amapaenses não foi um
problema muito grande para nós. Como minha casa é muito ventilada e tudo é
gradeado, foi possível dormir com as janelas abertas. Minha esposa e minha
filha, que são mais calorentas, dormiram em redes.
Na sexta-feira, dia 6, a energia voltou em
alguns pontos, inclusive em minha casa (durou aproximadamente dez horas),
depois parou e agora está num sistema de rodízio, com seis horas com energia e
seis horas sem energia, inclusive à noite. Ou tem energia de seis horas da
tarde até meia-noite, ou de meia-noite até seis da manhã. Como resultado, a
venda de velas explodiu e já é quase impossível encontrar o produto na cidade. Até
mesmo os lampiões a querosene desapareceram das lojas que os vendem.
No final, o prejuízo com a perda de comida será
enorme. Sem falar dos acidentes, do aumento de casos de covid (já que as filas
para tudo geravam aglomerações) e do sofrimento, especialmente do povo mais
pobre, sem água ou comida.
Tudo porque uma empresa espanhola Isolux
deixou apenas um transformador em funcionamento – e da
ANEEL, que deveria fiscalizar a empresa, mas não fiscalizou. A situação é tão grave que a Isolux tinha repassado a concessão da subestação para outra empresa e a ANEEL, que deveria fiscalizar, sequer sabia disso - o caso só veio a tona por causa do incêndio.
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