sábado, janeiro 22, 2022

Jack, o estripador

  



            Na segunda metade do século XIX, o bairro de Witechapel era um dos locais mais miseráveis de Londres.

            O príncipe de Gales, certa vez explorara a área acompanhado de amigos. De alameda em alameda, entrou em um quarto sem mobília, onde achou uma mulher deitada sobre farrapos com três crianças nuas, que de tanto frio e fome, não pronunciavam uma única palavra. Quatro dias depois, o príncipe fez um pronunciamento na Câmera dos Pares insistindo para que o governo fizesse algo para melhorar as condições de vida da população. Mas a rígida moralidade vitoriana não permitia uma ajuda real aos necessitados. O reverendo Samuel Barnett, vigário da Igreja de Cristo, argumentava que a caridade indiscriminada era uma das pragas de Londres. Para ele, os pobres passavam fome por causa das esmolas que recebiam.

            E assim, o local deteriorava-se cada vez mais. As pessoas dormiam nas escadas e até nas latas de lixo para fugir do frio. Estima-se que mais das metades das crianças nascidas na área pobre de Londres morria antes de atingir cinco anos de idade.

            A promiscuidade era grande e relatos da época falavam de meninos e meninas de 12 anos fazendo sexo em becos.

            Nesse ambiente de miséria absoluta, a prostituição era um das poucas formas de ganhar a vida. A nobreza, no entanto, preferia ignorar isso e acreditar que as jovens se tornavam prostitutas porque se deixavam atrair por abastados sedutores.

            Foi nessa região miserável de Londres que Jack, o estripador, faria suas vítimas.

            A primeira delas foi Mary Ann Nichols, conhecida como Polly.

            Na noite de 31 de agosto de 1888, ela chegou à pousada Thrawl Street, n. 18, mas o gerente não a deixou entrar, pois ela não tinha os quatro pence para pagar a dormida:

            Ela era baixa, com pouco mais de um metro e meio de altura, cabelos castanhos compridos, quase grisalhos.        Por anos, Polly fora casada com William Nicholls, operador de impressora, com quem tivera cinco filhos. A solidão, porém fizera com que ela começasse a beber e o casamento se rompeu em 1881, com o marido acusando-a de abandonar o lar.      

            Sem pensão, Polly deixou os filhos com seus pais e foi trabalhar como empregada doméstica. Um dia ela roubou três libras dos patrões e desapareceu nas ruas de Londres.

            Pouco depois de ser recusada na pensão, Polly encontrou com outra prostituta, Emily Holland. Polly estava mais bêbada que nunca e, apoiando-se em uma parede, comentou que três vezes naquele dia tivera dinheiro para o pernoite, mas gastara tudo em bebida.

            Foi a última vez em que foi vista.    

            Na madrugada daquela noite, o porteiro George Cross ia para o trabalho quando encontrou o que parecia um encerado jogado no meio da rua. Quando se aproximou, descobriu que era, na verdade, uma mulher.

            Nisso viu aproximar-se um colega de trabalho e chamou-o:

            - Ei, companheiro, venha ajudar aqui. Esta mulher está desmaiada ou bêbada.

            Ao aproximar-se, o homem percebeu que a suposta bêbada estava na verdade morta e os dois desapareceram do local.

            Instantes depois, o guarda John Neil encontrou o corpo de Polly. Ela tinha sinais de estrangulamento, lesões na garganta, abdômen e face.

            Em 8 de setembro daquele ano foi a vez de Annie Chapman.

            Dias antes, Annie brigara com outra prostituta, Liza Copper, por causa de um pedaço de sabão. Liza insultou-a e Annie deu-lhe uma tapa no rosto.

             

            Liza não se amedrontou e bateu em Annie até deixá-la no chão.

            Quando a amiga Amélia Farmer a encontrou no dia seguinte, ela estava com um hematoma no olho e o peito muito machucado. Ela sentia convulsões e dor. O único alimento que ela ingerira naquele dia fora uma xícara de chá.            

            Na noite do assassinato, ela tentara entrar em uma pensão, mas fora barrada por falta de dinheiro.

            No dia seguinte John Davis, idoso morador da hospedaria Hambury Street, levantou-se da cama pouco antes da seis horas e abriu a porta. Deu de cara com o corpo de uma mulher. Ele saiu correndo, chamando alguns trabalhadores que passavam por ali, mas ninguém teve coragem de entrar.

            Um policial ouviu a balbúrdia e, aproximando-se, encontrou a mulher deitada de costas no chão. As mãos estavam esticadas à frente e as palmas estavam abertas para cima. O casaco e a saia estendiam-se por sobre as meias compridas e ensangüentadas.

            O assassino estava aperfeiçoando seu modus operandi e deixando mais clara sua assinatura: a mulher fora eviscerada e seu útero retirado. Ao lado do corpo, vários objetos pessoais foram arrumados como que num ritual. Os anéis da vítima haviam sido arrancados dos dedos e colocados aos pés da vítima, juntamente com algumas moedas.

            A paranóia tomou conta da região e muitos voltaram suas atenções para os judeus. Esse sentimento anti-semita foi aumentado pela prisão de John Pizzer, um judeu polonês de trinta e três anos, que trabalhava em Whitechapel como sapateiro. As provas alegadas por William Thicke, o policial que o prendeu, foram cinco facas afiadas, de cabos longos, objetos absolutamente comuns na casa de um sapateiro.

            Pizer, no entanto, tinha um álibi: estivera em casa, em sua cama, dormindo, durante os assassinatos.

            Mas a prisão teve reflexos terríveis sobre a população judia do bairro. Havia um sentimento geral de que apenas estrangeiros ou pessoas estranhas poderiam cometer tais crimes.  Vários judeus foram agredidos nas ruas.

            Um volante distribuído nas ruas anunciava:

            "Eles agora pegaram o Avental de Couro,

            Que é o culpado, todos concordam;

            Ele vai ter que enfrentar o destino de todo assassino,

            Terá que ser enforcado numa árvore"

            Ao ficar provada a inocência do sapateiro, a população voltou seus olhos para outro judeu de nome Jacobs, que trabalhava no matadouro de Adgate High Street. Depois de interrogado pela polícia, foi apontado como o assassino. Na rua, foi apedrejado e teve que se refugiar na delegacia mais próxima. Acabou louco e teve de ser internado em um asilo.

            Os moradores do local onde morrera Annie montaram um negócio lucrativo. Eles cobravam de curiosos que quisessem ver o pátio onde ocorrera o crime.

            As teorias surgidas na época dão uma visão da forma como a polícia estava perdida. Um fotógrafo propôs que se fotografasse os olhos das vítimas, pois, segundo ele, a retina teria guardado a imagem do assassino. O método foi tentado, sem sucesso.

            Nisso a imprensa começou a receber cartas do suposto assassino. A mais famosa dela era assinada por Jack, o estripador. A carta dizia que ele não iria parar de matar prostitutas até ser pego e prometia enviar uma orelha da próxima vítima para a polícia.

            A próxima vítima seria Elizabeth Stride. Ela dizia que o marido havia morrido no desastre do Princesa Alice, junto com os nove filhos do casal. Ela só escapara porque subira numa corda da qual viu o caçula morrer nos braços do marido. A história verdadeira é que o marido trabalhava como carpinteiro de construção de navios. Ele tinha o dobro de sua idade e eles nunca tiveram filhos.

            A ultima pessoa a ver Liz com vida foi o policial William Smith, às 12:30 do domingo, dia 30 de setembro. Ela estava conversando com um homem jovem, bem barbeado e de aspecto respeitável, que usava sobretudo escuro e chapéu de feltro justo de copa baixa. Sob o braço, o homem trazia um embrulho de jornal de cerca de 20 centímetros.   

            Elizabeth Stride foi encontrada numa viela. Sua garganta tinha sido cortada, mas o corpo não mostrava outras mutilações. Possivelmente o assassino tinha sido interrompido enquanto estripava sua vítima, o que o levou a procurar uma outra vítima: Catherine Eddowes. Segundo o policial que a encontrou, ela tinha sido cortada “como um porco no mercado”. O assassino removera seu rim e sua orelha mostrava sinais de que houvera uma tentativa de arrancá-las.

            No muro, ao lado do cadáver, estava escrito: “Os judeus não serão acusados por nada”.  

            Na mesma manhã, a Agência de Notícias Central recebeu uma carta do suposto assassino: “Não estava blefando, chefe, quando dei-lhe a pista. Você ouvirá sobre o trabalho de Jack amanhã. Um evento duplo desta vez. A número um gritou um pouco. não pude acabar imediatamente. Não tive tempo de pegar as orelhas para a polícia”.

            Uma outra carta, enviada ao chefe do Comitê de Vigilância de Witechapel trazia um pedaço de rim e era endereçada “Do inferno”: “Senhor, enviei metade do rim que tirei de uma mulher preservando-o para você, o outro pedaço cozinhei e comi”.

            Em 9 de novembro Jack cometeu o que seu último assassinato. A vítima era Mary Kelly, uma ex-prostituta. O assassinato acontecera dentro de seu quarto alugado e tudo leva a crer que Jack teve muito tempo para trabalhar.

Mary foi assassinada com um corte profundo na garganta, que quase a decapitou. Seu nariz e orelha foram esfolados. O braço esquerdo foi quase cortado no ombro e as pernas foram esfoladas. Ela foi estripada e sua mão inserida no espaço da barriga. O fígado foi retirado e colocado sobre a coxa. Seus seios foram retirados e deixados sobre o criado mudo junto com o nariz, rins e coração. Tiras de carne foram dependuradas em pregos nas paredes. Ela estava grávida de três meses. O feto e seu útero foram levados pelo assassino.

            A polícia nunca conseguiu descobrir quem era Jack, embora tenham surgido diversas teorias ao longo dos anos, que incluem desde o príncipe Albert até William Gull, o médico da rainha.

            Alguns autores acreditam que Jack matou muito mais do que cinco mulheres. Entre as vítimas não-oficiais estariam Alice Mckenzie, morta em 17 de julho de 1889 e Frances Cole, morta em 13 de fevereiro de 1891.

            Jack, o estripador foi o primeiro assassino serial a se tornar famoso e a ganhar grande cobertura da imprensa – foi também o primeiro a utilizar a mídia como forma de aumentar sua popularidade, se acreditarmos que as cartas sejam verdadeiras.   

Sem comentários: