terça-feira, janeiro 11, 2022

O erotismo poético de Nelson Padrella



Quando comecei a escrever quadrinhos eróticos, ali pelo ano de 1992, eu não queria repetir os chavões de histórias desse tipo, que geralmente se limitavam a monossílabos, interjeições, onomatopeias e palavrões.

Então, minha grande inspiração foi o grande escritor curitibano Nelson Padrella, em especial uma história chamada “Lembrança”. Padrella era um dos principais roteiristas da editora Grafipar e nessa história em específico conseguiu com perfeição o tom poético que eu queria para meu texto.

Há uma curiosidade sobre essa história. Ao assinar a história, o desenhista Rodval Matias colocou o ano de 1986. Acontece que a Grafipar terminou em 1983. Nem o próprio Padrella consegiu explicar essa incoerência. É possível que o desenhista tivesse recebido esse roteiro na época da Grafipar, mas só o desenhou três anos depois do fim da editora. De fato, eu li essa história numa revista da Nova Sampa.

A HQ fala de um encontro de dois adolescentes num dia de chuva.

O rapaz está passando, todo molhado pelo portão de uma casa, quando a moça o chama. O tom é não só poético, mas saudosista, como se alguém mais velho estivesse se recordando de um passado longíncuo e idílico: “Era setembro ou outubro, não me lembro bem. Só lembro que depois de tanto tempo passei pelo portão da sua casa e você estava lá... e sem dizer palavras convidou-me com um gesto meigo. Não resisti e disse sim com os olhos. Saímos da chuva para dentro da sua casa que rescendia a aromas raros... cheiro de cravo e açúcares, algo de baunilha e infância...”.  

O texto aqui é sutil e cheio de insinuações. Ela faz um “gesto meigo” e ele “diz sim com os olhos”. Os aromas da casa remetem ao café que ela está preparando, mas também são simbólicos: o cravo insinua sexualidade e afrodisíaco (vale lembrar que um pouco antes fizera sucesso uma novela chamada Gabriela cravo e canela, que se destacava exatamente pela protagonista sensual interpretada por Sônia Braga). A baunilha, como o próprio texto diz, representa infância, ingenuidade, dando a entender que essa teria sido a primeira relação sexual do garoto.

Na página seguinte, uma revelação: “Estava me lembrando por causa da chuva, que cai igualzinho àquele dia”. E percebemos que a chuva ganha também significados inesperados: ela desperta no narrador a lembrança dessa primeira experiência sexual e de seu primeiro amor.

Uma outra curiosidade sobre essa história: na época em que foi desenhada o mercado já pedia histórias explícitas, de forma que o desenho de Rodval mostra explicitamente toda a relação sexual, em absoluto contraste com o texto intimista de Padrella. Mas mesmo assim, Rodval acerta ao fazer os dois protagonistas com um ar de adolescentes, mantendo, visualmente, a ingenuidade e saudosismo da trama.  

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