Quando escreveu as primeiras histórias do Homem-animal, Grant Morrison imaginava que estava produzindo uma minissérie em quatro capítulos, o que de fato tinha sido a encomenda. Mas quando os editores da DC viram o resultado dessas primeiras histórias, gostaram tanto que resolveram transformar o título numa série mensal e convidaram Morrison para continuar escrevendo.
Ocorre que o roteirista não tinha a menor ideia do que fazer
a seguir. Ele resolveu então, produzir uma história metalinguística focada no
Coiote do desenho do Papa-Léguas. “Enquanto escrevia, eu estava convencido que
aquilo era uma porcaria sem tamanho, impenetrável, e que seria o último prego
no caixão da minha carreira em ascensão nos gibis de super-heróis dos Estados
Unidos”.
A sequência de regeneração é impressionante. |
Surpreendentemente, essa história foi um sucesso estrondoso,
tornando-se a mais lembrada pelos fãs da fase de Morrison com o personagem.
Na trama, um caminhoneiro dá carona para uma garota que
pretende ir para Los Angeles com o sonho de ser atriz. Ele explica que passou
três anos nas ruas daquela cidade e ainda seria um viciado em heroína ou um
moribundo da ala de aidéticos, não fosse o amigo Billy. “Foi ele que me deu
essa cruz de prata maciça. Pendurei aqui e nunca mais tirei. Billy e o bom Deus
salvaram minha vida”.
Uma sequência de desenho animado mostrada de forma realista. |
À certa altura, os dois atropelam um lobo ou coiote. E aqui
temos uma impressioante sequência em que o desenho de Chas Truog e Doug
Hazlewood e o texto de Grant Morrison se encaixam perfeitamente. O coiote
começa a se regenerar em seis quadros horizontais. “Dor. Dor imensa. O
recém-ativado sistema nervoso subitamente congestionado de sinais frenéticos
parecer rede de telefone congestionada. A criatura se convulsiona gemendo”.
A história pula para um ano depois. O Homem-animal está
brigando com a mulher porque nesse meio tempo ele se tornou vegetariano e
decidiu simplesmente jogar no lixo toda a carne da geladeira, sem consultar a
esposa. Para espraiar, ele decide sair voando.
A sequência muda de novo para o deserto. O caminhoneiro do início está colocando uma armadilha. O texto conta que duas semanas depois do atropelamento, o amigo Billy morreu num acidente, a mãe morreu de câncer, ele perdeu o emprego e um recorte de jornal mostra o que aconteceu com a garota do início da história, a que sonhava ser atriz. O título diz: “Prostituta trucidada”.
O desenho muda para o estilo de animação. |
Ele se convece de que tudo isso é culpa do ser que ele
atropelou na estrada e resolve matá-lo. O que vemos a seguir é uma daquelas
famosas cenas de desenho animado, mas numa versão realista, com o personagem
levando um tiro, caindo no penhasco (“Por um momento, os pés pedalam no ar.
Então ele cai”). Já caído, quando ele começa a se regenerar, sombras crescem no
solo e uma pedra enorme cai sobre ele.
Quando o Homem-animal chega ao local, o coiote lhe entrega
uma folha de papel que conta sua história e aqui o traço muda para algo no
estilo desenho animado. O que é
mostrado é um mundo em que animal ataca animal, num eterno ciclo de violência.
Um dia Ardiloso disse chega e foi à presença de Deus... e Deus é mostrado como
um desenhista de desenho animado. Ele pede o fim do eterno ciclo de violência.
O deus-desenhista decide mandar o coiote para o inferno acima (o nosso mundo):
“Enquanto você viver e carregar o sofrimento do mundo, manterei a paz entre os
animais. Tal é meu julgamento”.
Há um leve toque de humor triste quando o Homem-animal diz:
“Mas eu... não sei ler isso”.
O evangelho do Coiote conseguia misturar metalinguagem com
uma história tocante, sensível e uma leve crítica social a respeito da
violência dos desenhos animados, ao mesmo tempo em que era uma grande homenagem
às animações da Warner (dona da DC Comics).
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