Um dos aspectos interessantes da coleção clássica Marvel é o fato de muitas vezes eles reproduzirem textos da época, que permitem compreender melhor as estratégias editoriais – o que ainda é complementado pelos excelentes estudiosos italianos que escrevem os artigos de apoio.
O volume 1, dedicado ao Homem-aranha, é um exemplo disso. No texto de introdução, Massimiliano Brighel explica que Martin Goodman não havia gostado do herói aracnídeo e Stan Lee usara uma estratégia para convencê-lo a publicar o personagem. A revista Amazing Adult Fantasy ia ser cancelada no número 15 e Lee sugeriu publicar uma história do novo herói naquele último número.
A capa, de autoria de Jack Kirby, mostra o aracnídeo se balançando numa teia, segurando um malfeitor e dizendo: “Embora o mundo possa zombar de Peter Parker, o adolescente tímido, em breve todos ficarão maravilhados com o incrível poder do Homem-aranha!”. Na mesma capa havia uma caixa com o texto: “Ainda nesta edição: uma mensagem importante do editor para você... sobre a nova revista!”.
A capa com a primeira aparição do personagem foi desenhada por Jack Kirby. |
A capa é um ótimo exemplo de como Stan Lee era um gênio da auto-promoção. O diálogo instiga o leitor a querer conhecer o personagem e a chamada o leva a procurar o tal texto do editor. E o que dizia o texto do editor? Esse texto está presente na edição da Panini e diz mais ou menos o seguinte: que a revista iria perder a palavra Adult porque alguns leitores se sentima constrangidos de comprar uma revista que era para adultos, ia mudar o formato, de magazine para comics e, finalmente, a malandragem de Lee: “Como você verá, apresentamos um dos personagens mais incomuns de todos os tempos, o HOMEM-ARANHA, que continuará a aparecer todos os meses em AMAZING. Talvez se suas cartas exigirem, podemos estender suas histórias, ou incluir DUAS aventuras do Homem-aranha em cada edição”.
O texto é uma tremenda malandragem porque Lee sabia que a revista ia ser cancelada, então sabia que o herói não continuaria a aparecer nela. Mas estimulava os leitores para escreverem cartas para a redação. Essas cartas seriam o seu argumento para convencencer Goodman a continuar publicando a revista, mas agora alterada, tendo apenas histórias do heróis aracnídeo.
Mas toda essa estratégia não daria certo se o material não tivesse qualidade. E o que vemos é uma história em quadrinhos realmente empolgante, muito bem narrada, um exemplo de como contar uma boa história em apenas 11 páginas.
A HQ inicia com uma splash page de Peter Parker olhando, desconsolado para um grupo, que caçoa dele. Na parede, sua sombra emula uma aranha. Aquela primeira página já cria uma identificação imediata. As pessoas a tendem a se identificarem e a simpatizarem com personagens vítimas de injustiças.
Segue-se uma sequência em que vemos que Peter Parker vive com os tios, pelos quais sente enorme carinho e mais uma vez ele sendo desprezado pelos amigos porque prefere ir para uma feira de ciências a comparecer a uma festa.
Mais do que uma vítima, Peter Parker é um bom rapaz, querido pelos professores e pelos tios. É também muito inteligente, e possivelmente ganhará uma bolsa de estudos.
Em seguida vemos toda a sequencia célebre: o garoto sendo picado pela aranha, descobrindo que ganhou poderes, aproveitando os poderes para ganhar dinheiro e finalmente descobrindo que grandes poderes trazem grandes responsabilidades, quando o tio morre por culpa dele, que não parou um ladrão quando poderia fazê-lo. Tudo isso em pouquíssimas páginas!
Uma curiosidade é que, ao contrário do que a maioria das pessoas imagina, naquela primeira história, o Tio Ben jamais falou a famos frase sobre poderes e responsabilidades. Ela aparece apenas na caixa de texto final da história.
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