quinta-feira, julho 11, 2024

Casamento

 


Américo só percebeu que se metera numa enrascada quando já estava casado. A esposa era uma megera. Tratava-o por palerma, idiota, desengonçado... Certo dia, como ele encontrasse dificuldade em consertar um chuveiro, a mulher acrescentou um novo adjetivo á coleção:
            - Nem pra isso você serve, seu imprestável!?!
            Imprestável. Parece que gostou do termo, pois passou a usá-lo em todas as frases dirigidas ao marido:
            - Venha jantar, seu imprestável.... faça a barba, imprestável...
            Com o tempo, Américo foi abandonando todos os seus prazeres. Deixou de comprar livros (ela sempre reclamava dos gastos com esse tipo de bobagem...), deixou de visitar os amigos e, por fim, desistiu até de assistir seus programas prediletos na TV. Isso porque, sempre que estava assistindo algo, ela o chamava com o pretexto de trocar uma lâmpada, enxugar a louça do jantar ou fazer qualquer outros desses serviços domésticos.
            - Você lavou a louça e não enxugou, seu imprestável! - arrematava ela, como agradecimento.
            À medida em que o humor da esposa ia piorando, também ia aumentando seu sedentarismo. Até o ponto em que os vizinhos só tomavam conhecimento dela através dos gritos histéricos com que ela recebia o marido todas as noites...
            Depois de muitos anos trabalhando sempre no mesmo serviço burocrático, chegando em casa sempre à mesma hora, Américo teve, finalmente, uma atitude que se poderia chamar de autônoma. Chegou em casa com um belo aparelho de som. A esposa que já o esperava pronta para reclamar do atraso, não se conteve:
            - Para que isso, seu imprestável? Não sabe que eu não gosto de música?!?
            E desatou a reclamar por duas horas inteiras. Américo gravou tudo. E gravou também a reprimenda do dia seguinte, e do outro. Quando achou que já tinha o suficiente, esganou a esposa e enterrou o corpo no porão.
            A partir de então chegava em casa toda a noite e ligava o toca-fitas. Depois ligava a TV, ou pegava um livro, e se divertia pelo resto da noite. Os vizinhos, acostumados a só saberem da mulher pelos seus tremendos gritos, nunca desconfiaram de nada. Pelo contrário. De vez em quando algum vizinho pensava consigo:
            - Coitado do Seu Américo. Agüenta poucas e boas da sua mulher. Se fosse eu, já a tinha matado...


Obs: Este texto foi o vencendor do I concurso de crônicas e contos da editora Geração. 

Sem comentários: