quarta-feira, setembro 04, 2024

O Gonzo jornalismo

 


 

O nome mais importante do gonzo jornalismo é o norte-americano Hunter S. Thompson.

Na década de 70 ele foi mandado pela revista Rolling Stone para cobrir uma corrida de motos. Gastou todo o dinheiro que haviam lhe dado com drogas, carros, fez contas em hotéis e saiu sem pagar, arranjou problemas com a polícia e, para piorar, só chegou na corrida de motos quando esta já havia acabado. Ao invés de ser demitido, virou celebridade e acabou criando uma nova forma de fazer jornalismo: o gonzo. O batismo foi feito pelo repórter Bill Cardoso. Ao ver os textos de Hunter, ele comentou: Não sei o que está fazendo, mas você mudou tudo. Isso está totalmente gonzo.
Hunter continuou produzindo reportagens, sempre sob o lema: Quando as coisas ficam bizarras, os bizarros viram profissionais.
O gonzo, por suas próprias características, não é uma fórmula que possa ser aplicada a um texto. É muito mais uma atitude diante do mundo e do jornalismo.
É possível, no entanto, perceber algumas características no gonzo jornalismo.
A primeira delas é um ataque radical à teoria da objetividade jornalística.
Para os adeptos do gonzo, o discurso da objetividade quer criar confiança, convencer o leitor de que é isenta, livre de desejos, ideologias, medos e interesses de quem escreve.
Ou seja, a objetividade é um discurso de mascaramento da ideologia que permeia o jornalismo. Não interessa ao gonzo se essa ideologia é neo-liberal ou marxista. O importante é o princípio da objetividade serve para esconder o fato de que nenhuma linguagem é neutra.
O gonzo tira essa máscara e daí surge sua primeira característica formal: os textos são sempre escritos em primeira pessoa. O objetivo não é apenas narrar fatos, mas relatar a experiência de um determinado indivíduo com eles.
O fator de haver um mediador entre a experiência e o leitor é destacada, e não escondida.
O gonzo também quer ir contra a imagem que os jornalistas fazem de si mesmos, de sérios e respeitáveis (exemplo disso é o âncora da Record, Boris Casoy).
Tal imagem contribui para transformar o jornalismo em discurso autorizado. O jornal é a expressão da verdade, e não de uma verdade.
Em contraste, os gonzo-jornalistas não pretendem ser nem sérios nem respeitáveis.
A carta de princípios da irmandade Rauol Duke (pseudônimo utilizado por Hunter para evitar problemas com a polícia) nos diz que o repórter deve se envolver na história e alterar ao máximo os acontecimentos dentro da media do Impossível, de forma a transformá-la não em um mero RELATO do evento, mas sim em uma história ENGRAÇADA e CÁUSTICA.
Entretanto, a ficção pura e simples não serve ao gonzo. Ainda segundo a mesma carta, o conteúdo dos textos deve ser JORNALÍSTICO, ou seja: um fato precisa estar acontecendo necessariamente.
Para fazer jornalismo gonzo não é necessário procurar fatos bizarros. Aliás, o ideal é abordar fatos normais, banais, sob ponto de vista bizarro e pessoal.
Exemplos de jornalismo gonzo estão se tornando cada vez mais freqüentes na imprensa brasileira. Arthur Veríssimo, da revista Trip, foi o primeiro a celebrizar esse estilo no Brasil. Em uma de suas matérias mais antológicas, ele passou um dia como animador de festas infantis.
A revista Zero, lançada pelas editora Pool e Lester, também traz características gonzo.
O número de estréia trouxe uma matéria sobre as deusas-vivas do Nepal. O título e subtítulo deixam claro o distanciamento que a procura manter do jornalismo convencional: É DURO SER DEUSA - No Nepal, o dom divino já nasce com data de expiração. Luiz Cesar Pimentel passou uma tarde na casa de uma ex-deusa viva e mostra a realidade casca-grossa das divindades locais.
O texto é em primeira pessoa e não esconde o ponto de vista do repórter:
"Por mais que eu tenha me esforçado no parágrafo anterior para dar a real dimensão da discrepância de uma deusa dormir em um sofá-cama e possuir um vira-lata (que parece uma mistura de poodle com nada) como campainha, a cena para quem passa um período no país não é tão assombroso assim. No Nepal, todas as situações têm uma forte tendência ou a não funcionar ou a funcionar de um jeito totalmente estapafúrdio. E, como você deve imaginar, dá tudo certo no final. Ou quase".
Até mesmo a grande imprensa tem se rendido à bizarrice do jornalismo gonzo, embora de maneira mais comportada.
É na, até pouco tempo sisuda, revista Superinteressante que encontramos um exemplo típico de jornalismo gonzo.
Na matéria Puro Rock’n’roll, publicada na Superinteressante, número 8, ano 15 de agosto de 2001, o repórter Dagomir Marquezi se disfarçou de saxofonista do grupo Jota Quest e participou de show em Mogi das Cruzes, interior de São Paulo. Como uma típica matéria gonzo, o jornalista também é personagem e o texto é em primeira pessoa:
"Não bastava tocar: um trio de metais que se preze também dança. Lembrava-me dos muitos shows de James Brown que assistira. Um passo para a direita, junta os pés. Um passo para a esquerda, junta os pés. Eu operava a coreografia e meus colegas de metais não se agüentavam de vontade de rir da minha picaretagem artística. O baixista PJ e o tecladista Márcio Buzelin, entre risadas disfarçadas, também faziam sinais de que estava me saindo bem".


Para ir além
CLARENC,Claudio A.. . Truman Capote: A sangre fría.
Disponível em: http://orbita.starmedia.com/~claudio157/Capote.htm
Truman Capote. In: Instituto Gutemberg.
Disponível em: http://www.igutenberg.org/newjorna.html
Bizarrice profissional: Ainda não entendeu o que é jornalismo gonzo?
Disponível em: http://www.eduf.com.br/gonzo.php?Tid=92
Desaforismos gonzológicos: Perguntas que você não teve a bobagem de fazer.
Disponível em: http://www.eduf.com.br/gonzo.php?Tid=37.
Ensaios de gonzologia: A ilusão de escrever em primeira pessoa.
Disponível em: http://www.eduf.com.br/gonzo.php?Tid=36
Gonzologia: Gonzo pode dar mais ao mundo do que somente jornalismo?
Disponível em: http://www.eduf.com.br/gonzo.php?Tid=35
O MANIFESTO GONZO.
Disponível em: http://planeta.terra.com.br/arte/familiadacoisa/IRD/filo.html

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