Quando pensa em ficção científica, a grande maioria das pessoas costuma lembrar em grandes batalhas espaciais e tramas repletas de ação. Existem obras, no entanto, que se baseiam principalmente nas questões lógicas e científicas relacionadas ao desenvolvimento tecnológico. São obras que têm como principal objetivo desafiar o leitor, estimular sua imaginação e raciocínio. O fim da eternidade, de Isaac Asimov (lançado no Brasil pela editora Aleph), é um ótimo exemplo disso.
Publicado originalmente em 1955, O fim da eternidade trata de viagens no tempo. Mas o enfoque é totalmente original. Imagine se o ser humano, ao descobrir as viagens temporais, não se contentasse em vagar para o passado ou futuro, mas se dedicasse a mudar a história. Pequenas modificações poderiam criar novas realidades, menos danosas ao ser humano. Para isso, é fundada toda uma sociedade de viajantes do tempo, centrada nos observadores, técnicos e computadores (a expressão aqui não é no sentido de pessoas que coordenam todo o processo de mudança da realidade).
Ao contrário do que a maioria das pessoas poderia imaginar, as mudanças na realidade têm como base pequenas, sutis modificações.
Um exemplo:
“Ele havia alterado a realidade. Havia adulterado um mecanismo (a embreagem de um carro) por alguns minutos do século 223 e, como resultado, um jovem não conseguiu assistir a uma palestra sobre mecânica à qual deveria ter comparecido. Nunca estudou engenharia solar e, em consequência, um invento perfeitamente simples teve seu desenvolvimento adiado por dez anos cruciais. Uma guerra no 224, espantosamente, sumiu da realidade como resultado”.
Asimov, muito à frente de seu tempo, antecipa alguns conceitos fundamentais da teoria do caos, como o efeito borboleta, também chamada de dependência sensível das condições iniciais. Esse conceito costuma ser exemplificado com a frase: uma borboleta batendo suas asas na mulhara da China pode provocar uma tempestade em Nova York.
O interessante é que esse fenômeno só foi observado pela primeira vez pelo metereologista Edward Lorenz, em 1963, e só se tornaria popular com o coletivo de sistemas dinâmicos, na década de 1970. Ou seja: Asimov antecipa, na ficção, o que a ciência só viria a observar de fato, quase dez anos depois. Mais, ele lança a ideia, hoje comum nos meios científicos, de que a realidade é feita de diversas bifurcações, pequenas escolhas. Eu vou para o trabalho usando a rua da esquerda ou da direita? O resultado dessa escolha pode provocar grandes alterações na realidade. A cada bifurcação, é como se uma nova realidade estivesse sendo escolhida. Então, o real seria resultado de uma quantidade infinita de bifurcações e, portanto, de uma infinidade de realidades paralelas.
O fim da eternidade, é, portanto, um livro sobre lógica e sobre como o desenvolvimento tecnológico afeta a realidade. O conflito aqui não está na ação, no embate de punhos, mas no embate de ideias, teorias e conceitos. Asimov se aventura até mesmo na teoria da evolução, ao postular que as constantes mudanças na realidade, ao criarem as melhores condições para a humanidade, emperrariam a evolução do ser humano, uma vez que a evolução decorre do ajustamento às situações ambientais desfavoráveis.
Surpreendentemente, o autor consegue transformar essa trama puramente cerebral em um verdadeiro triller de suspense. Passadas as primeiras páginas, dedicadas quase que exclusivamente à descrição da eternidade e seus agentes, o leitor logo se vê em uma trama complexa cheia de reviravoltas.
O fim da eternidade é um daqueles livros que exercitam o cérebro.
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